733
desejar neste ponto, mas é certo que Portugal é reputado o melhor asylo da liberdade; que, fora daqui muitos homens illustres nos honrara qualificando assim este reino, como se pude lêr em repetidos escriptos, que andam nas mãos de todos. E não se diga que estou tirando, para justificar o que affirmo, recursos da minha imaginação. Em quanto hontem um digno Par fulminava o Governo com todas as censuras aos seus procedimentos illegaes, recebia eu aqui mesmo uma carta escripta por uma das primeiras illustrações do reino visinho, na qual leio estas palavras (leu): — Dou os parabens ao Governo portuguez, e a toda a peninsula pelo admiravel systema que nas difficeis circumstancias actuaes tem sabido o Duque de Saldanha e os seus collegas estabelecer, sustentando a monarchia constitucional nesse paiz, e apresentando exemplos que não serão perdidos para o futuro de outras nações. Basta isto; mais poderá lêr, a fim de mostrar que fóra daqui se crê que algum serviço tem o Governo feito á nação. A pessoa que escreve assim tambem sabe as contrariedades com que luctamos; porém é certo que ao longe tem pouco valor os desforços, as diatribes, e a violencia das frazes que se empregam, e que revelam mais paixão do que frieza e tranquillidade de animo. Não vou indagar a origem e os motivos destas accusações, que podem ser innocentes, com o fim de ostentação de habilidade e proficiencia, que realmente estou longe de negar aos illustres oradores,.
Os dignos Pares não querem, apegar de tudo, conceder que a reforma da Carta proposta no acto addicional deva admittir-se, por isso que algumas formas deixaram de ser observadas. Negam que a, opinião da nação fosse por essa reforma, porque o primeiro clamor della se ouviu não sei onde: não importa que este clamor soasse por todo o paiz, que fosse escutado por um poder superior, e que naquelle estado extraordinario se procedesse á eleição de Deputados, mandando aos collegios que dessem aos eleitos poderes de reformar a Carta. Intendem que o Governo não soube, nem sabe qual era a vontade nacional; porque aos collegios se mandou proceder assim; nem elles podiam proceder de outra sorte. Quererá alguem dizer que faltou a liberdade na eleição? Não faço comparações, mas creio que outra tão livre nunca a houve em Portugal. Tenho documentos irrefragaveis do que affirmo. li verdade que os collegios adoptaram a formula das procurações, e isto prova menos a obediencia do que a annuencia; porque eleitores houve, ainda que poucos, que não deram poderes para reformar a Carta. E se os collegios eleitoraes adoptaram as formulas das procurações, nas quaes se consignaram os poderes para a reforma, intendo eu que nenhuma questão póde haver sobre a falta da expressão da vontade nacional. Além do que digo, de ter havido eleitores, que negaram os poderes extraordinarios para a reforma, todos os collegios eleitoraes encarregaram os eleitos dessa reforma, e alguns vieram votar contra ella, commungando com os dignos Pares que a combatem, e combatendo tão bem; e não lhes serviu de obstaculo a este procedimento o haverem acceitado as procurações. Não sei que mais liberdade de opinião possa dar-se aos eleitores e aos eleitos em parte alguma do mundo; e isto havendo uma imprensa tão livre quanto o póde ser.
Se houvesse um ou mais collegios que não approvassem a proclamação da reforma da Carta, diga alguem de boa fé, o Governo manda-los-ia metter na cadèa? Ou obrigaria alguem a renunciar a essas procurações considerando-as inválidas? Porque razão pois se diz o Governo mandou? O Governo fez tanta força para que se adoptassem as procurações como fez para que se escolhessem os Deputados. Se os collegios não fossem de opinião favoravel á reforma elegeriam os inimigos della — não ha outro meio de consultar a opinião publica, a não ser a de exigir o voto individual; mas o procedimento do Governo parece-me muito mais adoptavel. Consultou-a nos collegios eleitoraes.
Mas o digno Par, aquém me refiro aventurou observações dirigidas ao pensamento, ás intenções dos Ministros, entrando no foro das suas consciencias. Pez estas observações iroso, e vehemente, formulando censuras não merecidas. Pela primeira vez o ouvi discorrer assim. Não é o costume de S. Ex.ª entrar deste modo nas questões que se agitam nesta casa. Eu sempre o conheci placido, sensato, e frio pensador; mas agora o acaso, ou talvez um excesso de paixão o levou a outro campo, a um campo aonde eu nunca o tinha visto. S. Ex.ª referiu-se a futuros desígnios sinistros do Governo! A accusação é grave 1 E comtudo dirigiu S. Ex.ª essa accusação a quem menos a merecia. Que pena que isto me causal... Quando eu recebo uma injustiça de quem a espero não me sobresalto, quasi sempre acho menos do que havia computado; mas quando ella me é dirigida por aquelle que tive por incapaz de offender-me, sinto-me opprimido, e avexado — é cálix que a muito custo me passa. Nem póde deixar de offender-me aquella observação suspeitosa feita sobre a affirmativa do meu collega o Sr. Visconde de Almeida Garrett, a respeito da moderação e prudencia que o Governo tivera na escolha dos artigos do acto addicional: a observação fui cruel. O digno Par não nos reputou por nós mesmos capazes de tal moderação, de tal prudencia: attribuiu-a aos acontecimentos da Europa. Nem sequer se lembrou que esses acontecimentos são posteriores aos factos occorridos neste paiz desde Abril do anno passado, de quasi doze mezes. A reforma da Carta foi proclamada no Porto muito antes dos acontecimentos de Dezembro em França. Antes delles a administração proibida pelo nobre Duque de Saldanha seguiu inalteravelmente os dictames da tolerancia e da conciliação: as provisões do acto addicional, força e confessa-lo, não desdizem destes principios; e não obstante isto; era necessario não nos conceder uma só boa qualidade politica,
e attribuir o nosso procedimento judicioso aos accontecimentos que haviam de ter logar na Europa, muitos mezes depois! Muito antes havia o Governo, pela repartição a meu cargo, exposto aos chefes da administração de todos os districtos do Reino quaes eram os seus principios politicos; e os seus actos nunca os desmentiram. Mas debalde me canço, o digno Par não devia achar em nós senão ruins procedimentos, e intenções criminosas; e pelo que respeita ao anachronismo que acabo de notar, esse pouco vai para enfraquecer as censuras de que o digno Par nos cobre: para achar plausivel o seu argumento bastará suppôr que nós adivinhávamos o que tinha de acontecer: ao menos concede-nos isso (riso).
E no meio de tão ásperas increpações feitas ao Governo por tudo — pelo que fizera, por aquillo mesmo que não fóra obra delle; pelo que suppunha que elle teria feito, ou havia de fazer, a cada passo, o digno Par fez sobresair a nossa violação da Carta, das leis e dos principios, não lhe importando nada considerar se se poderia proceder diversamente; e sem cerimonia nos preferiu os governos absolutos, que até esses respeitam as eis que nós não respeitámos.
E assim se avalia um facto extraordinario, e as consequencias inevitaveis delle, como se fossem os principios professados pela Administração? Ha maior injustiça? Ora dos dignos Pares dizendo que a reforma da Carta, assim extra-legalmente proposta, podia servir de desgraçado exemplo para o futuro, o que eu não nego, estabeleceu-se neste campo fertil em considerações, em maximas politicas, para mostrar a inconveniencia, o perigo de taes precedentes. Em todas as suas reflexões acompanho o digno Par, pois que na verdade para servir de aresto é máo o que nos vimos obrigados a praticar. Mas por isso mesmo — para que se não possa no tempo futuro bradar contra mais uma promessa não cumprida, e que o Governo annuiu em propôr essa promettida reforma da Carta. Muita gente se havia queixado em certas épocas da falta de cumprimente da palavra dada por escripto á nação. Pôde ser que se tal promessa se tivesse cumprido, não teriam tido logar os factos que todos nós presenciámos (apoiados). Foi portanto para evitar tão graves inconvenientes que julgámos dever ser fieis á obrigação que haviamos contraído. É comtudo notavel que os dignos Pares só tenham receio de que fique servindo de aresto a reforma proposta como foi, e não temam que se repitam as causas que produziram esse acto de necessidade. Pois eu peço que nos lembremos delias tambem para as evitar, a fim de não produzirem os mesmos effeitos. (O Sr. Presidente do Conselho — Apoiado). Nem me parece rasoavel clamar tanto contra o exemplo funesto que já se promette repetido para o futuro, sem se attender a que se não repetirá, sempre que houver cuidado em evitar os motivos delle. Mas deixar existir as causas, e querer que ellas não produzam resultado é querer que o veneno não mate.
Sr. Presidente, eu respeito o passado, e confesso ingenuamente que sinto muito que se tenha entrado nesses archivos, que deviam ser fechados e defezos ao menos para quem falla nesta casa (O Sr. Presidente do Conselho — Tambem eu o sinto). E nisto não vejo a prudencia que todos deveriamos ter. Ao passo que queremos respeitoso silencio em umas cousas, vamos nós mesmos fallar das outras, descobri-las, patentea-las com a mais violenta acrimonia. E ainda assim nos mandam que tremamos do futuro. E doloroso vermos que os sacrificios que estamos fazendo para mostrarmos á Europa, que entre nós póde subsistir a liberdade regrada pela ordem e pela monarchia, unico modo porque a queremos sustentar, que estes sacrificios, digo, sejam valiados do modo porque os avaliam os Dignos Pares; que no meio das luctas, que oxalá não venham mais, nós sejamos tractados como revolucionarios, e como gente frenética e delirante, que posterga sem tino os principios do nosso Codigo fundamental, e o entrega rasgado e descomposto á irrisão publica! Isto é doloroso, e ainda mais o é exigir-se de nós que fechemos os olhos ao estado do paiz, e ao dos outros povos, e não façamos concessão alguma ás exigencias do tempo; marchar por um só caminho — desattender todas as considerações, e não curar do resultado. Os males que deveriam seguir-se de tal systema, ninguem os quer avaliar.
Sr. Presidente, eu não faço allusões a nenhum dos membros desta casa, a nenhum delles me refiro; mas digo que ha desgraçadamente no nosso paiz certa gente, que alardes muito patriotismo, muita firmeza de principios, e que os esquecerá todos por obter a queda dos Ministros com quem não sympathisa. Ha pessoas — torno a dizer, que não alludo a nenhum membro da Camara — a quem até não fóra desagradavel uma collisão que trouxesse estrangeiros a pisar o solo portuguez, comtanto que dahi se seguisse a nossa saída.
Estes desejos espero que não serão satisfeitos — ao menos não poderá dizer-se que elles são os da nação portugueza.
Toda a Camara, toda a gente sabe que o movimento de que tenho fallado não é um acontecimento de ha cem, de ha cincoenta annos. Ouço ajuizar delle como se todos os seus effeitos tivessem acabado; mas a verdade é que o estamos fazendo terminar, principiasse-o quem quer que fosse: — o termo do abalo grande que todo o reino commoveu é a approvação do additamento á Carta constitucional: é aqui que termina a revolução, que tantas ruinas podia causar, e na qual só se perdeu uma ou duas vidas perda que eu deploro, tanto mais quanto este povo é o menos cruel e sanguinario. (O Sr. Presidente do Conselho — Foi uma só, por desgraça.) Diz S. Ex.ª Não. Que o povo portuguez é docil, inclinado á paz e á ordem, quem o pede duvidar? Que elle ama a dynastia de um amor profundo e irresistivel,
ainda ha poucos dias o testemunhou da maneira mais expressiva e enthusiastica. Não duvido pois dos sentimentos do povo: o que deve ser objecto dos nossos cuidados, é que elle não tenha justos motivos de queixume (apoiados).
Termino, pois, Sr. Presidente, para dar logar a que fallem os dignos Pares que têem desejos de me combater, dizendo o seguinte: — Que considerado o assumpto da questão no gabinete de um jurisconsulto ou publicista, deve ser reputado um grande erro de doutrina, e uma grande violação de lei: — mas considerado na presença dos factos occorridos, e das necessidades que elles criaram, o acto addicional é uma providencia de politica illustrada, de que resulta a manutenção da liberdade, das instituições, e da ordem publica (apoiados).
O Sr. Ferrão — Sr. Presidente, pedi a palavra sobre a proposta do acto addicional, que se acha em discussão, porque tenho absoluta precisão de declarar á Camara, e ao paiz, os motivos que me movem a votar a favor da mesma proposta na sua generalidade.
Não é meu objecto, nem meu fim, o censurar os dignos Pares, que teem manifestado uma opinião contraria á minha; eu respeito muito essa opinião, e tenho ouvido com toda a attenção o que elles tem ponderado: louvo-os mesmo pela coragem e franqueza, com que teem apresentado á Camara as razões e fundamentos, em que assenta o seu juizo, e confesso com verdade, que seus eloquentes discursos tem profundamente abalado o meu animo, e que a minha convicção não é tão firme como era antes de os ouvir, restando-me agora não poucos escrupulos.
Tambem não é meu fim, Sr. Presidente, o louvar o projecto do acto addicional: eu lamento o acto addicional pelo precedente que estabelece, e incontestavel pretexto, que dá, para novas revoluções ou reacções. A historia do passado devia-nos servir de lição para o futuro; a queda da Carta trouxe a reacção a favor da Carta, e quem sabe se esta reforma da Carta trará ainda a reacção a favor de uma cousa, que sirva de bandeira, ou pretexto para nova revolução; são receios de que o meu espirito se acha dominado, e a que eu não posso ser superior.
Sr. Presidente, vou entrar na materia, mas antes disso é indispensavel precisar, estabelecer bem as circumstancias em que nos achamos.
É facto incontestavel, que houve no paiz uma revolução, e que de envolta com esse movimento houve uma invocação, um grito. Esse grito foi o de Carta reformada: negar esse facto é negar aquillo que nós vimos e ouvimos, e que eu vi e ouvi em differentes logares.
Pouco me importa que esta idéa nascesse n'um theatro, que partisse de uma creança, ou que fosse o illustre Marechal, que concebesse o mesmo pensamento. A esses gritos ha sempre alguem que dê o começo; o facto é que o grito foi repetido, e que, em resultado dessa proclamação, adopte da pela nação, e pelo Throno, veio a promulgação do Decreto eleitoral, ordenando que os Srs. Deputados tivessem poderes para reformar a Carta; em consequencia do que o Governo apresentou o acto addicional na outra Camara. ' Estabelecido este facto, não me julgo competente para o moralisar, nem para negar a sua nacionalidade, porque não tenho provas que me convençam do contrario, e contra o argumento de não terem vindo representações a favor da reforma, volto o mesmo argumento, dizendo que se não vieram a favor, tambem não tem vindo contra. Posto isto, digo eu, sobre a questão da competencia da Camara, e respeitando a opinião dos dignos Pares que a negam, que essa incompetencia se não dá, e que nem ha violação de Carta; porque a Carta, na parte em que parece não ter sido observado não tem applicação ás circumstancias extraordinarias, em que nos achamos.
Passo a fazer a demonstração desta proposição, e para isto não careço de apresentar aqui, nem um zêlo de fariseu pela observancia litteral da Carta, como se disse com allusão á observancia litteral da mesma Carta; nem careço de rasgar ou sophismar este nosso pacto fundamental; tambem não careço de me soccorrer ao principio da omnipotencia parlamentar; igualmente não preciso de fazer valer as considerações de temor dos inconvenientes que resultariam de não passar o acto addicional; tão pouco posso carecer de chamar para aqui considerações que reputo estranhas á questão, quaes são as allusivas aos clamores antigos, que já passaram, e que se não cumpriram sobre este objecto para a reforma da Carta.
Tendo-se fallado do zêlo dos fariseus, e com. uma certa intimativa, eu devo dizer a V. Em.ª, que bem sei o que esta seita era entre os hebreus; na sua primeira instituição era composta de homens, que passavam uma vida austera, caprichando de muito exactos e rigorosos observadores dos preceitos da lei, e com este intuito traziam pendentes grandes tiras de pergaminho, a que chamavam = phylacterias = palavra grega, que quer dizer = custodia amoris — porque nesses pergaminhos, diziam elles, guardavam o amor de Deos, e os preceitos da lei divina.
Para este mesmo fim, usavam de outros estimulos, já cingindo os rins com grossas cordas, já dormindo sobre taboas cheias de calhaus, já trazendo nas faldas da vestidura espinhos, que lhes picassem as pernas, para que tudo isto lhes lembrasse, e despertasse constantemente o fiel e exacto cumprimento dos mandamentos divinos. Neste sentido não tenho por grande deshonra o ser fariseu, e assim hei-de desculpar os Ministros passados, presentes e futuros de serem fariseus, mas não quero o zêlo dos fariseus degenerados, contra quem Jesus Christo fulminou o anathema de hypocritas, porque traziam as tiras de pergaminho, ou — phylacterias — sómente para que lhes fossem vistas, mas não porque fossem por elles cumpridas; neste sentido não quero eu que os Srs. Ministros tenham zêlo farisaico; não quero que a Carta, e o acto addicional, sejam meras —
phylacterias = e não passem de uma illusão, do um sophisma.
Sr. Presidente, do modo como eu formulei a minha proposição, e como homem da ordenação, hei-de seguir para a sua demonstração as regras de hermeneutica juridica.
Não careço de recorrer á omnipotencia parlamentar, embora seja de importação ingleza. Não posso admittir esse principio na nossa maneira de existir: como homem da ordenação, repito, não posso deixar de me cingir á letra da lei fundamental que nos rege.
Essa omnipotencia, ou seja em relação ás pessoas, que tem de a exercer, ou seja. em relação aos objectos que são do dominio do legislador, é certo, que a Carta define as attribuições dos poderes politicos, e o parlamento não póde invadir essas attribuições, exorbitando das que lhe competem; não póde ser judiciario, moderador, nem executivo; por consequencia não póde haver aqui a omnipotencia parlamentar (apoiados); e em quanto mesmo aos objectos legislativos, lá tem o parlamento na mesma Carta os principios constitucionaes, que os Srs. Deputados juram guardar, e os dignos Pares tambem; contra os quaes se não póde legislar; e, em singular quanto á reforma da Carta, lá está ella mesmo a marcar os termos que devem seguir-se; logo como se ha-de admittir esse principio transcendental, da omnipotencia parlamentar, que tanto repugna com a nossa constituição? (apoiados.)
A Carta, Sr. Presidente, disse eu que não era violada. Os artigos 140.º, 141.°, 142.º e 143.º contêem o processo da reforma.
Este processo tem duas partes, como os nossos processos crimes, uma preparatoria, e outra definitiva; a preparatoria tem o resultado de reconhecer a necessidade da reforma, e terminar pela indiciação della. Na parte definitiva tracta-se definitivamente da mesma reforma. Ora vejamos em que parte do processo não foi observada a constituição. Antes de tudo, cumpre estabelecer o seguinte principio.
Eu accredito, como dogma politico, como razão de decidir para este ponto, na soberania nacional; accredito, digo, na existencia, não do pacto social, porque nós achámo-nos em sociedade, sem facto nosso, visto que não está na nossa mão deixar de nascer e viver em sociedade, mas accredito no pacto civil e politico, porque todos temos o direito de regular as condições da nossa existencia, e é neste direito que verdadeiramente eu vejo o principio da soberania nacional, ou uma certa razão e vontade propria para o exercicio do mesmo direito.
A soberania pois reside essencial e habitualmente na nação; nunca sae della, e os poderes politicos constituidos não são mais que delegações de poder emanados dessa soberania. Assim se achava expressamente declarado na Constituição de 1822, e ainda melhor na de 1838, e ainda que o não esteja assim explicitamente na Carta, ahi se acha tambem virtualmente; pois lá se reconhece essa soberania, desde que aos Deputados, e aos Pares, e ao Rei, se attribue, a qualidade de representantes da nação. Portanto quaesquer que sejam os artigos de uma Constituição, mais ou menos fundamentaes, todos ficam subordinados este grande principio, e se devem intender com a clausula virtual, de ser guardados, em quanto a nação não quizer, ou não mandar o contrario.
.Estabelecendo pois este principio, e voltando á questão, digo eu agora, a nação pronunciou-se pela reforma da Carta (O Sr. Visconde de Algés — Como se prova); não tenho razões para accreditar o contrario, e o que vejo são os factos; por mim, por todos, materialmente sentidos; portanto se a nação se pronunciou pela reforma da Carta, prejudicou a primeira parte do processo, por isso mesmo que a exerceu por si. Os delegados da nação já não podiam ser chamados ao Parlamento, para dizer aquillo mesmo que a nação já tinha dito; o Governo cumprio a Carta promulgando um Decreto eleitoral em harmonia com a necessidade da reforma declarada pela nação; e por esta fórma esse Decreto, que se tem appresentado, como causa da reforma que discutimos, não foi mais que o effeito, ou execução da manifesta vontade nacional; em consequencia de uma necessidade creada pela revolução.
Em taes circumstancias, foi ainda observando a Carta que o Governo ordenou que os Deputados viessem munidos de poderes especiaes.
A Carta tambem quer, como thema da discussão, quando se tracta da sua reforma, que se apresentem certos e determinados artigos, e então o Governo nascido da revolução, encarregado de tirar della as legitimas consequencias, apresentou pela proposta do acto addicional aquelles artigos, que intendeu serem os convenientes para as circumstancias.
Eis-aqui pois completa a primeira instancia, ou a primeira parte do processo da reforma, em que se conciliou a observancia da Carta com as necessidades da situação.
Agora, Sr. Presidente, em que grão, em que parte do processo estamos nós? — Que faz o parlamento nesta segunda e ultima parte do processo? Precisamente o que, para tal caso, dispoz a Carta: os Srs. Deputados tractaram definitivamente de votar sobre a reforma, e esta Camara tracta agora de confirmar, ou de rejeitar, de apresentar ou não apresentar o seu voto. A nação podia ir mais longe; assim como se contentou em proclamar a reforma da Carta, podia proclamar outra Constituição e dizer: não haja Camara de Pares, e, desde esse momento, nós não teriamos competencia para tractar da reforma da Carta; mas a nação parou na primeira parte do processo, limitou se a -exprimir a necessidade de reformar a Carta existente, e por consequencia ficaram salvas as outras suas disposições, para serem observadas no processo da mesma reforma. Os poderes especiaes deram-se á outra Camara, e sómente foram ordenados para ella porque, sejam