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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 175

as attribuiçõcs do poder moderador, inhibindo-o de escolher em todo o paiz, segundo a carta, os pares do reino, com a unica responsabilidade dos seus ministros e do conselho d'estado. A indicação de categorias é nada mais, nada menos, do que circmnscrever a esphera de attribuições reaes marcadas pela constituição do estado. Demonstrada a primeira proposição, passarei á segunda.

Voto contra o projecto, porque o reputo inconstitucional, porque entendo que a camara não tem competencia para tratar d'este assumpto.

O projecto é inconstitucional, porque ataca a doutrina do artigo 144.° da carta.

O artigo 144.° da carta designa muito expressamente quaes são os artigos constitucionaes, quando diz que é só constitucional o que se refere aos limites e attribuições respectivas dos poderes politicos e aos direitos politicos e individuaes dos cidadãos; segundo a letra d'este artigo, o artigo 74.°, em virtude do qual se exerce o poder moderador, é um artigo constitucional, constitucionalissimo, por isso mesmo que se refere ás attribuições de um dos poderes politicos. O Rei exerce esse poder, ouvido o conselho d'estado, como marca o artigo 110.°; é esta a unica hesitação que a carta fez ao artigo 74.° Segundo a letra do artigo 144.° tambem é constitucional o artigo 140.°, que determina muito claramente no seu n.° 13.°, que todo o cidadão póde ser admittido aos cargos publicos, civis ou militares, sem outra differença, que não seja a dos seus talentos e virtudes. D'esta simples exposição que acabo de fazer se conclue, que o projecto viola a constituição, já atacando um poder, já atacando direitos dos cidadãos.

Desde que a camara estabeleça as categorias, dentro das quaes se ha de fazer a nomeação dos pares do reino, limita o poder moderador, vae cercear-lhe uma das suas attribuições e restringe-lhe a faculdade que a constituição lhe tinha conferido. Por outro lado inhibe que o talento, que o saber, que os serviços de todos aquelles que não pertencem a nenhuma das categorias, possam ser remunerados pelo ingresso na segunda camara.

Demonstrei que o projecto limita o poder moderador, e ataca direitos dos cidadãos, os dois casos a que se refere o artigo 144.°; tenho pois demonstrado que o projecto, não respeitando a constituição do estado, é inconstitucional, e desde que seja votado pelo parlamento ficou sem valor o artigo 145.° da carta que dá a cada um o ingresso n'esta camara conforme suas virtudes, talentos e serviços. Haja muito embora no paiz immensos cidadãos n'estas condições, pelo simples facto de não pertencerem a qualquer das categorias indicadas o projecto fecha-lhes aquellas portas.

Portanto, acho muito melhor, muito preferivel, tudo quanto está disposto na carta, e entendo que não é da nossa competencia modifical-a n'este ponto.

Se estes argumentos não são sufficientes para mostrar a incompetencia da camara dos pares n'este assumpto, accrescentarei mais alguns.

O artigo 71.° diz relativamente ao poder moderador:

"O poder moderador é a chave de toda a organisação politica, e compete privativamente ao rei, como chefe supremo da nação, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independencia, equilibrio e harmonia dos mais poderes politicos."

Note a camara, que este artigo diz que o poder moderador é a chave de toda a organisação politica. É a chave, e porque? Porque a fecha e a completa.

Sendo assim não póde deixar do ser conferido esse poder ao rei, cuja elevada missão é difficil e espinhosa.

Como queria, pois, a camara dos pares limitar as attribuições que exclusivamente a elle pertencem, para que vele incessantemente pela manutenção da independencia, equilibrio e harmonia dos poderes publicos? Parece-me isto claro. Passemos adiante.

Para ver o absurdo que resulta d'este projecto, supponhamos que, em logar de estabelecer essas differentes categorias, estabelecia uma só ou duas, quando muito.

Pôde, em consciencia, algum dos dignos pares sustentar que esta camara tinha direito para o fazer?

Não estão todos convencidos que uma camara assim feita seria uma oligarchia, e não satisfaria a letra e pensamento da carta?

Não seria isso restringir completamente as attribuições do poder moderador?

Não seria crear privilegios prohibidos pela mesma carta?

A inconstitucionalidade do projecto é uma verdade a olhos vistos.

Se a constituição não é boa, reforme-se; mas, emquanto for constituição, todos nós devemos dar o exemplo, respeitando-a.

Sinto immenso que o sr. relator da commissão, entre outras reflexões que fez, declarasse que em côrtes ordinarias se tem modificado já alguns artigos da carta, apesar de serem constitucionaes, e tanto que, contra os principios ali expressos, se fizeram duas leis de regencia.

Sinto ouvir-lhe esta revelação, que mostra que nós, que devemos ser os mais escrupulosos no cumprimento das leis, somos os primeiros a violal-as.

A este respeito sabe v. exa. o que dizem os publicistas?

Dizem que quando se praticam actos d'esta natureza, que importam um ataque á constituição, nenhum cidadão é obrigado a reconhecel-os nem a acatal-os.

Não posso eu tambem reconhecel-os, nunca poderei louval-os.

Para justificar o projecto, tem-se fallado aqui muito na lei de 11 de abril de 1845, servindo de argumento de inducção aos defensores do projecto que argumentam que, assim como a camara póde modificar a carta pela lei de 1840, assim tambem o póde fazer por este projecto. Como eu estou convencido e entendo que a camara dos pares fez essa lei fóra da orbita das suas attribuições, nunca reconheci essa lei, e tenho votado sempre para a admissão dos filhos dos pares como se ella não existisse.

Passarei agora á terceira proposição que vou demonstrar. Voto contra o projecto, porque não satisfaz ás aspirações modernas e ao espirito do seculo, aspirações, que v. exa. o toda a gente illustrada sabe quaes são; mas, alem d'isso voto contra, porque não preenche nenhum dos fins que o sr. relator da commissão indicou - evitar a revolução e obstar a qualquer golpe de estado.

O projecto não satisfaz as idéas das sociedades modernas, porque ficam da mesma fórma os pares vitalicios e hereditarios,, nomeados pelo rei, sem um numero fixo, e com a indicação de categorias aristocratisa-se a segunda camara e cria-se um privilegio.

Não evita a revolução nem o golpe de estado.

A experiencia, e a observação de todos os dias provam-no exuberantemente.

Nas differentes revoluções politicas e de principios effectuadas n'este paiz o que se pretendia era substituir constituição por constituição, e nunca se tratava de modificar simplesmente a carta n'este artigo.

Mesmo na revolução que teve logar em 1851, a qual deu a reforma da carta e o acto addicional, mesmo n'essa revolução ninguem pertendeu reformar a camara dos pares pela indicação de categorias.

Estes factos mostram bem claramente que esta reforma não evita nem a revolução nem o golpe de estado.

As revoluções e os golpes de estado evitam-se por outra fórma. São os governos, que as evitam pela sensata administração, pela previdente economia, e pela justiça e moralidade do seu proceder.

Quer o sr. relator da commissão saber como se evitam as revoluções? Respeitando escrupulosamente a constituição, e fazendo o contrario do que tem feito o governo presidido pelo sr. Fontes.