O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

600

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 4 DE MAIO.

Presidencia do Exm.º Sr. Visconde de Algés, Vice-Presidente supplementar.

Secretarios - os Srs.

Conde de Mello

Brito do Rio.

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 40 dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta da seguinte correspondencia:

Um officio do Ministerio da Marinha, participando que para poder satisfazer ao requerido pelo digno Par Conde de Thomar, sobre as presas de piratas feitas em Macáo, precisava de lhe virem dalli dados necessarios, para o que expedira as ordens convenientes.

Para a secretaria.

O Sr. Visconde de Laborim — Sr. Presidente, achando-me fóra da capital, recebi uma circular em que os dignos Pares eram convidados a comparecer nesta Camara. Tive a honra de dirigir um officio ao Ex.mo Sr. Conde de Mello, em que lhe pedia que pelos meios competentes fizesse saber á Camara o máo estado da minha saude, e que por esse motivo não me era possivel comparecer ás sessões com regularidade. Agora alguns allivios tenho experimentado, mas não tantos que me possa comprometter a assistir a todas as sessões; assim comparecerei áquellas que as minhas forças permittirem; pedia porém á Mesa que se dignasse, quando eu faltar (porque, sem duvida, quando isso acontecer, é por justos motivos) mandar pôr o meu nome no numero daquelles que faltam com causa justificada, pois parece-me ter observado no Diario do Governo que essa pratica se tem alterado algumas vezes. Por isso eu desejava que a Mesa desse as suas ordens a este respeito, porque não me parece justo que aquelles que faltam com causa justificada sejam confundidos com aquelles que deixam de comparecer sem motivo conhecido.

O Sr. Presidente — A recommendação do digno Par ha-de ser attendida, pois a Camara está certa de que V. Ex.ª não falta senão por justificados motivos (apoiados).

O Sr. Visconde de Laborim — Agradeço a V. Ex.ª e á Camara.

O Sr. Ferrão mandou para a Mesa um parecer da commissão de administração publica.

Foi a imprimir.

O Sr. Visconde da Granja — O digno Par o Sr. Conde de Thomar encarregou-me de participar á Camara, que, em consequencia de molestia, não póde comparecer á sessão de hoje, e talvez a mais algumas.

ORDEM DO DIA.

Continúa a discussão do adiamento proposto ao parecer n.° 2,15. (Vid. sessão de 2 de Maio, Diario do Governo n.º 112.)

O Sr. Presidente — Tem a palavra para uma explicação o Sr. Visconde de Fonte Arcada.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Hontem, Sr. Presidente, disse eu que o Sr. Ministro do Reino não tinha ido á commissão de administração publica, quando lá se tractára do projecto para a abolição dos passaportes; porém, pelo que disse o Sr. Barão de Porto de Moz, vejo que effectivamente o Sr. Ministro lá fora, mas só depois de eu ter saído da commissão.

Como porém o Sr. Ministro, na conferencia que teve com os outros membros da commissão, não impugnasse o projecto, mas só quizesse certa modificação que não destruia o principio da Lei, a commissão conveio.

O Sr. Visconde de Balsemão — Tendo assignado, como membro da commissão de administração publica, o parecer que precede o projecto em discussão, assentei que não podia deixar de tomar a palavra para motivar o meu voto, principalmente, depois que nesta Camara se teem apresentado tão fortes impugnações contra o mesmo projecto.

Não farei um grande discurso, pois não tenho para isso o necessario talento, nem o meu estado physico o permitte, direi unicamente o que fôr indispensavel para justificar a minha assignatura, como julgo do meu dever.

Eu concordo com as idéas do Sr. Marquez de Ficalho, em quanto intende que não ha no nosso paiz a necessaria policia, e que não é ao exercito que ella póde ser confiada, por isso que prejudica a sua disciplina; mas julgo que não é isso razão suficiente, para que continuemos com o systema de passaportes, nem que estes sejam de tal utilidade para a policia que se lhes devam sacrificar os interesses da maioria do paiz.

Sr. Presidente, os vexames que se seguem dos passaportes, são de tal ordem, e de evidencia tal, que não será preciso entrar em grandes demonstrações, para o provar. O digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz já demonstrou a inutilidade dos passaportes, e é, porque a maior parte dos facinorosos andam munidos com passaportes que lhes não pertencem; sobre tudo como elles são feitos entre nós. De ordinario os signaes que os passaportes indicam são tão vagos, que por meio delles todos os criminosos se podem evadir, pois apenas se diz nos passaportes, estatura ordinaria, côr natural, cabellos castanhos, ou pretos, olhos pardos; e não entram em mais explicações; por consequencia, estes signaes dão-se em milhares de individuos que transitam pelo paiz. Além disso acontece que os homens probos que querem cumprir a lei, e desejam por isso obter passaporte são os que mais soffrem. Eu podia citar muitos factos destes acontecidos comigo, e até com criados meus, que teem muitas vezes sollicitado passaportes, e teem achado muita difficuldade nos concelhos para os conseguir; umas vezes diz-se que não ha impressos, outras vezes, que os vão buscar no dia seguinte!... Tem acontecido muitas vezes que o negocio é tal que os criados, não podendo esperar, vão sem passaporte, mas quando chegam ás portas são presos e é preciso depois grande trabalho para provar que não foi por culpa delles que deixaram de levar passaportes, mas sim por culpa da authoridade que o havia de passar. Isto succede todos os dias: a maior parte das pessoas que transitam pelo Reino sabem-no perfeitamente. Além disto, acontece muitas vezes que aquelles que devem receber os passaportes não sabem ler, e em se lhe apresentando um papel que lhe digam que é o passaporte deixam passar. Nas cabeças de districto ainda se encontram pessoas intelligentes que podem verificar os passaportes, mas fora, a maior parte não sabem, e olham simplesmente para um papel; assim o homem facinoroso ou malvado póde transitar livremente, e muitas vezes aquelle que vai munido com o passaporte regular soffre sacrificios que se não podem reparar. Eu tenho esta convicção de longa data — que os passaportes são de absoluta inutilidade. Trarei para exemplo a Inglaterra onde, como todos nós sabemos, não se transita com passaporte; a Suissa, onde igualmente não ha passaportes, mesmo no tempo da guerra civil; os Estados-Unidos, paiz vastissimo, onde senão considera o passaporte, como um instrumento de policia, e entretanto vejo que a policia desses paizes, ainda mesmo a dos Estados-Unidos não é inferior á nossa. Por todas estas razões, estou persuadido que dos passaportes, como meio policial, pouco ou nenhum resultado se tira, e os vexames que os povos soffrem com elles devem merecer alguma consideração a esta Camara, pois não deve soffrer o homem probo e justo por aquelles que não cumprem os seus deveres. Por consequencia voto pelo projecto.

O Sr. Ferrão por mais attenção que dê aos dignos Pares que sustentam o projecto não vê uma unica razão solida que o demova de sustentar o adiamento proposto pelo digno Par o Sr. Marquez de Ficalho; tudo se reduz a encarecer e a exaggerar os vexames que causa a existencia dos passaportes. Notou que se dizia que os passaportes, não são de utilidade tal que aos interesses da policia se devam sacrificar os interesses da maioria dos cidadãos; que elles são de pura inutilidade, ou, pelo menos, que não são de tanta utilidade que se deva sacrificar essa utilidade ao bem-estar dos portuguezes; e, finalmente, que ha grande difficuldade nos concelhos para se obterem os passaportes, e que o homem justo e probo se vê incommodado por causa delles, e confundido assim com os criminosos; mas que todas estas razões o que demonstram, se são verdadeiras, como acredita, é que o serviço dos passaportes se não faz com a regularidade devida. Dahi nasce o direito de censura contra o Governo, se por ventura este não emprega os meios necessarios; mas não podem provar contra a existencia dos passaportes; pelo contrario, o que a experiencia de todos os dias lhe demonstra em muitos processos que tem visto, é que os passaportes são um meio de policia. Elles servem, e estão servindo actualmente para certificar a identidade da pessoa que os traz, pelo seu nome, e mais indicações legaes: observou que, se viaja um homem com um passaporte, depois de ter commettido um crime, expedem-se as ordens, apresenta o homem os seus passaportes, e sendo reconhecido, é preso. Eis-aqui a sua utilidade: que o passaporte póde ter todas as identidades, mas achar-se prescripto, e porque se acha prescripto, não serve; caducou porque passou o tempo, e por consequencia se se apresentar outra vez, o passaporte é falso. Os signaes não condizem com a pessoa?... É o mesmo que se não trouxesse o passaporte. A falsidade do passaporte torna o individuo suspeito; e, finalmente, que os passaportes servem negativamente contra aquelles que os não trazem; quando a indicação é suspeita, essa suspeita aggrava-se quando se não traz passaporte: e por este modo provou o orador que os passaportes são um meio de policia. É vexatorio para os cidadãos?... Será. Mas tambem é util; e são no interesse da sociedade, de cada um, e da segurança geral; e por conseguinte, que todos devem limitar um pouco a sua liberdade no interesse commum; pois de outra sorte quem viria a utilisar do privilegio seriam os facinorosos, que podiam campear por toda a parte, com especialidade no Alemtejo, onde lhe consta que depois que a tropa, encarregada da policia, pergunta pelos passaportes, o Alemtejo está mais desaffrontado das quadrilhas de ladrões. Além disso, fez o nobre orador observar que o passaporte serve para se capturarem os facinorosos que fugirem das cadêas, ou dos degredos; os homens que estão pronunciados, os desertores, etc. E o projecto, quando assim vem supprimir um meio de policia, substitue-lhe alguma cousa?... Não substitue nada. Se os passaportes não são de utilidade alguma, o projecto é contradictorio, quando estabelece o artigo 2.° Se são meios de policia no estado de guerra, então sempre servem para alguma cousa. E está por ventura o paiz n'um estado tão normal, que não se ouçam todos os dias aqui clamores contra o estado da segurança publica em alguns logares do reino? Que não vale dizer-se que são um meio de policia vexatorio; porque vexatorio é tudo que restringe a liberdade do homem, e o uso da sua propriedade. Não ha liberdade absoluta, é impossivel have-la para poder existir a sociedade; e perguntou porque se não aboliam os tributos, que são vexatorios á propriedade?

São estas as razões porque vota pelo adiamento do projecto, que é definido no seu fim, e no seu objecto. Tambem elle orador quer a abolição dós passaportes. Oxalá que possamos ter uma policia como tem a Inglaterra, que então deixam elles de ser necessarios; mas em quanto a não tivermos, não podemos privar-nos destes meios para se obter o fim que todos querem e desejam — a segurança publica.

Em Lisboa mesmo, como o digno Par fallou dos seus criados, que não tiravam passaportes por não os haver nos concelhos, elle orador falla n'um criado seu que foi preso em Lisboa por não trazer passaporte, e que foi solto depois de lhe dar muito trabalho para mostrar que o tinha, ainda que o não trazia comsigo naquella occasião. Portanto, os passaportes teem vantagens e utilidade, de que se não póde por ora prescindir, além de outras em que não fallará agora, por serem de interesse secundario, como o rendimento dos sellos, e de metade da mulcta applicada para a policia, etc.

(Entrou o Sr. Ministro da Marinha.)

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira — Peço desculpa á Camara por não ter estado presente na ultima sessão em que se tractou deste objecto; mas não me foi possivel comparecer, e essa falta faz com que não saiba quaes são os termos em que se propoz o adiamento....

O Sr. Ferrão — É com o fim de suspender a discussão deste projecto até haver uma guarda de segurança, que substitua este meio de policia.

(Entrou o Sr. Ministro do Reino.)

O orador — Como acaba de chegar o Sr. Ministro do Reino, que é o chefe da policia do paiz, eu desejaria ouvir a sua opinião sobre a vantagem do adiamento, e se tem em vista fazer organisar algum meio de policia para substituir o dos passaportes. Portanto, depois de S. Ex.ª fallar, peço ao Sr. Presidente que me queira dar a palavra.

O Sr. Barão de Porto de Moz — Apoiado.

O Sr. Ministro do Reino disse que fôra exacto o digno Par quando disse que elle Sr. Ministro assistira a uma das conferencias da illustre commissão em que se tractou deste objecto; e declara que em principio, como these geral, está convencido de que, podendo sustentar-se a ordem, e a segurança publica, deve proscrever-se esta especie de escravidão a que os viandantes se sujeitam, sendo obrigados a tirar um passaporte para transitar de um logar para outro: mas tambem intende que a segurança e a ordem publica são objectos muito importantes, que não deve perder de vista nenhuma administração que deseje cumprir o seu dever (apoiados), É tanto, que o mesmo digno Par conveio, neste caso, que o Governo podia ficar authorisado a não prescindir deste meio tal qual (porque não diz que é efficaz, mas na falta de outros ê preciso ao menos recorrer a algum), naquelles districtos e localidades em que intendesse que corria risco a ordem publica, se acaso prescindisse dos passaportes; que ahi ficasse o Governo authorisado a mante-los.

Que á vista disto não póde deixar de reconhecer, um homem tão illustrado como o digno Par, que a segurança e a estabilidade publica vale mais do que o incommodo que os passaportes possam dar aos viajantes (apoiados). Com tudo, elle Sr. Ministro deseja ardentemente alliviar deste incommodo os viandantes portuguezes e desaffronta-los desta especie de coima. (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Peior ainda.) Peior ainda, escravidão a que actualmente se acham obrigados; mas assusta-o, é francamente que o diz, acabar de repente com este meio, sem se terem tomado algumas medidas que possam substitui-lo por outro menos oppressivo aos habitantes deste paiz: afflige-o a impressão que póde resultar disso; ou que da abolição dos passaportes se sigam cousas maiores ainda, e que tendo sido colhidos alguns criminosos por meio dos passaportes, depois que os não houver tenham meios de escapar á prisão (apoiados). Que por isso, conveio o digno Par, e a commissão, com elle Sr. Ministro, em que ficasse á escolha do Governo designar áquellas localidades em que fosse necessario manter os passaportes.

Que tambem não crê muito na efficacia dos passaportes, mas não póde resistir aos factos, ainda que raros, que lhe passam pelas mãos, e demonstram que este meio tem servido para colher alguns criminosos. Que sendo esta a sua opinião em principio, e desejando, como efficazmente deseja, alliviar deste onus os habitantes desta terra, que se transportam de uma para outra localidade, pensa que o Governo poderá adoptar algum meio de segurança e de policia, que torne desnecessaria a continuação deste onus. Mas, a dizer a verdade, sinceramente, tem tido já conferencias a este respeito com a authoridade administrativa, e tem tambem consultado as authoridades superiores de alguns districtos do reino sobre este objecto, e desejaria habilitar-se para poder apresentar á commissão os meios de o substituir; ouvir os seus conselhos, e a accordar com ella sobre uma medida que seja mais proveitosa ao paiz, e menos vexatoria aos seus habitantes (apoiados). Eis-aqui porque não se oppõe a que este projecto seja adiado até apresentar a medida que deve substituir os passaportes.

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira — Então formule a sua proposta.

O orador — Eu formulo assim, e se a Camara approvar, reduzo-o a escripto.

O Sr. Presidente — Peço ao digno Par que tenha a bondade de formular por escripto essa declaração, para que, no caso de não passar o adiamento proposto pelo Sr. Marquez de Ficalho, eu possa propôr á votação da Camara a proposta de V. Ex.ª Agora póde continuar o Sr. Visconde de Sá...

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira — Estou á espera que o Sr. Ministro acabe de escrever, para depois dizer alguma cousa sobre isso.

(Pausa.)

O Sr. Presidente — Vai dar-se conhecimento á Camara da proposta de adiamento do Sr. Ministro do Reino, para entrar tambem em discussão com a outra (apoiados).

(Leu-se.)

«Proponho que se adie a discussão deste projecto, até que o Governo, tendo colhido os esclarecimentos que puder colligir, e as informações que pedir, esteja habilitado para propôr alguns, meios de segurança e de policia, que sejam menos onerosos, e mais efficazes do que os passaportes no interior do reino. = R. Fonseca Magalhães.»

O Sr. Presidente — Tem a palavra o digno Par.

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira — Depois do que acaba de dizer o Sr. Ministro, e da promessa: que fez de apresentar um projecto sobre a materia da minha proposta, não me posso oppôr a que se admitta o adiamento, com tanto que não seja além da proxima sessão legislativa. E por isso direi, que se, nessa época, o Governo não propozer a medida indicada, voltarei a fazer uma nova proposta para o mesmo fim. A vantagem que se tira destes debates, consiste em que a questão se vai esclarecendo, e que se vai formando a opinião de que a exigencia de passaportes não é util para o fim que se teve em vista, e que serve sómente de oppressão; existindo diversos paizes em que não ha obrigação de tirar passaporte para se poder viajar, e onde, comtudo, se gosa de perfeita segurança (apoiados).

O digno Par fallou nos Estados-Unidos, e eu ajuntarei ao que S. Ex.ª disse, que na cidade de Nova-York, aonde desembarcam cada anno muitos centos de milhares de emigrados da Europa, uma policia vigilante demonstra, pelo seu bom serviço, que não é necessario recorrer a passaportes. Nós vivemos sob um regimen de liberdade; mas para que esta seja real, é preciso tirar todas as peias que embaracem as acções dos individuos: assim como cada um gosa do direito de fallar, e de escrever, não deve ser privado do direito de transitar; é isto um principio da liberdade legal, mas os passaportes tolhem o livre transito, e são uma oppressão constante que pésa com desigualdade sobre os habitantes do paiz, porque a uns pedem-se, a outros não: por exemplo: todos os annos vem da Beira para a Estremadura e Alemtéjo, grandes ranchos de trabalhadores, a que chamam maltezes, estes espalham-se pelas quintas, e pelas herdades, sem que ninguem lhes pergunte pelos seus passaportes (apoiados). As vezes vem entre elles tambem alguns desertores: contarei um caso que presenciei. Estando eu, ha tempos, n'uma propriedade minha, foi preciso procurar um trabalhador, que soubesse tractar de cavallos; appareceu logo um, que disse ter sido soldado de cavallaria. Passados poucos dias constou-me que era desertor: fiz-lhe dizer que voltasse para o seu rancho de trabalhadores, onde ninguem lhe pedia o passaporte, em quanto que, estando no serviço domestico, poderia ser reconhecido por desertor, e ser capturado.

Os Srs. Conde do Sobral, e Marquez de Ficalho, e outros dignos Pares, que nas suas propriedades empregam numerosos jornaleiros, não indagam certamente se elles trazem passaportes. Além do que fica dito, deve considerar-se que o custo do passaporte é uma contribuição directa; e que, segundo os principios da Carta Constitucional, para ser obrigativo um tributo directo, deve ser votado annualmente pelas Côrtes; mas não succede assim, pois que pelo chamado—regulamento, dos passaportes — todos os annos se exigem certas quantias aos individuos que têem necessidade de transitar no paiz, impondo-lhes deste modo um tributo que não foi votado, e que portanto é illegal; e não será isto um systema de extorsão e de arbitrariedade? (Apoiados.)

Digo agora, que eu não insisto que se discuta o projecto, porque se o Governo não apresentar alguma proposta sobre este assumpto, voltarei para o anno com a mesma proposta; e se ainda não fôr approvada, e eu viver, se puder, tornarei á questão nos seguintes annos, até que afinal ha de a convicção da sua utilidade tornar-se geral, e ha de ser approvada, como já aconteceu a respeito do projecto de lei que declara nascerem livres os filhos de mulheres escravas, o qual foi approvado, depois de se ter insistido nisto durante dezoito annos.

O Sr. Marquez de Ficalho se reprovasse este projecto votava contra elle, e não propunha o seu adiamento; já no seu primeiro discurso tinha dito o motivo porque o não rejeitava, e as razões que o moveram a propôr este adiamento. Como porém é auctor do adiamento vai dizer ainda duas palavras sobre este objecto, começando por declarar que retira a sua proposta, e acceita a do Sr. Ministro do Reino (apoiados). Disse que a impressão que tem produzido os argumentos dos dignos Pares contra elle, tem sido celebre, porque tem achado em todos elles argumento a favor da sua opinião: que se fallou na Inglaterra, na America ingleza, na Suissa, e não sabe se em outros paizes, aonde se não exigem passaportes, e existe uma policia bem organisada; mas que applicação tem isso para Portugal? Se entre nós houvesse outro meio de policia, podia tambem prescindir-se dos passaportes, porque succederia o que lhe aconteceu em Inglaterra, porque um quarto de hora depois de estar alli, toda a gente sabia, pelo seu nome, que tinha sido preso ao sair da diligencia. Quando a policia estiver assim organisada, será elle orador o primeiro a tomar a iniciativa neste assumpto, e a pedir que acabe por uma vez esse incommodo dos passaportes; mas actualmente não, que tem muito receio de que, acabando com elles, comece o vexame; é por isso que acceita o adiamento proposto pelo Sr. Ministro do Reino até se estabelecer outro meio de policia. Que supponha o digno Par que a administração, v. g. de Serpa dizia que elle orador tinha commettido um crime, e que pedia ás outras administrações que o prendessem; neste entretanto o Sr. Visconde de Sá chegava ao cáes dos vapôres, e era preso em logar do orador; que importava que dissesse que não era o Marquez de Ficalho, se não tinha