SESSÃO N.° 14 DE 9 DE JUNHO DE 1891 5
Sr. presidente, este tratado, que mudando de sexo exprime o que é, comparado com o de 20 de agosto, n'uma parte é peior, n'outra melhor. Na questão da fórma, parece-me menos odioso, do que o outro, mas na questão territorial, isto é, nos terrenos que nos foram arrebatados pela Inglaterra, o tratado é peior.
Comparando tambem os Livros brancos, acho uma differença notavel na redacção das notas diplomaticas.
E por esta occasião, não posso deixar de louvar o meu illustre amigo o sr. Bocage pelo bom senso e energia com que dirigiu este difficil e delicado pleito.
O sr. presidente do conselho, que sinto não ver presente, disse no seu ministerio n.° 1 quando apresentou o seu programma no parlamento.
«... Esses assumptos especiaes são a questão de fazenda e o infeliz desaccordo com a Inglaterra, motivado peia concorrencia dos seus interesses com os nossos direitos na Africa oriental. Acerca d'este desaccordo, o governo, identificado com o sentimento nacional, não póde recommendar á sancção do parlamento o tratado de 20 de agosto, embora não pretenda estorvar a execução da sua clausula que já o sujeitou a essa sancção. Acceitaria de bom grado modificações na mencionado tratado que, resalvando a dignidade e os interessas da nação, facilitassem o restabelecimento da mais completa harmonia entre Portugal e a sua antiga alliada; mas ainda não sabe se terá de se julgar inhibido de promover taes modificações pelos factos que se diz terem occorrido recentemente á entrada do Zambeze e que, se não fossem explicados satisfatoriamente difficultariam ainda mais o accordo equitativo que o governo portuguez sempre tem desejado sinceramente.»
Ora, sr. presidente, fallando com toda a sinceridade, no meu espirito não entra a consolação de que a dignidade do paiz fica agora resalvada, nem me parecem harmonicas as opiniões do s. exa. com as clausulas d'este tratado.
Permitta-me a camara que eu compare esta convenção diplomatica a uma partida de jogo em que a intelligencia prepondere, verbi gratia: o xadrez, o whist ou o Kriegs Spiel (o jogo dá guerra). Quando uma partida de xadrez é mal começada o seu desenlace é fatalmente desastroso, se o adversario é habil.
É em taes casos sempre verdadeiro o proloquio, tantas vezes mal applicado «post hoc, ergo propter hoc.»
A partida diplomatica fôra mal começada; o ultimatum de 11 de janeiro representa o momento critico, ou a occasião estrategica de que falla Williaumé no seu primoroso livro - l'esprit de la guerre - em que a partida ficou irremediavelmente perdida.
Já antes d'isso a conferencia officiosa com o sr. Johnson e muitos outros actos tinham representado outros tantos erros na abertura da famosa partida diplomatica.
O resultado, pois, estava previsto, não obstante os louvaveis esforços do sr. Bocage.
Hoje a ninguem é licito defender-se ante o paiz com ardilosas comparações, porque quem foi a causa da causa foi sempre a causa do effeito « Qui fuit causoe causa, fuit causa causati».
O criterio geral seguido pelo ministerio portuguez dos negocios estrangeiros, n'esta partida jogada clandestinamente, foi desde o principio outro erro desgraçado.
Foi fatal imprimir na contenda um caracter rigorosamente hermetico. As nações que recorrem em ultima instancia para a força dos seus exercitos, podem adoptar uma politica mysteriosa. Mas as nações pequenas em conflicto com as grandes (e pouco escrupulosas como é a Inglaterra com os fracos) devem a tempo fazer propaganda efficaz em favor dos seus incontestaveis direitos nos jornaes mais lidos e conceituados do mundo, quando os seus não são lidos lá fôra. É inegavel que a opinião publica é uma grande força que os estadistas não devem desprezar.
Não devia Portugal, em circumstancia tão anormal e extraordinaria, dar publicidade ás negociações?
Não o fez e por isso perdeu desastrosamente a partida, compromettendo a dignidade do paiz.
Faço inteira justiça aos illustres ministros que estão sentados actualmente nas cadeiras do poder; s. exas., á excepção de tres, não crearam esta situação dolorosa, acharam-n'a já creada.
Isto não é censura, unicamente o desejo de dizer á camara que não me parecem em harmonia a opinião do governo com as clausulas do contrato.
O sr. presidente do conselho referiu-se n'essa occasião a umas canhoneiras inglezas que entraram violentamente no Zambeze, e disse que o governo não trataria com a Inglaterra emquanto não lhe fosse dada a devida satisfação. Onde está ella?
Não vejo no Livro branco, a esse respeito, uma unica palavra, e não sei mesmo se o sr. ministro dos negocios estrangeiros terá alguns documentos na secretaria, relativos ao assumpto, os quaes, no caso affirmativo, estimaria bem que se tivessem publicado.
Sr. presidente, veja v. exa. o que são as eventualidades politicas. As estrondosas pateadas transformaram-se em placida discussão.
Os grandes partidos estão calados e congratulados!
Desculpe me v. exa. e a camara, e desculpem-me esses partidos esta apreciação. Isto é o receio de que quando ralham as comadres se descubram as verdades.
Como os grandes partidos têem graves responsabilidades sobre este assumpto, receiam entrar n'esta discussão.
Eu tambem não entrarei n'ella senão muito superficialmente.
Sr. presidente, commetteram-se muitos erros; não duvido das boas intenções dos srs. ministros que trataram d'este negocio, mas quer v. exa. e a camara que eu lhe diga, na minha opinião, qual foi a causa principal que nos collocou n'esta dolorosissima situação?
Foram os syndicatos; elles é que nos collocaram n'esta deploravel situação.
São as incompatibilidades politicas, cujo projecto de lei tem sido constantemente sophismado pelo syndicato d'esta camara! Facto altamente lamentavel.
Vou proval-o.
Nós somos victimas dos syndicatos não só nacionaes mas estrangeiros, em que figura o duque de Fife, genro da Rainha de Inglaterra e a companhia South African, aventureiros do Cabo da Boa Esperança, que de certo não perdem a esperança de continuarem a espoliar nos na Africa oriental.
Os nossos homens politicos, em logar do se consagrarem com todo o interesse a regenerar as nossas possessões da Africa, metteram-se nas companhias como directores!
Veja v. exa., sr. presidente, se é possivel conciliar os interesses do estado com os das companhias particulares, ser juiz em causa propria.
V. exa. e a camara devem recordar-se dos tristes e deploraveis artigos que appareceram na imprensa contra alguns caracteres dos mais honrados d'esta terra.
Tenho aqui um artigo pouco edificante, que não leio á camara porque não desejo avivar antigas magoas ao meu particular amigo o sr. Antonio de Serpa Pimentel, de cuja honradez ninguem póde duvidar.
Sr. presidente, este artigo foi escripto por um dos grandes talentos d'este paiz, por um dos primeiros jornalistas que hoje está sentado ao lado do sr. Franco Castello Branco e do sr. Lopo Vaz, tinha por titulo o Resto, e foi publicado no Diario popular de 22 de maio de 1889.
Veja v. exa. as transformações que tem tido a nossa politica depois que o sr. Marianno de Carvalho foi á Africa purificar-se nas aguas lustraes do Zambeze, do Arnemgua e do Pungue, como um novo Jordão, dos seus erros ou delictos á beira do Tejo.
Que fructos resultarão d'este consorcio incestuoso? Ainda me parece ouvir o echo da voz eloquente do sr. ministro