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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

E direi mais, é impossivel ir buscar um principio ao systema da antiga monarchia e declara-lo em vigor, quando esse principio está em desharmonia com um dos preceitos fundamentaes da carta constitucional.

Se aquelle systema não for considerado abolido pelas disposições da carta, na parte pelo menos em que directamente as contradiz, estão as nossas liberdades, as nossas mais caras prerogativas á mercê do primeiro governo que tiver a audacia de as violar e astúcia sufficiente para se justificar com sophismas.

Mas não é só o sr. Pinheiro Ferreira que de um modo tão positivo e illimitado se pronuncia a favor da liberdade dos actos de administração e jurisdicção dos prelados nas suas dioceses e da publicação e promulgação no reino dos actos da santa sé. A opinião do sr. Borges Carneiro tambem vem em meu auxilio para provar como comprehendiam os mais abalisados jurisconsultos a transformação que se operou em todo o nosso modo de ser politico com a outorga da carta. No seu Direito civil, citando o que no seu entender era direito segundo a legislação antiga, sauda com verdadeiro jubilo a aurora da liberdade, e contrapõe á oppressão e desconfiança d'aquella a moderação e tolerancia d'esta.

No capitulo que se inscreve Actos da jurisdicção episcopal, 12.°, diz o sr. Borges Carneiro:

«As pastoraes e mandados dos bispos não se podem imprimir ou ao menos publicar, sem beneplacito regio.»

E logo no § 13.° seguinte acrescenta:

«Hoje livre a imprensa de toda a censura previa, salva a responsabilidade legal dos autores cessou o presente direito de censura.» E cita a carta constitucional, artigo 145.°.

Os unicos textos legislativos em que o sr. Borges Carneiro funda a doutrina do citado 12.°, são a carta regia de 9 de dezembro de 1768 e o 13.° do alvará de 30 de julho de 1795.

A respeito d'este ultimo julgo escusado dizer mais, o illustre deputado mesmo o abandonou, e para justificar a sua opinião ousou citar a carta regia de 9 de dezembro e evocar a sympathica e nobre figura de D. Miguel da Annunciação, victima innocente do acto mais ferozmente despotico da historia portugueza!

Não é com taes recordações que o illustre deputado fortalece a sua causa, ninguem quererá ver manter entre nós um systema acompanhado de tão atrozes memorias.

E antes que conclua, devo rectificar uma asserção do sr. presidente do conselho. Quando s. ex.ª aqui declarou a sua opinião, que disse havia de ser a de todo o governo, acrescentou que era antigo costume do reino serem as pastoraes sujeitas, antes de se publicarem, ao exame do poder temporal.

Peço licença a s. ex.ª para affirmar, com todo o respeito que lhe devo, que tal asserção é inexacta. Como se a Providencia quizesse, que ficasse bem clara a antiga liberdade dos prelados portuguezes, no momento em que ía começar o governo do homem, que mais se singularisou entre nós pela sua hostilidade contra a igreja, a 24 de junho de 1750, isto é, um mez e nove dias antes de ser nomeado secretario d'estado Sebastião José de Carvalho, expedia-se um aviso ao patriarcha de Lisboa, dizendo que os prelados ordinarios costumavam fazer imprimir sem licenças os papeis pertencentes ao officio episcopal, como pastoraes, mas que essa pratica não podia estender-se aos arrasoados de suas causas e a outros papeis que directamente não pertenciam ao officio episcopal.

A origem historica da censura previa, cohonestada com o nome de beneplacito, mas só extensivo aos actos da santa sé, começa entre nós com a lei de 2 de abril de 1768, que pela primeira vez proscreveu a bulla in caena domini. O que antes de 1487 existiu, era apenas um meio de distinguir os actos do verdadeiro pontífice dos dos anti-papas, durante o grande scisma do occidente.

É d'esta epocha bem recente que datam as medidas hostis á liberdade da administração interna da igreja, e ás suas livres relações com o centro da unidade catholica. Não é instituição de Índole e origem portugueza, é uma das innúmeras violencias que assignalaram o periodo mais barbaro e mais atroz do despotismo antigo, e a ninguem lembrará de certo, que deva sobreviver unica ao total desmoronamento das instituições da nossa antiga monarchia, tantas das quaes, sem respeito algum pelas tradições e pelo desenvolvimento organico das creações sociaes, foram sacrificadas a idéas novas, estranhas á indole nacional, e importadas não já d'entre as instituições francezas, mas dos livros e theorias dos philosophos modernos.

Quando contra todo o nosso passado venerando se attentou, seja-me licita a expressão, com tão irreverente audacia, é singular que se queira cinicamente manter o que n'aquelle passado ha de mais violento, o que n'aquelle systema affirmava, de um modo mais absoluto, o predominio supremo e completo do estado sobre todas as espheras da actividade humana, por mais elevados, por mais nobres que fossem os fins e os principios que dentro d'essas espheras exigiam uma legitima e plena satisfação (apoiados).

Termino aqui o que tinha a dizer, agradecendo á camara a condescendencia com que me ouviu, condescendencia que esperei sempre alcançar de homens generosos, que sabem tolerar, embora não lhes approvem a doutrina, os que tem a coragem de vir sustentar opiniões em que acreditam (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado.)

O sr. Telles de Vasconcellos: — Peço a v. ex.ª consulte a camara, se permitte que tomem a palavra sobre a questão todos os srs. deputados que quizerem fallar.

Assim se resolveu.

O sr. Alves Matheus: — O illustre presidente do conselho de ministros, declarando, na sessão de quarta feira, que o governo estava habilitado para responder á interpellação annunciada pelo sr. Barjona de Freitas, acrescentou que ao governo competia o direito de examinar, revêr e censurar as pastoraes dos bispos, antes de as publicar, e que podia até fazer-lhes emendas e cortar-lhes passagens.

Confesso que fiquei espantado ao ouvir similhante proposição, proferida por um homem liberal, e foi isto que me determinou a requerer a v. ex.ª que me inscrevesse, para tomar parte n'esta interpellação. E se me acho agora no uso da palavra, é principalmente por causa da questão de direito.

O illustre deputado, e meu estimado amigo, o sr. Barjona de Freitas, dando-nos mais uma vez a conhecer quanto é vigorosa a sua argumentação e eloquente a sua palavra, que com admiração escuto sempre, tratou a questão de direito, e occupou-se conjunctamente da questão de facto na parte relativa ás idéas e doutrinas expostas na ultima pastoral do reverendo bispo do Algarve. Declarou s. ex.ª que ficára grandemente surprehendido pela fórma por que foi resolvida a contenda levantada por motivo da nomeação de patriarcha da diocese de Lisboa, e referiu-se levemente e pela maneira mais cortez á luta e á dissidencia, que houve no seio do ministerio por causa da mesma nomeação.

Sobre este ponto pouco tenho a dizer. Está presente o meu digno amigo, o sr. Saraiva de Carvalho, o qual, com o talento que todos lhe reconhecem, ha de defenderse e dar as explicações necessarias. Por minha parte simplesmente direi, que aquelle illustre ministro propondo á corôa que alevantasse á dignidade de patriarcha o reverendo bispo do Algarve, usou do seu plenissimo direito (muitos apoiados), e que eu, collocado na posição de s. ex.ª, não admittiria imposição nenhuma externa, e havia de reagir com todas as minhas forças contra qualquer pressão, que se me quizesse fazer (muitos apoiados).

O illustre deputado, o sr. Barjona de Freitas, referiu algumas das apreciações, que na imprensa se publicaram ácerca