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dem do dia; mas attendendo á sua simplicidade, pediria a V. ex.ª -que propozesse á camara que dispensasse as formalidades do regimento, e entrasse em discussão.
Posta á votação a indicação do sr. visconde de Gouveia, a camara approvou-a, entrando em seguida o projecto em discussão, que é do teor seguinte
PARECER N.° 147
Á commissão das obras publicas foi enviado o projecto de lei n.º 173, vindo da camara dos srs. deputados, o qual tem por fim auctorisar o governo a despender annualmente a quantia de 600$000 réis na restauração e conservação da igreja de Santa Cruz de Coimbra.
A commissão, reconhecendo quanto são insufficientes os meios destinados para a conservação dos monumentos historicos, e acatando as gloriosas recordações a que está ligado aquelle templo, é de parecer que o referido projecto de lei seja approvado para subir á real sancção.
Sala da commissão, 19 de março de 1861. = Joaquim Larcher = Visconde de Athoguia = Visconde da Luz - Visconde de Castro.
PROJECTO DE LEI N.° 173
Artigo 1.° E o governo auctorisado a despender annualmente na restauração e conservação do monumento nacional da igreja de Santa Cruz de Coimbra a quantia de réis 600$000.
§ 1.° As obras começarão pela frontaria do edificio da igreja.
§ 2.° Concluida a restauração do monumento o governo despenderá annualmente a parte da quantia acima mencionada que for necessaria para a sua conservação.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em Contrario.
Palacio das côrtes, em 18 de março de 1861. = Custodio Rebello de Carvalho, deputado presidente = José de Mello Gouveia, deputado secretario = Carlos Cyrillo Machado, deputado secretario.
Não havendo quem pedisse a palavra, foi proposto á votação e approvado.
O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, a exemplo do que pediu o meu nobre amigo o sr. visconde de Gouveia, peço tambem a V. ex.ª para propôr á camara que dispense as formalidades do regimento para um projecto que tem por fim conceder á camara municipal de Amarante, a permissão de contrahir um emprestimo de 6:000$000 réis. É um projecto tão simples, se bem que importante para a povoação de Amarante, que, a não se opporem os illustres membros da commissão, poderia sem inconveniente entrar já em discussão...
O sr. Presidente: — Parece-me que ainda não foi distribuido.
O Orador: — Bem, n'esse caso pediria a V. ex.ª que logo que fosse distribuido tivesse a bondade de consultar a camara na conformidade dos meus desejos. O meu nobre amigo o sr. visconde de Gouveia acompanha-me n'este pedido.
O sr. Presidente: — Logo que seja distribuido proporei á camara a indicação do digno par. O Orador: — Creio que está na mesa. O sr. Secretario: — Não está.
O sr. Visconde de Castellões: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda (leu). (Pausa.)
O sr. Visconde de Balsemão: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par.
O sr. Visconde de Balsemão: — -Eu acabo de entrar, e sendo informado do que se passou, pedi a palavra a V. ex.ª para declarar, que se estivesse presente quando se votou a proposta do sr. D. Carlos de Mascarenhas, teria votado contra, pois que tendo-se apresentado o sr. ministro do reino na sessão de antes de hontem, e não se tendo verificado a interpellação para a qual s. ex.ª se deu por habilitado, entendia que hoje se não devia tomar esta resolução de ficarmos em sessão permanente até que s. ex.ª compareça, quando s. ex.ª fez constar na mesa que não podia comparecer por motivo justo, que é conhecido de todos nós (apoiados de alguns dignos pares, e outros se levantam pedindo a palavra).
O sr. Conde de Thomar: — Mas qual é o motivo justo?
O sr. Visconde de Balsemão: — E o que se discute na outra camara.
Vozes: — O que se discute é a lei de desamortisação.
O sr. Presidente: — Eu observo que me parece que não nos devemos occupar do que se passa na outra camara (apoiados). Digo isto, suppondo que ninguem se offenderá com esta observação, que é feita no intuito de concorrer para a boa ordem.
O sr. Conde de Thomar: — Permitta-me V. ex.ª que diga que a observação do digno par, o sr. visconde de Balsemão, é que deu logar a isto. S. ex.ª é que se referiu, explicando o que entendia por motivo da não comparencia do sr. presidente do conselho.
O sr. Visconde de Balsemão: — Eu fiz aquella declaração porque já tenho aqui dito que entendo que esta camara não póde compeliu os ministros; seio quizer fazer, pratica um acto que póde ser tomado como acto faccioso. (Vozes: — Ordem, ordem, ordem.)
O sr. marquez de Vallada e outros dignos pares pedem a palavra sobre a ordem.
O sr. Presidente: — Eu é que peço ordem, porque á presidencia é que incumbe manter a ordem.
O sr. Marquez de Vallada: — Insta pela palavra.
O sr. Visconde de Balsemão: — Eu sustento o que disse, porque quero manter a dignidade d'esta camara; não quero que se tome qualquer resolução que possa ser julgada facciosa.
Vozes: — Ordem, ordem.
O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, eu preciso responder ao sr. visconde de Balsemão.
O sr. Conde de Thomar: — Não responda, que é melhor (apoiados).
O sr. Marquez de Ficalho: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: — Isto não póde nem deve progredir (apoiados).
O sr. Marquez de Ficalho —Eu quero unicamente dizer ao sr. visconde de Balsemão que está enganado; nós não compellimos os ministros, se s. ex.ª tivesse estado presente no principio da sessão veria que nós o que quizemos foi ficar em sessão permanente até que chegue o sr. ministro do reino.
Eu não obrigo os outros, a mim é que obrigo, o que são cousas muito distinctas. Eu e os dignos pares que approvámos a proposta obrigámo-nos a não saír emquanto o governo não responder sobre a interpellação, venha a que hora vier. (O sr. Visconde de Balsemão: — Já veiu antes de hontem.) Eu já tenho explicado as rasões por que então propuz o adiamento, foram rasões de lealdade, o negocio ficou para hoje, e agora não se póde espaçar mais. Por mim digo: venham manhã, ou venham daqui a cinco, dez ou vinte dias, eu cá estou, se a vida me não faltar.
(Pausa.)
O sr. Secretario: — A mesa officiou ao sr. presidente do conselho nos seguintes termos:
Ill.mo e ex.mo sr. Tenho a honra de remetter a V. ex.ª a inclusa copia da proposta, sob n.º 125, apresentada pelo digno par o sr. D. Carlos de Mascarenhas, e que n'este momento foi approvada por esta camara, sendo a sua votação de 23 votos contra 14; o que levo ao conhecimento de V. ex.ª para os devidos effeitos.
Deus guarde a V. ex.ª Palacio das côrtes, em 20 de março de 1861. = Ill.mo e ex.mo sr. presidente do conselho de ministros ».
A resposta foi a seguinte:
«Ill.mo e ex.mo sr. = Achando-se o ministerio todo empenhado na camara electiva em questões, em que não póde deixar de assistir, só poderá comparecer na camara dos dignos pares quando terminar a sessão d'aquella camara.
Deus guarde a V. ex.ª Palacio das côrtes, em 20 de março de 1861. = Ill.mo e ex.mo sr. presidente da camara dos dignos pares. = Marquez de Loulé n.
O sr. Presidente: — Á vista d'isto suspendo a sessão até ás quatro horas (apoiados).
Ás quatro horas e um quarto entraram o sr. presidente do conselho e os outros membros do ministerio.
O sr. Presidente: — A camara vae reassumir o seus trabalhos, e tem a palavra o sr. conde de Thomar para fazer a sua interpellação.
O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, é com a maior difficuldade, que passo a usar da palavra, que me é concedida n'esta occasião: a hora está muito adiantada, e toda a camara se resente ainda de uma certa agitação, a que deu motivo a não comparencia do sr. presidente do conselho durante toda a sessão, faltando assim ao compromisso, a que se obrigara. Não é portanto, seguramente, este o momento mais favoravel para discutir uma questão aliás tão grave, como a que faz objecto da minha interpellação.
Não posso deixar de repetir lealmente, na presença do sr. presidente do conselho, o que disse na sua ausencia por occasião da discussão da proposta do meu amigo, o sr. D. Carlos de Mascarenhas. Disse eu, que sentia profundamente que o sr. presidente do conselho se tivesse recusado a comparecer no principio da sessão, quando não apresentava motivo algum justo e plausivel, que o dispensasse d'essa comparencia. O motivo dado por s. ex.ª no officio de resposta á communicação feita pela mesa de que a camara resolvêra conservar se em sessão permanente até á comparencia de s. ex.ª, não passava de um motivo especioso. A presença de todo o ministerio na outra casa não se tornava por certo indispensavel, como s. ex.ª diz; porquanto a discussão, que ali se agitava, e agita por emquanto, versa sobre as emendas que esta camara fez sobre o projecto relativo á desamortisação dos bens das religiosas, e de outros estabelecimentos. Alem de não ser uma tal discussão d'aquellas, que demanda a presença de todos os membros do gabinete, deve ainda attender-se a que o nobre presidente do conselho se conservou -sempre silencioso durante a discussão de um tal projecto em ambas as camaras, não sendo por certo indispensavel que tomasse a seu cargo a defeza das emendas que se discutiam agora na outra casa.
Sinto realmente que, para se obstar á discussão, e solução da questão, que se agita, se empreguem taes subterfugios e se lance mão de meios, que a moral e a justiça condemnam.
Sr. presidente, á lealdade do meu nobre amigo o sr. marquez de Ficalho, propondo que esta discussão ficasse adiada da sessão de segunda feira para a de hoje pelos motivos, que toda a camara aceitou como procedentes e plausiveis; á condescendencia, que eu tive em annuir ao pedido do digno par, consentindo no adiamento, respondeu-se pelo lado dos nossos adversarios, que o auctor da interpellação, o auctor do adiamento e todos os que seguem a nossa opinião, haviam na segunda-feira recuado de seus intentos na presença dos elementos, que, n'esse dia, occupavam uma grande parte das galerias publicas (apoiados)!
Permitta-me a camara que eu diga, sem receio de ser contrariado, que nem o auctor da interpellação, nem o auctor da proposta do adiamento, nem os que seguem as nossas opiniões, trepidaram em vista d'esses elementos (apoiados).
Todos sem excepção, nos temos visto em maiores perigos, e nunca hesitámos em cumprir o nosso dever. Esteja a camara, estejam todos seguros de que não hesitaremos agora, quaesquer que sejam os elementos e os meios que se ponham em movimento contra nós (apoiados).
Porque se não recorreu antes á verdadeira causa que moveu o sr. presidente do conselho a conservar-se na outra camara, e a não comparecer nesta, não obstante o seu anterior compromisso?
Ninguem ignora que, immediatamente á discussão das emendas sobre o projecto da desamortisação, está dada para ordem do dia uma proposta de lei, apresentada pelo governo, a qual póde trazer uma questão politica, que talvez decida da vida ou da morte do gabinete, ou que leve o mesmo gabinete a propôr a extraordinaria medida da dissolução da camara dos srs. deputados.
Não seria melhor reconhecer que a discussão da camara dos pares podia concorrer para collocar o governo em peiores circumstancias, e que portanto era necessario adia-la, ainda mesmo faltando o sr. presidente do conselho a um compromisso, que havia aceitado? O sr. ministro havia aceitado o duello; com a sua approvação e consentimento se havia designado o local, o dia e a hora; como ousou s. ex.ª faltar assim aos deveres de leal cavalheiro, tanto mais que motivo justo o não dispensava de comparecer?
Não imagine a camara, não imagine ninguem, que eu tomo parte n'esta questão com espirito de opposição ao governo. Votado ao ostracismo ministerial, posição que me agrada e que eu aceito de boa vontade, não nutro a menor idéa de ser ministro, bem pelo contrario, desejo evitar, e evitarei uma tal posição. Farei mais; este, como todos os ministerios, hão de ter o meu voto em todas as questões de interesse publico, porque nenhuma questão estou disposto a aproveitar para fazer politica.
Resolvi-me a fallar sobre o objecto que nos occupa, porque considero a portaria de 5 do corrente como um acto iniquo, porque invoca falsamente a observancia dos canones e das doutrinas da igreja catholica romana, e dos decretos do immortal duque de Bragança, contra o procedimento de pessoas, que por fracas, dispertam, nem podem deixar de dispertar os sentimentos de maior piedade e sympathia. É n'esta occasião em que vejo classificar de illegal e escandaloso o procedente das irmãs da caridade, que eu desejo ter a honra de me apresentar como seu advogado e procurador. É sempre nobre advogar a causa dos desvalidos e perseguidos (apoiados).
O acto governamental, que classifiquei de iniquo, e que agora classificarei tambem de illegal, inconstitucional e atroz, é a portaria de 5 do corrente. Para que esta questão seja devidamente avaliada, peço licença á camara para lêr os considerandos e os fundamentos que servem de base á resolução ministerial.
Eis aqui a portaria:
Sua Magestade El-Rei a quem foi presente o resultado dos meios empregados pelo cardeal patriarcha, em conformidade do regio officio de 3 de outubro de 1860, para que as irmãs da caridade se sujeitassem á obediencia, que, segundo a legislação vigente e as boas doutrinas canonicas, deviam exclusivamente prestar á auctoridade diocesana;
«Visto que o prelado diocesano foi n'este empenho formalmente desobedecido com menoscabo dos canones da igreja catholica e offensa do poder temporal, que tem direito e obrigação de manter a auctoridade episcopal, como protector e defensor da religião do estado;
«Visto que a corporação das irmãs da caridade se acha actualmente subordinada a um prelado estrangeiro;
«Considerando que toda e qualquer communidade, congregação ou sociedade religiosa regular portugueza, que por algum modo negar obediencia ao prelado diocesano, ou a prestar a um prelado estrangeiro, em contravenção das leis do reino, deve ser immediatamente dissolvida;
«Ha por bem, tendo ouvido a commissão creada por decreto de 3 de setembro de 1858 para estudar a questão das irmãs da caridade e propor as medidas necessarias para a reorganisação do seu instituto em Portugal, e conformando-se alem d'isso com o parecer de outras pessoas competentes, ordenar o seguinte».
São cinco as disposições que se deduzem d'estes considerandos e fundamentos e não será difficil demonstrar que nenhuma d'estas disposições é sustentavel, em vista dos canones e das doutrinas da igreja que falsamente invoca; e em vista da legislação vigente que falsamente applica. Pela demonstração que me proponho fazer, a camara reconhecerá a sem rasão com que o governo promoveu um meeting, com o fim de votar-lhe agradecimentos por tão iniqua medida, muito embora esse meeting, desviado do fim da sua convocação, em logar de votar agradecimentos ao sr. presidente do conselho, fosse caminho direito para a residencia do nobre marechal duque de Saldanha, como unico salvador, e podendo só elle remediar as desgraças que estamos soffrendo com o actual systema de governo. É a voz do povo reunido de accordo com o governo que assim o proclamou (Vozes: — é verdade).
É pelo fundamento de invocar falsamente os canones e doutrinas da igreja, é pelo fundamento de falsamente applicar o decreto de 9 de agosto de 1833 ao instituto de S. Vicente de Paulo, que eu principalmente impugno a portaria de 5 do corrente, não deixando comtudo de ser para mim motivo de grande peso, a circumstancia de reputar este acto ministerial, como filho da pressão que se está exercendo sobre s. ex.ª o sr. presidente do conselho; pressão, porque tenho a quasi convicção de que os sentimentos e maneira de pensar de s. ex.ª estão em opposição com uma medida ditada, pelo espirito faccioso, e por isso só póde ser considerada como um acto de levesa por um lado, de fraqueza por outro. Refiro-me á epocha da sua publicação (apoiados).
Sei que as idéas do falso progresso tem fascinado a muitos, e que o nobre presidente do conselho, por convicção (e deploro) ou por calculo (e condemno), se tem lançado em um caminho cheio do escolhos. Grandes são as difficuldades em que s. ex.ª se tem já visto, e seja em prova d'isto