O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

4 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITIUNTE

Projecto de lei

Senhores. - Na sessão de 9 de maio de 1908 apresentei nesta Câmara um projecto de lei impondo em Portugal as responsabilidades dos accidentes sob a noção do risco profissional, que se encontra já hoje estabelecido sem a menor discrepancia nem protesto em todos os países da Europa, medianamente cultos.

No relatorio que o precedeu ficaram concretizadas as razões por que esse projecto não satisfazia o meu desideratum em materia social, deixando sem garantias as victimas, na hypothese da insolvencia dos patrões e empresas industriaes.

Acima de tudo procurei fazer um trabalho exequivel. Sempre tenho julgado que é essa a missão do legislador. Leis brilhantes na sua contestura geral e completas em todos os seus pormenores, mas que não apresentem garantias de viabilidade, podem satisfazer a vaidade de uni estadista, ou attingir determinados uns politicos, mas são de utilidade absolutamente negativa e contribuem para a desorganização de todos os serviços do Estado.

Na sessão de 16 de março de 1909, renovando a iniciativa d'esse projecto de lei, corroborei com novas considerações, e fundamentei com novos factos a minha affirmativa de que nas actuaes condições do nosso meio social, politico e economico, uma lei sobre accidentes de trabalho para apresentar garantias de exequibilidade deveria ser muito simples e rudimentar, sem pretensões a garantir absolutamente todos os direitos do operariado.

No entanto não abandonei o assunto, e continuando a recorrer a todos os elementos de estudo ao meu alcance cheguei a concluir que o projecto de 1908 poderia, sem perigo para a sua exequibilidade, soffrer modificações relativamente importantes e de um alcance apreciavel.

Creio que todo o homem publico, cônscio dos seus deveres e responsabilidades, deve proceder por esta forma, procurando sempre tornar a sua obra mais proficua para os interesses da collectividade, e mais estavel em face das transformações do progresso.

A deficiencia maior do meu projecto de lei era a falta de garantias para o pagamento de pensões, devidas em casos de morte ou incapacidade permanente, quando se desse a fallencia do patrão ou quando este por qualquer eventualidade deixasse de exercer a sua industria.

Posto de parte o seguro obrigatorio e exclusivo por conta do Estado, que apenas a Noruega adoptou e que em Portugal nem merece as honras da discussão, posta de parte pela relutancia que levantaria no nosso meio um addicional sobre toda a contribuição industrial para a constituição de um fundo especial destinado a garantir as indemnizações nos casos de insolvencia - como existe na França e Belgica - eu procuro resolver a difficuldade, adequando á questão dos accidentes de trabalho a legislação que já se encontra em vigor em Portugal, para a industria dos seguros.

Se os patrões e empresas industriaes tiverem um largo espirito de iniciativa e uma noção segura dos seus interesses poderão fomentar o desenvolvimento de sociedades mutuas, cuja organização procuro estimular, determinando no artigo 4.° que o Conselho dos Seguros arbitre para essas agremiações, consagradas exclusivamente aos accidentes de trabalho, um deposito especial.

Esse deposito deverá, pelas mais rudimentares razões de equidade, ser muito inferior ao que se encontra estabelecido para as companhias de seguro que exploram negocios de maior latitude. E d'esta forma poder-se-ha conseguir no nosso pais, sem a intervenção do Estado, tantas vezes perturbadora e deprimente, a existencia de associações patronaes que desempenhem o papel que na Allemanhã e na Austria estão desempenhando as Caixas de seguros contra os accidentes.

Os patrões que não tenham transferido as suas responsabilidades ficarão sujeitos á obrigação de depositarem na Caixa Geral de Depositos as reservas mathematicas correspondentes ás pensões de que se tenham tornado devedores, em virtude de desastres que produzam a morte ou incapacidade permanente e estabelecendo o artigo 14.° que todas as indemnizações terão privilegio especial na hypothese de fallencia sobre as outras dividas, muito raros ficarão sendo os casos em que os operarios e suas familias possam ser logrados pela impossibilidade da applicação da lei.

Outra modificação apresenta este projecto de uma necessidade imprescindivel e de uma utilidade immediata. Especifico as industrias a que se estende a responsabilidade dos accidentes de trabalho porque a concepção de que todas devem considerar-se incluidas na lei poderá parecer á primeira vista a formula mais equitativa e sensata de resolver o problema, mas daria logar a confusões successivas e questiunculas irritantes, muito particularmente num país refractario até hoje a toda a legislação social.

Fica determinada a elaboração, por uma commissão em que deverão entrar representantes das classes interessadas, de um regimento especial para a remuneração dos serviços clinicos e preço dos medicamentos. As duvidas que sobre esta materia se teem suscitado em alguns países justificam por completo uma tal disposição que a França já se viu forçada a adoptar para pôr termo a conflictos constantes que se levantaram entre os medicos, pharmaceuticos, companhias de seguro e patrões.

Estabelece, emfim, este projecto no § unico do artigo 13.° doutrina nova que deixa o campo aberto para todos os acordos internacionaes, que de futuro se venham a realizar. É este um dos aspectos mais interessantes da legislação social na sua actual fase. O internacionalismo vae conquistando terreno; os espiritos mais reflectidos e previdentes vão comprehendendo que as medidas sociaes apenas poderão dar resultados verdadeiramente fecundos no dia em que todos os países se tornem solidarios na sua execução.

Já se encontra em vigor desde 1904 o acordo franco-italiano estabelecendo reciprocidade de direitos entre os operarios franceses e italianos victimas de acidentes e a corrente accentua-se nesta orientação, que decerto vingará num futuro mais ou menos próximo.

Senhores. - Esta questão continua posta em termos definidos e insofismaveis. A promulgação de uma lei sobre accidentes de trabalho-precisamente a unica lei social que em Portugal seria immediatamente realizavel por não acarretar encargos para o Thesouro - é absolutamente inadiavel! E não ha subterfugios nem mystificações que possam illudir este facto. Um inquerito, como o que ultimamente se mandou proceder para se conhecer o numero e a causa dos accidentes occorridos em todo o pais, principia por ser irrisorio e acaba por ser inutil.

Emquanto não estiver em vigor uma lei que imponha responsabilidades, uma estatistica de accidentes de trabalho ha de offerecer tantas garantias de seriedade como a que offereceria uma estatistica criminai num pais em que não houvesse tribunaes e os crimes não fossem punidos. E muitos ou poucos, devidos á imprevidencia dos patrões, ao descuido dos operarios ou aos defeitos da proprio machinismo industrial, o que é justo, o que é honesto, o que é humano é introduzir sem mais delongas na legislação portuguesa o principio consagrado do risco profissional.

Artigo 1.° Terão direito á assistencia clinica, medicamentos e indemnizações consignadas nos artigos 2.° e 3.° d'esta lei, sempre que sejam victimas de um accidente de trabalho succedido por occasião do serviço profissional e em virtude d'esse serviço os operarios e empregados das fabricas, officinas e estabelecimentos industriaes onde se faça uso de uma força distincta da força humana, das minas e pedreiras; das fabricas e officinas metallurgicas e de construcções terrestres e navaes; dos serviços de cons-