226 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
O sr. Ministro da Fazenda: - Explica o que se deve entender par contrato provisorio e por contrato definitivo, que são as duas partes em que se divide o contrato que foi apresentado á camara. A parte que se refere ao supprimento é um contrato consummado, e é por isso definitivo; a parte que se refere ao emprestimo é puramente provisorio. Nesta não ha bonificação.
O sr. Casal Ribeiro: - Votou contra a generalidade do projecto, depois de ter ouvido as explicações do sr. ministro da fazenda; e tenciona votar contra o artigo 1.°, por estar disposto a dar o seu voto á proposta dos srs. Ferrer e Rebello da Silva, para reduzir o quantitativo da operação, o que não se póde impugnar a não ser por estarem em desaccordo com o contrato Goschen, e porque vê a imposição de uma multa que acaba de ser considerada pelo mesmo sr. ministro como um facto consummado. (O sr. Ministro da Fazenda: - Se se não fizer o contrato.)
O sr. Conde da Thomar: - Sr. presidente, é para dizer apenas duas, palavras.
Uma grande infelicidade me tem acompanhado nesta discussão. Desejando auxiliar o governo, e especialmente o sr. ministro da fazenda, de quem sou amigo desde longa data (é até uma amisade hereditaria, pois já vem de pães a filhos), tenho sempre tido, repito ainda, a infelicidade da pedir alguma explicação, ou de apresentar alguma moção, que complica um pouco e. situação de s. exa.
Nunca foi porem tal a minha intenção. Eu julguei que a minha proposta da substituição tinha logar para evitar o pagamento da malta, e pedi que no projecto de lei se fizesse menção expressa do contrato Goschen, em vista, da clara e terminante disposição do artigo 17.°, porque ei linha a convicção de que o contrato era definitivo. Ouvi depois do banco dos srs. ministros, e tambem da parte da dignos pares que tomaram parte na discussão, de um o de outro lado, que consideravam todos o contrato provisorio; e entendi então que não era necessaria a minha substituição, porque, sendo o contrato provisorio, não obrigava ao pagamento da multa. Só depois de se fazer o contrato definitivo, é que poderia ter logar a multa, verificada a hypothese do artigo 17.° do contrato.
Agora o sr. ministro da fazenda sustenta, com relação ao contrato, uma idéa inteiramente diversa da que tinha apresentado até aqui, isto é, considera agora s. exa. que o contrato em parte é provisorio e em parte definitivo. Em vista desta declaração, que não analyso, eu peço para retirar o requerimento que tinha feito para retirar a minha substituição (apoiados), e insisto para que ella continue em discussão e corra os tramites ordinarios.
O sr. Ferrão: - Estimo muito seguir-me a fallar depois do digno par o sr. Casal Ribeiro, que me preveniu em muito do que eu tinha a dizer.
Aqui não ha só a multa, ha a consignação de rendimentos, que se podia fazer de tres maneiras: ou ficando o objecto da consignação em poder do devedor, ou passando para poder de terceiro, ou para o poder do credor. São estes os tres modos.
"0-rendimento não se conserva em poder do devedor, tambem não passa para poder do credor, mas passa para um terceiro, o que é uma circunstancia aggravante da consignação do rendimento.
Sr. presidente, eu apresentei uma moção de orlem para saber o que se discute, e preciso perguntar outra vez o que se discute, é o contrato celebrado com a casa Goschen ou a auctorisação? Muitos dignos pares suppunham que votavam uma auctorisação para se fazer um emprestimo qualquer (apoiados}; ouvi dizer isto a muitos, e que não comprehendiam nessa auctorisação aquelle contrato. Mas o que acaba de dizer o sr. ministro S. exa. acaba de dizer que não podia aceitar as emendas do sr. Ferrer sem accordo com os interessados; logo está preso pelo contrato (apoiados).
Agora acaba-se de esclarecer mais este negocio. A verdade é que ha um facto consummado, que é a origem deste negocio. Fez se um supprimento ao governo, mas fez-se com a condição expressa de que aquelle supprimento prendia necessariamente com um contrato de emprestimo exterior; por consequencia faz parte das vantagens desse supprimento, e veiu em seguida a multa que se estipulou. Eis aqui a rasão por que não se fallou na multa no contrato de emprestimo que reservaram para a approvação das côrtes.
Ora, na verdade, se não se convertesse em multa esta bonificação, isto não significava mais do que um augmento de juros. (O sr. Ministro da Fazenda: - Apoiado.)
Estimo o apoiado do sr. ministro. S. exa. não póde obter este supprimento se não com a condição de dar o exclusivo do emprestimo, e como elle dependia da confirmação das côrtes, por isso é que lhe poz esta clausula. O facto é que o sr. ministro da fazenda teve necessidade de um supprimento desta casa bancaria, e viu-se o brigado a prometter-lhe vantagens muito grandes, alem dos accessorios do contrato e das obrigações que estipulou; mas ligou-se e prendeu-se inteiramente ás clausulas deste supprimento com a promessa deste contraio, que não fora expressamente um emprestimo; mas como dependia da auctorisação das côrtes, neste caso sujeitou-se a dar uma bonificação, que é aliás a subrogação das vantagens. De sorte que Goschen tem tudo a ganhar, e portanto ganha não só as vantagens que resultam do emprestimo, mas tambem a da bonificação, e não tem interesse de fazer o contrato futuro porque já tem a bonificação em seu poder. É natural que já tomasse posse della.
Eu li num jornal, que tratou deste assumpto, que esto negocio se reduzia a duas palavras = o que é vosso é nosso, e o que é nosso é vosso -.
A verdade é, sr. presidente, como eu tenho estabelecido constantemente, que a maioria dos dignos pares que votaram pelo emprestimo, não entenderam, numa grande parte delles, que votavam o contrato Goschen. Não entenderam, não o podiam entender, nem grammatical nem juridicamente. Gramaticalmente, porque o projecto é para auctorisar o governo a fazer o emprestimo; juridicamente, porque o contrato Goschen diz que o governo apresentará ás curtos o contrato para ser ratificado.
Ratificação e auctorisação é uma cousa tão diversa e tão distincta, como é o preterito e o futuro. Ha actos feitos, e ha actos a fazer. Desde o momento que se dá uma auctorisação, o governo fica armado plenamente para fazer uso della, ou deixar de o fazer, conforme julgar mais conveniente aos interesses do estado. Portanto logo que ha uma auctorisação para fazer um contrato, não ha contrato definitivo; e desde que se peça a ratificação do contrato, tambem não ha contrato definitivo. É preciso que não confundamos duas idéas distinctas. Ratificação é para supprir a falta de licença e falta de permissão para aquillo que o governo não tinha poder para contratar. O que diz a carta V Diz que as côrtes podem auctorisar o governo a fazer emprestimos; mas não passou pela mente do legislador que os fizesse sem auctorisação das côrtes. Por consequencia a ratificação só tem logar quando o governo tenha contratado sem ter previamente pedido auctorisação para isso.
Sr. presidente, ainda mais um reparo. O sr. ministro da fazenda rejeitou todas as propostas, com o fundamento de que as não podia aceitar sem estar de accordo com a casa Goschen. Mas nós não estamos discutindo o projecto Goschen, e unicamente a auctorisação. Pouco importa que a discussão tenha divagado.
(Interrupção que não se ouviu.}
Agora vejo que estava equivocado. Permitta-me v. exa. que eu diga que isto não é um acto serio. Isto em direito quer dizer uma simulação, um acto simulado; disse-se uma cousa para se fazer outra. Passe-se a vista pelo contrato, e conhecer-se-ha ou que nós queremos enganar Goschen, ou queremos enganar a camara.
(O orador não reviu o seu discurso.}