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126 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mãos delicadas de uma rainha. Se a tivesse recebido das mãos de S. Exa. nunca mais a usaria, porque lhe manchava o peito a insidia e a fraude de quem lh'a dera. Quanto ao pariato, os arminhos brancos estão hoje cheios de sangue.

Refere-se depois ao periodo de doença do Sr. Presidente do Conselho, em que o orador esteve sempre a seu lado, chegando o Sr. José Luciano a dizer-lhe: "Você foi o meu braço. Sem você, pouco ou nada poderia ter feito."

Affirma o Sr. Presidente do Conselho que o contrato dos tabacos foi a Conselho de Ministros. O orador affirma que não, e a Camara decidirá entre os dois. O contrato não foi aprovado, nem discutido, nem sequer lido! A nenhum Ministro foi mandado o contrato.

Em poucos dias perdeu todos os predicados e todas as qualidades, como uma figura luxuosa de magica se transforma, em mutação de effeitos, n'um pobre coberto de farrapos. O "tribuno poderoso" da vespera converteu-se n'um "dissertador sem talento"; o "jornalista vigoroso" n'um "forrageador de Camillo e de Vieira", o "luctador insigne" n'um "Hercules de feira", o "estadista de arrojada iniciativa" n'um "ministro sem emprehendimentos de especie alguma.". Mas nada d'isso o feriu. Porque essas accusações só podiam attingir a sua vaidade. E elle, orador, leve sempre o cuidado de calafetar todas as fendas da alma, por onde a vaidade pudesse entrar.

Pouco depois levanta-se outra campanha, não já contra a sua vaidade, mas contra a sua honra, contra a honra do seu partido que ama com ardor, como se amam ás vezes as mulheres, mais pelas recordações dos soffrimentos, do que das alegrias que nos deram.

Lançaram-lhe em rosto as honras e benesses que recebera do seu partido.

Conta o que succedeu com o marechal Lefebvre, duque de Dantzig.

Um dia, visitava a sua casa, repleta de preciosidades, um amigo seu. Falou-se de muitas cousas. Lefebvre levou o seu amigo a uma sala com muitas janelas e exclamou: "Vou collocar em cada uma d'estas janelas uns poucos de criados com espingardas, e mando-os, quando atravessares o pateo que ali vês, fazerem todos fogo sobre ti; se conseguires vencer e sair illeso da lucta, dou-te todas as preciosidades da minha casa, porque foi assim que obtive o que possuo".

Poucos dias passados sobre a sua demissão surgiu, por parte do Governo, a ameaça da dissolução da Camara dos Deputados e das incompatibilidades destinadas a expulsar da Camara alta, ou a ferir na sua bolsa, os Pares do Reino que não fossem submissos e doceis ao contrato dos tabacos. Esse boato parecia ter sahido de casa do Sr. Presidente do Conselho para tirar todo o prestigio á Coroa. Tres mezes antes de agosto apparentava-se dispor da Coroa para tudo e dava-se ao paiz a impressão de que nada valiam os Conselheiros de Estado, considerados ainda menos do que "jarrões decorativos da sala do Throno", na phrase espirituosa de Casal Ribeiro.

Se esses projectos se houvessem realizado, equivaleriam, segundo alguem disse, a transformar a Camara dos Deputados em assembleia geral da Companhia dos Tabacos, e a Camara da Pares em Conselho Fiscal da mesma companhia.

Cita uma phrase de Gambetta: que todo o homem publico deve comer logo de manhã um sapo, para estar apto a aguentar os casos repulsivos que o cercam.

O orador expõe depois os motivos do seu procedimento.

Não conhecia o contrato dos tabacos. O texto d'esse contrato nunca foi apresentado em Conselho de Ministros. Nunca! Apenas ali foram as suas linhas geraes. O contrato, nunca! É certo, que elle, orador, podia ter pedido esclarecimentos 'e informações sobre o assumpto. Mas esse pedido representaria uma ameaça de desconfiança. Alem d'isso a indole e a natureza da sua pasta não justificavam que o fizesse. Conheceu o contrato pelos jornaes e pelo Diario ao Governo. Mas, mesmo que assim não fosse, mesmo que o houvesse conhecido antes, feria o que fez. Não seria outro o seu procedimento, de que assume inteira responsabilidade perante o Rei e perante o paiz.

É moda, hoje, desdenhar-se da imprensa. Mas os que desdenham d'ella não se recordam de que os pedacinhos de chumbo dos caracteres typographicos teem mais luz do que a aurora e mais força do que pelouros e canhões. A imprensa expressou bem a extraordinaria corrente de opinião publica que havia no paiz contra o contrato dos tabacos. Para qualquer outro estadista que não fosse o Sr. José Luciano seria como que uma indicação constitucional. Foi-o, para elle orador,

Em Inglaterra muitas vezes os Ministros teem reconsiderado em propositos seus, por motivo de manifestações da opinião publica. Alem d'isso, a commissão de fazenda, que é "ma delegada da Camara, manifestou-se contra o contrato por maioria de votos. Essa commissão compunha-se, e compõe-se, de Deputados que só fazem parte d'ella porque o Governo os escolheu, porque não foram suspeitos para o Sr. Presidente do Conselho. Se elle, orador, em vez de ser Ministro da Justiça, fosse Ministro da Fazenda, não teria a menor duvida em obedecer ás indicações parlamentares da commissão, sobrestando no contrato.

Accusou o Sr. José Luciano de Castro, nos seus jornaes officiosos, de incoherencia, de indisciplina e de ambição. Elle, orador, não mudou de opinião, porque não conhecia o contrato dos tabacos. Mas, mesmo que tivesse mudado. A sociedade é um mar que obedece a correntes diversas e outros phenomenos de varia especie. Bismarck atacou o clericalismo para depois o defender; incarnou a suprema autocracia de chanceller de ferro para depois fomentar o socialismo. Robert Peel renegou as suas doutrinas proteccionistas para se lançar no mais avançado livre-cambismo. Gambetta foi o grande politico opportunista que todos conhecemos e admiramos.

Recorda depois que o proprio Sr. Presidente do Conselho combatera a juncção das duas operações, conversão e exclusivo, defendendo-a agora.

A campanha do Dia, contra a juncção das duas operações, por exemplo, foi encorajada pelo Sr. Presidente do Conselho, que a elle, orador, mandou até as provas de um artigo d'aquelle jornal com algumas notas a lápis, approvando a sua doutrina.

N'esta altura, como o Sr. Alpoim tenha notado como que um gesto de negativa no Sr. José Luciano, exclama;

- O Sr. Presidente do Conselho diz que não com a cabeça. Não é dos que guardam cartas para d'ellas fazer uso contra quem as escreve. Mas afirma á Camara que o Sr. Presidente do Conselho lhe mandou as provas de um artigo, do Sr. Moreira de Almeida, para o Dia, com diversas annotações a lápis, defendendo a separação das duas operações.

Com respeito á segunda accusação, a da indisciplina partidaria, tem a dizer que deseja e defende a existencia de dois grandes partidos., como são exemplo o tory e o wigh, a que a Inglaterra deve tanta gloria. Mas não admitte partidos-castas, verdadeiras oligarchias, onde são abafadas todas as iniciativas.

Não admitte partidos em que os chefes, em vez de serem directores supremos, são apenas pastores que conduzem o submisso e servil rebanho.

O orador pede depois perdão ao Rei e ao paiz, de ter contribuido, porventura, de alguma maneira, para este estado de cousas.

Invoca a alma franca e rude do Bispo de Vizeu e o espirito gentilissimo do Duque de Loulé, pondo uma e outro em contraste com as caracteristicas dominantes do Sr. José Luciano de Castro.

Se a sua carreira politica terminou e se extinguiu que importa isso? As pessoas são nada ante a causa publica.