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Sessão de 7 de Fevereiro, Diar. N.° 35, a pag. 153, col. 1.ª, logo depois da ordem do dia.

O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, em virtude da benevolencia da Camara, concedida na Sessão antecedente, tenho de continuar a apresentar as minhas considerações sobre o assumpto, que tão seriamente a tem occupado desde que um D. Par encetou a discussão sobre a Resposta ao Discurso do Throno; resposta em que apenas ainda se tem tocado, o que eu não estranho; porque depois de tão longo decurso de tempo em que a voz dos representantes da Nação não tem sido ouvida, bem era suppôr que muito havia que dizer, e realmente muito ha. Nós temo-nos quasi occupado exclusivamente dos acontecimentos que encheram aquelle desgraçado intervallo — desgraçado, digo, porque as portas do parlamento se fecharam, não como as do templo de Jano em signal de paz; mas para dar logar a que a guerra devastasse o paiz inteiro.

Acabei, Sr. Presidente, dizendo que o Ministerio que se formou em Maio, injustamente se denomina um Ministerio de corrupção, um governo revolucionario: esse governo sim, nasceu de revolução; mas criou-se para não ser revolucionario, e para acabar essa mesma revolução.

Não se tem attendido ás circumstancias de então: ainda se quer dar ao mesmo Governo, o caracter da situação em que elle appareceu: mas o que é certo, indubitavel, e demonstrado por todos os seus actos, é que o seu pensamento era o de suffocar a revolução pelo unico modo porque era possivel suffoca-la nesse tempo (apoiados). Se se entendesse possivel que tal movimento, e tão geral, podia ser combatido e rebatido pela força das armas, não se conservava a força das armas fiel ao Governo que se demittiu? Sim, mas esse Governo conheceu que não podia debellar a revolução; convenceu-se de que era uma necessidade fatal o retirar-se, para o paiz ter paz; e então se o meio que tinha o julgava insufficiente, bem haja, por não ter querido ensanguentar o paiz. Mas como se quererá que o Ministerio de Maio usasse delle para o mesmo fim? Uma de duas; ou a revolução era superior ás forças que podiam empregar-se contra ella, e então de necessidade se devia transigir; ou era inferior, e neste caso foi fraqueza ceder-lhe quando havia meios de a combater e enfrea-la. Mas se vós julgastes impossivel usar de taes meios, para que censuraes aquelles que tiveram a mesma opinião? Não quero dizer que o Governo de Maio acertasse em tudo; mas quão facil é arguir! É facil o proferir uma opinião fóra das circumstancias do facto que se quer censurar: não custa a julgar da impericia daquelles, que deixaram destruir pelo incendio parte do edificio para salvar o resto.

Sr. Presidente, transigiu, transigiu esse Ministerio com as circumstancias, transigiu com uma força maior do que a que lhe podia oppôr; e intendeu desempenhar bem o seu dever, não se oppondo violentamente ao movimento em que então se agitavam as massas. Quem não viu nesta propria Capital o estado de inquietação dos animos? Quem não viu no dia 17 de Maio, notavel por ser da Ascensão! do Senhor, as reuniões formadas em todas as praças e ruas de Lisboa? E dir-se-ha que alli se tinha visto congregada a canalha da Capital? Toda ella, em tal caso, poderia dizer-se povoada de canalha (riso). Em todas as sociedades ha uma ultima classe, a plebe infima, os proletarios, que affluem ás grandes povoações. Mas quando um grande sentimento, uma idéa forte se apodera do povo, vai de envolta essa chamada canalha com a primeira classe da sociedade: a aristocracia e a plebe acham-se nos mesmos ajuntamentos: é o que vi com os meus olhos, e não era possivel deixar de ser assim: o povo, bem que se apresentasse no rosto de todos o signal da inquietação, não trazia armas; nem uma appareceu; nem praticou por muitas horas um só acto de tumulto que transtornasse a ordem publica.

Pretendeu-se sim dispersa-lo á força. Alguns attentados houve, e inevitaveis em taes occasiões, quando as sombras da noite os poderiam occultar — não os defendo, nem desculpo; altamente os condemno mas se os compararmos com os que apparecem em outras nações em similhantes momentos, tiveram muito pouca importancia. Não me canço, nem me cançarei jámais de fazer vêr o caracter do povo portuguez como singularissimo, o mais obediente, humilde, bondoso, o mais prompto a esquecer as injurias, o mais facil de conduzir, e de persuadir (apoiados). Em taes circumstancias entrou o Ministerio de Maio, como digo, nascido de uma revolução para acabar com ella. Entendeu que ia empenhar-se em uma tarefa tão ardua, que poderia fazer descorar os mais animosos: honra seja a esses homens, que tendo a certeza do seu perigo, não desmaiaram, emprenderam essa façanha, talvez na idéa de poderem conseguir o resultado que procuravam; mas eu creio antes que só viram o sacrificio que iam fazer á sua patria; e que maior sacrificio do que esse? E fizeram-no.

Sr. Presidente, e com que difficuldades luctaram?! Ouvi tachar esse Ministerio de revolucionario, porque consentiu que permanecessem erectas, e em funcções varias juntas populares, que realmente começaram revolucionarias; ouvi tachar esse Ministerio de connivente com a revolução, porque as não tinha dissolvido, e não impediu que outras se formassem; e ao muito que se tem dito eu respondo sempre; se a revolução podia domar-se porque a não domastes vós? Esta apparição de juntas neste paiz, e no visinho, é digna de attenção. Desgraçadamente, entre nós tem havido muitas revoluções, ainda que não tantas como em outros povos, contando as nações peninsulares, antes e depois de unidas. Algumas do nosso paiz foram gloriosas; e sempre em taes occasiões se formaram juntas, que a revolução reconheceu, e que tiveram por fim organisar a anarchia, ou para melhor dizer, acabar a desordem (apoiados). É uma especie de instincto que todo o povo tem o de conhecer que se deve dar ordem ao movimento desordenado. Tal é a historia das juntas que se formaram em Hespanha, no tempo da guerra peninsular, assim como em Portugal então, e ha menos tempo. E como procederam essas juntas, que eram eleitas pelas maiorias, que participavam de certo daquelle mesmo furor, direi melhor, daquelle mesmo fogo e enthusiasmo que denominava todos os espiritos? Eu devo ser justo, e devemos se-lo todos, essa é a obrigação mais sagrada dos que examinam os factos, e reflexionam sobre elles.

Essas juntas que o povo creou, o Governo as deixou funccionar: — não mandou logo dissolver nenhuma; consentiu-as como uma especie de conselho aos governadores civis, e fez todos os esforços indirectos para se limitar a sua duração. Eis aqui o facto sabido e conhecido. Como pois, censurar o Governo, accusando-o de ter procedido de um modo, quando lhe era impossivel proceder de outro? Mas vamos ao mais: sabem todos os meus amigos, e muitos que o não são, e espero prova-lo, que as minhas affeições pessoaes nunca são influidas por opiniões politicas, e nada tem com ellas. Á testa da junta de Santarem estava um amigo meu, e de outras pessoas que se acham presentes, o Sr. Manoel da Silva Passos. Não temo pronunciar este nome, porque é o de um homem de probidade, de muito talento, de um enthusiasmo, talvez excessivo; amantissimo da sua patria (apoiados). Terá errado como eu e os outros, e ainda havemos errar. Logo que o Governo se estabeleceu em Lisboa, elle correspondeu-se comigo, manifestando o maior desejo de que se acabasse a desordem publica, e de que terminassem pelo restabelecimento da paz as funcções da junta a que presidia em Santarem. Eu fiz uso lealmente desta correspondencia; dei conhecimento della a quem o devia dar — ao Ministerio, e ainda a quem mais entendi necessario; porque nella se manifestavam as melhores idéas de conciliação, e os mais solidos principios politicos.

Sr. Presidente, custou, e levou tempo a applacar a effervescencia, que se tinha apoderado dos animos; mas os esforços empregados para o restabelecimento da paz, foram sempre em progresso até se conseguir o melhor resultado. As juntas na maior parte dos logares serviram de auxiliares do Governo, tanto quanto podiam; e ellas foram dirigindo essa ordem de cousas sem derramamento de sangue, sem devassas, sem prisões, sem extermínios; e finalmente sem meio algum excessivo, para terminar a revolução. A não ser assim, era de receiar que ella crescesse, quem sabe até que ponto? Mas queria-se (e bom era se fosse possivel) que o Governo creado hoje, acabasse ámanhã o excitamento popular. Esta revolução não nasceu de repente de uma causa immediata; tinha ganho successivo incremento nos animos; não era facil — ao menos ninguem julgou possivel subjuga-la de repente. Mas nem por isso se empregou muito tempo em doma-la. Pouco durou esse Ministerio; e antes de tres ou quatro mezes, sem o menor emprego de violencias, conseguiu o restabelecimento da ordem (apoiados). Eu não digo, nem quero dizer que a paz publica se achasse em toda a parte tão radicada como a desejára o Governo e toda a nação; mas compare-se o estado do paiz no momento da entrada da administração com aquelle que se dava tres mezes depois; e faça-se justiça. Grandes difficuldades e immensas teve o Governo, nem podia deixar de ter; e não sei se a maior era a penuria do Thesouro. — Um illustre cavalheiro o nobre C. de Lavradio, que fez parte dessa administração, já aqui declarou que nenhuns meios havia achado; e esta declaração tem sido feita por outros que serviram na mesma administração, o que ainda não foi contradito. Um folheto foi publicado por um homem dignissimo, que serviu de Ministro da Fazenda nesse Governo, folheto a que os jornaes de todas as côres teem dado o epitheto de modesto, sincero e leal: ainda o não vi refutado; e elle explica bem a situação em que a nação se achava, isto pelo que toca a meios para o prompto custeamento da despeza; porque, pelo que respeita ao estado da Fazenda, eu não terei mais do que apresentar o resultado das minhas observações, e de observações de pessoas competentes, a quem me tenho dirigido; porque nada mais desejo do que depôr a verdade.

Sr. Presidente, facto é que realmente havia seis mezes de atrazo aos Empregados Publicos, isto é um facto innegavel e inquestionavel (leu). Encargos ordinarios, provenientes das despezas do serviço dos diversos Ministerios, e encargos geraes até 31 de Maio de 1846............ 1.936:300$000

Dividas á Companhia Confiança

Nacional................ 1.976:000$000

Banco de Lisboa......... 850:291$444

Folgosa, Junqueira, Santos & Cª................ 434:513$238

João Antonio Lopes Pastor, e Companhia Providencia.... 518:500$000

Emprestimos levantados em Londres............. 734:000$000

6.449.604$682

O emprestimo dos 4:000 contos feito em Outubro de 1844 tinha deixado um encargo ao Thesouro para o pagamento do mesmo e amortisação de mais de... 6.300:000$000

12.749:601$682

São pois 32 milhões de cruzados de emprestimos e anticipações que pesavam sobre o Thesouro, sendo mais de metade desta quantia letras e emprestimos de vencimento proximo, e successivo.

Eis aqui, Sr. Presidente, o que eu considero, o que se tem dito e escripto, o que tem sido asseverado por pessoas mais capazes do que eu, porque mui raro as minhas locubrações tem tido por objecto estes estudos. Estranho ás circumstancias especiaes do serviço da Fazenda, não me considero habil para discuti-las. O que apresento é o que me parece exacto, e no que convem pessoas que reputo competentes por suas habilitações e honestidade. Sr. Presidente, estas circumstancias eram gravissimas: ainda quando o quadro fosse exaggerado em metade, o apuro seria grande.

Eu vejo pela somma geral destas dividas que a Fazenda publica se achava extremamente onerada (apoiados). Estou longe e muito longe de fazer imputações aos Membros daquella Administração de descuido, de abandono do cumprimento dos seus deveres, de falta de interesse pelo bem da nação. De certo bem diversos eram os seus maiores desejos: até fariam certamente to-