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388 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sr. presidente, não está no meu animo, ao entrar hoje n'esta discussão, afastar-me do assumpto, ao qual li consagrar toda a minha attenção.

Não espere a camara que eu vá discutir com pessoa tão competente, como o digno par, professor distinctissimo de estrategia na escola do exercito, os variados assumptos exclusivamente militares com que s. exa. occupou por tanto tempo a attenção da camara.

A camara sabe o quanto sou incompetente para tratar d'estes assumptos.

Nas minhas apreciações procurarei apoiar-me em informações que possam merecer geral assentimento, e servir-me principalmente das que me são fornecidas pelos meus adversarios.

Se for alguma vez inexacto, peço aos dignos pares, que me ouvem, que corrijam as minhas inexactidões.

Eu vou occupar-me de um assumpto, repito, em que não tenho competencia; trato unicamente de justificar o meu voto com a sinceridade que uso praticar em todos os actos da minha vida.

Não sou orador.

Comquanto tenha uma longa carreira no professorado, em presença de uma assembléa tão illustrada sinto-me realmente embaraçado.

Em tudo, porém, quanto disser, creia-o a camara, nunca me desviarei da verdade.

Sr. presidente, eu não tenho objectivo politico que me falseie a consciencia; digo francamente o que penso.

Parece-me que o digno par que me precedeu não foi feliz em querer dar por suspeitos, como dominados exclusivamente por interesses partidarios, os que têem opiniões oppostas ás suas.

A theoria do objectivo politico poderia tambem ser-lhe applicada e iria desauctorisar as suas palavras.

Em relação a s. exa. uma tal suspeita seria injusta; sou o primeiro a reconhecel-o.

Vou occupar-me do projecto que se discute, considerando-o, quanto em mim couber, debaixo das suas diversas phases. Mas, antes de entrar n'esta analyse, eu desejo examinar uma proposta apresentada por um dos caracteres mais illustres d'esta assembléa, cuja competencia no assumpto que se trata ninguem póde contestar, cavalheiro que todos respeitam por seu vasto saber e em que todos reconhecem uma vida publica exemplarissima. Refiro-me ao sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, a quem eu tributo a maior consideração. (Apoiados.)

Sr. presidente, s. exa. apresentou, em uma das sessões passadas, uma proposta em substituição ao projecto que se discute.

Causou-me uma certa surpreza a apresentação d'essa proposta.

Não me surprehenderia por forma alguma que os illustres membros do partido progressista n'esta camara tentassem sustentar, com os recursos das suas vastas intelligencias e do seu saber, as vantagens do projecto que dimanou do ministerio transacto. Esperava que o fizessem, e não os accusaria de imporem silencio á consciencia em nome de interesses partidarios, quando diligenciassem provar que as vantagens do seu projecto eram muito superiores áquellas que possue o que está na tela do debate. Acreditaria apenas que s. exas. se deixavam dominar por um sentimento nobilissimo, o amor paterno, e eram por elle conduzidos, inconscientemente, a apreciações injustas.

Assim procedera na camara dos senhores deputados um dos mais illustres membros do ministerio transacto, quando comparou os meritos da proposta actual com os da proposta do governo progressista, na qual lhe cabia a maxima responsabilidade.

Suppunha que succederia o mesmo n'esta camara, e que este seria o mot d'ordre da discussão opposicionista. Mas, em vez d'isto, o digno par a que me referi apresentou uma proposta que tendo a substituir o projecto em discussão, dando uma fórma nova ás obras que este ultimo tem per objectivo.

Eu cito de memoria, e desde já peço desculpa a s. exa. se errar a interpretação das idéas contidas na sua proposta; tenho apenas d'ella o conhecimento que resulta de uma simples leitura, s. exa. me corrigirá quando o julgue conveniente.

Devo já declarar que considero a proposta de s. exa. igual, ou quasi identica, á que foi apresentada pelo meu illustre amigo o sr. Pereira de Miranda.

Estas duas propostas; ou a idéa fundamental d'ellas, tem por fim a construcção por conta do estado do caminho de ferro de Lisboa a Torres com os ramaes de Cintra, da Merecana, e de um caminho de ferro de cintura, ligando a estação de Alcantara com a estacão de Santa Apolonia.

Propunham s. exas. que este caminho fosse feito por conta do estado, para o que se levantariam os fundos necessarios, fazendo-se uma emissão de titulos ou obrigações, para as quaes s. exas. coutavam obter um preço igual aos dos titulos do ultimo emprestimo.

Com a exactidão que era de esperar de um tão abalisado engenheiro civil, o digno par, o sr. João Chrysostomo, dizia emquanto reputava o preço kilometrico da construcção e emquanto avaliava o producto inicial de cada uma das linhas, e, partindo d'esse calculo, que acceito como meu, porque dimana de uma auctoridade tão irrecusavel, chegava á conclusão que, dentro de um certo periodo, não muito extenso, conseguiria o estado libertar-se do encargo que, até ali, teria pesado sobre elle.

Não venho contestar, pois, a exactidão das bases com que se pretende assentar esta proposta; apenas pretendo adduzir considerações que derivam do facto d'ella não ter sido apresentada na occasião em que o ministerio progressista trouxe a sua proposta á approvação do parlamento, e da sua confrontação com o projecto que pretende substituir.

Considerando as condições em que esta proposta é agora apresentada, e comparando-as com aquellas que se davam na occasião em que o governo progressista apresentou a sua, vê-se que as condições de então lhe eram mais favoraveis e deviam mais facilmente aconselhar a sua adopção.

Procurarei demonstral-o.

Os precedentes que havia na epocha da apresentação da proposta do governo progressista, com relação ao estabelecimento de meios accelerados de communicação entre Lisboa e Torres (e não fallo no ramal da Merceana, do qual ninguem se occupára), eram a tentativa absurda de um caminho de ferro, pelo denominado systema Larmanjat, o qual deve ter deixado, nos que se associaram a similhante empreza, bem dolorosas recordações; e, posteriormente, outra concessão gratuita de caminho de ferro de via reduzida, que não se póde levar a effeito, comquanto as linhas d'esta natureza sejam muito menos dispendiosas do que esta que vae ser contratada.

N'aquella epocha, sr. presidente, poderia encontrar-se quem pugnasse pela realisação da proposta do digno par, porque estavam na memoria de todos os precedentes que acabei de referir; e, como confirmação da impossibilidade de se fazer este caminho do ferro gratuitamente, podia invocar-se o facto do que se estava passando com a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, a qual impunha ao estado o pesado onus de uma garantia de juro.

N'estas circumstancias, o digno par, sr. Abreu e Sousa, pela sua opinião preponderante nos conselhos da corôa, poderia esperar um favoravel acolhimento ás suas idéas, e alcançaria talvez realisal-as com applauso publico.

Faço estas considerações, não para irrogar censuras a ninguem, pois não me sinto com auctoridade, nem disposição, para as fazer, mas simplesmente por que entendo que ninguem tem o direito de impor aos seus adversarios, pe-