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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Visconde de Moreira de Rey, pronunciado na sessão de 15 de abril e que devia ler-se a pag. 1124, col. 2.ª

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Direi poucas palavras sobre o projecto que está era discussão.

Não tenho duvida alguma em declarar a v. ex.ª e á camara que em theoria não admitto funcções legislativas hereditárias, nem desejo mesmo entregar completamente ao chefe do estado a nomeação dos legisladores sem indicação alguma da vontade nacional; em doutrina, na questão theorica, estou do accordo com a escola liberal.

Porém, nas actuaes circumstancias a questão é de fórma, e a questão de fórma está para mim muito superior á questão theorica, pois eu não posso, de modo algum, votar como lei ordinaria o projecto que se discute, porque o reputo infracção manifesta da lei fundamental do estado.

A carta constitucional póde precisar de reforma, e d'ella precisa, na minha opinião; mas emquanto não for reformada não póde ser violada pelos poderes publicos, sem darmos um documento triste de que temos uma lei fundamental do estado, não para a cumprir e respeitar, mas para a violar e desprezar ou sophismar, desprestigiando-a e tornaudo-a inutil. (Apoiados.)

Não quero sujeitar a lei fundamental do estado, nem a interpretações ecrebrinas, nem a sophismas, nem por fórma alguma mantel-a unicamente como objecto de desprezo ou irrisão publica, como documento que possa ser illudido sobre todos os pretextos e em todas as occasiões.

Não ha duvida alguma que o artigo 144.° da carta declara constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições dos poderes politicos, e eu faria injuria á camara e a mim mesmo se me cansasse em demonstrar que um projecto que transforma a iniciativa absoluta, o arbitrio pleno que tem o poder moderador para escolher e nomear pares, que substitue essa latitude por uma restricção maior ou menor, limita e restringe um dos poderes do estado que a carta estabeleceu sem restricção nem limite algum.

Se a restricção é pequena, tem os mesmos inconvenientes que teria se fosse maior, pois abre o precedente de, sem ser em côrtes constituintes, alterar os principios da carta, e o que agora se faz para pouco póde depois fazer-se para tudo.

A questão para mim é muito clara.

A menor restricção que se faça, o menor limite que se imponha ao arbitrio ou á liberdade plena confiada pela carta ao poder moderador, é reforma manifesta de uma disposição declarada constitucional pela lei fundamental do estado, e, não póde votar se como lei ordinaria.

Tendo occupado um logar, ainda que inferior, n'esta casa ha mais de dez annos, tenho tido occasião de ver no poder differentes governos e homens de differente côr politica, e por mais que tenha desejado auxilial-os, em todas as occasiões tenho mantido os mesmos principios sem lhes fazer excepção.

São diversas as minhas idéas, parecem singulares as minhas opiniões, mas eu tenho-as, e mantendo-as, sou coherente, embora possa illudir-me.

Eu bem sei que posso parecer excessivamente democrata ou perigosamente liberal, quando, para constituir as verdadeiras franquias municipaes, quero entregar aos municipios a distribuição e a cobrança dos impostos, fixando apenas as quotas e as epochas do pagamento ao estado; quando quero entregar-lhes todas as operações do recrutamento, fixando apenas os contingentes que sem demora, nem excepção, os municipios fornecerão ao exercito; n'estes e em outros pontos a muitos poderá parecer que as minhas idéas vão longe em excesso; eu creio que não vão alem do justo e do indispensavel.

Sei tambem que outras vezes e agora mesmo poderei parecer conservador ou até reaccionario, quando pugno pelas attribuições proprias do poder moderador; mas eu não esqueço que n'um documento assignado por mim e votado por alguns meus collegas na discussão da resposta ao discurso da corôa em 1871, eu manifestei uma convicção profunda, que conservo ainda, quando affinnei a necessidade e conveniencia de se cumprir a lei fundamental do estado, mantendo em cada poder o pleno exercicio das attribuições que lhe são conferidas pela carta, com a responsabilidade que a lei fundamental estabelece, ou sem responsabilidade alguma, quando toda a responsabilidade foi dispensada por não ser necessaria nem conveniente.

São estes os principios que affirmei convicto, e que sem hesitar mais uma vez proclamo.

Eu tenho dito muitas vezes, que a nossa carta constitucional, superior a quasi todas as leis fundamentaes antigas e modernas dos diversos paizes, precisa de reforma em algumas e poucas disposições; mas do que ella precisa mais, e urgentemente, é de ser cumprida, executada e interpretada fielmente, como foi escripta e redigida, segundo os principios que a dictaram; e esta segunda parte é a reforma mais importante, porque em muitas das mais essenciaes disposições nós temos simplesmento interpretado e executado a carta constitucional litteralmente ás avessas do que ella é.

No nosso codigo politico o poder moderador tem attribuições exclusivamente suas, e d'isso ninguem que saiba ler póde duvidar, assim como me parece que das vantagens d'esta disposição, que eu reputo excellente, não duvidará quem tenha noções de direito publico e deseje harmonial-as com a utilidade da vida social.

Essas attribuições, exclusivas do poder moderador, não têem, pela lei fundamental do estado, responsabilidade alguma, porque não precisam de responsabilidade em um paiz que esteja preparado para o exercicio das instituições liberaes e para a pratica do systema parlamentar.

Os inconvenientes, que algumas vezes entre nós se têem sentido pelo uso de algumas attribuições do poder moderador, provém, não da falta de responsabilidade legal por esses actos, mas sim, caso notavel, exactamente de se ter querido inventar como necessaria uma responsabilidade inutil e sempre inconveniente.

D'ahi tem resultado que o poder moderador, em vez de exercer as attribuições que pela carta como peios verdadeiros principios são exclusivamente suas, entrega o exercicio d'ellas aos membros do poder executivo, que as exercem em proveito proprio, confundindo com esta usurpação poderes que são na carta declarados distinctos e independentes, e cuja divisão e independencia são indispensaveis para manter o equilibrio politico.

Por esta deploravel confusão não só de idéas, mas de principios, é que nós vemos frequentemente ministros a reclamar com toda a insistencia uma responsabilidade puramente imaginaria, sempre inutil e inconveniente, affirmando-nos a necessidade de cobrir e deffender o poder moderador em todos os casos em que elle não precisa de capa nem de defeza. Dir-se-ía que todos os ministros nasceram com heroicas disposições para o martyrio, ao vel-os assim invocar a responsabilidade e o sacrificio, mas vê-se logo que a responsabilidade, que elles reclamam, não póde assustar ninguem pelo perigo que offerece, porque é inutil e impossivel de tornar effectiva, e attrahe pelo proveito pois consiste apenas em fazer, o sacrificio de exercer em favor proprio attribuições que pertencem a um poder independente, que tem na carta logar distincto para velar incessantemente sobre a manutenção da independencia, equilibrio e harmonia dos mais poderes politicos.

Para mim é claro, que, sendo o poder executivo o que

Sessão de 3 de maio de 1878