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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de um povo e não a de um heroe, a idolatria de uma idéa e não de uma familia.

Muitos apoiados.

Saudemos, pois, o grande extincto, saudemol-o no tumulo, como em vida o saudámos, em nome da democracia e da revolução triumphantes no solio.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Sr. presidente, nos proprios acontecimentos existia como que uma predestinação a favor da casa de Saboia, que havia de transformar-se no lábaro sacrosanto da redempção italiana. E Victor Manuel foi um dos sublimes predestinados, assim como seu pae, o rei Carlos Alberto, foi um dos illustres precursores. Folheando a historia, vê-se que havia como que uma consagração anterior e superior aos acontecimentos.

A historia é de hoje. E nós, os homens d'esta geração, nós, os ephemeros de um dia, podemos relembral-a.

Os acontecimentos, que ha bem poucos annos se atropellavam, estão na memoria de todos.

Qual de nós, até o mais juvenil dos que têem assento n'esta casa, não se lembra ainda d'essa pobre Italia, impulsada ou pela reacção, ou pela anarchia; d'essa terra retalhada não só pelas invasões dos estrangeiros, mas tambem pelo tripudiar infrene das paixões que ali se digladiavam? Terra dos tumulos lhe chamavam, sem se lembrarem que d'esses tumulos, cantados por um dos seus inspirados poetas, irrompia a esperança e a immortalidade!

Apoiados.

Era a Italia, como disse o príncipe de Metternich, n'um excesso immenso do seu orgulho que era o dos Hapsburgs, uma simples expressão geographica; era a Italia, permitta-se-me a phrase, a cortezã, sempre com os braços abertos para receber as caricias dos seus amantes. Era a Italia despedaçada, ensanguentada, manietada e algemada. Era a Italia, a quem Alfieri dizia:

«Siam servi, si, mà servi ognor frementi»

Era a Italia que só com gemidos podia responder a Manzoni, quando o grande poeta lombardo lhe dizia no Conte di Carmagnola:

«D'una terra son tutti, un linguaggio

Parlan tutti...»

E esse gemido era o de Silvio Pellico no encerro do Spielberg. Era, emfim, a Italia dos martyres, ferida de morte em Novara. Mas não. Foi no meio d'essa catastrophe immensa, por entre a fumarada da peleja, que raiou o primeiro lampejo da aurora redemptora. Foi ali que todos aprenderam. Foi na jornada da Novara que a Italia inteira recebeu o commum baptismo da desgraça e apertou os vinculos que haviam de sellar a sua unidade.

Muitos apoiados.

Vozes: — Muito bem.

O grande perigo da Italia era a demagogia.

Morta a demagogia, renascia a Italia; em Novara quem morreu foi a demagogia.

Apoiados.

E Victor Manuel, por felicidade d'elle, perante os agradecimentos da historia e perante os louvores dos seus contemporaneos, foi o symbolo vivo da redempção d'essa nobre terra, transformando o que eram minas n'um solido edificio, que já desafia os seculos e ha de durar como a liberdade de que é pantheon.

Apoiados.

Depois de Novara, quando os rotos esquadrões jaziam dispersos no campo de batalha, quando os exercitos da Áustria occupavam militarmente o Piemonte, e quando o marechal Radetzky, executor implacavel de uma idéa mais implacavel ainda, batia ás portas de Turim e exigia o resgate da patria, d'essa patria que quasi não existia; n'essa occasião decisiva, n'esse momento unico na historia, houve um homem, um mancebo, que não desesperou; esse mancebo já crestado pelo sol das batalhas, era Victor Manuel, o soldado de Goito e de Peschiera.

Elle, abrigando no seu peito patriotico todas as esperanças da patria, pensou, n'um deslumbramento sublime, n'uma presciencia prophetica, que era necessario, por um lado, matar a anarchia e a demagogia, associando-as á obra da salvação commum; e, por outro lado, que era igualmente necessario exterminar a deleteria influencia da reacção. Era necessario salvar a Italia pela liberdade e para a liberdade.

O Piemonte, que já symbolisava as esperanças da patria commum, via-se esmagado pelas invasões dos exercitos austriacos e ameaçado pela reacção religiosa e pela conspiração clerical contra as aspirações liberaes; então, como agora, o clericalismo não se esquecia um momento da sua obra de trevas e destruição.

Salvar a Italia, depois de Novara, quando a republica franceza, com um Napoleão á sua frente, ia combater a republica de Roma! Quando Veneza vindicava, com uma resistência assombrosa, o seu longo captiveiro, e sobredourava com novas glorias o seu glorioso passado!

Fazer a unidade italiana, realisar esse sonho secular, o sonho de tantos martyres, invocar os manes de Giordanno Bruno, d’Arnaldo di Brescia, do Alighieri, de Savonnarola e Campanella, e ligar estas recordações, que saíam do tumulo, com as aspirações de um Gioberti, de um Poerio, de um Montanelli, de um Mazzini, que saíam do exilio! Como?! Eis o drama, eis a historia.

Applausos geraes.

Vozes: — Muito bem.

Começa então a obra do patriotismo esclarecido, sciente e consciente, a obra de Victor Manuel e de Cavour. A revolução ía transformar-se em redempção.

Apoiados.

A primeira difficuldade estava no Piemonte, cujo espirito publico era mister educar para o regimen constitucional.

O Piemonte tinha sido, por largo trecho, dominio do jesuitismo.

É preciso não esquecer, que Carlos Alberto, a quem o meu collega, o sr. Luiz de Campos, se referiu, homem sinceramente liberal, e, ao mesmo tempo, espirito profundamente religioso, foi accusado, na sua mocidade, de carbonaro, por seu proprio tio, que o obrigou a rasgar todas as suas idéas liberaes, a fazer penitencia publica dos seus erros e a envergar, não só a roupeta dos jesuitas, mas a farda de voluntario no exercito do duque de Angoulême, que em 1822 transpoz os Pyrinéus para estrangular na Hespanha a liberdade, que as gargalheiras da Santa Alliança já tinham asphyxiado no resto da Europa.

Apoiados.

É preciso saber tudo isto, para se avaliar a terrivel situação em que Victor Manuel se encontrou após o desastre de Novara, para se medir os prodigios que se realisaram, em tão pouco tempo, pelo esforço unico da liberdade e da democracia.

Apoiados.

Sr. Presidente, na Italia ha dois flagellos mortaes — as erupções do Vesuvio e a mall’aria da campina romana.

O Vesuvio era a demagogia rugidora, e a mall’aria era a peste do jesuitismo.

Applausos geraes.

Depois do cerco de Veneza, um dos acontecimentos mais assombrosos do seculo, em que um advogado, Daniel Manin, buscando força unicamente no seu patriotismo, foi capaz de deter os exercitos da santa alliança dos réis contra a santa alliança dos povos; depois d'esse glorioso feito houve uma recrudescencia de demagogia e de clericalismo, e por isso mesmo foi mais frisante e eloquente o contraste entre a situação revolta da Italia inteira e a evolução pacifica e constitucional do Piemonte, cujo rei, cercado dos seus ministros, governava com o parlamento e realisava, porven-

Sessão de 10 de janeiro de 1878