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direitos do povo, e do throno. (apoiados geraes) Dir-se-me-ha que S. Ex.ª faz nisto o seu dever — convenho; mas por isso mesmo é digno de louvores.

Sr. Presidente, ainda o paiz não tinha recobrado todo o socego, achava-se como os mares por algum tempo se conservam depois de uma grande tempestade; e o acontecimento de 6 de Outubro veio agita-lo de novo.

Para esta agitação se trabalhou, assim é; mas isso era de esperar no estado dos animos, ainda a esse tempo. Appareceram desconfianças do que queria a nova administração. Estas excitavam-se, cresceram: pintou-se o acontecido na noite de 6 de outubro como uma reacção violenta; exaggerou-se, o que em taes casos é inevitavel; e as exaggerações transmittidas ao longe, ainda appareceram maiores — então se disse, e se escreveu, que o Marechal Saldanha se havia unido e colligado com homens notaveis do partido do Governo que durara até 17 de Maio; e desta colligação sahira um Ministerio, que só podia lêr o pensamento da vingança e da renovação do systema condemnado. O certo é que na Cidade do Porto appareceu uma sublevação no dia 9 daquelle mez

O nobre Duque da Terceira tinha ido aquella Cidade em uma missão de paz — nem podia elle encarregar-se de outra, nem outra lhe podia dar Sua Magestade: permitta-se-me alludir a tão alta e sagrada pessoa, seguindo o exemplo que aqui se me tem dado.

Mas os espiritos estavam allucinados; a desconfiança e receio lhes havia turvado a razão. — Revoltou-se a Cidade, e a sua nobre população que tantos sacrificios tinha feito pela liberdade, lançou-se nos excessos.

Lamentei tão fatal acontecimento; e aqui seja-me permittido declarar que nunca tive communicações nem com os membros da Junta do Porto, nem com nenhum dos seus funccionarios. Se alguma vez a alguem na cidade fiz saber qual a minha opinião, não póde por isso dizer-se que me correspondia com os sublevados, crime de que fui repetidas vezes arguido; e aqui dou ao digno Par o Sr. José Antonio Maria de Sousa um testemunho de gratidão porque resistiu ás sollicitações que lhe foram feitas para a minha prisão nesse tempo: nunca lhe agradeci em particular: pareceu-me que devia dar-lhe um testemunho publico.

Não estava, nem estive nunca em correspondencia com pessoas do Governo do Porto; mas nunca entendi que fosse crime, nem ainda em tempos de discordias civis, corresponder-se o amigo com o amigo; o pae e irmão com o irmão e filho militando em campos contrarios; mas a civilisação não tem ainda feito entre nós progressos nesta parte: e oxalá que não precise faze-los. A intolerancia politica era excessiva, creio eu, em ambas as partes! Escrevi então a um amigo, e censurei o meio reaccionario de que se havia lançado mão: julguei-o não só perigosissimo, porém de mais a mais inefficaz, a não ser para prolongar indefinidamente os nossos males, e retrogradar no caminho da liberdade — a victoria, intendia eu, não podia servir aos insurgidos senão para começo de novas calamidades; quando uma opposição legal, se fosse em apoio de principios justos, tarde ou cedo triunfaria com vantagem para o paiz. = Usai de opposição pelos meios legaes, porque se tiverdes razão haveis de vencer = (O Sr. Conde de Rio Maior: — Apoiado.) Se alguem vio essa communicação minha respondo pela accusação que por ella se me quizer fazer. Outra fiz muito mais tarde, a qual mencionarei depois com a mesma franqueza.

Avancei aqui hontem uma proposição que os ideologistas podem combater a seu sabor. Bem sei que não ha effeito sem causa; porém muitas destas mal se avaliam; e muitas vezes não as descobre o juizo humano, acontecendo-lhe errar muito quando pretende designa-las.

Disse eu já aqui, S. Presidente, que a força das cousas tem um não sei que, que domina os acontecimentos, que póde mais do que a previdencia humana! Vimos irmãos combater contra irmãos: aquellas armas que ainda ha poucos annos se empregaram na defensa da liberdade, e do Throno constitucional, na cidade do Porto e em todo o Reino, ei-las divididas, e empunhadas por liberaes contra liberaes. A cidade do Porto sublevou-se, e as provincias do norte em grande parte. Do seio da mesma familia saíu um governo opposto ao Governo da Rainha; e proclamando a resistencia em nome da Soberana, dentro em breve se dariam batalhas e combates, e o sangue mais puro, que havia tingido os nossos campos em defensa da patria e da liberdade, correria ás mãos dos defensores dessa mesma liberdade! É lastimoso este quadro: não posso continua-lo: -e se assim volto a esse lugubre passado, é para o lamentar, para recommendar aos meus concidadãos que trabalhem por evitar novas discordias, novas revoluções. Não creio que a ellas se dê causa voluntaria. Muitas convenho se allegaram que são calumniosas: para reprovar as que existiram não era preciso exaggera-las, nem ajuntar-lhes outras. (Apoiados.)

Parece-me ter ouvido a um digno Par que elle, quando ainda Ministro da Corôa, declarara que a revolução que apparecera na Provincia do Minho era uma revolução dynastica; e argumentou com os factos que comprovaram esta predicção. Mas eu intendo que esses mesmos factos friamente examinados provam que tal revolução dynastica não houve; mas sim uma guerra civil de partidos (Apoiados.) Por esses factos se vê que o Chefe do Estado foi sempre reconhecido pelos rebeldes (dou-lhes esta denominação sem sentido de offensa; mas assim já deste lado ouvi denomina-los). É com tudo certo que no meio do tumulto e confusão geral appareceram tambem algumas acclamações dos partidarios do usurpador feitas por um pequeno numero de homens, que ainda acreditam que o partido realista não existe senão reconhecendo por, chefe o Principe proscripto. Mas nem a Junta foi ré desse crime, nem os seus chefes, nem a maxima parte dos seus corpos armados. Diversas e contrarias accusações lhe foram feitas: umas vezes a arguiram de republicana, outras de miguelista.

Viu-se de algumas communicações diplomaticas que fóra deste paiz, e aqui mesmo, vogou a opinião de que a Junta do Porto tendia a acabar com o Governo monarchico, e a estabelecer a republica. Esta inexactidão, esta falsidade prova que a respeito da Junta se deram informações erradas, que foram recebidas e acreditadas por distinctos estadistas, assim como erradas informações se deram, e se acreditaram sobre outros homens, e outros successos, de que já aqui se tem fallado. Informações dadas no meio do tumulto das facções, e da inquietação dos espiritos, em que é bem raro alcançar-se a verdade, e a imparcialidade. Cada um julgou dos successos a seu modo, ou ao saber dos informadores delles, como os virara os odios, as prevenções favoraveis ou desfavoraveis. (Apoiados).

Republica! Sr. Presidente, a respeito de republica, direi que temos muitas vezes sido tachados de republicanos pelos partidos oppostos. Os chamados realistas sempre aos constitucionaes denominavam republicanos, e os bandos liberaes uns aos outros tem prodigalisado este titulo. Recordo-me que quando a opposição de 1834 campeava brava e vigorosamente na Camara dos Deputados, diziam então os seus contrarios que essa opposição pertendia formar uma republica, de que havia de ser Dictador o Marechal Saldanha! (Riso). Ora começava essa republica por onde as republicas acabam. Este facto prova bem a sem razão, a estulticia com que certas imputações se fazem. Attribuiu-se á Junta do Porto um plano de republica, e ao mesmo tempo foi arguida de dar titulos e condecorações em nome da Soberana: accusações que mutuamente se destroem. Pois quem assim procede lembra-se acaso de governo republicano? Achei grande sem razão nessas concessões, mas ellas tudo poderão provar, menos o tal espirito republicano: foi mais uma das nossas debilidades. Consta-me que alguns dos agraciados regeitaram as mercês, outros com repugnancia as acceitaram. Notou-se á Junta republicana a incoherencia de seus factos, era melhor tirar delles argumento contra a accusação, ou antes seria melhor não aventurar tão infundadas accusações.

Sr. Presidente, a insurreição do Porto lavrou pelas Provincias depois dos maus tratamentos feitos naquella Cidade ao D. da Terceira. — E foi no Porto! — No Porto aonde elle tinha, feito tão extraordinarios e heroicos serviços á causa da liberdade! (Apoiados repetidos.) Naquella Cidade cujo assedio durante mais de um anno, fez esquecer as glorias da antiga Numancia e da moderna Saragoça! E esse homem hora, cortez, incapaz de offender a ninguem, é arrastado para um Castello no meio das violencias de uma plebe desenfreada: a sua vida corre imminente risco; e a de seus companheiros de armas. É preso, opprimido de incommodos, privações, e continuos insultos. Já o nobre D. com a maior modestia e singeleza apresentou aqui o quadro dos seus padecimentos na verdade doloroso. Effeito detestavel das discordias civis! Em uma guerra politica se o D. houvesse caido presioneiro do Exercito contrario, como seria tratado um general tão distincto? Que honras e respeitos receberia? Mas elle foi preso n'um tumulto popular no começo da guerra civil — foi desacatada a sua pessoa, e a sua vida posta em perigo imminente! Com razão disse eu, e direi sempre, as revoluções são o maior flagello com que a Divina Providencia póde castigar as nações. (Apoiados.) Lamentei os acontecimentos de que foi victima o nobre D.: disse e digo que além de iniquos e crueis não têem nunca resultado favoravel aos seus authores, que tarde ou cedo vêm a receber o castigo de taes excessos. Todos deploravam tal procedimento contando mesmo homens do partido que o tivera; e se desejos vallessem então, desejos sei que houve de salvar o nobre D. e os seus companheiros (Apoiados.) Esse proceder mesquinho e desgraçado veio a produzir mais uma pagina brilhante da historia do nobre D. tão gloriosa para elle quanto escura para os authores de tamanho maleficio. (Apoiados numerosos.) A desgraça porque passou o nobre D. a deve ter como um florão mais na corôa das suas glorias militares: foi mais um serviço para juntar a tantos outros. (Apoiados.)

Mas, Sr. Presidente, abstraindo das pessoas, consideradas determinadamente, direi que no procedimento dos partidos, vejo o espirito e represalia sempre furioso e implacavel. É, por mais que diga, nas dissenções civis que elle constantemente apparece: fuzilais-me quatro presioneiros heide fuzilar-vos oito; e a progressão é sempre ascendente. É mais esta uma belleza das guerras civis. Não é pois de admirar que se commetessem repesalias. Lamentei como disse os crueis procedimentos que houve no Porto com o nobre D. da Terceira; e não posso deixar de lamentar outros igualmente duros e injustos, que houve em Lisboa com os presioneiros feitos na acção de Torres Vedras.

O Governo em meu entender foi excessivo nesses procedimentos; e sempre que um governo é mais rigoroso do que a extrema necessidade requer commette uma flagrante injustiça.

Vendo eu que os presioneiros de Torres Vedras foram deportados para o Continente de Africa, logar de degredo para criminosos sentençeados por gravissimos delictos, procurei indagar os motivos que a tanto deram logar; mas por mais que investigasse, não pude descubri-los. Receios que tinham daquelles presinoeiros? Pois tão debil se achava o Governo que não podia ter em segurança no paiz trinta ou quarenta homens? Faltavam-lhe castellos, fortalezas, navios de guerra, e guarnições de confiança? Tinha tudo isto; era obedicido na Capital e nella conservava uma grande força digna da maior confiança. Não pude nunca, repito, achar motivo para aquelle procedimento senão o que houve na Cidade do Porto com o nobre D. da Terceira. — Ainda repetirei a minha reprovação a tal proceder, e com tal homem. — Que vantagens ganhastes com a sua prisão, e a de seus companheiros? Que força adquiristes vós, e perderam os contrarios? Tinheis medo de um homem e de poucos mais? Que causa era essa que se perdia se usasseis de generosidade com uns poucos de Cavalheiros, que surprendestes desapprecebidos? Se tal facto se não tivesse praticado no Porto talvez em Lisboa se não ordenasse o estreminio contra os quarenta degradados. Não o affirmarei, mas confesso que não vejo a esta determinação nenhuma outra causa.

Sinto que este rigor fosse exercido contra os presioneiros, e fiz menção delle como do facto do Porto não só pelos motivos que deixo expostos, mas tambem para declarar com quanta falsidade e aleivozia um jornal desta Capital publicou (com um de meus crimes o que para elle seria virtude) o ter eu dado voto no Conselho d'Estado pelo desterro daquelles infelizes para a Costa d'Africa. Apressei-me a manifestar ao publico que tal voto nunca dera, porque este objecto não fóra presente em Conselho d'Estado. O jornalista, mostrando a sua boa fé e cortezia, concluiu que era verdadeira a imputação por isso mesmo que eu a declarava falsa (Riso) Eis a imprensa, esta mesma imprensa, por cuja liberdade eu tenho continuadamente combatido, e por cuja liberdade lidarei em quanto a voz me não desfallecer, e a mão puder sustentar a penna!

Não me queixo destes excessos, porque lhes dê grande consideração — não digo que heide escutar mudo as calumnias que se levantam em uma parte da imprensa para denegrir-me. Em tal caso usarei, para meu desaggravo, dos meios que a lei me offerece, recorrendo aos Tribunaes. Detesto a repressão da imprensa pelas bayonetas dos destacamentos; e espero que as suas demasias venham com o tempo a ser corrigidas por ella mesma. Ainda assim, a nossa está muito mais cidadã, que no tempo do Azorrague e do Toureiro.

Sr. Presidente, o que acabo de dizer concorre tambem para demonstrar quão grande é entre nós a intolerancia nos partidos politicos. Elles não admittem, nem honra, nem virtude senão nos seus homens — o crime e o opprobrio pertence exclusivamente ao partido contrario. Que injustiça! Ninguem se apresente como typo de perfeição. — Todos temos defeitos, e muitos

Iliacos intra muros peccatur et extra.

Mas vamos proseguindo, grande é o meu desejo de chegar ao fim.

Declarada a reacção no Porto, moveram-se forças; o fogo da revolução lavrou por todo o paiz, e chegou ás portas da capital. As tropas portuguezas foram encontrar-se nos campos, como se fossem de nações inimigas. De um lado commandava o nobre Duque de Saldanha, do outro, um general portuguez illustre na guerra; e depois de varias marchas e manobras, os exercitos fratricidas peleijaram junto aos muros do Castello de Torres Vedras, ponto extremo das famosas linhas de gloriosa recordação para as armas nacionaes. A Fortuna, que tamanha parte tem nos successos da guerra, foi favoravel ao nobre Duque. Os seus, contrarios experimentaram um completo revez: poucas reliquias das suas forças escaparam, fugindo; muitos chefes distinctos cahiram prisioneiros. Esta desgraça pareceu-me que podia marcar o termo da guerra civil. Os amigos da paz conceberam esta esperança; mas não succedeu assim. Se nisto houve culpa, declaro que não sei de quem foi. Não deixei de expor qual era a minha opinião naquella conjunctura. — Eu intendia que era chegado o momento de mostrar aos sublevados a bandeira da paz, e o esquecimento do passado. O governo victorioso, correndo assim a apresentar o ramo da oliveira, não podia ser suspeito de temer os seus adversarios, nem de faltar á sinceridade. Não se seguiu este arbitrio generoso; e os vencidos tiveram por deshonra submetter-se

Una satus victis nullam sperare salutem.

A desesperação lhes deu brios e actividade. Novos esforços se empregaram, novas forças correram a substituir as perdidas, e a guerra civil o os seus desastres continuaram ainda por tanto tempo, para mal e ruina de todos!

Creio firmemente que se se tivesse adoptado o meio que menciono de pôr termo á guerra naquelle momento em que as armas da Rainha eram tão decididamente victoriosas, não passaria depois a nação pelo que passou. A cidade do Porto, em cujas torres havia tremulado a bandeira azul e branca para assombro e derrota do usurpador, essa cidade viu nessas mesmas torres a bandeira negra dos combates civis, e os mais distinctos militares da Liberdade alli se foram armar de novo para resistir aos seus camaradas e irmãos victoriosos.

Repito, ainda hoje estou persuadido de que a guerra civil poderia ter acabado em Torres Vedras; e ninguem de fóra viria pacificar-nos, nem entender em nossas dissensões domesticas. — Que triumpho, que immensa gloria para a Nação, e para o Throno! (O Sr. C. de Lavradio: Apoiado). Que louvores se dariam ao nosso bom senso, á nossa civilisação? — Que espectaculo dariamos ao mundo indo, aconselhados por nós mesmos, offerecer a dextra aos nossos contrarios, e depôr os nossos odios fraternos.

Mas uma fatalidade obstou a que se désse este passo, e a que o Governo adquirisse a gloria de pacificador, maior que a de vencedor. A confiança se restabeleceria mais solida do que nunca fóra. Ah! chego a enlevar-me nestas considerações seductoras! parece-me que estou nas regiões da poesia, ou no paiz dos encantos, e isto depois de haver declarado quão pouca é a minha esperança de que tenhamos paz e conciliação.