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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Sá Nogueira, na sessão de 6 do corrente mez de junho, publicado com algumas inexactidões no Diario de Lisboa n.° 126.

O sr. Sá Nogueira (sobre a ordem): — Principio por pedir á camara desculpa de que um homem, que de militar apenas tem as honras de soldado academico, tome parte n'uma discussão tão importante como é esta, sobre a organisação da exercito.

Se estivesse persuadido de que alguma pessoa competente queria tomar nesta camara a palavra sobre este assumpto, e expor os inconvenientes e as vantagens que d'esta reforma devem resultar, eu de certo não a tomaria.

Não quero com isto dizer que pretendo (seria louca similhante pretensão) entrar na analyse de todos os artigos d'esta reforma.

Louvo o nobre ministro da guerra por propor o augmento dos prets dos soldados e officiaes inferiores. Era uma necessidade. Cumpre pagar a quem serve, e o pequeno pret que elles tinham não era sufficiente para a sua sustentação. E por consequencia não posso deixar de approvar n'esta parte o projecto de s. ex.ª

Ao memo tempo não posso deixar de approvar a proposta do nobre ministro, relativa aos abonos para cavallos aos officiaes superiores e ajudantes dos corpos de artilheria, de engenheria e de infanteria. Isto é de summa justiça e não carece de demonstração.

Não posso concordar porém com outras propostas que vejo n'este plano de reforma. E justamente uma d'aquellas que está n'este caso é a com que muito concordou o meu amigo, o sr. Camara Leme.

Antes de ir mais adiante, permittam-me as illustres commissões que note, que dessem tão pouco desenvolvimento ao seu relatorio n'uma materia tão importante. O que nos dizem as commissões? Dizem que a reforma é muito boa, que se consegue esta e aquella vantagem; mas não o demonstram. E quem conhece o modo por que se estuda nas escolas militares das armas especiaes, e mesmo em Coimbra, o modo como se estudam as sciencias naturaes, a mathematica e as sciencias de applicação, sabe muito bem que estas asserções não têem valor nenhum, quando a par d'ellas não vem a demonstração.

Eu sinto e lamento muito que pareceres sobre negocios importantes, que têem sido apresentados a esta camara, venham precedidos de relatorios, que servem para tudo ou não servem para cousa nenhuma. Peço perdão ás commissões, mas n'esta casa é preciso dizer a verdade; e quem se não quer sujeitar aos perigos de a dizer, não vem aqui.

N'esta questão poderia talvez dizer verdades que não agradassem. Hei de cohibir-me n'esta parte tanto quanto me for possivel, Comtudo farei algumas observações relativamente ás propostas que vejo consignadas neste projecto de lei.

Esquecia-me de cumprir o preceito do regimento; esquecia me, tendo pedido a palavra sobre a ordem, de mandar para a mesa as minhas moções de ordem.

Tenho mais de uma que mandar para a mesa. A primeira que offereço é uma proposta com referencia ao quadro do estado maior, que tantos louvores mereceu ao sr. Camara Leme.

Não quero entrar nem nas intenções do sr. ministro da guerra, nem nas dos membros que compõem as commissões; mas é licito a todo o deputado ver qual é a feição principal d'este projecto; procurar, tanto quanto a sua intelligencia lh'o permitte, descobrir qual o pensamento predominante d'elle

Li, e li com attenção, o relatorio das commissões; vi os differentes artigos da reforma; e, até onde pude chegar, parece-me que o pensamento predominante é este — o accesso por todos os modos, ou seja por modos convenientes ou seja por todos inconvenientes, ou seja por modos economicos ou seja sobrecarregando o thesouro. Não descubro outro problema resolvido.

Desejo muito a prosperidade do exercito, a prosperidade dos officiaes, e sobretudo dos officiaes das armas especiaes, que têem muito trabalho para conseguirem habilitar-se para a sua carreira, para poderem entrar n'ella; mas, sr. presidente,

Est modus in rebua, sunt certe denique fines.

É preciso que as cousas se façam em termos. Não me canso, porque não preciso, em demonstrar a desnecessidade de augmentar tanto o quadro do estado maior. E não é preciso porquê? Porque a demonstração é uma cousa facil. Ei-la. O quadro do estado maior que se propõe é de 4 coroneis, 5 tenentes coroneis e 5 majores; vem a ser 14 officiaes superiores. Nós temos actualmente 2 coroneis, 3 tenentes coroneis e 3 majores; ao todo 8. Ha portanto uma differença de 6 officiaes superiores a mais.

Na Belgica, cujo exercito é maior do que o nosso, tem o corpo d'estado maior 3 coroneis, 3 tenentes coroneis e 6 majores; ao todo 12 officiaes superiores. Nós porém havemos de ter 14?! E o sr. Camara Leme lamentou que nao tenhamos muitos mais. Note-se que o exercito da Belgica tem perto de 40:000 homens.

Nós não podemos nem precisâmos ter um tão grande numero de officiaes superiores no estado maior...

O sr. Camara Leme: — Se o illustre deputado quizesse dar-se ao incommodo de calcular as necessidades em tempo de guerra, acharia que em relação ao numero dos officiaes superiores no corpo d'estado maior, ainda é pequeno o que se propõe.

O Orador: — Eu nao preciso calcular, nem sei, o numero de officiaes necessarios n'essas circumstancias, mas sei como está calculado e fixado o numero d'elles n'outros pai-

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zes onde nao se sente falta. Alem de que ha muitos officiaes habilitados que, em tempo de guerra, podem ser chamados a servir no estado maior. Mas esses casos estão prevenidos, e muito bem, na proposta do sr. ministro da guerra. Isto é emquanto ás necessidades do serviço em tempo de guerra.

Agora, quanto ás necessidades em tempo de paz, essas tambem é preciso discuti las, porque podem crear-se necessidades que não sejam necessarias (riso).

Diz se ás vezes que é preciso um official do estado maior para este ou para aquelle serviço, mão é tal preciso. Outras vezes, em logar de mandar para uma commissão um capitão, manda se um official superior. E para quê? Para crear uma necessidade.

Ora eu, cedendo tambem a este desejo ardente que vejo «manifestar se, de alargar mais o accesso do que está actualmente, proporei que no corpo d'estado maior haja 3 coroneis, 4 tenentes coroneis e 5 majores.

I; Alem d'esta proposta, apresentarei outra respectiva ao ordenado de 1:000$000 réis, que vem marcado na tabella n.° 1, para o ajudante do procurador geral da corôa junto: ao ministerio da guerra. Não sei que necessidade urgente ha de crear este logar, dando-lhe logo um ordenado de 1:200$000. Este é o vencimento que tem um tenente general, d'esta fórma torna-se preferivel a condição de bacharel formado em leis junto ao ministerio da guerra, que pôde não ter mais de vinte e tantos annos de idade, á do tenente general, com trinta, quarenta ou mais annos de serviço ao seu paiz, que tenha arriscado a sua vida muitas vezes.

As commissões de queira e fazenda, naturalmente por julgarem que todos os deputados tinham conhecimentos sufficientes para adivinhar, resumiu, e muito, o seu parecer. Eu tinha pedido ás commissões que nos apresentassem o orçamento das verbas de despeza a fazer com a nova reforma do exercito, comparados com as que estavam votadas, as commissões porém não se deram a esse trabalho, não o julgaram preciso, e dizem-nos apenas em resumo que ha de haver um augmento de despeza de 19:459$840 réis para se levar a nova reforma do exercito á execução.

Ora quanto á commissão de guerra não admira que deixasse de apresentar o calculo da despeza, que effectivamente esta reforma traz a mais da vetada no orçamento; se não admira, porque? Porque, como já disse n'outra sessão, geralmente as commissões são compostas de individuos Ha especialidade, e, então olham a questão pelo lado da sua especialidade; e se não a olham só por este lado, pêlo menos consideram-na mais particularmente debaixo d'este ponto de vista.

A commissão de guerra naturalmente disse: «O ministerio da guerra não tem d'aqui em diante de despender senão sinais tanto», logo este é que é o augmento da despeza que resulta ida reforma. Mas quanto á commissão de fazenda essa não posso deixar de me admirar de que deixasse passar similhante cousa. A commissão de fazenda, que é tão zelosa no exame do augmento da despeza, não se lembrou de uma verba que fica a cargo do thesouro, qual é a dos soldos dos officiaes que servem em outros ministerios. Esta verba não desapparece do orçamento, so porque deixa de estar a cargo do ministerio da guerra; ella ficava cargo de outros ministerios, e por conseguinte continua a cargo do thesouro, e então o respectivo augmento de despeza vem a ser de mais de 60:000$000 réis. O relatorio é feito em nome das duas commissões e este esquecimento da parte da commissão de fazenda é uma cousa para notar.

Disse que me parecia que o pensamento predominante, ou pelo menos principal objecto que se teve em vista (não digo que fosse isto, mas parece o bem),foi o do accesso no menor tempo possivel.

Noto que no artigo 65.° se diz (leu).

Eu não sei se a segunda parte d'este artigo seria precisa.

Diz se, que serão pagos os seus vencimentos por aquelle ministerio em que servirem =; e declarando-se que não pertenciam ao ministerio da guerra, estava claro que não haviam de ser pagos por este ministerio.

Mas isto parece que vem de proposito, para segurar os soldos a estes individuos que fazem serviço em outros ministerios.

O paragrapho diz (leu).

O que se vê é que no caso d'estes officiaes ficarem servindo em outros ministerios, temos uma duplicação de despeza, e temos duas promoções uma a par da outra, o que a final vem a produzir o seu effeito, o augmento da verba de despeza com reformas e monte pios que vem a ficar a cargo do ministerio da guerra, sendo reformados como militares (não tendo feito serviços militares)!

Mas continua o paragrapho (leu).

Supponhamos que um official subalterno está servindo no ministerio das obras publicasse cometem direito de optar elle continua ahi a servir,»e vae sendo graduado. Passados alguns annos este official póde passara servir no exercito no posto de general; isto sem pratica do serviço, nem pratica de commandar um corpo.

Eu não penso »que esta fosse a idéa do sr. ministro da guerra, nem creio que todos elles voltassem ao serviço militar, mas pela disposição d'este artigo pôde dar-se este caso. Pergunto — é isto conveniente para uma boa organisação militar?

Eu creio que não.

O que é verdade é que para o futuro vem a haver um consideravel augmento na importancia da verba de despeza com reformados.

Nós hoje segundo o orçamento fazemos uma despeza com os reformados de nada menos do que 400:000$000 réis, e o que faz este projecto é dar toda a facilidade e mesmo attrahir os officiaes a pedirem a sua reforma. O fim é pô-los fóra do serviço o mais depressa que seja possivel para haver accessos. Este é o facto; e, é necessario dizer a verdade como ella é.

Dão-se todas as vantagens aos officiaes para serem reformados, a fim de fazer com que, elles desejem a reforma.

Quer V. ex.ª saber qual há-de ser provavelmente o resultado d'esta nova organisação do exercito? Ha de ser o mesmo que deu a lei de 1855, que fazia valer a antiguidade para a reforma; muitos officiaes que estavam muito capazes de serviço, mas que tinham sido preteridos, aproveitaram-se da lei e saíram do exercito, de sorte que uma parte consideravel da verba dos reformados provém d'esta lei; porque um official que via que os seus direitos não podiam ser attendidos de outro modo, aproveitou-se d'aquella vantagem que se lhe concedeu e pediu a sua reforma. Houve tenentes que foram reformados em tenentes coroneis, e lá foi para o orçamento a competente verba de despeza (riso). Isto assim não é possivel.

Está aqui o sr. ministro da guerra, e, sabe muito bem, que não é possivel, porque se vae augmentar antes de tempo a verba dos reformados, e esta verba é permanente tem de se pagar todos os annos. Qual é o resultado? O resultado é haver uma despeza permanente por alguns annos, e Deus queira que por muitos, porque não desejo que elles morram, o resultado é que 50:000$000, 100:000$000, 200:000$000 réis ou mais, que podiam servir para levantar fundos para fazer estradas de ferro e outras obras de utilidade publica, gastam-se improductivamente (apoiados).

E preciso dizer a verdade.

Peço licença á camara para ainda ler um dos artigos da proposta em discussão. E o 72.°:

«Os coroneis que passarem a generaes de brigada só poderão reformar-se em generaes de divisão pelo direito constituido nas leis em vigor, quatro annos depois de terem sido promovidos aquelle posto Se antes d'este periodo pretenderem ou lhes for dada a reforma, te-la-hão com o soldo de 75$000 réis mensaes, sendo, graduados em generaes de divisão.»

Pela redacção d'este «artigo parece que se dá ao governo a faculdade de reformar arbitrariamente o official, porque tratando dos coroneis que passarem a generaes, de brigada, emprega as palavras pretenderem ou lhes for dada a reforma..Essa redacção está um pouco desenvolvida para quem é tão laconico no relatorio (riso). Aqui está uma vantagem que se faz; isto é attrahir os officiaes, a pedirem a sua reforma.

O § unico diz:,

§ unico. Sendo o posto de general de brigada o immediato ao de coronel, será-em generaes de brigada que os coroneis poderão obter a reforma, quando as leis em vigor sobre o assumpto lhes garantam esta vantagem, com o soldo de 750000 réi» mensaes.»

Aqui me diz o meu. amigo, o sr. Garcez, que está exactamente n'estas circumstancias, e que lhe convem, pedir a sua reforma, apesar de não estar impossibilitado para o serviço.

Uma voz: — Que artigo é?

O Orador: — É o artigo 72.° Já V. ex.ª vê que não avancei, uma, asserção infundada.

Antes -de passar adiante permitta-me v. ex.ª que leia outra proposta que tenho de mandar para a mesa, que eu considero importante, que é em relação a um certo § do artigo 65.°, de que já. fallei, que ha de trazer; uma despeza muito grande para o thesouro.(leu).

Proponho a illiminação do §4.° do artigo 66.° Já demonstrei tis, inconvenientes,..seja-me; permittido dizer mesmo a monstruosidade d'esta disposição, e por isso não repito o que já disse para justificar a minha, proposta.

Vou procurar ser o mais breve possivel para não tomar muito tempo á camara.

Não lerei nenhuma disposição mais d'aquellas que convidam os officiaes a pedirem a sua reforma.

Entendo que o mais rasoavel era approvar desde já os augmentos de prets; approvar mesmo as vantagens que se concedêra aos officiaes superiores;, e..aos ajudantes dos corpos de engenheria, artilheria e infanteria. Approvar só isto, e ficar tudo mais para ser considerado na seguinte legislatura. Isto é o que me parecia mais regular. A materia é delicada, carece de muita discussão, e embora se apresente aqui debaixo de uma apparencia muito simples, como um projectos de lei de dois ou tres artigos, não deixa de ser muito complexe. Digo mais, eu não approvo nem posso nunca approvar este modo de fazer leis dê se uma auctorisação com bases certas definidas ao sr. ministro, com bases, discutidas ou uma auctorisação ampla, mas não se sophisme o systema constitucional, não se nos, apresente, aqui um projecto de lei como por exemplo, um codigo, contendo uma immensidade de artigos, e outro projecto acompanhando-o, contendo sómente um ou dois artigos, dizendo — fica convertido em lei o, projecto tal—; porque, n'esse caso, em vez de se, discutirem todos os artigos, como deve ser, não ha senão uma discussão na generalidade, o que não é mais do que sophismar o systema constitucional. Contra esse Sophisma tenho eu sempre combatido nesta casa, quer estejam no poder os meus adversarios politicos, quer os meus proprios amigos.

O augmento de despeza, resultante da proposta do sr. ministro, em relação aos. prets, não pôde importar, em menos de 105:000$000 réis,.proximamente;.aqui está o calculo que o demonstra:

Augmento de 20 réis diarios, a 18:000 praças

de pret, deduzida a somma„que se abona

para auxilio do rancho................ 84:900$000

Ditos a 2:673 praças de pret dos corpos de veteranos, (orçamento, artigo 48.º).......... 20:047$500

104:947$500

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Aos veteranos não se abona esse augmento.

O Orador; — Diz o sr. ministro da fazenda, que não se abona aos veteranos, e eu entendo que é necessario abonar-se lhes, porque uma cousa de justiça...

O sr. Ministro da Fazenda: — Então proponha o abono.

O Orador: — Não proponho, mas digo que é uma necessidade, e se este augmento se não fizer agora, ha de vir a fazer se, porque se as outras praças de pret não podem passar sem elle, os veteranos acham se no mesmo caso.

Agora se nós a essas despezas, que é necessario e que é justo que se façam, formos juntar as que não são indispensaveis, e que não devemos votar, e que andam talvez por 50:000$000 a 100:000$000 réis, a quanto subirá o augmento da despeza? E digo 50:000$000 a 100:000$000 réis, porque não,é possivel saber a somma a que chegará a despeza com os officiaes reformados. De mais a mais isto não é uma despeza feita por uma só vez, é uma despeza permanente, e que todos os dias augmenta, porque todos os dias se estão reformando officiaes.

Entrei n'esta questão com certo receio, porque tenho tido receio de mim mesmo; tenho tido receio de ir mais longe do que queria e de que talvez devesse ir, porque quem tem o mandato de deputado vê se obrigado muitas vezes a votar contra o que desejaria approvar, e a fallar tambem dê um modo que não deseja, e que não pôde ser agradavel a muitas pessoas, a quem se não deseja offender nem de longe.

Antes pois que me tente a dizer mais alguma cousa, vou sentar-me. Creio que o modo por que este negocio foi preparado nas commissões não é o mais regular. Paro n'este ponto; já na sessão passada disse alguma cousa, em relação ás commissões era geral, refiro-me ao que disse.

Tomei nota de duas cousas que disse o sr. Camara, Leme, permitta-me s. ex.ª que responda a ellas.

S. ex.ª achou muito justo o augmento do quadro dos officiaes do estado maior, e achou que era conveniente que não houvesse mais de tres ou quatro divisões militares. Parece que, diminuindo as divisões militares em resultado de uma melhor organisação, devia tambem diminuir, por desnecessario, o quadro dos officiaes do estado maior; entretanto s. ex.ª entende que o quadro deve augmentar; como concilia isto é que eu não sei.

Não desejo tomar mais tempo á camara e creio que no que tenho dito procurei ou fiz diligencia de não atacar pessoa alguma.

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