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46 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

nada pelas côrtes geraes, que representaria o artigo 6.° do ultimo acto addicional, que muito claramente preceitua a organisação d'esta camara?

A acceitação do alvitre apresentado pelo sr. Barros e Sá importava uma infracção do codigo fundamental.

O orador já teve occasião de declarar que era contrario a todas as dictaduras, e quando venha á tela do debate o MU respectivo á que ultimamente foi feita por este governo terá occasião de mostrar á camara os males que promanam do recurso a esse meio anormal; mas não é disto que se trata agora, e se o ministerio infringiu a constituição, a camara, infringindo-a tambem, aggrava consideravelmente o mal.

Esta camara, tal qual está, não é um corpo politico nem um corpo legislativo; constitucionalmente não é mais que uma junta preparatoria, á qual incumbe unicamente a verificação dos poderes dos pares eleitos, isto é, verificar se as eleições foram feitas nos termos da lei.

Pergunta-se: qual é a lei?

A lei é o decreto dictatorial.

Parecerá á primeira vista absurdo que um inimigo das dictaduras diga que nós temos a obrigação de regular-nos pelo decreto do poder executivo; mas o orador não quer que esta camara, desrespeitando a constituição do estado, faça tambem dictadura.

Admira-se de que o sr. Barros e Sá, com a sua auctoridade juridica, diga que um facto illegal não produz consequencias legaes e legitimas.

O orador só manuseia os seus livros de direito quando tem de resolver alguma duvida que se apresenta no correr dos debates parlamentares, e, ao ouvir hontem a opinião do digno par a quem vem de referir-se, consultou esses livros, e verificou que um acto illegal produz consequencias legitimas e legaes em favor de quem. o pratica.

Supponha s. exa. que um homem casado e com filhos envenena os cunhados para receber toda a herança do sogro quando este falleça. Embora o crime seja descoberto e o criminoso punido, é claro que a familia recebe a herança.

Não é este um facto mais que illegal, hediondo; e não produz consequencias legitimas.

O sr. Barros e Sá (interrompendo): - Não se trata de um envenenamento.

O Orador: - Sabe que não se trata de um envenenamento, mas o exemplo colhe para provar que se não póde dizer que de um facto illegal resultam sempre consequencias illegaes.

Pergunta o digno par o sr. Barros e Sá o que havemos de fazer se, depois dos pares eleitos terem aqui assento, for o bill rejeitado. Responde a s. exa. que a parte electiva, seja qual for a resolução que esta camara tome com respeito aos decretos do poder executivo, já não sáe d'aqui senão pelos meios constitucionaes, e aqui tem o digno par como o facto criminoso de uma dictadura, que estabeleceu certos preceitos para a eleição dos pares, produz a consequencia legitima de os manter na posse de um direito adquirido.

Allega-se que esta camara está coagida a adoptar uma violencia; mas é forçoso ponderar que nós não somos pares por direito divino, que não recebemos poderes do céu, que não valemos mais que quaesquer outros cidadãos, e que a constituição diz que os nossos direitos, os nossos deveres e as nossas prerogativas só podem ser exercidos quando as côrtes geraes estejam reunidas.

Para que possamos pedir contas ao governo é preciso que a camara esteja constituida, e até lá ficamos sujeitos á dictadura como quaesquer outros cidadãos.

Supponha a camara que, quando foram publico dos os decretos da dictadura, nós nos reuniamos em um certo local, e que tomavamos uma resolução contraria a elles. Se assim succedesse, toda a gente se ria, porque não estavamos reunidos nos termos da constituição, e porque ultrapassava-mos o nosso mandato.

E certo que o sr. presidente está no seu logar muito legal e muito dignamente, que a sessão está aberta, mas não é menos certo que não estamos funccionando como corpo legislativo, o que, portanto, não podemos declarar se os actos do governo, praticados na ausencia do parlamento, devem ou não ser approvados, e, se fizéssemos qualquer declaração n'este sentido, praticavamos uma inconstitucionalidade.

Sabe o orador que os argumentos apresentados dão a entender que, sendo a grande maioria dos pares eleitos affecta ao governo, nunca este poderá ser condemnado pelos actos anormaes que, praticou no interregno parlamentar.

Isto será assim, mas o que se ha de fazer?

Se esta camara se não compozesse, entre outros elementos, do electivo, é claro que podiamos tomar desde já contas ao governo; mas, attenta a disposição da lei, a liquidação das responsabilidades só póde apurar-se quando estejamos legalmente constituidos.

Havia um unico meio de obstar ao acto do governo, mas O paiz não recorreu a elle.

Se o paiz queria que se mantivesse a constituição do estado, que se insurgisse no momento em que ella foi violada.

O orador não prega a insurreição, mas se realmente o paiz tonasse a peito a inviolabilidade do nosso codigo fundamental, ter-se-ia insurgido contra os decretos dictatoriaes; mas nem as com missões recenseadoras, nem os collegios eleitoraes, nem os maiores contribuintes reclamaram contra o procedimento do governo.

Se todas estas entidades, que tinham o direito de se insurgir contra os decretos da dictadura, não o fizeram, somos nós, que não estamos investidos dos respectivos poderes politicos, que nos havemos de insurrecionar?

O orador não quer entrar agora na questão de saber se o decreto dictatorial é ou não legal, e não entra agora n'essa apreciação porque a não julga necessaria para o caso de que se trata.

Não reconhece esse decreto como lei, entende mesmo que o poder legislativo não o deve reconhecer como tal, mas como a constituição, que o orador muito respeita, falla da harmonia e divisão dos poderes publicos, não deseja que esta camara intervenha nas attribuições de um poder independente como é o judicial, o qual decidirá a questão em harmonia com os mais rigorosos principies de jurisprudencia.

Não possuimos, insiste o orador, poderes senão como membros das côrtes geraes, e como estas se compõem de camara dos senhores deputados, e camara dos dignos pares, não somos corpo politico emquanto não entrar aqui a parte electiva. Tem concluida a sua argumentação.

Reconhece que será dolorosa qualquer deliberação que a camara tome, mas é ella um dos fructos da dictadura.

Por agora somos obrigados a validar o acto do governo, mas isto não nos inhibe de mais tarde apreciar esse acto, conforme julgarmos mais conveniente.

Occorreram hontem circumstancias que devem obrigar es governos e os poderes constituidos a um pausado reflectir.

É necessario que todos se convençam de que as habilidades e as astucias produzem tristes resultados, e de que a melhor maneira de governar hoje, que o povo conhece os seus direitos e está resolvido a exigir o respeito a elles, é ter sempre em vista a justiça, e o primeiro principio da justiça é a igualdade perante a lei, igualdade que abrange tanto os governos como o mais Ínfimo cidadão.

Concluiu, dizendo que, se a camara votar a proposta do sr. Thomás Ribeiro, infringe a constituição de uma maneira insanavel.

(O discurso do digno par será publicado na integra guando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)