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156 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

sobre a imprensa, merecendo-lhe especial predilecção as de injuria, que não podiam admittir prova. As outras, as de diffamação, sujeitas a prova e ao julgamento do jury, foram todas, sem excepção, postas de parte.

Este procedimento, Sr. Presidente, mostra bem o estado desgraçado a que ficou reduzido o Sr. Presidente do Conselho, com essa preferencia.

E não melhorou de situação, acceitando attestados de bons costumes, passados, com infracção de lei, pelas camaras municipaes.

Para os homens publicos, só ha duas formas de responder a ataques: o desprezo contra a calumnia, que não prejudica os caracteres bem formados, e o desforço pessoal, no campo da honra, quando isso se torna mister. Tudo o mais, longe de enaltecer, diminuo.

Peor, Sr. Presidente, é ainda a offerta feita pelo Sr. José Luciano para que lhe verifiquem as contas caseiras. Esta lamuria, que seria inconcebivel se não partisse de quem partiu, faz-me lem br ar o succedido com Boabdil, o ultimo Rei de Granada. Acabavam de o expulsar da formosa cidade, onde tanto gozara, as tropas dos Reis catholicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castella. Boabdil, de uma collina onde estacionava, examinava a cidade e chorava copiosamente. A mãe, cujo espirito varonil fazia contraste com o caracter brando do filho, exclamou:

- Para que choras tu, como uma mulher, o throno que não soubeste conservar como um homem?

Paraphraseando, seja-me permittido dirigir-me ao Sr. José Luciano:

- Para que lamenta V. Exa., como uma mulher, o prestigio que não soube conservar como homem?

Sr. Presidente: cumpre-me agora entrar na apreciação de como este Governo nefasto se conduz para com a imprensa periodica, concernentemente ao emprego da censura prévia, a que o Sr. José Luciano, por um eufemismo jesuitico, denomina leitura idem.

Nas responsabilidades que vou pedir por esta torpeza, dou a preferencia ao Sr. Presidente do Conselho sobre o Sr. Ministro do Reino. A situação subalterna do Sr. Eduardo Coelho é tal, que elle proprio confessou, consoante noticia das Novidades, que nem a nomeação fizera do actual governador civil de Evora. Fôra o Sr. José Luciano que lhe absorvera o mandato, para esse fim.

Para lamentar é que o logar de Ministro tanto decahisse!

E, simultaneamente, registe-se a monomania presidencial da censura sobre tudo e sobre todos. N'esta orientação estabeleceu, sem contestação em contrario, a censura para os seus collegas, dando ordem para que os diplomas da iniciativa d'elles não fossem publicados sem o seu placet. E ha, Sr. Presidente, quem supporte semelhante estado de cousas. Quem por tão estranho modo procede, mais parece ter logar marcado na capella Sixtina, para cantar de tiple, do que nos Conselhos da Corôa.

Mas, voltando á censura sobre a imprensa periodica, registarei o attentada flagrante de que é victima O Mundo - um jornal republicano, honesto, com cujo director, o Sr. França Borges, eu me honro de ter estreitas relações de amizade.

Com verdadeira magua eu leio todos os dias n'este jornal a seguinte declaração:

Este numero do jornal "O Mundo" publica-se com licença da censura previa, expressamente prohibida pela Carta Constitucional e pela lei de imprensa, mas de facto exercida sobre este jornal, diaria e seguidamente, desde 19 de junho ultimo.

O numero, em que eu acabo de fazer esta leitura, recommenda-se principalmente, porque n'elle vem inserta uma carta do Sr. Fernão Botto Machado, director do Mundo Legal e Judiciario, com as mais suggestivas declarações. D'ellas se deprehende que o Direito, de que é director o Sr. José Luciano de Castro, disfruta vantagens assas injustificadas, e que patenteiam á evidencia que S. Exa. sabe ser pae extremoso para os seus, e padrasto cruel para os outros. Ainda hei de voltar a este assumpto, que é edificante, da situação especial exploradora, proporcionada ao Direito, do Sr. José Luciano de Castro.

Agora? ponderarei que O Mundo está sujeito ao regime draconiano da censura previa, ha mais de dois meses.

Durante esse largo periodo, só uma vez foi apprehendido. O artigo que mereceu os rigores policiaes era positivamente doutrinario. O Diario Illustrado affirmara que o Rei era a unica força do paiz - segundo a phrase conceituosa de Antonio Rodrigues Sampaio. O Mundo replicou que era por isso mesmo que Sampaio realizara as suas reformas, no sentido de equilibrar os outros poderes constitucionaes, e não com o fim de engrandecer o que já tinha primasia. Foi isto sufficiente para se effectuar a apprehensão. O artigo incriminado foi, poucos dias depois, transcripto pelo Jornal de Abrantes, e passou incolume, tanto perante a policia como perante o poder judiciario.

Em Lisboa O Mundo é apprehendido - e ha um juiz, o do 3.° districto criminal conselheiro Pina Callado, que lavra, sem a fundamentar, sentença de confirmação.

O Mundo não appellou e fez bem, para não ter que esbarrar com a alta magistratura que sanccionou - mais uma vez o consigno - os latrocinios eleitoraes da Azambuja.

O Sr. Ministro da Justiça (Calorosamente): - Peço a palavra!

O Orador: - Folgo com que seja o Sr. Ministro da Justiça que entre no debate, com tanto calor.

Infelizmente, S. Exa. não poderá justificar os actos da alta e baixa magistratura, nos casos a que me tenho referido da Azambuja e da apprehensão do Mundo. Occasião terei de o demonstrar mais uma vez, se tanto for preciso.

Mas, Sr. Presidente, o certo é que o artigo incriminado do Mundo em Lisboa, passou, repito, incolume em Abrantes.

Pergunto: quem prevaricou - o juiz do 3.° districto criminal, ou a justiça e a policia de Abrantes?

Sem a menor duvida, o Sr. Pina Callado, attentas as ponderações que acabo de fazer, fundadas na verdade inexoravel dos factos.

Mas, Sr. Presidente, com a censura ao Mundo são infringidos o § 3.° do artigo 145.° da Carta Constitucional e artigos 2.° e 39.° da lei de 7 de julho de 1898, de chancella progressista.

A par d'isto, O Mundo está tambem sujeito ao regimen dos suspeitos, apesar de a Carta Constitucional estabelecer no § 12.° do artigo 145.° já citado, que a lei é igual para todos, quer proteja quer castigue.

Quem exerce, porém, a censura no jornal alludido? É indispensavel que o Governo designe o nome do censor. Nos paizes submettidos a esse despotico processo, ha um fiscal idoneo, que procura, tanto quanto possivel, harmonizar os deveres da lei com os interesses das parles. Aqui, nem ha lei para tal oppressão, e o arbitrio é praticado por forma positivamente flibusteira, no intuito de matar a publicação sujeita a tão deprimente tutela.

Pratíca por essa forma o Sr. José Luciano, obedecendo apenas a considerações ad odium, ou para evitar referencias a altas personalidades?

Em qualquer dos casos, não lhe gabo o expediente. O odio é mau conselheiro, e mal vae - seja a quem for - a quem precise de que em torno de si se faça o silencio, tão util e querido dos criminosos, - silencio que o Sr. Presidente do Conselho tanto e tanto aprecia.

Depois, agora como sempre, a compressão na expansão do pensamento produz naturalmente as publicações clandestinas.

A perseguição feita ao Progresso determinou, é certo, a sua extincção, mas acompanhada de publicações que o seu