O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1158 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 41

O Sr. Vital Moreira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o Partido Socialista mais uma vez, coerentemente, defendeu que este capítulo das liberdades não deve misturar-se com direitos, pela simples razão que não se devem misturar coisas de qualidade estrutural diferente.
O PPD por vezes esquece-se disto. Esquece-se que a posição que manteve com alguma coerência é a da concepção liberal-burguesa das liberdades, e, portanto, não há que misturar liberdades com direitos.
Sr. Deputado José Seabra, devo prestar-lhe exactamente aqui o meu reconhecimento, por, certamente, descuidada e inconscientemente, ter produzido, ao fim e ao cabo, uma parte a este propósito da liberdade de aprender e do direito de aprender, uma parte da argumentação que, nós aqui, persistentemente também, sem qualquer êxito, temos vindo a produzir, se por o facto de vir da sua parte obtiver êxito, nós não deixaremos de aprovar, só por o facto de vir de quem vem. Aprovaremos, porque achamos que a posição está correcta. Simplesmente, porque achamos que a liberdade de aprender não implica só por si o direito de aprender, achamos que a liberdade de expressão não dá desde logo o direito às massas trabalhadoras de se exprimirem; achamos que a liberdade de reunião não dá desde logo o direito de se reunirem; achamos que a liberdade de manifestação não dá desde logo o direito de se manifestarem; achamos que, em geral, todas as liberdades, só por si, não dão àqueles, para quem não basta ser titular dessas liberdades, a possibilidade de as exercerem.
Estamos de acordo, apenas chamamos a atenção para a incoerência.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao consagrarmos na Constituição este princípio genérico da garantia da « liberdade de aprender e ensinar» não posso deixar de, como professor, convidar todos os Srs. Deputados a uma reflexão sobre tão importante matéria. .É de facto apenas um convite à reflexão sem quaisquer pretensões de originalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Formulo perante VV. Ex.as a pergunta ou perguntas que a mim mesmo me tenho posto centenas de vezes ao deparar com alunos, em diferentes idades e graus de ensino, aparentemente menos dotados. Eis a pergunta: A que se deve o desfasamento de tais alunos?
Vou ocupar-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sumariamente de duas causas que a minha experiência me tem permitido registar.
A primeira é a pobreza material e cultural do meio sócio-económico de onde o aluno é proveniente. A criança que não teve condições materiais e culturais para o seu desabrochar parte atrasada para o amadurecimento e realização humana. Ora, a sociedade capitalista, para além de profundamente injusta, tem ainda processos requintados para tranquilizar as consciências. Infelizmente, muitos professores, mesmo alguns dos que se reclamam de revolucionários, estão alheios ao problema. É que, partindo-se do princípio simplista de que basta garantir a cada um ir até onde lho permitam as suas faculdades, escamoteia-se o problema fundamental, que é o da desigualdade de faculdades, proveniente, em grande parte, das diferenças económicas, sociais, culturais e outras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O programa do Partido Socialista é bem claro neste ponto. Depois de enunciar alguns princípios ideológicos dá educação e da cultura, acentua (passo a citar): «Tendo em conta que um dos objectivos fundamentais de uma revolução socialista é a formação de uma sociedade sem classes, entende o Partido Socialista que, para uma autêntica democratização do ensino, é necessário alterar todo o condicionalismo sócia-económico e sócio-cultural do País» (fim de citação).
Num País como o nosso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em que as desigualdades sociais são gritantes, é baixíssima a percentagem dos filhos dos trabalhadores manuais que chegam às Universidades. Daí que os professores - falo agora especificamente dos do secundária- provenham, na sua esmagadora maioria, da burguesia. Daqui lanço a todos os meus colegas professores um apelo no sentido de se comprometerem de alma e coração na construção da sociedade socialista portuguesa, para que a autêntica cultura em Portugal não mais seja o privilégio exclusivo dos que nasceram em berços doirados.
Esta a primeira causa que explica muitos dos fracassos escolares. E, se a enunciei em primeiro lugar, foi apenas porque, como socialista, não poderia deixar de ter opções de classe bem definidas e determinadas. Em Portugal, a barreira que separa os privilegiados dos desprotegidos estes em proporção gigantesca em relação àqueles - só dela se não apercebe quem deixou embotar por completo a sua sensibilidade ou padece de gravíssima miopia mental.
E passo à segunda razão. Ao falar acima dos alunos «menos dotados» intencionalmente juntei um advérbio: «aparentemente». É um outro ponto para reflexão de todos nós: a nossa, sociedade tem privilegiado a inteligência teórica sobre a prática, o saber abstracto sobre o concreto. E isso cava um abismo entre o trabalho intelectual, considerado mais digno, e o trabalho manual, ainda quase menosprezado. Em vez de o trabalho ser tomado em si mesmo, como fonte de realização da pessoa e do homem colectivo, há tipos de trabalho: o trabalho nobilitante, que confere categoria social - é õ trabalho dos «doutores» -, e o trabalho desprestigiado socialmente - é o trabalho dos operários e camponeses.
Só abatendo as estruturas da sociedade capitalista, desaparecerá a distinção entre o saber teórico e o saber prático, entre o trabalho intelectual e o trabalho manual. Mas essa actuação ao nível das estruturas sócio-económicas tem de ser acompanhada desde já ao nível do ensino, do desabamento dessa falsa barreira. Só assim será possível orientar cada aluno para a profissão mais concordante com as suas aptidões intelectuais, possibilitando-lhe a cabal realização da personalidade individual no desempenho das tarefas sócio-profissionais ao serviço da colectividade.