DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 589
muralhas e baluartes inexpugnaveis com que defendeu o seu territorio, que não só conquistou, mas desenvolveu, fazendo prosperar os differentes ramos de industria e commercio.
Ainda ha pouco o governo desculpava-se com as circumstancias criticas do thesouro, para tomar o encargo insignificante do caminho de ferro da Beira Baixa em grande escala; hoje, pelo contrario, já não o assusta essa penuria, e lança-se outra vez no caminho de gastar sem conta, peso, nem medida! Ainda ha pouco atemorisava-o um deficit de 700:000$000 réis, hoje não o atemorisa um de mais de 4.000:000$000!
Sr. presidente, um governo que procede com tanta leviandade, conduz o paiz á sua inevitavel ruina. É necessario que se diga isto todos os dias, para que todos fiquem sabendo bem como o governo desperdiça os dinheiros publicos, e o povo abra os olhos e se acautele.
Não é só este projecto que traz augmento de despeza, temos ahi, permitta-se-me a phrase, uma canastrada d'elles, que estão sobre a mesa, uns da iniciativa do governo, outros de iniciativa particular, e é para isto que a camara tem sido successivamente prorogada! O exame escrupuloso d'estes projectos attesta bem o desmazelo, a negligencia e a leviandade com que o governo dirige os negocios publicos; a camara toma sobre si uma grande responsabilidade se, em logar de tomar a sua posição seria e grave, proce deado a exame minucioso, consentir que nós estejamos a discutir aqui todos os dias sem quasi termos o tempo material e necessario para estudar os assumptos.
Ainda hontem foi aqui votado um projecto da maior importancia, nada mais e nada menos que o orçamento rectificado, sem que tivessemos o tempo necessario para o estudar. Esse projecto entrou em discussão, quando não se esperava, porque antes d'elle estavam dados para ordem do dia outros projectos, que em consequencia de não estarem presentes os ministros respectivos, não poderam ser discutidos. Sr. presidente, o que aqui se está passando produz lá fóra muito má impressão. Sr. presidente, quando se discutir um outro projecto, tenciono, por julgar occasião mais apropriada, mostrar então, e com toda a evidencia, a leviandade do governo e a pouca attenção das maiorias, que, edificando-se com elle, compromettem-se a si e desvirtuam as camaras. Esse projecto tornará bem palpavel esta minha asserção.
E necessario, repito, mostrar bem claramente ao paiz o deploravel systema que o governo continua a seguir, e a sua teimosia em apresentar constantemente projectos para augmentos de despeza, que não são impreteriveis.
Feitas estas considerações, eu chamo particularmente a attenção do governo, com respeito ao caminho de ferro de Caceres, assumpto este que está sujeito á commissão de engenheiros militares, para dar o seu parecer quanto á defeza do paiz, e se ella será prejudicada por aquella linha.
Ainda é tempo, se o governo quizer, póde inutilisar aquella concessão, é prestar um relevante serviço.
Peço pois ao sr. presidente do conselho de ministros que se esqueça que estas reflexões são feitas por mim, e que se lembre só do paiz e do seu dever.
Sr. presidente, o sr. marquez de Sá da Bandeira empregou todos os meios para que a linha de leste passasse por debaixo da artilheria de Elvas, com o patriotico fim de evitar que, no caso de uma invasão, o inimigo podesse aproveitar aquelle caminho de ferro; porém agora com a concessão do ramal de Caceres inutilisa-se o pensamento d'aquelle illustre general, e a provincia do Alemtejo fica aberta a uma invasão inimiga.
O sr. Visconde de Seisal: - Sr. presidente, se não tivesse a honra de ser relator do projecto que se está discutindo, de certo não teria pedido a palavra para tomar parte no debate. Tenho para isso sobejas rasões: em primeiro logar faltam-me absolutamente todos os indispensaveis dotes oratorios; e em segundo, confesso sinceramente que me acho bastante intimidado, tendo de levantar a voz em publico pela primeira vez, e diante de uma assembléa tão illustre como esta.
Felizmente esta camara, se é muitissimo illustrada, tambem é muito benevolente, e estou certo que me não recusará a sua indulgencia para as poucas palavras que tenciono proferir.
O digno par o sr. Vaz Preto atacou o projecto que está em discussão, e não tenho outro remedio senão procurar defendel-o, tanto quanto possa dentro dos limites das minhas fracas forças.
Sr. presidente, este projecto é muito simples, e não imaginei que sobre elle se podesse levantar uma discussão.
V. exa. e a camara sabem que se está procedendo á construcção das fortificações de Lisboa.
O projecto de defeza da capital, elaborado pela illustre commissão de defeza, compõe-se de duas linhas: uma interior, partindo dos Olivaes, passando por Monsanto e terminando na bateria do Bom Successo; a segunda exterior, principiando em Sacavem, no forte de Nova Cintra, passando por Queluz e terminando em Caxias.
Estas duas linhas de defeza, combinadas com algumas fortificações na outra margem do Tejo, as baterias maritimas e os torpedos que hão de ser collocados na barra, compõem o systema geral da fortificação de Lisboa. Póde-se discutir sobre a conveniencia de defender Lisboa, mas parece-me que os detractores d'este systema seguem uma idéa errada.
A minha opinião sobre este ponto é absolutamente insignificante, mas v. exa. sabe perfeitamente que não faço senão repetir a opinião das mais incontestaveis auctoridades militares.
Já em 1809 dizia o duque de Wellington, nas instrucções que deu para se fortificarem as posições a que depois se deu o nome de linhas de Torres Vedras: o grande objecto que se deve ter em vista na defeza de Portugal, é a posse de Lisboa e do Tejo, e todas as nossas medidas devem ser dirigidas para esse fim.
Não sei se o digno par conhece um folheto escripto pelo sempre chorado marquez de Sá da Bandeira, folheto intitulado Memoria sobre as fortificações de Lisboa.
Aconselho ao digno par que leia este folheto, que é uma memoria importante sobre o assumpto que nos occupa, e verá que a opinião bem conhecida do illustre general inglez que eu acabo de referir, é corroborada pelas primeiras auctoridades militares do nosso paiz, taes como o duque de Saldanha, general Costa, visconde da Luz, general Baldy, general Palmeirim e outros.
Seja qual for a opinião do digno par a este respeito, não ha duvida que este systema é adoptado, que já estão concluidas algumas obras, e em construcção algumas outras.
Está concluida a fortaleza de Monsanto e o seu campo entrincheirado; está concluida a bateria do Bom Successo; está em construcção o reducto do Alto do Duque, e já estão feitas as expropriações para o reducto de Montes Claros.
N'estes trabalhos gastaram-se muitos contos de réis, a meu ver muitisssimo bem gastos; quer, pois, o digno par que se inutilisem todos estes trabalhos, e que não se procure tirar dos capitães empregados todo o proveito que elles possam dar?
Imagine o digno par que fiquem suspensos os trabalhos, e inutilisadas as obras já construidas; imagine tambem que de repente haja uma guerra, com qualquer potencia, chegando as tropas d'esta até Lisboa.
O que aconteceria de certo?
É que em logar de nos servir a nós, as fortificações aproveitariam ao inimigo, e como os fogos da torre de Monsanto podem bater Lisboa, ha de confessar o digno par que a nossa situação seria cruel.
Sr. presidente, o credito pedido pelo governo para poder despender até á quantia de 180:000$000 réis na continua-