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lhe recordar que existe um livro chamado codigo administrativo. A varinha de condão é o codigo administrativo que s. ex.ª deve conhecer, pelo qual as camaras municipaes têem todos os meios de realisar os recursos de que carecem para as despezas necessarias.

Depois s. ex.ª disse que = se era mau com relação aos hospitaes e misericordias o projecto em discussão, era mau com relação a todos os estabelecimentos; que isto era uma questão de fé e confiança no futuro; quem tinha fé e confiança votava o projecto; quem não tinha, rejeitava-o =.

N'esta parte respondeu s. ex.ª com seriedade, deu uma rasão que podia dar-se.

Eu aceito completamento a questão n'este terreno.

Fé e confiança no futuro!

Eu tambem, como já aqui disse, faço votos pela prosperidade do meu paiz; supponho que a prosperidade do paiz ha de ser sempre crescente, desejo isso do coração; porém não tenho fé em que ella exista sempre, nenhum homem a póde ter, porque é impossivel que a tenha; o que póde ter é esperança e desejo; mas fé e crença inabalavel de que o que hoje é ha de ser amanha, ha de ser d'aqui a dois mezes, a um anno, a um seculo, não a tem ninguem, não a póde ter; nenhum dos que me ouve póde dizer — tenho eu.

Os accidents que passam sobre as sociedades são tão variados, dependem tão pouco da previsão humana, que não ha ninguem no mundo que diga que o credito que hoje existe ha de existir ámanhã, que o papel que hoje vale dez ha de ámanhã valer o mesmo.

Disse o meu illustre collega, que se senta d'aquelle lado da camara, cujos talentos todos nós temos applaudido e saudado como um novo ornamento d'esta casa, como uma nova esperança para a patria, que = era quasi um crime levantar aqui uma voz do desalento a respeito do credito nacional! =

Entendo que a minha missão aqui é a verdade; é dizer o que tenho na consciencia para o bem do paiz, e mesmo apontar as feridas onde ellas estiverem, para que os poderes publicos acudam com o remedio; não é cantar um hymno permanente á prosperidade publica, é apontar as causas que podem fazer decair essa prosperidade; entendo que tenho obrigação de fallar em favor do credito publico, mas que não tenho menos obrigação de apontar os desvarios e os abusos que se opponham ao desenvolvimento do mesmo credito.

Portanto entendo que não commetto uma falta para com o mandato que tenho aqui; entendo que cumpro o meu dever quando digo, com relação ao futuro longinquo, que tenho falta de crença, como o hão de ter todos os homens que conhecem a historia.

Parece-me que ha uma inversão de idéas, fallando-se do credito como grande alavanca economica do nosso seculo, apresentando-o como a origem da prosperidade publica, quando elle me parece que não é senão resultado d'essa prosperidade. O credito ajuda e auxilia o desenvolvimento da riqueza nacional, mas como não cria capitães o sómente augmenta a intensidade e a acção dos capitães já existentes, é mais effeito do que causa de prosperidade publica. Se um paiz estiver em boas condições administrativas e economicas, tem credito. Se estiver em condições oppostas, não o tem.

O credito é uma cousa excellente, mas tem limites. Reconhecem-n'o todos os economistas, e recommendam todos que é preciso não abusar d'elle; o credito tem um limite natural, é aquelle que aggrava o tributo até alem do ponto onde o tributo póde ir. N'esta questão ha sempre, como dizia Frederico Bastiat, o que se vê e o que se não vê; o que se vê é a facilidade de levar á praça vim pedaço de papel e no dia seguinte por meio d'esse pedaço de papel fazer estradas, canaes, caminhos de ferro; mas o que se não vê são as lagrimas do pobre, os vexames que soffre o contribuinte, vexames de toda a especie, que são as consequencias do tributo aggravado que vem atrás da emissão.

Desenganemo-nos. Por mais que se não falle em novos tributos, todas as vezes que o governo é auctorisado a emittir titulos de divida publica, o governo ha de lançar outros tantos tributos sobre o paiz, porque a emissão de um pouco de papel é a derrama de um tributo. E isto ha de necessariamente ser assim, a não se suppor que se vão pagando os juros de novas emissões com outras novas; mas isto sabe a camara que é o caminho de uma cousa, cujo nome eu não quero pronunciar n'esta casa.

Portanto é preciso apreciar o credito tal como elle é economicamente. É preciso não levantar um hymno ao credito, e é preciso reconhecer que elle, assim como é um grande beneficio, póde ser tambem uma grande causa para o mal e para a decadencia.

Este projecto apresenta-se como um projecto altamente economico, como um projecto unicamente de liberdade da terra, como um projecto de prosperidade agricola. O projecto póde ser tudo isto, póde dar todos estes resultados, mas o que se quer com este projecto vê-se claramente.

A este projecto até o nome se inverteu. O projecto não é de desamortisação, é um projecto de amortisação. O governo não tem em vista principalmente desamortisar estes bens, o governo occupa-se com outra idéa. Amortisar o papel é a idéa mãe d'este projecto.

Ora, será uma cousa tão desejavel amortisar o papel? Não será fazer saír o credito das suas leis naturaes? Não será inverter todos os bons principios economicos o amortisar a circulação dos titulos de divida publica? Parece-me que sim. Isto, que a muitos se afigura como uma grande cousa, a mim afigura-se-me como um grande perigo, embora longinquo.

Amortisar a divida publica é retirar do mercado uma porção de papel que ali andava em giro livremente, e cujo preço era debatido entre o vendedor e o comprador. Com a retirada de uma grande porção de papel, a divida publica, que é muito grande, afigura-se mais pequena no mercado, e o governo não é advertido tanto a tempo de que o preço do seu papel começa a baixar, e de que o credito começa a declinar.

O papel do governo, como valor movel, como uma letra de qualquer individuo, ha de ter o valor que a liberdade lho der. Esta liberdade commercial, este livre debate entre o vendedor e o comprador da inscripção é que podem dar o verdadeiro valor ao papel. São principios triviaes de economia politica.

Mas, quando o governo pega n'uma porção de titulos de divida publica e a dá ao possuidor, que a ha de reter necessariamente fóra do giro, fica limitada a porção que anda em circulação e adquire, como limitado no mercado, um valor fictício e não real; conserva uma certa altura de cotação no mercado, não porque a divida publica seja pequena, mas porque os seus titulos não podem concorrer todos ao mesmo mercado. A abundancia de titulos em circulação deixa do ser o indicativo natural da grandeza da divida publica, e o signal para os povos e governos se acautelarem.

Quando o papel é livre, quando gira todo na praça, o mais leve receio de abundancia de papel adverte o publico; e os governos não hão de ser tão faceis, como são, em vir pedir auctorisação para emissões continuadas.

Portanto não posso adoptar a idéa do projecto, nem applaudi-lo como pensamento fiscal.

Vejamos outro lado da questão:

Que quer dizer dotar com valores moveis estabelecimentos destinados a serem eternos? Que quer dizer dotar com papel, cujo valor depende de mil oscillações, de mil circumstancias, estabelecimentos cuja duração todos nós fazemos votos para que seja eterna?

Diga-se o que se disser do credito publico, diga-se o que se disser de probabilidades de paz, diga-se o que se disser em favor desta medida, o que se não póde contestar é que as misericordias e os hospitaes tinham os seus rendimentos muito mais bem garantidos nas propriedades do que em papel.

Isto não quer dizer que não adopto em principio a desamortisação. Votei a desamortisação dos bens das freiras, porque não tinha estes inconvenientes; votei a desvinculação da terra, que foi uma grande desamortisação; voto algumas das disposições que vem n'este projecto, mas não voto outras, e uma excepção não destroe a regra. Uma excepção, quando é fundada nos bons principios de utilidade publica, confirma a regra, não a destroe.

As misericordias e os hospitaes, creados durante seculos por nossos paes á custa de esmolas particulares, chegaram até nós como estão, porque estas leis que se fazem hoje não se tinham promulgado ha alguns seculos. Se ellas se tivessem promulgado, estes estabelecimentos teriam deixado de existir.

Portanto entendo que é de summa conveniencia fazer uma excepção para estes estabelecimentos.

E não tenhamos tanto medo das excepções. Pois não fizemos uma para a casa de Bragança, excepção que eu approvei? Pois não fizemos uma excepção para uma poderosa companhia que ahi está, e que tem muitos centenares de contos em propriedades? Pois o governo não propõe mesmo excepções n'este projecto que apresenta aqui?

E alguma d'estas excepções será mais sagrada do que aquella que eu proponho? Não o creio, e tenho ainda uma certa esperança do que esta disposição não ha de chegar a ser lei do estado. A discussão está em meio, e por isso posso dize-lo ainda, porque depois da lei ser votada, se o chegar a ser, hei de respeita-la.

Hoje posso dizer, visto que a lei está ainda em discussão, que tenho ainda esperança de que esta parto do projecto não ha de chegar a ser lei.

Tem-se apresentado aqui um argumento, que não desejo deixar passar; e é: «Voto a inversão dos bens das corporações de mão morta em inscripções sem receio de faltar o juro, porque se chegar a faltar para pagar o juro d'essas inscripções ás misericordias e hospitaes morre o paiz, falta tudo, é um segundo diluvio universal, não se salva ninguém».

Eu direi — salve-se o direito de propriedade, salve-se a terra, pois se salvou de tantos cataclysmos por que temos passado.

O credito publico de alguns paizes e seu estado economico ainda hoje é lamentavel, entretanto não morrem, nem morre tudo. A Austria ainda não morreu, a Turquia tambem ainda não morreu: paizes estes pessimamente administrados, economicamente fallando. Apesar d'isso ainda não morreram, lá estão, e os proprietarios das terras atravessaram todas as dificuldades, como têem atravessado as propriedades das misericordias e hospitaes durante as epochas das grandes revoluções que temos tido. Nos nossos dias nós temos visto, por uma pennada de tinta, por um simples decreto, reduzir os juros dos titulos de divida publica. Temos assistido a atrazos e a pontos nos pagamentos do estado, mas os bens das misericordias e hospitaes têem ficado intactos.

Ha ainda uma rasão capital que me leva a insistir ainda nas minhas idéas a respeito d'este projecto. Todos sabem a depreciação do oiro, e que os generos vão de anno para anno subindo de valor, e quem tinha ha vinte annos um certo rendimento em dinheiro, e que era n'esse tempo abastado, está hoje pobre, e quem era rico está apenas abastado; porque os generos têem subido a um preço bastante elevado; e ao passo que quem tinha os seus rendimentos em generos tem hoje o que então tinha, porque se compra todos os objectos de que precisa por um preço mais caro, tambem mais caro vende todos os generos de suas rendas, dando-se assim uma verdadeira compensação.

Ora os hospitaes e misericordias têem, pela maior parte, os seus rendimentos em generos, os seus fóros e rendas são em generos. Supponhamos que este projecto tinha vindo ha vinte e cinco ou trinta annos, quando um alqueire de trigo custava na minha provincia 240 e 320 réis, e que tinham sido convertidos em juro de inscripções aquelles rendimentos, tomando por base o alqueire a 300 réis; hoje que está a 600 réis, quanto não teriam perdido estes estabelecimentos? Isto que se daria de ha vinte annos para hoje, poderá dar-se de hoje para vinte annos. Ora a depreciação do oiro parece-me que continuará é a subida do preço dos generos ha do continuar. Quando não tivesse outra rasão bastava-me esta para deixar estes estabelecimentos na posse dos bens que tem, e não os obrigaria á conversão d'elles em inscripções.

Desejo cansar pouco a attenção da camara, mas não posso concluir sem protestar contra um argumento que se tem apresentado. Tem-se sempre fallado n'esta materia como credo do partido progressista, e diz-se «quem impugna o projecto n'uma virgula não é progressista, está com o sr. Pinto Coelho e adopta as suas doutrinas». Ora demos o seu a seu dono. Eu sou progressista e tenho sido progressista toda a minha vida, desejo continuar a sê lo; mas não entendo que o partido progressista pretenda nobilitar-se com a iniciativa d'este projecto. O principio da desamortisação é da velha monarchia. Todos que conhecem as nossas leis sabem quantos esforços se praticaram no tempo da velha monarchia para se chegar á desamortisação possivel dos bens amortisados. E nem se diga que a velha monarchia tinha os vinculos que estavam em opposição com esta idéa, porque os vinculos não eram da velha monarchia, porque o principio vincular não era um principio monarchico, era um principio feudal, e a monarchia velha lutou contra os vinculos como nós lutámos. Ella lutava em nome da igualdade perante o absolutismo e o poder real, nós em nome da igualdade perante a lei, mas lutámos ambos.

Portanto a iniciativa d'este projecto é da velha monarchia e não do partido progressista; e, não se diga que não é progressista aquelle que não adopta sem alteração de uma só virgula este projecto.

Eu adopto o principio da desamortisação, conformo-me muito n'essa parte com essa iniciativa da velha monarchia, que é boa, porque temos algumas cousas boas dos tempos que já lá vão. Não ha systema nenhum n'este mundo, ainda que mau, que nos não legasse alguma cousa boa; pelo contrario, as civilisações vão legando todas umas ás outras alguma cousa boa que se vae tomando para base da nova civilisação, e nós recebemos esta herança da velha monarchia como uma das cousas boas que nos legou.

Mas não se diga que esta é a bandeira do partido progressista, e que quem não adopta este projecto sem alterações não é progressista. Protesto contra esta asserção, e espero em Deus que hei de continuar a ser progressista.

Estou cansado, e ainda mais a camara de me ouvir.

Mando para a mesa a minha proposta.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que no artigo 6.° sejam eliminadas as palavras = casas de misericordias e hospitaes. = Aragão Mascarenhas.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Parece-me que não é necessario, na altura em que está esta discussão e depois do que se tem dito sobre a materia, responder extensamente ao que acaba de dizer o illustre deputado, que não fez mais que repetir aquillo que já tinha sido dito e refutado (apoiados). Além d'isso não podemos eternisar a discussão na generalidade que já se deu por linda (apoiados). O que é verdade é que toda a camara, ou pelo menos uma numerosa maioria d'esta camara, cento e tantos votos contra oito pronunciaram-se pelo principio da lei (apoiados). Este principio está vencido, é escusado estar a insistir na ordem dos argumentos que serviram para o combater (apoiados), porque a camara ouviu o pró e o contra, estudou a questão e decidiu-a; é portanto inutil estar a perder o tempo renovando uma argumentação já refutada e já rejeitada pela votação da camara (apoiados).

Agora senti que o illustre deputado escolhesse o momento de não estar presente o meu nobre collega, o sr. presidente do conselho, para lhe dirigir algumas censuras acres, que elle de certo não merece (apoiados). Mas emfim, elle está desde certo tempo habituado ás amabilidades do nobre deputado, e então de certo lhe não fará muita impressão a noticia de que o aggrediu.

Não posso porém deixar de dizer que me parece que o illustre deputado attribuiu ao nobre presidente do conselho idéas que de certo elle não emittiu, porque não podia dizer que = era desnecessario estudar a questão da administração dos hospitaes e misericordias =. O que s. ex.ª disse é que = para se conhecer se o principio da desamortisação é util, era escusado ter estudado a administração especial dos hospitaes e misericordias, porque era um principio aceito por todos que a mão morta não é aquella que administra melhor = (apoiados).

Repito, o que o sr. presidente do conselho podia significar é que, para se conhecer o que este principio tinha de racional, era escusado descer ao estudo especial d'estas corporações, mas nunca o que o illustre deputado lhe quiz attribuir.

Parece-me pois que o illustre deputado foi um pouco acre e violento no modo por que se dirigiu ao sr. presidente do conselho, que de certo todos reputam um homem muito sensato, dotado de juizo (apoiados), muito serio e muito grave (muitos apoiados), e por consequencia todas as accusações que tendam a negar-lhe estas qualidades, que lhe são