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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 389

rante a opinião publica, responsabilidades que não quiz tomar para si, quando podia invocar melhores rasões a favor do seu procedimento.

Os calculos em que se baseou a combinação do digno par, que é um engenheiro distincto, offerecem todas as garantias de precisão, mas não são calculos que se possam tomar como absolutamente infalliveis.

Um dos factores mais importantes d'essa combinação é a esperança de que se obterá uma emissão facil aos titulos do emprestimo que tem de realisar-se; porém, as condições do mercado variam, e devia lembrar a um estadista, tão distincto, que não seria difficil aos interesses que se julgassem lesados por similhante resolução, promoverem, quando se trata da emissão dos titulos, uma baixa nos fundos publicos, e forçar o governo a sobreestar na realisação do seu projecto ou a fazer uma operação ruinosa.

Havia a attender ainda, alem de outras considerações que poderão escapar-me n'este momento, mas que foram de certo presentes ao espirito de tão consumado estadista, como é o digno par a que me estou referindo; havia a attender ainda ao acolhimento que o projecto de construcção de um caminho de ferro por conta do estado, que importaria o augmento da divida publica em mais de réis 4.000:000$000, havia necessariamente receber da opinião publica em presença das penosas circumstancias do thesouro.

A opinião publica, sr. presidente, segundo eu entendo, não é a relação numerica das forças militantes dos partidos politicos, relação que pôde variar accidentalmente.

A opinião publica é a manifestação preponderante da opinião dos indifferentes que vem juntar-se em uma dada circumstancia a um dos exercitos da politica, que se acham collocados frente a frente.

O sr. Camara Leme: - Eu não pretendi lançar desfavor para ninguem. Apresentei factos que não podem ser contestados, e v. exa. tirará d'elles a illação que lhe aprouver.

O Orador: - Os estadistas que compunham o gabinete transacto tinham de considerar este factor, a opinião publica, e não podiam deixar de attender ás objecções ponderosas que se haviam levantar contra aquella combinação; e tanto mais que se podiam invocar, com justiça ou sem ella, precedentes desfavoraveis á execução dos trabalhos por conta do estado, e fazer valer em desabono da proposta do digno par a impossibilidade de se demonstrar a exacta realisação d'elle nas condições previstas pelo seu auctor, taes como: valor dos titulos do emprestimo no mercado, custo kilometrico da construcção, rendimento inicial kilometrico, rigorosa fiscalisação nos trabalhos, etc.

Se por estas e outras considerações se póde justificar o governo progressista de não haver anteposto a proposta, que apresenta agora ao parlamento, ao contrato oneroso que defendeu com tanto ardor em 1881, vejamos se as circumstancias de hoje são mais favoraveis á adopção d'aquella proposta.

Sr. presidente, hoje temos quem se propõe fazer o caminho de ferro de Lisboa a Torres e a Cintra com um ramal para a Merceana sem o menor encargo para o estado; primeiramente, as obrigações, que se podem levantar contra a adopção da proposta do digno par, o sr. João Chrysostomo, têem muito mais força, porque o termo de comparação é diverso.

A opinião publica de certo acceitaria com maior difficuldade ainda a substituição de um contrato absolutamente gratuito pelo projecto que o partido progressista defende n'esta casa.

São estas as apreciações, animado do sincero desejo de fazer justiça a todos, julguei dever apresentar em justificação do meu voto.

Agora tenho de cingir-me á analyse do projecto em discussão. Tenho de considerar n'esta analyse as suas condições economicas e financeiras.

A proposta que se discute contém duas partes: uma, o projecto da construcção gratuita de um caminho de ferro de Lisboa a Torres com os ramaes que todos conhecem; outra, a auctorisação para que o governo contrate com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes a construcção de uma via ferrea que termine na Figueira e nas immediações de Alfarellos.

Na apreciação que se tem feito quanto á primeira parte, pretende-se inculcar que não ha uma gratuidade tão completa como se affirma no projecto; que a eliminação, que n'elle se nota, de uma linha de cintura, como propunha o governo progressista, deve ser tida como uma falta importante, da qual resultará um onus para o estado.

Tratarei primeiro das tarifas.

Não vejo no artigo do contrato, que permitte a equiparação das tarifas com as do caminho de ferro do norte e leste, conforme está hoje explicado e sabido, o pesado encargo para o publico de que os adversarios d'este projecto querem fazer um argumento em seu favor.

O proprio interesse do concessionario aconselha-o a não exagerar esta faculdade, porque todos sabem que as tarifas, rasoavelmente moderadas, são o que promove mais efficazmente o rendimento dos caminhos de ferro.

Parece-me tambem perfeitamente justo que o pequena encargo resultante da differença que possa haver entre as tarifas do caminho de ferro de Torres em poder de uma companhia que o construe e explora gratuitamente e as tarifas adoptadas por uma companhia subsidiada, vá precisamente incidir n'aquelles que tiram largas vantagens d'essa via accelerada.

Tambem me não parece necessario defender o projecto contra a interpretação pouco feliz de uma das disposições do contrato que permitte ao governo auctorisar o concessionario a elevar as tarifas quando se reconheça que o rendimento bruto kilometrico não attinge a somma de 3:000$000 réis.

Este ponto tem sido cabalmente explicado mais de uma vez por pessoa que tem auctoridade para o fazer - o sr. ministro das obras publicas.

Todos nós sabemos que podem occorrer circumstancias, n'uma epocha qualquer, que ponham momentaneamente em risco os avultados capitaes empregados em emprezas de utilidade publica, se o governo não acudir com prompto auxilio em favor dos capitalistas que têem compromettidos os seus capitaes.

A historia das relações do estado com a companhia real dos caminhos de ferro do norte e leste, é d'isto um evidente testemunho.

Esta companhia, hoje prospera, teria naufragado infelizmente, e teria uma pagina luctuosa na historia, se o estado lhe não houvera acudido generosamente por mais de uma vez ao ver-se em circumstancias bem afflictivas.

No projecto que discutimos está de algum modo indicado como o governo poderá acudir á companhia com quem contratou a construcção da linha a Torres - é a elevação das tarifas, regulada pela fórma que ali se determina. É o governo que ha de auctorisar essa elevação, a entidade governo, que póde ser representada pelos actuaes ministros ou por outros. Não é este governo determinadamente que fica armado com essa faculdade; é este e todos aquelles que lhe succederem na evolução natural dos partidos, como hoje se usa dizer, que hão de executar prudentemente, sob sua inteira responsabilidade, esta clausula previdente.

Ha ainda a considerar outro argumento que se invoca contra a concessão d'este caminho de ferro de Lisboa a Torres, e vem a ser não se achar incluido no contrato o caminho de ferro de cintura.

A importancia d'este caminho de ferro é indiscutivel, comquanto me não pareça que haja ainda um perfeito accordo quanto ao traçado que deva ser preferido.

Para fazermos justiça a todos é preciso que se note que