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1548 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Solicitaram-os na repartição superior competente, e foi então que appareceu a duvida sobre a capacidade juridica que aquellas entidades teriam, ou não, para adquirirem immobiliarios. E, tal duvida foi essa, que são decorridos dez annos e, nem aquellas commissões foi devolvido o preço que em boa fé satisfizeram, nem lhes foram mandados passar seus titulos e entregar-lhes as terras que, por meio legal e justo, procuraram adquirir.
Nenhuma resolução, provisoria ou definitiva, favoravel ou contraria, tem sido tomada até hoje, jazendo o processo, ou processos, nas estações officiaes que tiveram de ser consultadas, onde de certo os guarda e conserva o respeito por aquella boa fé a que alludimos, e, sobretudo, o respeito pelas altas conveniencias publicas que da manutenção d'aquellas vendas têem de resultar.
O parceiro agricola, que colonisa esses terrenos arrematados, nem paga as quotas de fructos ou rendas ás freiras, porque estas já em si têem o preço, e por isso nada têem com o que lhes não pertence, nem as paga aos arrematantes, porque estes nunca chegaram a entrar, provisoria ou definitivamente, na posse dos bens arrematados e pagos.
Simultaneamente, e ha dez annos, sem propriedade, cujas contribuições aliás têem de pagar, e sem o dinheiro por que a compraram, tal é a situação d'aquellas direcções ou commissões directoras, e tal é o estado da questão a que mira o presente projecto de lei.
Parece-nos o bastante para concluirmos pela urgencia e justiça da solução que procuramos alcançar.
Permittam-nos, porém, algumas palavras em que digamos o que sejam as chamadas levadas, sua importancia e administração, para que no continente se aprecie e conheça o que valem estes assumptos, quando a elles tantas vezes nos referimos sem lograrmos ser entendidos, de certo pelas nossas condições, que em tudo são uma excepção ao que no continente se passa.
Sem levadas, a cultura da ilha da Madeira seria um impossivel.
Não são um invento da actualidade. Existem desde os tempos primitivos da colonisação da ilha, de que são claro testemunho as cartas e provisões dos nossos reis a começar em D. João I, tornando-se especialmente notaveis as provisões de D. João II, de 7 de maio (ou março?) e 8 de maio de 1493, que deferem ás justas solicitações dos povoadores e moradores d'ella, e que são um monumento da previdencia e attenção com que estes assumptos eram então estudados e regulados.
Não representam um interesse puramente individual que aproveite apenas a um ou outro predio isoladamente, e, por acaso, tambem a algum vizinho. Affirmam-se pelo seu caracter de generalidade e proveito commum, representando cada uma d'ellas os interesses agricolas de extensissimas areas de terreno, povoadas e trabalhadas por muitos milhares de lavradores.
«São, na phrase do illustre commentador das Saudades da Terra, as arterias por onde circula abundante o sangue de sua vida agricola, o precioso filtro da sua abastança e constante rejuvenescimento.»
São uma instituição publica assegurada e firmada n'aquellas intelligentissimas provisões de 1493, onde, desde logo, só estabeleceu que particular algum não teria jamais «direito, dominio, nem acção, nas fontes, olhos e tornos de agua que em suas terras nasceram, porque de tudo o que dito é concedemos o uso a todos os moradores da dita ilha, porque todos igualmente devem ser favorecidos».
Não consistem em pequenas e faceis obras de arte levantadas á margem do rio caudal, que, em manso declive, vae fertilisando, a pequenas distancias, os terrenos que lhes ficam nas margens.
Precisamos de ir a grandes distancias, algumas a 20 e 30 kilometros, subir montes e rochas que successivamente se sobrepõem ou se destacam uns dos outros, mas que só erguem sempre formando as bravas serranias do interior ou parte central da ilha, para, ahi, - a enormes alturas, a maior parte das vezes dependuradas em abysmos profundissimos, onde as vistas se perdem, e que são as nossas ribeiras, em logares inaccessiveis, onde o trabalhador só vae seguro por cordas, abrir na rocha viva o canal, que ha de aproveitar a agua e conduzil-a, mais e menos horisontalmente, pelas sinuosidades dos montes que se repetem e que cansam o esforço e os sacrificios.
Não raras vezes temos de aproveitar as aguas no fundo d'aquelles mesmos abysmos tão apertados e sinuosos, que, para que o ramal ou levada chegue á superficie da encosta onde tem de ser aproveitada, igualmente nos absorve trabalhos e capitaes sem conta.
Só assim, por meio de extensas e dispendiosas obras de arte, conseguimos reunir essas aguas tudo em nome da communidade e á custa d'ella, até certos pontos considerados de commum interesse, para depois começarem por sua vez os lanços de caracter puramente particular, e de conta particular também, e que são os canaes parciaes por onde a distribuição é feita.
Dizer o que sejam as nossas levadas em geral, é dizer logo qual seja a sua importancia.
Contam-se por toda a ilha centenares d'ellas e fallar de uma só, o mesmo é dizer de todas em quanto ao seu organismo.
Acrescentaremos, porém, ainda, e como exemplificação, alguns dados referentes á levada dos Peornaes, uma d'aquellas a que especialmente se refere o presente projecto de lei, com o que nos parece completar a demonstração que nos propozemos.
Tem aquella levada obras de arte, que ascendem, hoje, a uma extensão de 12 a l5 kilometros, e algumas tem tambem a 20 e mais kilometros dos pontos extremos onde rega, que todas são representadas por construcções que têem absorvido centenares de contos de réis, não sendo relativamente menos custosa a despeza com a guarda e conservação annual, tudo á custa exclusiva dos consortes.
Divide-se em quatro ramos iguaes, que simultaneamente regam áreas differentes, em giro tambem igual de dezeseis dias e seis horas, distribuindo mil quinhentas e sessenta horas de agua no preciso periodo de cada um dos mesmos giros, que começam em abril para terminar em outubro de cada anno, comprehendendo ás vezes ainda um periodo mais longo, conforme a maior ou menor violencia da estiagem.
Fecunda os terrenos das tres freguezias mais populosas do concelho do Funchal: S. Martinho, Santo Antonio e S. Pedro, e servindo ao mesmo tempo para abastecimento das povoações por onde transita.
Muitos lavradores ha cuja quota de agua é apenas de um quarto de hora, e por ahi póde ver se os milhares de consortes a que aquellas mil quinhentas sessenta horas de agua aproveitam.
Taes são as condições, n'esta parte, da nossa difficil e custosas vida agricola, e que, alem de outras de que aqui não fallamos, nos constituem e ha de constituir-nos sempre uma excepção ás circumstancias geraes e especiaes da
agricultura, quer no continente, quer nas ilhas dos Açores.
Restam-nos algumas palavras sobre a gerencia e administração d'essas levadas.
Tem variado com o correr dos tempos, e facilmente se comprehende a rasão.
Aquellas pensões tiveram em vista, e por fim especial, o desenvolvimento da agricultura nos logares mais apropriados para ella. Nem de outra cousa cumpria cuidar aos primeiros povoadores.
Estabelecido o principio de que todos deviam ser igualmente favorecidos: «per razom que nem em todas as terras nacia augua», todas os que por igual interessavam na tiragem de uma levada concorreram com o seu trabalho, ou com o seu capital, para a construcção d'ella.
Ao direito do uso das aguas foi-se addicionando succes-