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Discurso que devia ser transcripto a pag. 557, col 3.1, lin. 94 do Diario de Lisboa, sessão de 24 de fevereiro

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Vou continuar em muito breves palavras as reflexões que comecei a fazer n'uma das sessões precedentes, a respeito da interpellação que foi dirigida ao governo, em referencia ao regulamento geral de contabilidade.

Tinha eu dito, que o regulamento geral de contabilidade era uma, medida altamente reclamada pelas necessidades do serviço, e que devia produzir proficuos resultados para a regularidade d'este ramo de administração publica (apoiados), porque sem uma contabilidade regular não ha verdadeira fiscalisação das despezas publicas (apoiados). Portanto eu julgo que se o governo não fez uma obra perfeita, como não é dado aos homens fazer, todavia prestou um serviço (apoiados), e parece-mo que esse serviço se não merece elogios, tambem de certo não merece censuras (apoiados), nem convem que se embarace a execução do regulamento, mas antes que ella se facilite por todos os modos (apoiados), porque o regulamento não tende senão a estabelecer a regularidade, a harmonia e a uniformidade de toda a contabilidade publica. E>te regulamento, como já disse n'outra occasião, não estabelece nenhuma disposição legislativa.

O sr. Blanc: — Apoiado.

O Orador: — Não legisla (apoiados), não faz mais do que systematisar, harmonisar, uniformisar, agrupar, reunir, codificar, n'uma palavra, as diversas disposições e praticas que havia sobre contabilidade publica nos diversos ramos que abrange, tanto na contabilidade legislativa e administrativa, como na contabilidade judiciaria, a fim de ter um corpo de disposições que regulasse esta materia (apoiados).

Esse regulamento simplificou, mas simplificou sem derogar lei alguma, a fim de que todas as disposições legislativas e regulamentares que existem possam ser executadas nos prasos marcados nas mesmas leis (apoiados).

Todos sabem o movimento que têem as contas publicas. As despezas são votadas pelo parlamento, assim como são votados os creditos para fazer face a estas despezas. O governo 6 encarregado da gerencia publica, e tem os seus exactores e responsaveis. E necessario que as contas do governo e da junta do credito publico sejam presentes ao tribunal de contas, assim como a de todos os exactores e responsaveis, a fim de conferir umas com outras, e verificar a sua; exactidão e sua conformidade.

É necessario que o tribunal de contas, depois d'aquelle processo, verifique se o governo usou das auctorisações dentro dos limites marcados pela lei, ou se exorbitou, quer dizer, é necessario que se verifique a legalidade de todas as despezas. Depois de feita a declaração de conformidade pelo tribunal de contas a respeito da conta de exercicio, é que é remettida essa declaração ao parlamento, e só em presença d'ella, esclarecida com as informações e reflexões de todos os ministerios, é que o parlamento póde proferir o seu juizo sobre o encerramento do seu exercicio. Ora este juizo, proferido pelo parlamento sobre o encerramento da conta do exercicio, não se pôde dar sem as contas terem percorrido este circulo, que vem a fechar-se no parlamento, d'onde partiu a votação da despeza, e donde partiu a auctorisação dos creditos (apoiados).

Portanto é da mais alta conveniencia publica que o parlamento exerça esta fiscalisação (apoiados), que a contabilidade publica seja regularmente organisada para que o tribunal de contas esteja habilitado com todos os esclarecimentos necessarios; a fim de pronunciar o seu juizo, ou formular a sua declaração de conformidade (apoiados); e é necessario que todos os documentos que têem de ser remettidos pelos diversos ministerios o possam ser nas epochas marcadas pela lei, a fim de que aquelle tribunal possa tambem, no tempo que está marcado pela mesma lei, proferir a respectiva declaração (apoiados). Nesta parte é que se tratou de simplificar, de accordo com o mesmo tribunal de contas e com os homens mais entendidos e competentes n'esta especialidade a, quem consultei, e simplificar sem de rogar disposição alguma de lei, a fim de que estes documentos podessem ser remettidos na epocha marcada pela lei, para que podesse por uma vez apparecer, com toda a formalidade legal com, que deve ser remettida, a declaração authentica do tribunal de contas, o que nunca appareceu, e n'isto não faço nenhuma censura ao tribunal de contas, nem a ninguem, porque o tribunal de contas não podia ter proferido esta declaração sem estar habilitado coe: todos os documentos que são indispensaveis para, elle a proferir.

Mas o systema de contabilidade tem sido aperfeiçoado successivamente pelos diversos governos. Porém ainda não tinha chegado a um grau de perfeição tal que permittisse o completo desempenho d'estas funcções incumbidas ao tribunal de contas; foi d'isso que se tratou, a fim de que o parlamento, fosse completamente habilitado para poder proferir o seu juizo sobre o encerramento da conta de exercicio, cousa que ainda se não fez. Portanto, por este meio parece-me que tratei de prestar um serviço ao paiz (apoiados), estabelecendo a contabilidade de modo regular, habilitando o tribunal de contas a proferir a sua declaração de conformidade no praso legal, e depois d'essa declaração habilitar, o parlamento a proferir o seu juizo sobre o encerramento da conta, de exercicio; e assim exercer a verdadeira acção fiscal, clara e positiva sobre as contas dos ministerios (apoiados).

Parece-me que n'isto o governo não só prestou um serviço á administração publica do paiz (apoiados), mas deu um documento de respeito ás prerogativas parlamentares (apoiados) desejando que as contas sejam julgadas em presença de todos os esclarecimentos que são indispensaveis para as julgar bem, devida e claramente (apoiados). E d'esta fórma o governo tratou, não só de melhorar um ramo tão importante de administração publica, mas tambem indirectamente prestou um serviço ao credito publico (apoiados), porque o credito não se assegura nem se fundai senão quando se conhece bem distinctamente quaes são, as receitas e quaes as despezas com clareza (apoiados); o mysterio e a obscuridade são inimigos do credito, inspirando a desconfiança (apoiados); ai verdade e exactidão das contas do estado da nossa fazenda é que pôde firmar o nosso credito e inspirar confiança (apoiados).

Portanto o governo tratou de regular a contabilidade publica e de cumprir todas as leis que ha a este respeito, a fim de apresentar contas exactas, devidamente liquidadas, processadas e julgadas, e por este meio vae radicar e augmentar o credito publico, porque todos poderão avaliar e ajuizar clara e devidamente do nosso estado, em tudo que diz respeito á fazenda publica (apoiados).

Ora este regulamento sobre contabilidade, como todas as reformas, encontra quasi sempre difficuldades na execução, e não admira; mas é necessario lutar com essas difficuldades, e vence-las, attendendo a quaesquer considerações rasoaveis que possam concorrer para melhorar e aperfeiçoar mais esse regulamento sem desistir nunca da sua execução (apoiados), sem desistir da applicação de principios eminentemente salutares á administração publica.

Eu faço justiça ao illustre deputado que me interpellou, e estou persuadido de que elle com a sua grande intelligencia, que eu me comprazo em reconhecer, u com o seu zêlo pelas cousas publicas, e especialmente conhecedor d'esta especialidade, ha de reconhecer a grande utilidade do regulamento de contabilidade publica; elle mesmo já declarou que concordava com a doutrina das suas disposições, e que sómente tinha duvidas a respeito da questão de competencia, a respeito da legalidade de algumas disposições que n'elle se adoptaram.

Em doutrina todos sabem que é muito difficil discriminar bem onde pára a lei, e onde começa o regulamento. Se se descer a uma analyse de diversas leis e regulamentos que têem sido feitos, hão de encontrar-se graves difficuldades para definir onde pára a lei e onde começa o regulamento. Em muitas leis se hão de encontrar disposições regulamentares, e em muitos regulamentos se encontrará alguma disposição que se possa taxar de legislativa.

É muito difficil marcar bem na lei onde termina o legislativo e onde começa o regulamentar; e se se descer a esta analyse, como acabei de dizer, ha de encontrar-se em muitos regulamentos disposições que podiam estar em leis, e em leis muitas disposições que poderiam e deveriam estar em regulamentos. E todavia não se têem exagerado os escrupulos a esse respeito, e tem-se feito muito bem; porque se se exagerassem esses escrupulos, quando se considera que as disposições regulamentares são uteis, quando se considera que o governo está auctorisado a fazer os regulamentos para a execução das leis pela carta constitucional; se se fosse demasiado escrupuloso n'estas discriminações, n'estas delimitações de onde termina a lei e onde começa o regulamento— ir-se iam crear graves difficuldades á administração publica.

Portanto, quando se reconhece que uma disposição que poderia ser legislativa ou regulamentar é util, é melhor não levantar questões a esse respeito (apoiados).

Mas quando se visse que no regulamento havia qualquer disposição claramente legislativa, e que o governo tinha exorbitado, quem estivesse convencido da utilidade d'essa disposição e lhe quizesse dara fórma mais regular, parece-me que era melhor que offerecesse então ao governo um bill de indemnidade se elle o não tivesse pedido, a fim de sanar essa irregularidade que reputasse existir, em vez de pretender que a camara avoque a si todo o regulamento para impedir que elle se execute, quando se reconhece que elle é util, porque se se levantassem estas difficuldades e estas mesmas duvidas sobre todos os regulamentos que o executivo é auctorisado a fazer para a execução das leis, entorpecia-se a marcha da administração, difficultava se a execução das leis, e o poder legislativo até certo ponto invadia as attribuições do executivo; e se o principio da divisão dos poderes é fundamental, é constitucional, tanto o é em referencia a um poder como em referencia a outro (apoiados); o que é necessario é que cada um dos poderes exerça as sua» funcções dentro da esphera das attribuições que lhe confere a constituição do estado. Por isso é necessario haver cautela em qualquer dos poderes não invadir as attribuições do outro; e tinha aqui graves inconvenientes, como eu ponderei, se a, pretexto de haver duvidas sobre se uma ou outra disposição é mais ou menos legislativa, se avocasse ao parlamento o regulamento da contabilidade, porque desde logo se suspendia a execução de-disposições que são indispensaveis para a execução das leis (apoiados).

Portanto aquelles que acreditam que uma disposição regulamentar é boa e que têm a certeza de que ella é propriamente uma disposição legislativa, podiam offerecer um bill de indemnidade ao governo n'este artigo ou n'essa disposição que reputam que deveria ser legislativa, e sanarem assim a illegalidade; mas não pretenderem avocar ao exame da camara todo o regulamento, porque no dia seguinte a politica, que infelizmente especula comtudo, vinha dizer — avocou-se o regulamento porque violou as leis, porque não presta; e isto significa uma censura ao governo (apoiados). Por uma parte transformava-se uma questão de um artigo do regulamento em questão politica, e por outra parte entorpecia-se a acção do poder executivo (apoiados).

Portanto a questão não se pôde collocar neste terreno. Quem entende que ha uma disposição legislativa rio regulamento e que o governo exorbitou, de duas uma, ou entende que ella é util e se deve applicar, e proponha um bill do indemnidade para sanar essa exorbitancia do poder executivo, ou então accuse o governo por ter exorbitado. Este é que é o modo franco e leal por que entendo dever collocar-se a questão (apoiados).

Descendo á especialidade, um dos pontos em que se disse que o regulamento exorbitava, era pelo que respeitava á prescripção das dividas do estado.

A prescripção, como eu já disse, está estabelecida na legislação do paiz pelas ordenanças de fazenda de 1516, que não foram derogadas nem estão obsoletas, porque assim como o principio se applica para as dividas activas do estado, devo se applicar para as dividas passivas, e os tribunaes têem considerado sempre esta legislação vigente. Pelo que respeita ás excepções de direito commum, lá vem ellas consignadas nos §§ do artigo 6.° do regulamento, que trata da prescripção das dividas. E pelo que respeita a excepções que possam estar consignadas em contratos onerosos approvados por lei, essas disposições estão pela sua natureza exceptuadas. A lei de 12 de agosto de 1853 estabelece algumas excepções a respeito da prescripção. em referencia a vencimentos de classes inactivas, estipulando a prescripção de tres annos em logar de cinco.

Ora, se a lei de 12 de agosto de 1853 estabeleceu uma prescripção especial de tres annos, é porque reconheceu que a legislação em vigor estabelecia outra prescripção.

Esta excepção longe de destruir a regra vem confirma-la, Foi preciso uma lei especial para estabelecer uma prescripção especial.

Essa mesma lei diz no

«Art. 4.º São exceptuados das disposições anteriores os vencimentos provenientes de contrato oneroso, sem que em tal designação se comprehendam os monte pios.»

Portanto os rendimentos provenientes de contrato oneroso, como são os contratos de emprestimos, os juros da divida publica estão garantidos.

Estabelecida a prescripção como regra, a fim de encerrar as contas de exercicio, porque as contas de exercicio não podem ficar indefinidamente abertas, é evidente que fica o direito salvo a quem tiver creditos d'esta ordem sobre o estado de reclamar uma providencia especial, e o governo fica obrigado a pedir á camara um credito especial para os satisfazer, porque os creditos provenientes de contrato oneroso são pela sua natureza exceptuados.

E demais o regulamento não tem o caracter de lei, é uma compilação de disposições regulamentares que existem em diversas leis, feita por um decreto do executivo, que não pôde ter força superior a uma lei.

Nestes termos, ainda que n'estas disposições se não declarasse por inutil, que as dividas provenientes de contrato oneroso não eram comprehendidas, como se fez para outras excepções que são de direito commum, é evidente que são exceptuadas, por isso que estão estatuidas por uma lei que tem força, que não pôde ser derogada por um, simples decreto.

. Por consequencia a objecção relativamente aos juros da divida publica cáe pela base. Estão garantidos.

E esta lei de 1853, que se citou como para provar que não existe legislação sobre a prescripção, é a prova de que existe essa legislação, por isso que estabelece uma excepção a respeito de certas dividas.

Ora, que a prescripção das dividas do estado dentro de um certo tempo é absolutamente indispensavel para a regularidade da contabilidade publica, é fóra de toda a duvida, é um principio racional, sustentado pelos homens mais competentes n'esta especialidade; não podem as contas de um exercicio ficar indefinidamente abertas, sem elle nunca se encerrar.

Quando este principio da prescripção foi instituido em França saudou-se como um d'aquelles que devia mais concorrer para a regularidade da contabilidade publica.

Não é pois um principio obsoleto, irracional, mas pelo contrario é um principio considerado pelos homens mais competentes como indispensavel para a regularidade da contabilidade publica.