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Uma das causas que concorrem para o atrazo das nossas sessões é a, revisão feita pelos dignos pares. Eu estou convencido de que, emquanto se não deixar de fazer essa revisão, não poderemos adiantar muito. A publicação seria mais breve, se se fizesse sob a responsabilidade dos respectivos empregados, ficando aos oradores o direito de fazer as rectificações que julgassem opportunas; mas, repito, emquanto os discursos forem á mão dos dignos pares para os reverem, sempre ha de haver atrazo na publicação das nossas sessões na folha official. Pôde pois o digno par estar certo de que procurarei examinar as causas da demora, e ver se de algum modo se pôde remediar esse grande inconveniente.
(Pausa.)
O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ORDEM DO DIA
eleição de dois membros que faltam) para a commissão de administração publica
Feita a chamada, e corrido o escrutinio, entraram na uma 21 listas; e procedendo-se ao apuramento com os srs. Vice-secretarios, saíram eleitos os dignos pares:
Manuel Fernandes Thomás, com............. 19 votos
Vicente Ferrer Neto Paiva.................. 15 »
O sr. Presidente: — Vae agora proceder-se á eleição da commissão de instrucção publica, que se compõe de cinco membros.
Procedendo-se ao escrutinio e apuramento das 21 listas que entraram na uma, inutilisaram-se 2 por serem brancas, e saíram eleitos os dignos pares:
Vicente Ferrer Neto Paiva, com............. 18 votos
Luiz Augusto Rebello da Silva.............. 18 »
José Maria Baldy......................... 17 »
Cardeal Patriarcha......................... 15 »
Como faltasse um membro para completo da mesma, procedeu-se a segundo escrutinio, e tendo entrado na uma 23 listas, saíu eleito o digno par:
Fernandes Thomás, com.................... 22 votos
O sr. Presidente: — Vae proceder-se á eleição da commissão de agricultura, commercio. e industria.
Corrido o escrutinio e feito o apuramento das 23 listas que entraram na uma
O sr. Rebello da Silva: — Peço a palavra sobre a ordem.
O sr. Visconde de Villa Maior: — Eu tinha pedido a palavra na ultima sessão, para quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas, e como me consta que s. ex.ª pouco, pôde aqui demorar-se, peço a V. ex.ª que me conceda a palavra antes da eleição a que se vae proceder, pois serei o mais breve possivel.
O sr. Presidente: — Vae dar-se primeiro conta do resultado da eleição.
Foram eleitos os dignos pares:
Duque de Loulé, com...................... 20 votos
Marquez de Ficalho........................ 20 »
José Augusto Braamcamp................... 19 »
Jayme Larcher..................;......... 18 »
Conde de Thomar......................... 16 »
Conde da Ponte........................... 16 »
Marquez de Sousa Holstein.................. 15 »
O sr. Rebello da Silva: — Pedi a palavra para fazer um requerimento. Eu pedia a V. ex.ª que consultasse a camara se queria que continuassem as mesmas commissões que faltam a preencher, porque estamos a reeleger as que funccionaram na ultima sessão legislativa. Proponho pois que se considerem reeleitas as outras que faltam a eleger (apoiados).
O sr. Presidente: — Na conformidade do regimento só faltam a preencher as commissões de agricultura, de redacção e de petições, e por isso faço um additamento á proposta do digno par, para que a commissão de regimento tambem não seja eleita (apoiados).
Consultada a camara, resolveu afirmativamente.
O sr. Visconde de Villa Maior: — Sr. presidente, estando ha pouco tempo na provincia de Traz os Montes, fui testemunha do estado de soffrimento em que se acham a maior parte das populações ruraes d'ella, principalmente do districto de Bragança. Julgo por isso do meu dever chamar a attenção dos poderes publicos sobre áquelle ponto do paiz, e pedir ao governo que faça cessar áquelle estado de soffrimento.
Ha tambem outra crise funesta, e mais terrivel pelas consequencias que pôde ter. Hoje é uma cousa conhecida em todo o paiz o estado de miseria em que se acha aquella parte do reino, não só do districto de Bragança, mas igualmente da Guarda, Castello Branco, e ainda outros.
Eu não quero fazer a descripção, nem traçar o quadro d'este estado de cousas, porque entendo dever fallar mais á rasão do que ao coração. O governo e a camara sabem perfeitamente que é um dever imperioso dos poderes publicos vir em auxilio do governo quando faltam os alimentos e o meio de os conseguir pelo trabalho. A crise actual não se pôde dizer que é alimenticia, nos districtos a que me referi, mais antes uma crise de trabalho, pelo desapparecimento da moeda circulante que é o meio necessario para o trabalho. Felizmente não têem faltado os alimentos nem o preço d'elles é demasiadamente caro (apoiados).
O centeio que é a base do alimento do povo de Traz os Montes e parte da Beira tinha o preço de 700 réis o alqueire. Sabe-se que em 1857 o preço d'este genero chegou a 1$200 réis o alqueire, o que mostra não ser excessivo o preço actual. Então não houve fome nem miseria, porque a moeda circulante não tinha desapparecido, e por isso havia meio de dar trabalho ás populações ruraes; e hoje não é assim. Eu podia indicar os preços de outros generos no dia de hoje, mas não quero tomar tempo á camara, e por isso limito-me a dizer que a batata, que é uma das bases principaes do alimento d'aquelles povos, vende-se cada alqueire, que anda por mais de 10 kilogrammas, apenas por 160 a 200 réis. O feijão custa 600 réis. Estou certo que os generos não faltam, o que falta é a moeda circulante que é o meio de dar trabalho ao povo, e com que elle pôde compra-los.
Os tumultos de 1 de janeiro d'este anno, que eu não quero qualificar, assustaram os capitalistas, que recolheram os seus capitães, cessaram as obras que emprehendiam, e d'ahi provém a falta da moeda circulante.
Eu creio que o unico meio que poderá agora empregar-se para attenuar este estado de cousas é fazer um esforço para dar desenvolvimento á construcção das estradas geraes e das municipaes, até que a tranquillidade se ache perfeitamente restabelecida, e as cousas entrem nas condições normaes, e com ellas as transacções sigam na sua ordem regular.
O sr. ministro das obras publicas já tem mandado abrir trabalhos em differentes pontos. N'esta parte da provincia a que me refiro se mandaram abrir secções de estradas em 27 de abril proximo, mas até hoje esses trabalhos ainda não começaram. Ha sempre demora nos estudos preliminares, e de tal maneira tem ella sido que até hoje os trabalhos das estradas ainda estão por começar; e como os trabalhadores não matam a fome só com decretos ou portarias, é necessario da facto abrir os trabalhos, e para isso peço ao sr. ministro que, attendendo a este estado de cousas, attendendo á salvação do estado (posso assim dize-lo), empregue todos os meios ao seu alcance para que comecem definitivamente os trabalhos das estradas a que me referi.
O estado metallurgico tem sido aterrador para o nosso paiz; depois de um anno de colheitas escassas segue-se uma secca, por tal modo rigorosa, que o futuro é tenebroso. De uma grande parte das sementeiras pouco poderemos esperar, se não houver ainda algumas, chuvas; e n'esse caso teremos um inverno muito triste. E para evitar todas as tristes consequencias que d'aqui podem resultar que peço ao sr. ministro das obras publicas que dê todas as providencias necessarias para attenuar o mal.
(O orador não reviu os seus discursos.)
O sr. J. A. Braamcamp: — Pedi a palavra sobre a ordem para participar a V. ex.ª e á camara que se acha constituida a commissão de fazenda, tendo nomeado seu presidente o digno par conde de Cabral, e a mim para secretario, resolvendo nomear relatores especiaes para os diversos projectos que lhe forem confiados.
0 sr. Ministro das Obras Publicas (Canto e Castro): — Sr. presidente, o que acaba de expor o digno par é infelizmente o que se dá em quasi todos os pontos do paiz, segundo as informações que tenho recebido de muitos dignos pares e srs. deputados, e de todos os governadores civis.
Não ha duvida que é esta a epocha mais apropriada para dar desenvolvimento aos diversos trabalhos publicos, não só porque se podem obter mais baratos, mas tambem porque facultam meios aos homens que precisam ganhar o pão. Tudo isto porém depende de duas circumstancias muito importantes: a primeira é haver os meios, e a segunda acharem-se approvados os estudos dos diversos lanços pelo conselho das obras publicas.
Emquanto á primeira parte, pouco é o cuidado que me dá, pela certeza que tenha de que as camaras se não hão de recusar a prestar os meios de que o governo precisar para este fim. Emquanto á segunda parte, tenho feito activar os estudos necessarios, o já depois de estar no ministerio mandei abrir trabalhos em 180 kilometros de estrada em differentes pontos.
Sr. presidente, os trabalhos que ha para fazer de Mirandella á Barquinha, são approximadamente 38 kilometros, divididos em 4 lanços: 1.°, de Mirandella ás Latadas; 2.°, Cachão; 3.°, Meyrelles, e o 4.°, Barquinha. Tanto no 1.° como no 4.° lanço já elles se mandaram abrir, os d'aquelle em 31 de março, o os d'este a 7 de abril; e os outros mandar-se-hão abrir logo que os estudos estejam concluidos.
O não se terem ainda começado os trabalhos já auctorisados desde 7 de abril, não quer dizer que se não effectuem. S. ex.ª sabe perfeitamente que medeia quasi sempre um mez para se disporem os diversos preparativos entre a ordem dada e o começo dos trabalhos.
Do que deixo dito V. ex.ª e a camara poderão ver que o governo não descura esta importantissima questão, e que ha de mandar fazer os estudos precisos para se poderem encetar os trabalhos, a fim de dar emprego aos que precisam de ganhar o pão quotidiano.
(O sr. ministro não reviu o seu discurso.)
O sr. Rebello da Silva: — Direi duas palavras, não para me oppor de maneira alguma ás opiniões que acaba de emittir o digno par e meu amigo o sr. visconde de Villa Maior, mas para expor algumas ideias que me occorrem a respeito d'este assumpto.
Sr. presidente, a situação do paiz, de que o digno par fez a exposição relativamente á sua localidade, é infelizmente má, porque nós lutamos com uma crise agricola, commercial e politica, crise que tem sido aggravada pela maior de todas as questões, que é a questão financeira com que arcamos.
A questão economica tem-se complicado com a escassez das colheitas dos cereaes em algumas localidades do reino, emquanto que n'outras houve quasi o dobro da producção.. A camara sabe que a falta de circulação de numerario, a que alludiu o meu digno collega, e que é uma das causas que mais está restringindo todas as relações mercantis, procede de duas circumstancias: a primeira, é a forte saída
metallica, que é annual e constante, e todos sabem que, ao paço que a nossa população augmenta, ainda que pouco sensivelmente, a area cultivada no paiz não augmenta, sobretudo na cultura dos cereaes, que nem ao menos vê melhorados os antigos methodos ou substituidos por outros, que nos paizes estrangeiros se vão adoptando; d'ahi provém por consequencia um deficit evidente, positivo, annual e constante entre as subsistencias e a producção; a segunda circumstancia é a guerra do Brazil, que nos tem difficultado todas as transacções n'uma praça em que representamos um papel importantissimo, especialmente com relação ás provincias, para onde costumam retirar-se os homens mais enriquecidos dos lavores commerciaes n'aquelle paiz. Esta ultima circumstancia porém modificou-se n'estes ultimos tempos, e é provavel que dentro em pouco acabe completamente, dando áquelle imperio feliz e glorioso termo á guerra em que está empenhado.
Eu congratulo-me pelas victorias que têem coroado as armas brazileiras, e que promettem o restabelecimento da paz, porque essas victorias têem por si a justiça. Por este lado vejo pois um horisonte mais favoravel para a nossa questão economica.
Em quanto á questão financeira, é ao governo que compete estar habilitado para a resolver; mas o que me parece sobretudo, é que sempre que a anarchia, mansa ou tumultuaria, vier perturbar a sociedade, a contracção dos capitães é immediata (apoiados), e o resultado é a paralisação do trabalho, cuja consequencia é o soffrimento das classes laboriosas, que só vivem dos salarios que obtêem pelo trabalho.
Portanto parece-me que seria uma das cousas da mais alta conveniencia para o nosso paiz o estabelecimento de uma aula de agricultura, em que se ensinassem os verdadeiros interesses ruraes das localidades.
Com relação ás obras publicas já o sr. ministro respondeu, e parece-me que respondeu da maneira mais cabal; isto é, que o governo não tem os meios financeiros que são necessarios, nem os estudos preparados para poder occorrer desde já a todas as obras de utilidade publica, que o paiz exige. Eu tambem unirei os meus votos aos do sr. ministro para que possa comprehender nas obras a que mandou proceder o maior numero de braços que estão sem trabalho; mas parece-me impossivel que o governo possa levar a effeito essas obras sem recorrer á iniciativa particular, que é de si tão energica; porque o governo não poderá ir senão até certo ponto, e o sr. ministro já declarou que não queria fazer promessas que não podesse cumprir, porque as promessas que não podem cumprir-se vem muitas vezes a ser origem de catastrophes, que é necessario evitar. A falta de trabalho é uma das, crises que reclama dos governos o emprego de todos os esforços para a acabar, dando um maior desenvolvimento ao trabalho; e por isso espero que o sr. ministro não deixará de empregar todos os meios ao seu alcance para melhorar as actuaes circumstancias do paiz (apoiados).
Mas, antes de concluir, direi que estou persuadido de que parte das difficuldades em que se acha o governo nascem do apego que nós temos á copia teimosa da organisação franceza, e á centralisação que é uma traducção dos principios de Cormenin, que podem ter sido convenientes em França nos tempos do primeiro imperio, que talvez o não sejam tanto no segundo, e que em todo o caso não convem de maneira alguma ao nosso paiz, que tem habitos, necessidades e tradicções differentes da França. Por mim declaro que tenho mais tendencia para o governo economico de Inglaterra, do que para esta completa imitação das praticas francezas.
Eu desejava portanto que as localidades tomassem sobre si a parte que lhes pertence das suas obras publicas; até pela difficuldade em que a questão de fazenda poz o governo para poder dar maior latitude ao desenvolvimento das obras locaes. Por este modo essa questão ficava menos grave, e ao mesmo tempo desaffrontava-se o poder central do cuidado de estar concorrendo para todas as obras que são exigidas pelas localidades, desde a estrada municipal até á vizinhai. Ora isto é absolutamente impossivel, porque não ha governo que tenha meios para occorrer a tudo isso que se exige d'elle. E não se esteja a dizer que as economias e reducções de despeza só se podem fazer nos empregados publicos, porque o seu numero é excessivo. Eu concordo, emquanto aos quadros, que se reduzam, mas ninguem pôde deixar de reconhecer que houve muitos abusos na fórma que se deu ao desenvolvimento das communicações internas do paiz, onde se podiam ter feito grandes economias (apoiados).
Sr. presidente, resumindo, direi que eu concordo na necessidade que ha do governo dar maior desenvolvimento ás obras de viação publica para occorrer como lhe for possivel á crise da falta de trabalho; e espero que a crise economica tambem ha de diminuir, porque confio na sabedoria de todos os poderes publicos, e estou certo de que elles hão de concorrer para que a questão de fazenda seja melhorada, e sobretudo que se ha de attender á falta de meios, com abnegação e desapego de falsas idéas, e fazendo todas as economias que forem justas e rasoaveis, pois entendo que é a maneira unica de tirar-se dellas algum proveito.
Para mim não é exacta a theoria de que basta lançar-se uma linha ferrea para a população vir em massa. Isso é bom para as vastas regiões da America, para onde afflue todos os annos uma immigração de dois milhões de almas, que vão occupar aquelles ferteis territorios; mas n'um paiz como o nosso, onde a população tem um desenvolvimento muito lento e minimo, não se pôde affirmar isso.
Por consequencia, o que nós precisamos é pôr em acção todos os meios de desenvolver o nosso commercio e a nossa industria: essa é a nossa primeira necessidade. Até que isso