O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

17 DE SETEMBRO DE 1975 1341

a primeira das quais residiu precisamente no desprezo pelos resultados das eleições.
Sim, o povo português mostrou que sabia dar ao voto o seu valor - apesar do eleitoralismo desenfreado de tantos pseudo-revolucionários. Votou em partidos como expressão de corrente de ideias - apesar da campanha, em favor do voto em branco, estranhamente semelhante à campanha para o plebiscito de 1933, em que a abstenção contou como voto a favor da constituição salazarista. Optou pela liberdade contra a ditadura, pela paz contra a violência, disse que queria o socialismo, mas um socialismo democrático, e não totalitário - apesar do ambiente propício aos partidos comunistas e de extrema-esquerda.
Todavia, ainda não tinha sido encerrado o escrutínio e já as eleições eram desvalorizadas e os cidadãos escarnecidos. Chamaram à grande maioria dos portugueses reaccionários e atrasados. Acusaram-nos de se terem deixado manobrar por caciques. Afirmaram que uma coisa era a vontade do povo, outra coisa os interesses do povo.
Como se pudessem ser desvalorizadas eleições por que os Portugueses ansiavam há cinquenta anos e cuja realização Vasco Gonçalves tinha, meses atrás, declarado ser um ponto de honra do MFA, comprometendo-se, até em discurso público, a aceitar os seus, resultados, fossem eles quais fossem! Como se o País pudesse ser dividido consoante as ideologias, a menos que se pretendesse empurrar regiões inteiras como os Açores e a Madeira - para a secessão! Como se caciques só houvesse a Norte, e não a Sul! Como se alguém pudesse substituir-se ao povo na definição dos seus interesses, a menos que esse alguém se arrogasse em senhor do povo!
Mas a facção gonçalvo-cunhalista não se limitou a ignorar as eleições ou a tentar fazer crer que eram mera formalidade ou simples exercício sem consequências. Como se sentiu rejeitada, como, no fundo, logo compreendeu que as eleições ameaçavam o seu domínio e os seus privilégios, decidiu passar ao ataque e enveredar por uma política aventureira de sucessivos factos consumados.
Daí os incidentes do dia 1 de Maio; .a anexação ao Avante do Diário de Notícias; a passividade perante o caso da Rádio Renascença; o aproveitamento do assalto à República; o projecto Jesuíno; o frenesim da 5.a Divisão; os ataques à social-democracia, quase identificada com o fascismo, como inimigo principal a abater; a aceleração da tomada do aparelho de Estado e das empresas nacionalizadas pelos sequazes do PCP; o descrédito lançado contra a Constituinte e o desejo de que não discutisse os problemas políticos do País; a paralisia do IV Governo Provisório em face da omnipotência do Gabinete do Primeiro-Ministro; a ultrapassagem do Conselho da Revolução pela Assembleia do MFA da noite de 11 de Março; as intenções de sovietização expressas no chamado «documento-guia» e nos discursos de Gonçalves, a par das tentativas de instrumentalização das organizações populares de base.
Só que esta estratégia não resultou, e até se revelou contraproducente. Não resultou, porque o povo português, desperto pelo 25 de Abril para a democracia, caldeado em tantas lutas para fazer ouvir a sua voz, cioso dos direitos conquistados, defrontado com dificuldades criadas por erros de ontem e de hoje, farto de ser agredido na rádio, na televisão e na dinamização dita cultural, desta vez não se deixou enganar. Não resultou, porque o povo português, explorado e oprimido pelo fascismo, não quis nem quer ser explorado e oprimido pelo social-fascismo.
Em 25 de Abril, seis milhões de portugueses - na sua maior parte trabalhadores -, em todas as cidades, vilas e aldeias, foram às urnas. Foi essa a mais ampla, a mais livre e a mais genuína das manifestações populares. E, no entanto, tal não bastou para convencer os candidatos a ditadores.
Foi preciso sair à rua, foi preciso promover mais comícios e manifestações, foi preciso vencer barricadas, foi preciso gritar cada vez mais alto para ter eco em S. Bento e em Belém. Foi preciso que os partidos democráticos abandonassem o Governo, foi preciso que aqui e ali surgissem actos de violência - lamentáveis, sem dúvida, mas não mais lamentáveis do que aqueles que antes atingiram o PPD e outros partidos -,foi preciso que se sentisse bem perto a guerra civil, foi preciso que a crise latente nas forças armadas deixasse de estar oculta, para que um pouco de bom senso voltasse, enfim, ao País.
Como alguém disse nesta Assembleia, deu-se um grande motim popular, comparável apenas aos de 1383 e da Maria da Fonte. Mas não foi só isso. A resistência do pluralismo contra o monolitismo e dó socialismo contra o capitalismo de Estado efectuou-se a todos os níveis: foram os jornais de Lisboa, do Porto e da província ainda independentes que denunciaram a situação, foram os trabalhadores que nas eleições sindicais confirmaram o voto de 25 de Abril, foi a Igreja que rompeu o silêncio, foi a Assembleia Constituinte que não se demitiu das suas responsabilidades.
O PCP, deixando de ser o partido revolucionário que fora antes, tornara-se um partido golpista ávido do poder e convicto de que o podia tomar por dentro, para, depois, o agarrar para sempre graças às forças armadas, sem necessidade de base social de apoio à partida. Era isso, nada mais nada menos, do que a transplantação para cá, trinta anos depois, da técnica de tomada de poder pelos partidos comunistas na Europa Oriental, fazendo o MFA o papel do exército soviético.
Simplesmente, a resistência foi mais tenaz do que Gonçalves e Cunhal contavam e o MFA, reencontrando o espírito do 25 de Abril - assim esperamos não se deixou satelitizar. O dilema do PCP era este: se agisse tarde de mais, ou a democracia poderia já estar consolidada ou a derrocada económica poderia já ter criado condições para o pêndulo se inclinar para a direita; se agisse cedo de mais, o seu jogo poderia tornar-se escandalosamente claro às forças de oposição ainda existentes e ao povo em geral.
Jogando tudo por tudo numa altura já de relativa fraqueza, com o povo cada vez mais descontente e disposto a lutar em defesa dos seus direitos mais vitais, Gonçalves e Cunhal não podiam ganhar. Resta agora esperar que, tomando finalmente consciência da impossibilidade de instaurar em Portugal uma ditadura comunista, estejam prontos a integrar-se no sistema democrático. A integrar-se, sim, porque a democracia ninguém exclui. É essa a diferença entre as democracias e os totalitarismos: quando os totalita-