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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 10 DE MAIO DE 1867

PRESIDENCIA DO Ex.mo SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios ou dignos pares

Marquez de Sousa Holstein.

Marquez de Vallada

As duas horas o meia da tarde, sendo presentes 27 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente sessão, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio, do ministerio da marinha e ultramar, satisfazendo ao requerimento do digno par marquez de Sá da Bandeira, de 4 do corrente mez, remettendo as copias das duas portarias do governo geral do estado da India de 2 de fevereiro e de 14 de maio de 1843, e das quatro portarias, de 26 de abril e 30 de agosto do mesmo anno, e de 28 de maio de 1847, que dizem respeito aos foreiros dos prasos da corôa de Damão.

O sr. Presidente: — Devo observar á camara que a sessão devia abrir-se ás duas horas, são duas e meia, e pelo nosso regimento ellas devem durar tres horas, por conseguinte eu não a encerro senão ás cinco e meia.

Peço a attenção da camara.

Hontem estive sentado n'esta cadeira mais de meia hora, e não abri a sessão porque não foi possivel reunir dezenove dignos pares, não obstante compôr-se a camara de cento e trinta e cinco membros! Não posso deixar de lamentar este facto.

Estavam dados para ordem do dia os pareceres n.ºs 159 e 158. Ambos estes pareceres exigem prompta resolução, por isso preciso saber se a camara quer que se discutam hoje os pareceres que estavam dados para ordem do dia de hontem, ou se quer a continuação da discussão do parecer n.° 155 sobre o projecto de lei n.° 149.

Não posso alterar a ordem do dia que estava dada, por consequencia perguntarei á camara se quer que se entre na continuação do projecto n.° 149, como estava dado para ordem do dia, e que os outros dois pareceres sejam para a primeira parte da ordem do dia da proxima sessão.

O sr. Conde de Samodães: — Eu pedi a palavra para dizer que julgava mais conveniente que se continuasse na discussão do projecto do imposto do consumo.

O Sr. Visconde de Chancelleiros: — Sr. presidente, fui eu que fiquei com a palavra reservada na sessão, passada para responder ás observações que se têem apresentado contra o projecto; muito pouco acrescentarei ao que já disse.

O sr. Presidente: — Peço perdão a V. ex.ª; mas ainda não se entrou na ordem do dia. Quem tem a palavra sobre este incidente é o sr. Silva Cabral.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, eu sou inteiramente conforme com a opinião do sr. conde de Samodães que se trate do que estava designado para ordem do dia. Desde o momento que se fixou a continuação da discussão do projecto sobre o imposto do consumo é claro que se não deve impedir de maneira alguma a discussão de um objecto tão importante, entretanto V. ex.ª póde dar para a primeira parte da ordem do dia de uma das proximas sessões algum dos projectos que tinham sido dados para ordem do dia de hontem; mas o que me pareço melhor é que hoje se continue com esta discussão, a respeito da qual muitos dos dignos pares desejam usar da palavra, e que carece de ser resolvida. Conformo-me portanto com o que disse o sr. conde de Samodães, e peço a V. ex.ª que, visto que esta fixada para hoje a continuação da discussão do projecto do imposto do consumo, que essa discussão continue, e que V. ex.ª dê para a primeira parte da ordem do dia de uma das proximas sessões os projectos que tinham sido dados para a ordem do dia de hontem.

O sr. Presidente: — Creio que a camara esta de accordo em que se passe á ordem do dia? (Apoiados.) Vae portanto entrar-se na ordem do dia, e tem o palavra o sr. visconde de Chancelleiros.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO NA GENERALIDADE DO PROJECTO N.º 149, SOBRE O IMPOSTO DE CONSUMO, E PROPOSTAS DE ADIAMENTO QUE ESTAVAM SOBRE A MESA

(Entraram os srs. ministros do reino, fazenda e estrangeiros.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: — V. ex.ª faz me o obsequio de me dizer quem esta inscripto depois de mim?

O sr. Presidente: — Na ultima sessão estava V. ex.ª fallando, levantou-se a sessão e ficou V. ex.ª com a palavra reservada. Depois de V. ex.ª estão inscriptos os dignos pares os Srs. visconde de Fonte Arcada, visconde de Gouveia, e depois o sr. conde de Samodães.

O sr. Visconde Chancelleiros: — Visto isso cedo da palavra, reservando-me para usar d'ella na especialidade do projecto.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, em primeiro logar devo dizer a V. ex.ª que na ultima sessão quando pedi a palavra foi porque não sabia que V. ex.ª tinha dito que o sr. conde de Samodães tinha a palavra em primeiro logar.

Eu sinto, sr. presidente, que o digno par o sr. Rebello da Silva não esteja presente, porque queria dizer duas palavras a respeito do que s. ex.ª disse; não estando porém presente verá s. ex.ª pelo meu discurso o que eu agora digo.

O sr. Presidente: — Eu não posso ouvir a V. ex.ª, e por isso convido-o a que espere até que se restabeleça o silencio.

O Orador: — Eu desejaria tambem muito que se restabelecesse o silencio, mas realmente isso não esta na minha mão, e se a camara esta muito anciosa por ouvir os outros oradores, melhor será eu calar-me.

O sr. Presidente: — Eu peço de novo a attenção da camara.

(Pausa.)

Póde V. ex.ª continuar a usar da palavra.

O Orador: — Eu, sr. presidente, fui ver as notas do discurso do digno par, e vi pelo que acabo de ter que s. ex.' não approvava inteiramente o projecto, e que dissera as palavras que acabo de ter.

Disse pois s. ex.ª o sr. Rebello: «E de summo interesse para o paiz que esta alimentação (a da carne), não essencial nem de primeira necessidade (n'isto não concordo eu com s. ex.ª), em quasi todo o reino, em vez de se tornar inaccessivel, se torne mais facil ás classes pobres. O projecto só por si não altera muito as condições do consumo, mas aggravado pela percentagem municipal, receio que restrinja ainda mais o uso da carne nas povoações ruraes especialmente». Disse mais s. ex.ª: «Um relatorio importante do sr. ministro das obras publicas discutiu já profunda mente este ponto, mostrando que convinha que a alimentação do paiz melhorasse n'esta parte».

Isto foi o que s. ex.ª disse, ora eu entendi inteiramente o contrario d'isto; mas agora vejo que s. ex.ª disse, pouco mais ou menos, o mesmo que eu dissera antes; que a carne não era absolutamente um alimento indispensavel, mas que as populações que comem regularmente carne são muito mais fortes e habeis para o trabalho do que aquellas que a não comem.

Sr. presidente, eu combato este projecto, não só pelas rasões que já expliquei, e que estão confirmadas pelo orador a que me referi, e pelo relatorio do sr. ministro das obras publicas, em que mostra a necessidade de que a alimentação do povo melhore; tambem pela opinião do sr. ministro do reino, que em uma portaria, como eu já disse, dirigida á camara de Setubal, lhe dizia que os impostos sobre o consumo eram contra os principios da boa administração, e não consentiu em que ella os lançasse para pagamento de um emprestimo. O sr. ministro da fazenda, quando creou os dois concelhos dos Olivaes e Belem, tambem seguiu a mesma opinião.

Estimo muito que a minha opinião, a respeito de impostos de consumo, seja partilhada por auctoridades tão respeitaveis e competentes; o que se dá a respeito da carne, dá-se a respeito dos outros generos de alimentação, como o azeite e gorduras, etc.; pelas rasões referidas e pela vexatoria fiscalisação, necessaria para a cobrança d'esta qualidade de impostos, é que eu rejeito o projecto.

A minha opinião esta pois definida e em completo accordo com todos os illustres cavalheiros a quem me referi; se porém ss. ex.ª mudaram de opinião, a culpa de certo não é minha.

Sr. presidente, vejo aqui nos meus apontamentos que tomei durante a discussão, algumas referencias que me fez o sr. Rebello da Silva; por exemplo, disse s. ex.ª que eu seguia a opinião de mr. Girardin, e que não queria senão um imposto unico; responderei ao digno par, dizendo que eu ainda não disse que queria um imposto unico; mas de certo não seria desairoso para mim nem para nenhum membro do parlamento seguir as opiniões de mr. Girandin.

Eu ainda não disse que queria um imposto unico; o que tenho dito é que não approvo os do projecto: estou tanto mais firme n'esta opinião, que vejo que algumas pessoas que agora os approvam foram já de opinião contraria, e que achavam nocivos estes impostos.

Sr. presidente, quanto aos impostos propostos em geral, sem que primeiro sejam bem conhecidas de todos as rasões que houver para que elles se julguem indispensaveis, e sem que se tenham feito todas as economias e a reducção das despezas do estado, não voto por elles. Mas vir o governo, sem fazer diminuição de despeza, em primeiro logar pedir impostos tão gravosos -como estes, n'este caso estou resolvido a não os approvar.

Sr. presidente, o digno par, o sr. Costa Lobo, no brilhante discurso que fez na sessão de ante-hontem, indicou bem o estado em que se acha desgraçadamente o paiz, e mostrou perfeitamente o mau systema que se tem seguido na sua administração financeira. S. ex.ª fez um brilhante discurso, e mostrou tão bem a nossa situação, que eu creio que ninguem poderá conscienciosamente contrariar as verdades que s. ex.ª expoz, e oxalá que ellas vão calando no animo do paiz.

Seja-me permittido agora, sr. presidente, narrar um facto, posto que antigo, que bem mostra a ligeireza com que se têem feito algumas despezas em melhoramentos materiaes; um dos primeiros trabalhos emprehendidos por s. ex.ª, o sr. Fontes, foi a estrada para o Porto pelo interior do paiz, na qual se gastaram 700:000$000 ou 1.000:000$000 réis, pouco mais ou menos, e um anno depois ou dois principiou a construcção do caminho de ferro para o mesmo ponto; os caminhos de ferro, quando se construiu a estrada pelo interior do paiz para o Porto, já eram bem conhecidos e avaliados; entretanto gastaram-se aquelles 700:000$000 ou 1.000:000$000 réis n'aquella estrada, e depois do caminho de ferro feito, por isso que já se tinham gasto aquelles 1.000:000$000 réis ou setecentos e tantos contos na estrada para o Porto (que ficou comparativamente de pouca importancia e utilidade), não se fizeram aquellas que das diversas estações do caminho de ferro deviam dirigir-se ao interior da provincia, pondo assim aquelles importantissimos districtos em contacto com o caminho de ferro, que ficaria de muito mais importancia e rendimento.

É verdade que s. ex.ª construiu aquella primeira estrada para o Porto, pelo muito desejo que tinha de fazer alguma obra importante; mas s. ex.ª devia-se ter lembrado que os caminhos de ferro devem ser as arterias de viação a que se devem dirigir as estradas transversaes; e antes de se construir o caminho de ferro para o Porto não se devia construir outra estrada para o mesmo ponto. O que isto mostra é que não tem havido aquelle cuidado que devia haver para não se fazerem senão as despezas essencialmente necessarias. Se este facto, sr. presidente, mostra, repito, o grande desejo que s. ex.ª tinha de fazer alguma cousa importante sem demora, mostra tambem que houve ligeireza na apreciação do que cumpria fazer para encetar os melhoramentos materiaes do paiz.

Para mostrar ainda mais a rasão que o digno par o sr. Costa Lobo tem de censurar a marcha que se ha seguido na administração da fazenda do estado, peço licença para ter um artigo do Jornal de Lisboa, de 14 de dezembro do anno findo, assignado por um membro das camaras legislativas, sentindo muito que se não desse a conhecer, e que na camara a que pertence não sustentasse e desenvolvesse como lhe cumpria o que tão bem soubera escrever e desenvolver no artigo do jornal referido:

«O decreto de 28 de agosto ultimo regularizou provisoriamente o abono dos vencimentos dos engenheiros, architectos e conductores empregados no ministerio das obras publicas. No relatorio que o precede se reconhece o arbitrio, falta de principios e regras fixas, differenças, anomalias e desigualdades que tem presidido ao abono dos vencimentos d'aquelles empregados.

«Faz parte do decreto a tabella fixando os vencimentos mensaes dos empregados, começando por 100$000 réis para o inspector da divisão, e d'ahi para baixo até descer a réis 20$000 para o conductor auxiliar; porém o artigo 4.° do decreto determina que, alem do vencimento marcado na tabella, se abonará aos engenheiros e architectos um vencimento eventual ou gratificação variavel segundo a importancia e natureza do serviço de que se acharem encarregados, sendo o maximo 80$000 réis e o minimo 25$000 réis mensaes. Os conductores têem igualmente uma gratificação, a qual o maximo são 13$000 réis e o minimo 6$000 réis.

«Alem da gratificação tambem aquelles empregados têem uma ajuda de custo quando forem obrigados pelo serviço a seu cargo a pernoitar fóra das residências que lhes forem designadas officialmente, sendo de 3$000 réis diarios para o inspector de divisão, e. d'ahi para baixo até descer a 500 réis para o conductor auxiliar.

«Aos directores geraes das obras publicas e minas, dos trabalhos geographicos, estatisticos, de pesos e medidas e dos telegraphos, o decreto manda abonar diariamente 4)5500 réis quando por motivo de serviço tiverem de saír e pernoitarem fóra de Lisboa.»

Para examinar todas as outras despezas das diversas repartições seriam precisos dois dias; portanto limito-me a esta parte do artigo do jornal de 14 de dezembro. Por aqui se vê como se gastam os dinheiros publicos, concedendo aos empregados, alem de gratificações importantes, outras debaixo do nome de ajuda de custo!

S. ex.ª disse tambem uma verdade quando disse que existia um grande afan para obter empregos publicos.

Mas este afan e grande desejo é affagado pelo governo;