SESSÃO N.° 23 DE 8 DE FEVEREIRO DE 1896 243
queria fallar e o presidente interrompia-o, até que o ministro vendo, que a mais simples palavra que proferisse era considerada um desacato á presidencia, sujeitou-se, e, apesar de não estar fóra da ordem, entrou n'ella.
Aqui tem v. exa. um caso acontecido no meu tempo, em que o presidente entendeu dever exercer um direito sobre o mais pacato e fleugmatico dos oradores parlamentares, quando aquelle é que devia estar callado e este continuar o seu discurso no tom em que o estava fazendo.
Se n'aquelle tempo já estivesse regulado o direito de reclamação, o ministro podia voltar-se para o presidente e dizer-lhe: "Eu considero muito v. exa., que é um cavalheiro respeitabilissimo por todos os motivos, mas v. exa. ha de permittir-me que eu recorra para a camara, onde certamente não ha mais ninguem que tenha empenho em fazer uma manifestação de força." O ministro, porém, não o fez porque não tinha esse direito regimental; se o tivesse fal-o-ia.
Terminada esta pequena historia, chamo novamente a attenção do sr. relator para a observação feita pelo sr. Marianno do Carvalho, pedindo que não deixe o deputado dependente de se julgar ou não, se a invocação do regimento póde ser considerado um acto já bastante forte para dar o exercicio do direito de reclamação.
O sr. Marianno de Carvalho: - Já agora complementarei com outra a anedocta contada pelo sr. Arroyo (Riso). As pessoas a quem vou referir-me eram muito respeitaveis, mas já são fallecidas, e por isso não tenho duvida em citar-lhes os nomes, mesmo porque depois de mortos continuei atributar-lhes o mesmo respeito que lhes tributava em vida.
Eram Antonio Cabral de Sá Nogueira, presidente da camara dos deputados e o bispo de Vizeu, ministro do reino.
Não quero dizer que este ultimo fosse positivamente um modelo de doçura nos debates parlamentares, mas creio tambem que nunca promoveu desordens na camara.
O caso é que um illustre deputado do partido historico, ainda não estava feita a fusão com o partido reformista, dirigiu-se ao ministro do reino, o sr. bispo de Vizeu, contra actos de s. exa. O sr. bispo do Vizeu quiz dar explicações á camara, respondendo ao illustre deputado que o interrogava e pediu a palavra, mas o sr. presidente da camara disse: - Não lhe dou a palavra!
O sr. ministro do reino replicou: - Mas sr. presidente, peço a palavra para me justificar das accusações que me fizeram!
Não lhe dou a palavra.
Mas eu queria praticar um acto de cortesia para com o illustre deputado que me interrogou.
Não lhe dou a palavra.
Mas então diga-me v. exa. a rasão por que não me dá a palavra.
Não dou a palavra a v. exa. porque antes da ordem do dia os ministros não têem preferencia para fallar.
E o pobre bispo de Vizeu não póde defender-se nem praticar um acto de cortezia.
Entendo que tanto ao ministro como ao deputado devia ser permittido justificar-se (Appoiados).
É uma cousa muito vaga o dizer o orador está na questão, não está na questão! Esta disposição é gravissima, porque póde servir para o presidente tapar a boca ao deputado, e o pcrmittir-se a defeza no fim da sessão, duas horas depois, e já quando passou a opportunidade não tem valor algum.
Sua exa. diz: - Invoque-se o regimento. Mas diga-me s. exa. qual artigo hei de eu invocar.
Supponha o sr. presidente que o regimento já está em vigor; v. exa. chama-me á ordem, e se eu entender que esse chamamento foi injusto, hei de invocar um documento escripto, um artigo do regimento. V. exa. tem a bondade de me dizer qual ha de ser esse artigo? Não há nenhum que eu possa invocar, por consequencia tambem esse recurso falha completamente.
Parece-me que o sr. relator sabe que nem da minha parte, nem da parte do meu collega, membro deste lado da camara, ha nenhum intuito de o contrariar, nem ha nenhuma intenção politica, nem a póde haver e que o nosso desejo é que o novo regimento fique bom e exequivel, mas acredite s. exa. que se o presidente chamar um deputado á questão e elle não quizesse obedecer, reclamava logo para a camara e o presidente havia de se ver em difficulades, se o deputado tivesse rasão, pois resultava um conflicto, entre o deputado, a camara e o presidente, o que era muito desagradavel.
O sr. Teixeira de Sousa (relator): - Parece me que a commissão preveniu os desejos dos. srs. Marianno do Carvalho e Arroyo nos artigos 179.° e 180.º que dizem o seguinte:
(Leu.)
Esta invocação faz-se por meio de um requerimento escripto, em que se mencione
precisamente o artigo cuja observancia se reclamo.
Se o deputado não trata do assumpto para que pediu a palavra, o presidente chama-o á questão, e se elle entende que não saiu do assumpto, faz um requerimento invocando o regimento, para que se resolva se tinha ou não saido do assumpto.
O sr. Marianno de Carvalho: - Peço a v. exa. consulte a camara se permitte que use da palavra pela terceira vez.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
O sr. Marianno de Carvalho: - Póde dizer-se que o remedio proposto pelo sr. relator não serve de nada, como já disse, porque não ha nenhum artigo que defina claramente o que é chamar á questão, e portanto nenhum artigo que invocar.
O presidente póde chamar-me á questão... Eu hei de invocar este artigo? É um absurdo similhante invocação, que não indica cousa nenhuma, pois nas invocações do regimento que eu hei de fazer por escripto nem posso dizer uma palavra e hei de invocar o artigo infringido.
O sr. Teixeira de Sousa (relator): - Invoca o artigo 165.°
O Orador: - Mas esse artigo o que me diz é que se eu for chamado á questão por me ter desviado do assumpto para que me foi dada a palavra, ou usar d'ella para fim diverso d'aquelle para que me foi concedida e insistir na infracção, sou chamado á ordem, salvo o direito de reclamação regulado pelos artigos 178.°, 179.° e 180.°
Ora, o artigo 179.° diz com effeito que é permittido aos deputados, em qualquer estado das discussões, invocarem o regimento sempre que entenderem que o presidente não cumpre ou não faz cumprir algumas das disposições ou os interprete desacertadamente, mas o artigo 181.º estabelece que nenhum deputado póde reclamar contra as determinações do presidente quando for por este chamado á questão ou á ordem, podendo, porém, pedir a palavra para o fim da sessão, a fim de dar explicações sobre o seu procedimento, etc.
Como v. exa. vêem, estes artigos não são applicaveis ao caso, porque o 179.° e 180.° estabelecem regras geraes e o 181.° a excepção a que me tenho estado a referir.
Parece-me que não deve haver duvida alguma em conceder ao deputado, que julgue que foi chamado indevidamente á questão, o poder appellar para a camara, não só porque assim se mantêem mais largamente os direitos do deputado, como porque se tira ao critério de um só homem, que póde errar, a attribuição do julgador em ultima instancia.
O sr. Teixeira de Sousa (relator): - Não, podemos modificar as condições em que o deputado póde fazer a reclamação.