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SESSÃO N.°6 DE 18 DE JANEIRO DE 1896 31

eu não encontro em nenhum poeta portuguez. Um passo menos e seria popular até á incorrecção; um passo mais e teria de ser divino, porque attingia o sobrenatural.

Esta linha media, que lhe assignalou o genio, na religião intangivel do amor, na simplicidade surprehendente e no sonho, incoercivel e vago, fundiu-lhes a obra no que é hoje a mais completa, a mais viva photographia da alma nacional.

Li ha dois ou tres annos n'um artigo, em que um critico francez aconselhava alguns poetas recentes, que se agrupam em seitas, a seguinte advertencia:
"lembrem-se de que os carneiros andam juntos e os leões andam sósinhos".

Pois, sr. presidente, João de Deus foi leão da mais nobre e altiva raça, que ainda houve, nas litteraturas do mundo.

Mas, o que é original é que a juba dulcissima d'aquelle leão toda ella se tecia em dourados fios de amor que enleavam e prendiam a si as oreancinhas. (Vozes: -Muito bem.)

Bastava vel-o para se comprehender o amor immenso, a alma grande com que elle devia apostolar o seu methodo e ensinar os innocentes.

A quem, d'aquella cabeça grave, lhe fixasse o olhar meigo de pomba, não seria difficil surprehender-lhe o coração ingenuo e infantil de uma creança.

Sr. presidente, ou vou terminar.

Tenho um irmão que é casado e tem filhos. Da ultima vez que o visitei veiu esperar-me á porta um meu sobrinho e pediu-me instantemente que o apresentasse a João de Deus. "Pois muito bem, disse-lhe eu, apresentar-te-hei a João de Deus".

Infelizmente o destino não o consentiu.

Mas hei de um dia leval-o ao seu tumulo o dizer-lhe: "Aqui o tens; ajoelha e reza. Elle foi o grande, o extraordinario amigo das creancinhas. Aqui o tens; olha... parece que continúa, na morte, o eterno sonho ineffavel que já de cá levava. No decurso da tua vida volta, de quando em quando, a cabeça e lembra-te um pouco desta pedra; debaixo d'ella está o coração valente e generoso, de onde partiu o primeiro raio de luz divina para o teu espirito; e tu e teus irmãos e toda a geração dos pequeninos, a que pertences, não o esqueçam nunca, visitem-lhe o tumulo, decorem-lhe os versos, santifiquem-lhe a memoria".

E nós, sr. presidente, não será de mais que interrompâmos, por hoje, todo o enthusiasmo das nossos glorias e nos curvemos, descobertos, diante do genio unico, modesto e bondosissimo que se chamou João de Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, muito sinceramente me associo, por parte do governo, á homenagem prestada por esta camara á memoria de João de Deus.

Ha nomes que encerram uma apotheose.

Para nós, João de Deus não foi só uma gloria, foi um sentimento.

Não nos enlevaram só as irradiações do seu genio; por igual nos prenderam as modulações frementes do seu coração. (Vozes: - Muito bem.)

Ninguem como elle definiu e retratou nas suas cambiantes o intimo sentir de todos nós. Por isso o dobre funebre do seu passamento echôa triste no paiz inteiro, (Votas: - Muito bem.)

Vi-o morto. Na ineffavel doçura do seu rosto, na expressão do inegualavel bondado que no semblante se divisava, perecia ainda espelhar-se o ultimo lampejo da formosa alma que se evolára aos céus. (Vozes; - Muito bem.)

Era tão natural o descansar das palpebras n'aquelles olhos que se cerraram á luz do sol, que a morte, para tantos pegada, n'elle figurava apenas de um leve somno.

Morto era ainda, como era em vida, meigo e bom, genial e grande.

Ao fital-o, como que se ouvia, partindo do alto, desferido nos sons de uma harpa sidérea o murmurar plangente d'aquelles doces versos:

Vae-me a alma no vago delereo
De innocente que o somne elevou
E assim como a essencia de um tryio
Voa ao céu, a minha alma voou.

(Vozes: - Muito bem, muito bem.)

Foi assim que elle morreu!

Mas nem só poeta foi João de Deus; nem só versos nos deixou; deixou-nos na Cartilha maternal um monumento de amor pela infancia; traçou-lhe, com carinhoso desvelo, os primeiros passos na educação do espirito, na aprendizagem da lingua de Camões e Garrett.

Esse inestimavel serviço que prestou ao paiz, grangeou-lhe, para sempre, o justo titulo de bemfeitor da humanidade. (Muitos apoiados.)

Levou a vida inteira a dar, do seu genio, o que tinha do melhor: canticos de amor, que eram balsamo do espirito, taes que, ao lel-os, sentiamos nas agruras da vida um suave conforto; exemplos de abnegação e de caridoso affecto, que jamais se esquecem; incitamentos á honra e ao bem, de que elle foi, em todos os momentos, fervoroso e intransigente apostolo. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

Morreu pobre! Como podia João de Deus morrer, se, desprendido de si proprio, alheio foi sempre às especulacções do mundo?!

Riqueza, tinha-a na familia; na familia, ensinava a amar.

Sr. presidente, pelo, viuva e pelos filhos é dever do paiz olhar. Deve a patria á memoria de João de Deus um testemunho de reconhecimento. (Apoiados.) Foi o chefe do estado o primeiro a recommendal-o ao seu governo; o chefe do estado que tinha por elle superior estima e consideração, e a quem João de Deus era por igual affecto.

Esse testemunho de reconhecimento venho propol-o hoje á camara, em nome do governo; poderia bem dizer que em nome do nós todos. (Muitos apoiados.) Trago-o assignado por mim e pelos meus collegas; tendo-me pedido o sr. ministro do reino que significasse perante a camara, o sentimento vivo que elle tinha, de não poder acompanhar, com a sua palavra, á commemoração de um homem a quem elle era sinceramente devotado.

A proposta é para que, em reconhecimento dos relevantes serviços prestados às letras patrias e á instrucção popular pelo grande poeta João de Deus Ramos, o benemerito auctor da Cartilha maternal, sejam pagas pelo thesouro publico as despezas do seu funeral e se conceda á sua viuva e filhos uma pensão de 1:000$000 réis. (Applausos.)

Sr. presidente, para esta proposta de lei peço a urgencia que o assumpto reclama.

João de Deus! De Deus elle era, e para, Deus voltou! Ficaram os Ramos; ramos das flores que elle espargiu em vida. Guardemol-as n'um sacrario. São do poeta o legado precioso, mimo do seu coração, resplendor da sua alma, sempre aborta ao infortunio e ao amor. Podemos orvalhal-as com as nossas lagrimas; ficarão mais viçosas no nosso sentimento. Só não chora quem não sente, só não sente quem não vive. Chorar os mortos, honra os vivos. (Vozes: - Muito bem.)

A João de Deus, o preito eterno da nossa admiração, a expressão derradeira da nossa saudade! (Muitos e repetidos apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. - As clamorosas demonstrações de jubilo nacional pelo triumpho das nossas armas foram subitamente