203
EXTRACTO DA SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO.
Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha. Secretarios, os Srs. Visconde de Benagazil Conde de Mello. (Assistiram todos os Srs. Ministros.)
Pelas duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 32 dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.
Mencionou-se a seguinte correspondencia: Um officio do digno Par Barão de Porto de Moz, participando que um negocio importante e urgente o obrigava a sair de Lisboa por alguns dias.
Ficou a Camara inteirada.
-do Ministerio do Reino pedindo, para satisfazer a uma requisição da Camara dos Srs. Deputados, que se lhe remettam com a maior brevidade possivel os papeis relativos ao melhoramento da barra do Porto, que na sessão de 1844 passaram da Camara dos Srs. Deputados para a dos dignos Pares. Mandou-se cumprir a requisição.
O Sr. Ministro dos negocios Estrangeiros — Acabo de receber um officio do Ministro de S. M. Catholica nesta Côrte, incluindo outro para V. Em.ª como Presidente da Camara dos dignos Pares. É um officio em agradecimento aquelle que V. Em.ª hontem lhe dirigiu, manifestando o sentimento profundo que acompanhara esta Camara quando soube do desgraçado acontecimento que teve logar em Madrid no dia dois do Corrente — tenho a honra de o remetter para a Mesa.
Leu-se na Mesa o seguinte officio:
Legación de España en Lisboa. — Exmo. Señr. — Muy Señor mio; En los momentos terribles en que nos vemos los Españoles, llenos de dolor y
justa indignacion y luchando entre temores y esperanzas por el abominable atentado que tíene puesta en peligro la vida de tina Soberana adorada, si algo puede servimos de alivio, es recebir manifestaciottes como la con que acaba de honrarme la digrta Camara de Pares dè la Monarquia Portugueza. Compliré com faria óbligacion dando noticia de ella a mi GobieMo, y entretanto ruego a la digna Camara qüfe ácepte la exprecion de mi ardientey sincera gratitud, áventurandome á pronosticarle que mi Gobierfid y mi Nacion recibirán con ternura una demonstracion de afecto cuyo valor es döble por ei origen de que provicne y por la hora en que Se hace. = Dio5 g.' á V. E. m.º a.ª Lisboa a 7 de Febrero de 1852. = Al Exmo. Sõr Presidente de la Camara de dignos Pares de la Monarquia Portugueza. = Exmo Sõr B. L. m. de V. E. Su mas at.º seg.º servidor. = Antonio Alcalá Gallano.
O Sr. Presidente — Parece-me que a Camara quererá que se lance na acta — que foí recebido com especial agrado?.. (Muitas apoiados.)
Assim se resolvtu unanimemente.
ordem do dia.
Contínua a discussão do projecto de resposta ao discurso do Throno..
O Sr. Marquez de Ficalho — Sr. Presidente, é com repugnancia, e muita repugnancia, que eu entro na vida publica!.. Não é conforme, nem ao meu genio, nem aos meus habitos. — Uma das regras de conducta que me impuz nesta Camara, foi — em negocios desta natureza dar um voto conforme a minha consciencia, mas silencioso. Se eu não tivesse de votar a favor da resposta ao discurso do Throno, seguiria este preceito; mas hoje devo a mim, devo á Camara uma explicação.
Sr. Presidente, ha quinze annos retirado da vida publica, não sei quaes são as causas que teem produzido tão graves acontecimentos!.. Quando o soubesse, não podia ser juiz — facilmente os meus adversario me diriam — Porque não estavas tu sentado nessa cadeira?.. Qual foi o jornal que escreveste; o campo em que combateste?.. E eu calava-me. Mas, Sr. Presidente, ainda mesmo quando soubesse, e podesse, declaro que não queria. Um ponto em finanças, é muitas vezes uma calamidade; um ponto em politica é sempre de grande utilidade — eu reclamo em nome da nação este ponto. Será elle conveniente a um só homem, a um só partido?.. Não, Sr. Presidente!.. Não se póde duvidar que tem havido sabias disposições administrativas — irias tambem não se póde duvidar que os erros teem sido grandes, e prejudicialissimos!
Sr. Presidente, elevemo-nos á altura que nos compete — nós aqui somos homens de Estado; e a maneira de proceder do homem privado não póde ter logar no homem publico. Sr. Presidente, o homem de Estado não póde ver as cousas, como as vê um homem particular; um pai de familia tambem rasga uma e mil vezes o seu programma, que fará o homem publico? N'uma época em que no espaço de poucos dias se quer, e hão quer n'uma época em que os exercitos se organisam para combater um inimigo, chegam ao campo, e já lá encontram outro... Oh! Sr. Presidente, terrivel oscillação dos nossos tempos!... E quereremos que os nossos homens de Estado sejam immoveis — de uma só corda uma só fé?!... Eu desejava-o tambem no meu coração; desejava-o, á fé de homem de bem!... Mas não póde ser. No alto-mar o melhor marinheiro toma o balanço d'estibordo a bombordo; e se o não toma, será tudo, mas não um bom marinheiro. Sr. Presidente, sympathias, declaro que tambem as tenho muito sinceras. Vou declarar com toda a franqueza que em nenhuma das recordações da minha vida deixei de ser um constante defensor da Senhora Dona Maria II, e de ter por divisa a Carta constitucional da monarchia!... Cingi a banda no campo da batalha; e com aquella divisa combati!... Não tenho uma só recordação agradavel que não seja acompanhada destas idéas.
N'outro tempo fui um amante apaixonado da Carta; quando a não conhecia, amava nella o seu titulo de carta; mas se me perguntassem — É vossa conhecida? Diria — Não. No calor do meu amor, eu não a estudava, não a lia... mas hoje se não sou um amante apaixonado, sou um amigo sincero; não a hei de comprometter pela minha paixão, hei de defende-la pela sinceridade da minha amizade! (Vozes — Muito bem). Sé n'outro tempo sómente conhecia á lettra da Carta, o seu typo; hoje conheço o seu espirito, a sua doutrina; e não ha de ser nunca a minha amizade sincera que a ha de comprometter. Sr. Presidente, o espirito e a doutrina da Carta, e tambem a sua fórma, a sua cór, todas essas cousas que a rodeiam, são muito para a sua recordação, mas não são nada para o bem do paiz.
Eu declaro que voto pela resposta ao discurso do Throno, porque acho de grandissima utilidade que os Srs. Ministros hoje occupem aquelles logares — não sei se esta utilidade a encontrarei ámanhã. O estado deste paiz é medonho'....'Medonho?!... Esta palavra não exprime bem o meu pensamento, direi antes — vergonhoso!... Mas eu estou convencido que os Srs. Ministros comprehendem as nossas necessidades, e que hão de fazer todas as diligencias para melhorar esse estado. Se se pergunta pela instrucção primaria? Não a ha. Estradas? Não as encontro; caminhos não existem. Se eu perguntar pela policia — está bondade dos portuguezes, que são um povo unico no mundo por esse dote, e por a sua Sensatez; mas quando ellas são Comprimidas, ou extraviadas, nós sabemos o que acontece! É diante deste quadro que eu hei de promover difficuldades?... É diante deste quadro que hei de promover conflictos; que hei de demorar por uma hora, por um só minuto, o meu concurso para que se realisem todas estas cousas, cuja falta deploro tanto? intendo que não. Custou-me muito a decidir-me a occupar esta cadeira, e a dar um voto como vou
dar hoje; mas declaro, tendo sómente em vista o bem do meu paiz, e a minha consciencia.
Mas, Sr. Presidente, eu não quero enganar' ninguem, é parece-me que devo previnir os Srs. Ministros do que espero delles para calcularem até Onde os poderei acompanhar!... Vou fazer-lhes um pedido — Vou sollicitar de SS. Ex.ª as cousas, que julgo mais urgentes, e que lhes peço que não se demorem a fazer.
Eu intendo que SS. Ex.ª devem fazer todo o possivel para emancipar os povos das influencias ruins: o socego nos campos, é no meu intender, a primeira e principal riqueza delles. Eu não esperimentei á dessassocego na occasião das nossas disputas liberaes; fui amigo de todos; tinha as minhas idéas, disse-as sempre, mas declaro que tenho estado constantissimamente na minha vida particular! Não sei se fiz bem ou mal — mas não experimentei o mesmo quando a desordem era de outra natureza — eu sei o que perdi, e os meus collegas lavradores. Sr. Presidente, quando ha certeza de que não havemos de assistir aos nossos trabalhos, ninguem faz idéa do transtorno que isso causa; portanto peço remedio, peço que os Srs. Ministros livrem os povos das influencias ruins.
Peço igualmente ao Sr. Ministro do Reino, com a consciencia de o obter, que torne a instrucção primaria uma realidade — eu tenho muita confiança no Sr. Ministro para assim o esperar (O Sr. Ministro dos negocios do Reino — Muito obrigado.)
Sr. Presidente, eu tenho 52 creados: entre elles ha sete hespanhoes; porque as minhas propriedades São na raia de Hespanha mas o que acontece?... Todos estes sabem lêr, escrever, e contar; dos portuguezes não tenho um só que saiba escrever!... a sua intelligencia é grande, é grandissima; a sua pena por não saberem escrever e a maior. Ninguem diga que o povo portuguez não carece de saber lêr, e escrever; essa falta sente-se todos os dias; só não a reconhece quem não passa dos theatros, das assembléas, das casas de dança, etc...; mas todo aquelle que estiver em contacto com o povo, hade conhecer esta falta (apoiados.)
Sr. Presidente, peço tambem ao Sr. Ministro da Guerra, que nos dê uma compensação do esforço que esta nação faz com o exercito; esta compensação, intendo eu que deve ser por meio de obras publicas, empregando o exercito, em tempo de paz, na construcção de estradas. Occupando esta cadeira, fiz já aqui ha dez annos este mesmo pedido; e se elle tivesse sido attendido teriamos hoje abertas cinco milhões de braças de estrada!... Se soubesse que ámanhã era empregado nellas um batalhão, tornar-me-ia de tal enthusiasmo, que não hesitaria em assentar praça de soldado raso!... Tanto me persuado que isso não póde offender a honra do exercito. O esforço que esta nação faz para sustentar um exercito em tempo de paz é grandissimo — precisa uma compensação.
Sr. Presidente, eu sinto que o Sr. Ministro da Marinha não esteja no seu logar para lhe dizer que hei de votar o seu orçamento até com desperdicio eu quero uma marinha boa, como deve ser. Portugal é um paiz maritimo, e não póde deixar de ter uma grande marinha para defender as suas costas, sustentar as suas colonias, e desenvolver os recursos de que ellas são susceptiveis é por isso que hei-de votar o seu orçamento.
Sr. Presidente, prometti a mim mesmo de calar o passado — não direi que a organisação actual
me agrada____ ha nella muitas necessidades que
é necessario satisfazer.
Ainda que me impuz o preceito de ser breve, e de não tomar muito tempo á Camara, não posso deixar de dizer que a nossa primeira necessidade é, constituirmo-nos em sociedade, e para isso cumpre que sejamos muito attentos a examinar as circumstancias do paiz; aliàs não poderemos constituir o que se chama boa e verdadeira sociedade. É necessario sair de Lisboa e do Porto para saber avaliar o estado do paiz; em sessenta e quatro leguas de transito, que andei ha poucos dias, encontrei apenas tres passageiros; verdade é que em outros dias poderia encontrar seiscentos, mas isto quer dizer que se anda em caravanas!... A Camara está cançada com esta discussão (Vozes — Não está, não está; falle o digno Par, falle); eu creio que já tenho dito bastante. Tenho de dar um voto, e devo declarar que o dou conscienciosamente; não o dou ás pessoas dos Srs. Ministros, mas ás circumstancias do presente; o passado é para o meti gabinete (apoiados — muito bem). Neste logar me cumpre conhecer do futuro; póde ser que eu encare assim as cousas por estar nesse habito. Houve tempo em que chegava ao campo a examinar o trabalho, e gastava horas em quanto chamava os moços para ordenar o que deviam fazer, tirando-os entretanto do, serviço em que estavam, mas agora só á noite é que lhes dou as minhas ordens e reprehensões, quando as merecem. Que se diria do General, que vendo os officiaes dirigir mal uma manobra, os chamasse primeiramente, e em circulo os reprehendesse a todos, ou a alguns, gastando nisso muitas horas em vez de emendar logo a manobra, e deixar a admoestação para tempo e logar opportuno? Ha homens capacíssimos' que se gastam com o modo de servir em Portugal; este habito de condemnar tudo, de nunca ver o bem, e só á mal, leva-nos em muito má direcção.
Sr. Presidente, ha uma materia muitissimo delicada, que eh reservei para o fim por esse motivo; é muito delicada porque tem compromettido muita gente, e se me comprometter a mim pouco me importa. Lá fóra sou muito politico, e faço por ser muito attencioso com todos, de modo que uns imaginam que sou deste partido, e outros que sou daquelle, mas imaginem lá o que quizerem, porque só neste logar é que digo o que intendo, tal é a influencia que sobre mim exerce esta cadeira. Tenho a pedir aos Srs. Ministros que promovam Uma discussão sobre a reforma