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sahir airosamente; o D. Par sciente já dos embaraços em que se vira o seu visinho, foi attribuir essa revolução a um não sei que — a um desgosto que o povo geralmente sentia; e declarou a mesma revolução como effeito de uma causa, que por ser desconhecida, era tanto mais perigosa! — A isto se reduz em poucas palavras tudo quanto disse o D. Par sobre a materia em questão. Eu não quero agora discutir se é, ou não verdade que algumas vezes apparecem grandes effeitos, sem que todavia sejam conhecidas as causas que os produzem; eu não quero examinar se depois de tudo quanto disse o D. Par, póde, ou não livrar-se do titulo de fatalista que alguem lhe deu, e do que S. Ex.ª tanto se queixou. O meu fim é demonstrar, que se eram desconhecidas as causas que produziram a revolução do Minho, nenhuma razão plausivel existe, para ser tão fortemente accusada a Administração a que pertenci; e esta justiça que eu peço se faça aquella Administração, a faço tambem ao D. Par, porque á ignorancia dessas causas vou buscar o fundamento que explica o silencio, que S. Ex.ª guardou por tanto tempo como membro da outra Casa, e bem assim para explicar a approvação, que S. Ex.ª deu ás medidas do Governo na qualidade de Conselheiro d'Estado! E não se diga que o D. Par, pertencendo á minoria, nenhum resultado poderia tirar, impugnando as medidas do Governo, como membro da outra Casa; porque, as minorias não estão no Parlamento para vencer, estão para discutir; estão para esclarecer o Governo e a maioria; estão para servirem d'atalaia a fim de evitar, que o mesmo Governo e as maiorias senão precipitem. S. Ex.ª, em logar de nos esclarecer, em logar de mostrar os inconvenientes, que das nossas medidas poderiam resultar para a Nação, guardou no Parlamento profundo silencio, e approvou-as como Conselheiro d'Estado!...
Seja ou não verdadeira a doutrina, que estabeleceu o D. Par a respeito dos grandes effeitos, que muitas vezes apparecem sem causa conhecida; do que não ha duvida é, que S. Ex.ª confirmou esta doutrina com um exemplo tirado da sua propria pessoa. Disse-nos o D. Par, que tendo-se correspondido com a Junta rebelde (assim a designo porque por esta fórma a designon tambem o D. Par. (O Sr. Fonseca Magalhães — Não como Junta, como um membro della.) Como um amigo seu, tambem amigo dos membros da Junta. (O Sr. Fonseca Magalhães — Exactamente.) E tendo-lhe dado conselhos salutares foram estes desprezados; não porque os membros da Junta deixassem de entender que S. Ex.ª tinha razão em taes Conselhos, mas pela fatalidade que sempre acompanha todas as suas cousas! O D. Par muito graciosamente se explicou da seguinte maneira — É conselho do Rodrigo, então rejeitado!!! (Riso) E não obstante, eu sou d'opinião de que os conselhos do D. Par não são algumas vezes para desprezar; e tambem julgo, que a opinião gera) que existe a respeito do D. Par, é injusta e infundada. Mas não ha duvida de que existe effectivamente uma geral desconfiança, contra tudo o que diz o D. Par, como S. Ex.ª reconheceu; e eu só considero este acontecimento como um daquelles grandes effeitos, cujas causas são desconhecidas. (Hilaridade — Apoiados.)
Accrescentou S. Ex.ª, que os membros da junta rebelde não eram os mais aptos para conhecer dos negocios politicos.... (O Sr. Fonseca Magalhães: — Eu protesto não negar uma palavra, nem recusar a responsabilidade de tudo o que disse mas não quero que se me attribua o que não proferi, eu não disse que os membros da junta não eram capazes de dirigir os negocios politicos o que disse foi, que era gente que não estava pratica na marcha de tractar esses negocios: peço aos D. Pares me digam se eu não sou exacto.) Creio no que S. Ex.ª diz, nem eu tenho desejos de inverter por qualquer fórma, nem a suas expressões, nem os seus pensamentos. Tambem sou da opinião de S. Ex.ª, de que os membros da junta não eram pessoas muito praticas para tractar negocios politicos: se o fossem não deviam nunca recusar os conselhos ao D. Par Essa recusa porém só é mais uma prova da fatalidade, que acompanha todos os negocios tractados por S. Ex.ª!
Pelo que respeita ao poder dimissorio, estou inteiramente comforme com as idéas do D. Par e tambem me parece, que esse poder dimissorio foi justamente qualificado por S. E.° como um poder incivilisador. Não ha duvida que os Governos devem usar do poder dimissorio com toda a parcimonia: o que não posso admittir porém é, que se pretenda lançar constantemente um grande odioso sobre a Administração de que fiz parte, pelo uso excessivo que fez desse direito, quando é fóra de duvida, que esse excesso não existiu da nossa parte, existindo aliás da parte dos nossos accusadores! O Sr. Fonseca Magalhães, para fazer realçar mais a accusação de intolerancia e exclusivismo, que lançou sobre a nossa Administração, disse que, na qualidade de Ministro do Reino não havia dado mais de seis dimissões!.. (O Sr. Fonseca: — Conta redonda.) Note-se que venho a estas particularidades, para destruir o odioso que sobre nós se pertente lançar. O D. Par não deu só seis dimissões, o D. Par dimittiu um grande numero de empregados por não merecerem a confiança do Governo. Não crimino um tal procedimento, porque eu entendo, que ha certos empregos que não podem deixar de ser servidos por individuos, que mereçam a inteira confiança do Governo. Eu considero a Administração como um relogio, que para trabalhar regularmente carece de mola principal, e de outras parciaes. Se estiverem em opposição com aquella, a maquina não póde andar regularmente: já se ve por tanto; que eu sou de opinião de que neste ramo do serviço publico os empregados devem todos merecer a inteira confiança do Governo. Foi em conformidade com estes principios, que o Sr. Fonseca Magalhães, depois de formada a Administração de 26 de Novembro fez uma grande reforma no pessoal da Administração. Todos os Governadores Civis nessa epocha foram mudados..(O Sr. Fonseca Magalhães: — Não Senhor.) Pois que o D. Par diz que não, sou obrigado a entrar em detalhes, e a attenção a que tenho diante de mim as competentes estatisticas. Todos os Governadores, Civis, como eu disse foram dimittidos: nove porque o pediram, oito porque não mereceram a confiança do Governo; mas note-se que os nove que pediram a demissão eram os mais salientes, e os mais affectos aos principios da Administração anterior: já se ve por tanto, que se foram dimittidos os menos salientes, com mais razão o seriam estes, senão se tivessem adiantado a pedir a dimissão. Secretarios dos Governos Civis foram dimittidos sete; Administradores de Concelho dimittidos por S. Ex.ª foram cincoenta e dois: empregados de differentes Repartições, sendo a maior parte subalternos; sessenta e nove! Não se venha portanto á vista disto accusar-nos, de que nós merecemos o titulo de exclusivistas e intolerantes. Os que nos accusam foram muito além!
Pelo que repeita á Administração a que presidiu o Sr. Duque de Palmella, já demonstrei que o poder demissorio foi executado ainda com mais excesso, do que durante a revolução de Setembro. Para não cançar a Camara abstenho-me de repetir agora, o que a tal respeito disse no meu primeiro discurso.
Sinto profundamente, que o Sr. Fonseca Magalhães se apresentasse nesta discussão, como procurador e defensor d'uma tão má causa! Considero a S. Ex.ª como um homem de bons principios, e amante da ordem; não posso portanto conceber como S. Ex.ª se attreveu a defender as Juntas revolucionarias, esses corpos tumultuarios, e sem missão alguma; esses corpos que usurparam as attribuições do Chefe do Estado e do Governo; esses corpos que a par das maiores atrocidades que commetteram, tiveram o arrojo de ir roubar os dinheiros publicos aos Cofres do Estado, ás Companhias, aos particulares, ás Misericordias, e aos Hospitaes! (Repetidos apoiados — É verdade — É verdade). A circumstancia de ter um individuo da maior respeitabilidade sido membro d'uma dessas Juntas, póde nunca justificar a apologia que se fez aqui dessas mesmas Juntas? O Sr. Passos (Manoel), de cujas boas qualidades ninguem duvida, póde ser uma excellente pessoa na sua vida privada; mas tambem póde ser um homem eminentemente revolucionario! Mas esta não é a questão.
Como se attreveu o D. Par a defender as Juntas revolucionarias pelo fundamento, de que haviam sido eleitas pela maioria dos votos dos habitantes das povoações, onde se estabeleceram? Póde fazer-se uma tal asserção na presença desta Camara, na presença do publico que nos ouve, na presença em fim da Nação Portugueza, que sabe como essas corporações foram eleitas? Ignora alguem que todas essas Juntas foram eleitas pelas armas, e rossadoiras, no meio dos tumultos e das algazarras dessa canalha desenfreada, que andava por toda a parte assolando o Paiz? (Muitos e prolongados apoiados). É a favor destas Juntas, que o D. Par o Sr. Fonseca Magalhães quer fazer valer o principio, do que as maiorias significam sempre a opinião nacional? Como é que S Ex.ª recusa a verdade d'um tal principio, applicado a outra Casa do parlamento, e como pertende agora admitti-la com relação ás Juntas revolucionarias? (Vozes — Muito bem — Muito bem).
Sr. Presidente, é justo que eu deixe por alguns momentos em paz o Sr. Fonseca Magalhães, e me volte agora para o Sr. C. de Lavradio. (Riso).
Não voltaria eu ao assumpto que vou tractar, se o D. Par nas razões que deu para justificar seu insolito procedimento, não tivesse feito uma insinuação insidiosa para de novo chamar o odioso sobre mim. Eu disse que o procedimento do Ministerio da Revolução, exigindo a minha expulsão de Madrid, e a de meu irmão de Cadiz não tinha exemplo na historia ainda dos Governos mais despoticos, principalmente attendendo-se ao contexto das ordens expedidas ao representante de Sua Magestade, em Madrid, e ao nenhum fundamento que existira para tão injusto procedimento. Não se aterre o D. Par por eu lhe chamar tyranno; sinto que as minhas expressões tenham affligido alguem da sua familia, como S. Ex.ª nos disse; mas nem por isso deixarei de provar com razões, que o D. Par é digno do titulo que lhe dei de tyranno, e perseguidor injusto!...
A Camara está já informada dos motivos, que me obrigaram a retirar para bordo d'um navio de guerra francez, e dos que me obrigaram a largar o Téjo, e partir para Hespanha. Devo agora informar tambem a Camara d'uma circumstancia que torna ainda mais aggravante o procedimento do Sr. C. de Lavradio contra mim, e contra meu irmão. Ainda que pelos motivos que já fiz conhecer á Camara, fui obrigado a largar as aguas do Téjo, e partir para Cadiz, eu estava munido de uma authorisação da Soberana, para estar ausente do Paiz, e viajar em paizes estrangeiros por espaço de um anno. Que motivo teve portanto o Governo para, em contravenção com as ordens da Soberana assim expressadas, exigir a minha expulsão de Madrid?
O Sr. C. de Lavradio pretendeu inculcar, que o Governo possuia documentos que bem justificavam o seu insolito procedimento. Eu passo a dar conhecimento á Camara dos unicos documentos, que serviram de base ao acto do Governo, e se existem outros, é de esperar que o D. Par não deixe de produzi-los. Eis aqui o officio do Administrador do Concelho de Mertola, o qual deu lugar a outros muitos, cuja leitura tambem farei á Camara.
«Governo Civil de Béja = Administração do Concelho de Mertola. = Confidencial. = Ill.mo Ex.mo Sr. — É constante neste Concelho, que os Cabraes, (Antonio e José) se acham ha dias em Xerez de la Frontera, chegando muitas vezes até Huelba, reino visinho, e pouco distante da raia; que desde Ayamonte até Castelejo se acham postadas differentes tropas, em força de seis mil homens, entrando alguma cavallaria e artilheria; ignora-se os fins; porém pela sua proximidade a este Concelho tem causado bastante terror panico aos habitantes do lado de Cambas. É quanto posso informar a V. Ex.ª a este respeito, para os effeitos que julgar necessarios. Deus Guarde a V. Ex.ª Administração do Concelho de Mertola, 2 de Agosto de 1846. – Ill.mo Ex.mo Sr. Governador Civil deste Distrito. = O Administrador do Concelho interino, Jaques Cesario Pessoa.»
E proseguiu — Eu já disse á Camara, na primeira occasião em que fallei, que era verdade ter estado mais de uma vez em Xerez de la Frontera, alli tinha e tenho ainda tres filhos a educar a um Collegio. A ida porém ao Huelba nunca teve logar, e o Administrador de Mertola faltou á verdade.
O Governador Civil do Districto, recebendo o mencionado Officio, deu conhecimento do seu contheudo ao Governo, e ao representante de Sua Magestade em Madrid. O Governo procedeu pela fórma que mostram os documentos, cuja leitura vou fazer.
«Ill.mo. e Ex.mo Sr. = Tenho a honra de enviar a V. Ex.ª, para seu conhecimento e mais effeitos que lhe parecerem convenientes, a inclusa cópia authentica da communicação dirigida pelo Administrador do Concelho de Mertola, ao Governador Civil de Beja, prevenindo a V. Ex.ª, de que o mesmo Governador Civil remetteu tambem a dita communicação por cópia ao Barão de Renduffe, Enviado Extraordinario, e Ministro Plenipotenciario de Sua Magestade na Côrte de Madrid. Deos guarde a V. Ex.ª Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em.... Duque de Palmella.»
«Ill.mo. e Ex.mo Sr. = Confidencial. = Constando por informações recebidas no Ministerio do Reino, que o Conde de Thomar, e seu irmão José Bernardo, se achavam ha dias em Xerez de la Frontera, chegando muitas vezes até Huelba, assim o communico a V. Ex.ª, para que, por todos os meios ao seu alcance, procure indagar qual é o conceito que esta noticia merece, informando logo para este Ministerio, com o resultado das suas investigações. Deos guarde a V. Ex.ª Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 7 de Agosto de 1846. = Ill.mo Ex.mo Sr. Commandante da 7.ª Divisão Militar. = Sá da Bandeira.»
(Identica para o Commandante da 8.ª Divisão Militar.)
«Ill.mo e Ex.mo Sr. = Reservado. = Constando que o Conde de Thomar havia chegado a essa Capital, e tinha sido recebido pelo Ministro dos Negocios Estrangeiros, e por outros altos funccionarios; constando outrosim, que José Bernardo da Silva Cabral tinha ido a algumas terras visinhas da fronteira de Portugal, para conferenciar com emissarios sahidos deste Reino; e sendo certo; que tanto as conferencias de José Bernardo da Silva Cabral, como a viagem do Conde de Thomar a Madrid, tem por fim o promover uma revolução, cujas consequencias seriam fataes para a Monarchia, cumpre-me, depois de haver recebido as Ordens de Sua Magestade, determinar a V. Ex.ª
«l.° Que tanto V. Ex.ª como todos os outros Empregados nessa Legação, se deverão abster de toda e qualquer relação publica ou particular com o Conde de Thomar, e seu irmão.
«2.° Que V. Ex.ª deverá (não por uma Nota, mas verbalmente) exigir do Governo de Sua Magestade Catholica, que, sem demora, ordene ao Conde de Thomar, que sáia da Côrte de Madrid, prohibindo-lhe voltar para Cadiz, donde seu irmão deverá tambem ser mandado sahir, ordenando-lhes, que escolham a sua residencia em terras affastadas da fronteira de Portugal, e donde não possam corresponder-se com este Reino com tanta facilidade, como o podem fazer, e estão fazendo da Praça de Cadiz.
«Do exacto e prompto cumprimento destas ordens me dará V. Ex.ª, com a maior brevidade possivel, uma muito circumstanciada conta, assim como das relações que o sobredito Conde teve com o Ministro dos Negocios Estrangeiros, e outros Funccionarios publicos durante a sua estada nessa corte. Deos guarde a V. E. Palacio de Belem, em 7 de Agosto de 1846. = Conde de Lavradio. = Para o Barão de Renduffe.»
E ainda proseguiu — Em vista destes documentos, fica a Camara habilitada para avaliar a justiça do acto do Governo, e conhecer ao mesmo tempo a força de que se suppunha revestido um Ministerio, que inculcava ter a opinião nacional em seu favor. Dous paizanos no estrangeiro o faziam tremer! (Riso — É verdade. É verdade).
Não ha duvida de que eu tive uma entrevista com o Ministro dos Negocios Estrangeiros de S. M. Catholica; mas esta entrevista teve logar a pedido, e na presença do Sr. B. de Renduffe, e já se vê, que se eu tivesse de tractar e combinar com o Ministro de S. M. Catholica os meios de produzir uma revolução neste paiz, nenhuma pessoa era mais propria para assistir a uma tal combinação, do que o Ministro Portuguez que tão fielmente cumpria as ordens do Ministerio da revolução! A conferencia que teve logar com o Ministro dos Negocios Estrangeiros de S. M. Catholica, foi uma visita de cumprimento; tendo eu sido Ministro durante seis annos e meio neste Paiz, e comparecendo em uma Côrte estrangeira entendi, que era do meu dever praticar um similhante acto de civilidade (apoiados). E note a Camara, que eu fui tão cautelloso nesta parte, que para evitar todo e qualquer pretexto de suspeita, fiz como já disse esta visita a pedido, e na presença do Representante de Sua Magestade.
Uma das razões que o Sr. C. de Lavradio deu para justificar a ordem para a minha expulsão, foi que eu me havia feito apresentar a S. M. C. como seu Vassallo... (O Sr. C. de Lavradio — Eu não o disse por essa fórma.) Não me admira que o D. Par ponha agora em duvida o que disse, S. Ex.ª tem o costume de se esquecer muitas vezes do que proferiu. A accusação feita pelo D. Par é grave, attendendo-se ao proposito com que foi feita. S. Ex.ª pretendeu inculcar, que eu havia renegado a qualidade de Cidadão portuguez. Sobre este objecto sou inteiramente conforme com as considerações feitas pelo Sr. Fonseca Magalhães, quando tractou de responder aquelles que o tem accusado de haver rasgado o seu diploma de Cidadão portuguez. Entendo que S. Ex.ª com razão taxou de calumniosa uma similhante asserção: eu espero que os outros entendam o mesmo a meu respeito. Passo a explicar á Camara este negocio, para que se conheça a nenhuma justiça e pouca sinceridade com que sou aggredido.
Sendo ainda Ministro de Sua Magestade recebi uma prova da benevolencia da Rainha de Hespanha, conferindo-me a Gram-Cruz de Carlos 3.º Apparecendo em Madrid pela primeira vez, entendi que era do meu dever aproveitar essa occasião para apresentar os meus respeitos e agradecimentos a S. M. Catholica. Confiando na amizade que em outro tempo me ligou ao B. de Renduffe, entendi que me devia dirigir a elle, para que houvesse de solicitar dia e hora em que tivesse logar a minha apresentação na Côrte. Tenho o sentimento de annunciar, que aquelle meu antigo amigo não só paliou, mas procurou todos os meios para que tal apresentação não tivesse logar, chegando o seu procedimento a escandalisar os mesmos hespanhoes. Foi depois de tudo isto que eu entendi que devia dispensar os serviços do nosso Ministro naquella Côrte, e que me decidi a solicitar eu mesmo, por via do Mordomo-Mór de S. M. Catholica, a minha apresentação, a qual immediatamente teve logar. Pergunto agora — o que ha de reprehensivel na minha conducta? E que motivos poderiam ter obrigado o Representante de Sua Magestade a ter comigo um tal procedimento? Se foram, como é natural, as ordens do Governo, a Camara avaliará até que ponto chegou a perseguição que me fez o Ministerio da revolução! A Camara reconhecerá em fim como todas as accusações que me são dirigidas pelos meus adversarios politicos, desapparecem como fumo, apenas eu sou ouvido (apoiados).
Cumpre agora dar conhecimento á Camara, da conducta que teve um Governo, que pelo outro lado da Camara tem sido apresentado como intolerante e perseguidor. Todos sabem que os militares, que tomaram parte na revolução de Torres Novas, e capitularam em Almeida, optaram retirar-se a Hespanha, e não entregar-se ao arbitrio do Governo. Esses militares entraram effectivamente no Paiz visinho, e é sabido que governava alli nessa occasião um Ministerio de idéas conservadoras. Esse Ministerio, por motivos de certo muito plausiveis, entendeu que em logar de conservar em Hespanha esses emigrados portuguezes, os devia mandar para as Ilhas Baleares. Que fez porém esse Governo, intolerante e perseguidor? Mandou immediatamente expressos a Madrid, rogando ao Governo hespanhol que cedesse da sua determinação, e conservasse os prisioneiros em Hespanha, e a certa distancia da fronteira. Compare-se agora o procedimento que nós tivemos com os nossos adversarios politicos, com o procedimento que estes tiveram com individuos deste lado. A Camara não deixará de observar a grande differença, que existe entre um e outro caso: nós procediamos com tanta generosidade a respeito de um grande numero de individuos, na maior parte Officiaes, e Sargentos, os quaes de um momento para o outro, comparecendo na fronteira, podiam causar ao Governo immensas difficuldades; o Governo da revolução perseguiu dous paisanos, que estavam mui tranquillos cercados das suas familias (apoiados)! Pergunto agora — estará justificado o titulo de tyranno que dei ao D. Par? Que outro Governo praticou já um acto igual? Nem o proprio Governo da revolução de Setembro! O movimento de Belem foi infeliz, e muitas notabilidades tiveram então necessidade de emigrar; nesse numero se encontrou o Presidente da Administração de Maio; essa personagem tinha servido de baldão aos jornaes daquelle lado da Camara, os quaes lhe lançaram em rosto os maiores crimes, o attentado mesmo contra a vida do Principe Augusto! Calumnias miseraveis! Porque essa personagem nem era capaz de imaginar se quer um tal attentado, porque essa personagem não tinha crimes para ser tão atrozmente atacado; porque essa personagem em fim, havia prestado relevantes serviços em favor do Throno da Rainha, e da Carta (apoiados).
Não admira que o Sr. Conde de Lavradio sentisse grande prazer, em dar similhantes ordens ao Representante de Sua Magestade em Madrid; S. Ex.ª está de ha muito habituado a praticar violencias de similhante natureza. Tenho diante de mim um aviso assignado pelo D. Par, então ainda D. Francisco de Almeida, pelo qual sem processo mandou deportar um cidadão! Este facto foi devidamente estigmatisado em Sessão de 30 de Março de 1826 por um homem que foi membro desta Casa, cujos talentos e virtudes todos admiramos, e cuja falta todos sentimos: fallo do Sr. Manoel Gonçalves de Miranda (apoiados). (O Sr. C. de Lavradio — Faça favor de lêr o aviso.) Não tenho duvida: ei-lo aqui. «Manda a Senhora Infanta Regente, em nome de El-Rei, que S. Ex.ª faça embarcar hoje mesmo, João Candido Baptista de Gouvéa, a bordo do Bergantim Mary, que parte para Inglaterra na qualidade de Paquete, e do resultado desta diligencia, que muito se recommenda a V. Ex.ª, dará conta. Paço, em 15 de Dezembro de 1826. = D. Francisco de Almeida.»
Se o D. Par quizer discutir com mais clareza este negocio, ainda aqui tenho mais uns documentosinhos que poderei lêr. (O Sr. C. de La-