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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 8 DE MAIO DE 1867

PRESIDENCIA DO Ex.mo SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios os dignos pares

Marquez de Sousa Holstein.

Visconde de Gouveia.

(Assistiam os srs. ministros dos negocios estrangeiros e da fazenda.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 37 dignos pares, declarou o ex.mo presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra qual não houve reclamação.

O sr. secretario Marquez de Sousa Holstein mencionou a seguinte

CORRESPONDENCIA

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando a proposição sobre ser approvado o contrato celebrado entre o governo e Hugo Panig & Genros, em 26 de dezembro de 1866, para o estabelecimento de uma carreira regular de navegação a vapor no Sado, entre Setubal e Alcacer do Sal.

As commissões de agricultura e fazenda.

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo mais 20 exemplares da memoria sobre os processos de vinificação, para serem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

Um officio do digno par marquez da Ribeira Grande, participando que em consequencia da sua partida para a üha de S. Miguel não póde comparecer ás sessões da camara.

Inteirada.

O sr. Miguel Osorio: — Sr. presidente, pedi a palavra antes da ordem do dia, com o fim de pedir á illustre commissão de legislação, ou a alguns dos seus membros, que me dissesse se o projecto que eu apresentei n'uma das ultimas sessões já tem parecer, e se poderá brevemente entrar em discussão.

Aproveito esta occasião para agradecer ao digno par, o sr. Silva Cabral, as expressões que n'esta casa disse a meu respeito, quando alguem increpava o meu procedimento, usando das prerogativas parlamentares que a lei me concede. S. ex.ª dignou-se defender-me, fazendo-me justiça.

Mas como a minha confiança para com o governo tem sido sempre a mesma, que é nenhuma, receio que as com missões se deixem levar pela pouca vontade, e pelas ella das que os governos costumam armar, quando não querem que venham á téla da discussão alguns objectos importantes; por consequencia rogava á illustre commissão que desse com brevidade o seu parecer, porque é de absoluta necessidade que se discuta o meu projecto o mais breve possivel

O sr. Silva Cabral: — Como presidente que tenho a honra de ser da commissão de legislação, cumpre-me responder ao digno par dizendo que a commissão se reuniu immediatamente para examinar o projecto que o digno par apre sentou; e n'essa occasião se tomaram diversas deliberações, e entre ellas uma, cujo resultado eu vim communicar á camara, que foi pedir que se reunisse á commissão de legislação a de administração publica, por se ter reconhecido a necessidade de se reunirem as duas commissões para darem o seu parecer sobre o alludido projecto. Decidiu-se tambem que se convidassem os dois srs. ministros, o da justiça e do reino. Devo porém declarar ao digno par que dizendo eu alguma cousa a este respeito ao sr. ministro reino, elle immediatamente se promptificou a ir á reunião das duas commissões. Se ellas se não têem reunido mais vezes, é porque têem estado alguns membros ausentes, como tem sido o sr. presidente da commissão de administração publica (o sr. conde de Thomar); mas da parte do sr. ministro declaro que, desde que lhe fallei, s. ex.ª logo se promptificou a dar todos os esclarecimentos que effectivamente são necessarios para se chegar ao bom resultado, dando-se uma decisão recta, como o digno par deseja.

Com relação ás expressões que eu preferi a respeito do digno par, não fiz senão justiça a s. ex.ª, porque conheço os seus sentimentos, e estou certo que não viria pedir uma cousa que não entendesse na sua consciencia que devia faze-lo.

Portanto póde o digno par estar certo de que eu pela minha parte, como presidente da commissão de legislação, hei de fazer tudo quanto estiver ao meu alcance para se dar um parecer, o mais breve possivel, sobre o projecto que s. ex.ª apresentou.

O sr. Miguel Osorio: — Pedi a palavra para agradecer ao digno par, o sr. José Bernardo da Silva Cabral, as ex pressões benevolas que s. ex.ª ha pouco fez a honra de me dispensar, e ao mesmo tempo agradecer tambem as. ex.ª as explicações que me deu sobre o que se passou entre s. ex.ª e o sr. ministro do reino, na occasião em que o consultou sobre a materia do meu projecto, e em que elle se promptificou a dar todos os esclarecimentos necessarios.

N'esta occasião cumpre-me explicar o receio que eu tinha ácerca do governo, como declarei n'esta camara quando apresentei o meu projecto. Eu não receiava que nenhum dos srs. ministros saísse fóra do caminho da justiça e da rasão, e por esse motivo tambem não receiava que deixassem de dar todas as explicações necessarias e convenientes em relação ao assumpto de que trata o mesmo projecto; mas receiei da entidade «govêrno»; d'essa é que eu receiei, e receio ainda, que é sempre perigosa, porque se vê muitas vezes na necessidade de caminhar por estradas tortuosas, embora os seus desejos sejam caminhar por onde deviam, seguindo os bons principios e a recta rasão. O que eu receiava era que o governo não seguisse o bom caminho, movidos os srs. ministros pelo principio da conveniencia para se conservarem no poder. Foi por isso que aconselhei á illustre commissão que tomasse cuidado com as ciladas que o governo lhe podia armar; e como não tenho tanta pratica de parlamento como a têem os membros da commissão, e confiava em ss. ex.ªs, por isso os avisava que se acautelassem, porque o governo procura muitas vezes afastar as questões do caminho que devem seguir, só para se conservarem no poder, livrando-se assim da responsabilidade que porventura lhes podesse caber, como a cada passo se está vendo. Não vemos que até, ás vezes, se criam certas delegações de serviços publicos para afastar da discussão elementos que poderiam prejudicar a ss. ex.ªs? Ora, quando eu vejo o governo seguir esta estrada, causa-me isto certas apprehensões, e por isso receio d'aquella entidade.

Alem d'isso, sr. presidente, eu vi que o governo, quando provoquei explicações ao sr. ministro do reino sobre o meu projecto, se recusára a dar a sua opinião sobre aquelle assumpto, e por isso não podia deixar de receiar de alguma cilada; e receei com effeito, repito, que esta entidade «governo», perigosa e muito perigosa, armasse algum ardil para obstar ao andamento do projecto, e por isso preveni a illustre commissão.

Reitero os meus agradecimentos ao sr. presidente da commissão, pelo zêlo que s. ex.ª mostra pelo bem da causa publica, e por esta occasião peço a s. ex.ª que não deixe esquecer o meu projecto na commissão, projecto que tambem foi assignado pelo meu nobre amigo e illustrado collega, o sr. visconde de Chancelleiros, que vejo ao lado do illustrado cavalheiro a quem ha pouco me referi. Peço a s. ex.ª que, na minha ausencia, se não esqueça de empregar todos os meios ao seu alcance, para que não morra na commissão aquelle projecto de lei, que s. ex.ª, a par do meu nome, me fez a honra de assignar com o seu.

O sr. Ferrão: — Sr. presidente, o digno par, o sr. visconde de Seabra, incumbiu-me de participar a V. ex.ª e á camara que por incommodo de saude não póde comparecer á sessão de hontem, nem comparece ainda hoje, e talvez a mais algumas sessões. (Pausa)

O sr. Presidente: — Como ninguem mais pede a palavra vamos entrar na

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO, NA GENERALIDADE, DO PARECEI N.° 155, SOBRE O PROJECTO DE LEI N.° 149

O sr. Presidente: — O primeiro orador inscripto é o sr. conde de Samodães.

O sr. Ferrão: — Peço a palavra sobre a ordem. O sr. Presidente: — Os oradores que pedem a palavra sobre a ordem preferem aos que a pedem sobre a materia, e por isso tem a palavra o sr. Ferrão sobre a ordem.

O sr. Ferrão (sobre a ordem): — Sr. presidente, as rasões apresentadas sobre a generalidade do projecto dado para ordem do dia, têem sido varias: eu não me alargarei sobre a materia da generalidade do projecto, nem mesmo direi cousa alguma, a não ser sobre a ordem, para mandar para a mesa uma emenda que prende de tal modo com a generalidade do projecto, que entendi ser esta a melhor occasião de a mandar para a mesa, visto estar-se tratando da generalidade. É a seguinte:

EMENDA

Art. 1.° A cobrança dos impostos, de que trata esta lei, poderá ser feita por encabeçamento em todos os municipios que assim o reclamarem, á excepção dos de Lisboa e Porto.

§ 1.° As avenças individuaes ou collectivas serão n'este caso da exclusiva competencia das respectivas camaras municipaes, e guardar se-ha a respeito d'ellas o methodo prescripto na carta de lei de 10 de julho de 1843, artigo 7.° § 2.° Na falta de avenças, ou não preenchendo ellas a importancia do encabeçamento, podem as mesmas camaras municipaes proceder á arrematação do imposto pelo maior lanço que se offerecer sobre a dita importancia.

§ 3.° As multas impostas nos regulamentos fiscaes terão o minimo de 1$000 réis, e o maximo de 10$000 réis, salvo os casos de reincidencia. Em caso de effectivo descaminho, com intenção dolosa proceder se ha ao disposto no codigo penal.

Sala das sessões da camara dos dignos pares, 8 de maio de 1867. = Silva Ferrão.

Leu-se na mesa, e foi admittida á discussão.

O sr. Conde de Samodães: — Sr. presidente, não me apressei a pedir a palavra sobre o projecto que se acha em discussão, porque esperava que no decurso do debate eu me julgasse dispensado de entrar na discussão, e mesmo porque conhecendo a minha incompetencia para tratar d'este assumpto; eu esperava firmar a minha opinião ou modificar aquella que tivesse feito no meu estudo do projecto, pelas rasões que se apresentassem n'esta camara.

Sr. presidente, foi hontem quasi no fim da sessão que eu pedi a palavra, depois do discurso pronunciado pelo illustre relator da commissão; e só depois de ter ouvido as, rasões adduzidas por s. ex.ª na defeza do projecto, é que eu julguei que estava chegada a occasião de poder succintamente apresentar os motivos,e fundamentos que demoviam o meu animo a pedir a palavra.

Não julgue o digno par relator da commissão que eu aceite o repto ou convite que s. ex.ª fez para que a opposição se organisasse e viesse hastear a sua bandeira, declarando ao paiz quaes os principios que havia de sustentar. Isso, sr. presidente, só compete aos chefes das opposições se porventura os ha da actual.

Eu nem aspiro ás honras de chefe da opposição parlamentar, nem mesmo me considero no exercito ou na phalange opposicionista; não ólho para onde esteja a opposição, nem quaes são os seus chefes, nem me importa qual é a sua bandeira, o que me importa é unicamente responder por mim, e cumprir franca e lealmente a minha missão, fazendo sómente o que a minha consciencia me disser dever fazer para bem do paiz que represento n'este logar; por isso, sr. presidente, não apresentarei programma, nem aceitarei o convite que fez o digno par. Estimaria que houvesse opposição organisada, e estima-lo ía tanto mais quanto seria então a occasião propria de definir a minha posição.

Emquanto porém isto não se faz continuo a ser governamental sem comtudo apoiar todas as medidas apresentadas pelo governo, principalmente as que eu julgar não serem convenientes para o paiz, ou pelas circumstancias que actualmente se dão, ou por outras quaesquer rasões.

Sr. presidente, esta questão que nós tratâmos é complexa, abrange todos os ramos da administração publica, e é difficil trata la com a latitude que merece; e o debate que se encetasse na extensão que ella permitte seria por assim dizer illimitado.

Não me proponho portanto senão a offerecer á consideração da camara observações ácerca do assumpto, não tratando mesmo a questão geral de fazenda, e assim não cansarei a camara com o meu discurso, nem lhe tomarei o tempo para ella poder continuar n'este debate e outros que estão sujeitos ao seu exame.

Sr. presidente, examinando este projecto confesso que o não percebo, e que não sei combinar as suas disposições, provém isto talvez da minha falta de comprehensão, e não será de certo porque o projecto se ache mal organisado.

Faz este projecto parte complementar do complexo das medidas apresentadas pelo sr. ministro da fazenda, para procurar ver se faz desapparecer ou tornar menor o desequilibrio que existe entre a receita e a despeza.

Ora este desequilibrio é conhecido por todos, e não se póde occultar. Houve tempo em que essa differença era tão pequena que se lhe podia lançar um véu por cima, mas as cousas chegaram a um tal ponto que hoje vae a illusão desapparecendo, e o desequilibrio é tal que assusta o parlamento e agita o paiz; e com isto não quero dizer que o paiz se ache revolucionado. Estamos felizmente longe d'isso. No entanto o que é certo é que manifestações as mais estrondosas têem vindo ao parlamento, tanto á camara dos senhores deputados como a esta, e até já têem chegado á chave dos poderes publicos, que é o podér moderador, representações de todos os angulos do paiz em que se mostram apprehensões serias ácerca da approvação d'este projecto.

Estas representações não devem ser desattendidas pelos homens politicos, porque no systema constitucional, que felizmente nos rege, não convem que repillamos a opinião publica, nem que deixemos de lhe prestar toda -a attenção; o systema constitucional é o systema das transacções, e toda a vez que as não haja cáe-se no absolutismo, ou elle seja exercido por um só, ou por muitos, o que ainda é peior.

Nós devemos attender pois ás reclamações da opinião do paiz, e dar-lhe tanta satisfação quanta comportem os bem entendidos interesses publicos, porque é preciso confessar que estamos em um estado que não será talvez da culpa dos governos anteriores, nem do actual gabinete; mas o que não admitte duvida é que nos ultimos annos tem augmentado de uma maneira fabulosa a despeza publica, não só por causa dos melhoramentos materiaes feitos no paiz (e prouvera a Deus, sr. presidente, que só proviesse d'esta causa!), mas tambem por causa dos chamados melhoramentos do serviço, e por outras muitas causas que não quero especificar..

Ha muitos annos, sr. presidente, que tenho a honra de pertencer ao parlamento, ou fazendo parte da outra camara ou d'esta, e não me accusa a consciencia de ter nunca dado o meu voto a augmentos de despeza, porque sempre entendi que as forças do paiz não comportavam aquellas que se queriam fazer; e constantemente a respeito de melhoramentos de serviços e reformas, tenho visto apparecerem medidas, umas muito complexas, outras menos, e outras inteiramente singulares, tendentes todas a augmentar despeza, e não tenho visto dar nem um só passo que contribua para melhorar o mau estado da fazenda publica.

Esta marcha deploravel que têem levado os negocios publicos não tem sido reparada pela grande maioria da nação, e o povo que começa agora a agitar-se na occasião em que se lhe pedem sacrificios onerosíssimos, devia ter-se agitado ha mais tempo para impedir os encargos que hoje ha de pagar forçosamente. Não digo que o fizesse desordenadamente, mas legal e pacificamente, porque os symptomas que agora se têem manifestado não têem gravidade alguma, nem porventura teriam mesmo chegado ao ponto que attingiram se tivesse havido mais alguma longanimidade e prudencia na suffocação dos movimentos populares, que na verdade não mereciam que com elles se empregasse rigor, devendo extinguir-se espontaneamente.

A agitação na esphera constitucional, essa quero a, approvo-a e comprazo-me que exista; o povo ou a nação deve saber que nos meios constitucionaes tem todos os elementos para ser bem governada, e se não usa conveniente