514 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 49
4. Até à Conferência de São Francisco numerosas haviam sido as conferências interaliadas. Deixando de parte as que tiveram como principal objectivo o de assegurar a conduta política e militar da guerra (Casa Branca, Quebeque, Moscovo, Teerão, em 1943; pela segunda vez Moscovo, em 1944; Itália, em 1945), muitas foram aquelas que se propuseram lançar as bases da futura organização internacional: as de Hot Springs e Atlantic City, em 1943, e a de Montreal, em 1944, que criaram a Organização Internacional d Socorro e Reconstituição; ainda em 1944, a Conferência Monetária e Económica de Brettou Woods, a Conferência da Aviação Civil de Chicago, a Conferência de Rye para o estudo dos problemas industriais e comerciais, a segunda Conferência de Hot Springs para o estudo dos problemas do Pacífico e a Conferência Pan-Árabe de Alexandria (seguida pela do Cairo no ano seguinte); a Conferência Fan-Ámericana do México, em 1940; e, finalmente, no mesmo ano, a Conferência de Washington, encarregada de redigir o estatuto do novo Tribunal Internacional de Justiça. Mas a mais importante fora a reunida em Washington de 21 de Agosto a 7 de Outubro de 1944, onde foi discutido e aprovado um anteprojecto de Carta Internacional, conhecido pela designação 'de Plano de Dumbarton Oaks, que, deve dizer-se, em pouca conta teve a experiência da Sociedade das Nações e os erros cometidos nesta primeira tentativa. E as decisões da Conferência de Ialta, de Fevereiro de 1945 - a que alguém já chamou, a Magna Carta da miséria europeia - não viriam senão agravar esses erros.
Seria curioso notar que todas estas conferências, que marcam um momento decisivo na história das reuniões diplomáticas, tiveram a sua sede fora da Europa.
5. As esperanças que a Carta do Atlântico havia suscitado em breve se volveram em decepção. A determinação por parte da Rússia de contrariar os esforços dos seus antigos aliados (malograra-se a tão oportuna proposta de apaziguamento de Byrnes, em 30 de Abril de 1946), tendo em vista prosseguir a realização dos seus fins do guerra, fora posta em plena luz já) a partir de 1945. A intransigência do Governo de Moscovo, traduzida a cada passa no uso e abuso do direito de veto, que deu desde logo a medida dos seus métodos e das puas ambições, fez abortar todos os esforços dos organismos internacionais - Nações Unidas, Conselho dos Ministros dos Negociou Estrangeiros (cuja criação fora acordada em Postdam, em 2 de Agosto de 1946), Conferências dos Suplentes, organismos quadripartidos exercendo a sua acção na Alemanha -, ao mesmo tempo que procurava abalar a situação na Europa Central e Oriental, criando Estados satélites (de uma superfície total de l 400 000 km2 e de cerca de 87 milhões de habitantes, não russos), neles instalando governos de modelo soviético, inteiramente dóceis às suas directrizes políticas, e com eles celebrando vinte e três pactos de assistência mútua.
A criação do Kotminform, na reunião de Varsóvia, de Outubro de 1947, tinha como principal fim o de preparar o advento do comunismo em todos os países , europeus. Ao enorme incremento do poder russo, reflectindo-se no ampliação territorial das suas fronteiras e nas suas possibilidades de dominação, vinha juntar-se um factor diplomático, novo nu política dos modernos Estados: a acção de aliados ideológicos, revestindo a forma de partido firmemente organizado e disciplinado, vivendo e actuando adentro das fronteiras daqueles países quê constituem OH pontos nevrálgicos do Ocidente. A Rússia fazia assim o bloqueio da paz.
O ponto morto u que havia chegado a Organização das Nações Unidas, que deixou de existir, de facto, no domínio das realidades, mostrou a necessidade de se recorrer a outros meios para assegurar a paz e evitar a guerra. Viu-se bem que estávamos em face de dois mundos, que, sendo política e moralmente inconciliáveis, não podiam colaborar no seio das Nações Unidas. Vara Marshall, cujo Plano representou o primeiro ensaio de organização coerente, no domínio económico, ponto de partida do programa de recuperação europeia, o Velho Mundo aparecia já como um continente potencialmente comunista.
II O Tratado do Atlântico Norte
6. A assinatura do Tratado do Atlântico Norte, em Washington, em 4 de Abril de 1949, representou, como escreve Lorde Ismay, o princípio de uma experiência revolucionária e construtiva em matéria de relações internacionais. Um novo período se abria na política externa do Mundo Ocidental. Era a lógica consequência de uma série de medidas precedentes, dentre as quais se devem destacai1 o. Tratado de Bruxelas, de 17 de Março de 1948, que constitui um sistema de defesa colectiva, semelhante ao Pacto do Rio (Tratado interamericano de assistência recíproca, de 2 de Setembro de 1947) e, como este, enquadrado na Carta das Nações Unidas, e a denominada, Resolução Vandenberg, votada em 11 de Junho seguinte pelo Congresso de Washington. Doze Estados independentes e soberanos - aos quais outros viriam juntar-se mais tarde- subscreveram compromissos que reclamavam uma acção colectiva imediata e contínua, não só no domínio militar, mas também no domínio político, económico e social: O Tratado do Atlântico Norte tornava-se assim o quadro da defesa comum de mais de 380 milhões de homens que vivem dos dois lados do Atlântico, em países cujo território excede 20 milhões de quilómetros quadrados. Apreciando a importância do Tratado do Atlântico Norte, tanto no plano da política, europeia como no campo mais particular dos interesses portugueses, dizia o Sr. Presidente do Conselho, no discurso proferido em 26 de Julho de 1949, na Assembleia Nacional, a propósito da ratificação daquele Tratado: «Grande número de países, ameaçados na sua vida e liberdade, contam desde agora com o auxílio dos Estados Unidos, e uns com o auxílio dos outros, para a defesa do seu património de civilização. Pareceu difícil em tais circunstâncias estarmos ausentes». Em 28 de Julho era o Tratado ratificado pelo Chefe do Estado.
7. O fim específico do Tratado do Atlântico Norte (que, como se sabe, veio depois a abranger países que não são bainhados pelo Atlântico Norte nem dele são vizinhos), pode ser considerado numa dupla direcção: a de mostrar ao presumível agressor o perigo que para ele envolveria qualquer ataque e dissuadindo, por este meio, de intenções exipansionistas; e a de colocar os Estados Partes no Tratado em condições de repelir qualquer ataque armado, desenvolvendo cada um dos Estados a sua defesa nacional, coordenando as suas forças militares em tempo de paz, para um mais adequado emprego na táctica, estratégica e económica, e recorrendo ao auxílio militar que alguns países - principalmente os Estados Unidos- possam prestar às nações da Europa Ocidental para aumentar os seus meios defensivos. O Programa de Assistência Militar constitui, sem dúvida, a melhor arma do Tratado do Atlântico: punha-o bem em relevo o Peace Paper do Departamento do Estado em 14 de Maio de 1949.