6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
das obras publicas fulminando o seu collega da fazenda na triste questão da outra metade.
Altri tempi, altri pensieri.
Sr. presidente, o caminho de ferro de Lourenço Marques foi uma fatalidade, o governo que devia dar a concessão d'este caminho de ferro a uma companhia portugueza, ou mandal-o construir á sua custa, foi entregal-o a uma companhia estrangeira com clausulas onerosas para o paiz (vide contrato celebrado em 14 de dezembro de 1883). A concessão das tarifas foi uma fatalidade, não houve concessões que elles pedissem, que não lhe satisfizessem; e hoje estamos nas circumstancias de pagar uma grande indemnisação para ficarmos com aquelle caminho de ferro.
Eu podia ler aqui uma portaria de 3 de março de 1889 annullando um decreto que já estava assignado e referendado pelos srs. ministros. Uma portaria annullando um decreto e isto tudo por causa das influencias politicas! As tarifas do caminho de ferro ficavam a cargo do concessionario.
Sr. presidente, estes negocios prendem-se uns com os outros; está presente quem sabe isto tudo, prendem-se exactamente com o tratado que discutimos, prendem-se com o tratado de 1870 da minha iniciativa como ministro da marinha, celebrado com os Boers em 1870. D'aqui é que nasce tudo.
Em 1846 o paiz estava nas vesperas de uma convulsão politica. Era presidente do conselho o illustre duque de Palmella e ministro dos negocios estrangeiros o conde de Lavradio. A Inglaterra fazia grande opposição ao tratado com os Boers, o governo quiz resistir, e eram homens de boa tempera, mas como sobre o paiz estava imminente a guerra civil, o governo teve de ceder e o tratado não se effectuou.
Já em 1852 os Boers pediam que fizessemos um tratado com elles, mas a incuria foi tal que apesar das consultas repetidas do conselho ultramarino todos os governos que se seguiram não fizeram caso do pedido do governo da republica do Transvaal, que era e é uma nação amiga e que assegurava o nosso dominio na costa oriental da Africa.
Eu vou fazer a historia rapida do tratado dos Boers.
Em maio de 1870 o governo do Transvaal dirigiu uma nota ao governo portuguez, estabelecendo um praso fatal. Se o tratado não fosse ratificado até 31 de julho, elles se considerariam desobrigados.
Já a camara vê em que situação difficil eu me encontrei, sendo então ministro da marinha.
Depois de aturado estudo com o valioso auxilio dos viscondes de Paiva Manso e do de Duprat, apresentei a questão em conselho de ministros, com os mappas e documentos e o governo então approvou o tratado, que, portanto, ficou em circumstancias de ser approvado pelo poder legislativo.
Acontece, porém, que no dia seguinte recebi uma carta do presidente do conselho, o marechal Saldanha, communicando-me que o tratado não podia ser publicado, porque o ministro da Inglaterra lhe fizera sentir qual o pezar que a Gran-Bretanha tinha em ver assignado tal tratado.
O motivo por que eu apresento agora estas considerações, é porque alguem capitulou esse tratado de desastrado e origem de males presentes; e como o chefe da situação em que se celebrou esse convenio, já não tem voz no parlamento, eu cumpro um dever de gratidão defendendo-o.
O marechal preoccupado em tão graves circumstancias, com a resistencia da Inglaterra, dizia-me que o tratado não podia ser ratificado, porque o ministro de Inglaterra se oppunha. Respondi ao marechal: n'esse caso chame v. exa. outro ministro para me substituir, porque eu não desisto de um tratado altamente conveniente para o meu paiz.
O marechal que me dispensava, querendo conciliar tudo, teve nova conferencia com o ministro inglez, que era então o sr. Morier, habil e ladino diplomata.
Mas pensou-se em que estavamos na proximidade de guerra entre a Franca e a Allemanha e que a Inglaterra não vinha defender-nos, se se oppunha á approvação do tratado era simplesmente por interesse seu; emfim o tratado appareceu no Diario do governo.
O ministro de Inglaterra ficou fulo.
Mas passados dias o proprio ministro de Inglaterra, tendo chegado noticia de ter rebentado a guerra que estava eminente, veiu em nome do seu governo offerecer os seus serviços em favor de Portugal.
Entretanto, sr. presidente, esse tratado, foi censurado por um talento brilhante, distincto homem politico.
Veja porém a camara o fundamento das minhas considerações e como era o tratado, que essencialmente prende com a questão de agora.
Eis as principaes bases d'esse infeliz tratado:
Tinha, por limites ao sul a linha tirada do ponto 26°30 até á linha recta para oeste das montanhas de Libombo, note-se que na consulta do conselho ultramarino de data anterior assignada pelo marquez de Sá da Bandeira, apenas se, marcava o grau 26; d'ali para o NNE. até ao monte Pokionnes Kop, que fica ao N.º do rio Oliphont; d'ali para o NNO. até ao ponto mais proximo da serra de Chicundo, onde corre o rio Umbovo; d'ali em linha recta até á juncção dos rios Pafori e Limpopo, onde dizem existirem ricas minas.
Estes limites, juntos aos territorios comprehendendo Manica, Cabo Delgado, o Chire, o Zembo e o Nyassa, constituiam um vasto e rico imperio, que dispertava tanto ciume e inveja á nossa fiel alliada.
Para a camara fazer idéa do desenvolvimento que tem tido as minas de oiro na Africa oriental, leia as apreciações da imprensa ingleza, incluindo o Times:
«A estatistica comparativa do rendimento das colonias do Cabo da Boa Esperança, durante os mezes de abril de 1889 a 1890, mostra um augmento de £ 50:639 para o mez de abril ultimo, sendo o rendimento no mez de abril de 1890, de £ 430:223.
«O rendimento dos dez mezes ultimos foi, na mesma colonia, de £ 3.691:990.
«O rendimento total nas minas do Transvaal, nos tres primeiros mezes d'este anno, foi de £ 197:412.»
De modo que a nossa fiel alliada leva-nos a materia prima que envia para o banco de Portugal quasi todos os mezes, cunhada em libras esterlinas.
Não era preciso ter olhos de lince, nem vista de águia para ver qual era a cubica da Inglaterra. Via-a o ministerio myope de 1870 tão acremente combatido por todos os partidos, cuja politica colonial não foi adoptada. A legião ultramaria, com elementos indigenas, da minha iniciativa, foi extincta!
Não era preciso ser Tayllerand, Meternich ou Bismark para evitar tanto desastre.
Foi um erro a expedição do sr. Serpa Pinto, em circumstancias tão tensas. Serviu só para este distincto official dar mais uma prova da sua coragem e dedicação pelo serviço da patria. Foi um pretexto para a Inglaterra se negar a cumprir o artigo 12.° da conferencia de Berilm. Foi a origem do ultimatum de 11 de janeiro de 1890.
Sr. presidente, esta não é só opinião minha, que nada vale; mas nas polemicas que tive na imprensa a tal respeito deu-se uma coincidencia notavel. Uma escriptora distincta que de certo não é desconhecida dos membros d'esta camara, Mmo. Julliette Adam, diz na Nouvelle revue de l5 de janeiro de 1891:
«O acolhimento feito em Lisboa ao ministro da guerra do Transvaal, o general Joubert, prova que os portuguezes não descuraram os meios de accordo com aquelles que têem interesses complementares dos seus. Uma alliança entre Portugal e o Transvaal póde ser de uma estabilidade consideravel ao commercio do Transvaal e da colonia portugueza se o accordo tiver por fim crear um serviço de navegação dos Paizes Baixos para o Transvaal com o caminho do