684 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 67
a todas as expropriações, naquela lei. Nem se descobre que bom motivo haveria para determinar o legislador de 1954 a restringir, para o nosso caso particular, o quadro dos direitos susceptíveis de expropriação.
19. É discutível que na expressão «direitos relativos a imóveis», utilizada no artigo 1.º da Lei n.º 2030, possa caber o direito do arrendatário de um imóvel (direito ao gozo desse imóvel), que é, segundo a doutrina mais seguida, um direito de carácter obrigacional, e não de carácter real - em termos de esse direito poder ser expropriado independentemente do próprio imóvel. Se considerarmos os trabalhos (preparatórios da lei em questão, verificaremos que se pensou exclusivamente em hipóteses de expropriação de direitos reais ou nos a «direitos» contidos no direito de propriedade (cf. parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei que veio a converter-se na Lei n.º 2030, in Diário das Sessões de l de Abril de 1948, suplemento ao n.º 140).
Por outro lado, o facto de a expropriação implicar uma aquisição derivada em relação ao anterior titular do direito expropriado, devendo haver sempre uma «passagem», uma traslação de um direito de uma para outra pessoa jurídica, para que de expropriação se possa rigorosamente falar (a expropriação é uma alienação forçada), concorrerá também para excluir o direito do arrendatário do âmbito dos direitos expropriáveis, uma vez que uma tal «expropriação» não acarreta qualquer traspasse de um direito de uma pessoa para outra, antes determinará o mero findar, o mero caducar de uma relação obrigacional entre senhorio e arrendatário, sem qualquer transferência deste para aquele.
For último, a expressão «direitos relativos a imóveis» tem sido interpretada pela nossa doutrina como referindo-se apenas aos direitos reais considerados como desmembramentos da propriedade perfeita (cf. Prof. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 3.ª edição, 1951, p. 620); e a expressão correspondente da lei italiana (artigo 1.º da Lei de 25 de Junho de 1865: «diritti relativi agli immobili») costuma ser entendida como referindo-se apenas aos direitos imobiliários reais.
Em contrário, é do considerar o facto de nas nossas leis se prever a caducidade do arrendamento de prédios rústicos ou urbanos e de estabelecimentos comerciais e industriais quando expropriados por utilidade pública (Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, artigos 35.º e 58.º; Lei n.º 1662, de 4 de Setembro de 1924, artigo 1.º, § 1.º). A transmissão dos prédios determina, nestas hipóteses, a caducidade dos arrendamentos a eles respeitantes, na base de que a relação jurídica de arrendamento não pode ser cumprida pelo novo proprietário. Os arrendamentos não hão-de constituir obstáculos à efectivação da finalidade pública que justificou a expropriação de tais prédios. A expropriação surge-nos aqui como não necessariamente ligada à ideia de uma transferência ou alienação forçada. O efeito da expropriação é, quanto ao arrendamento, a mera caducidade dos efeitos jurídicos de um contrato cuja execução é incompatível com a necessidade pública que o imóvel se destina a satisfazer.
Se assim é, não pode estranhar-se que o processo de expropriação possa ser utilizado com o objectivo exclusivo de fazer declarar a caducidade do direito do arrendatário ao gozo do prédio arrendado, quando este direito constitua o único obstáculo jurídico à satisfação da utilidade pública reconhecida, como é o caso quando o beneficiário directo da expropriação é o proprietário do prédio arrendado.
Quando, pois, os interessados não chegam, por negociação, a resultado que possibilite a realização do interesse público tutelado, ou seja, à revogação do contrato de arrendamento, não há outra solução senão procurar, por processo de autoridade, o sucedâneo dessa revogação: a declaração da caducidade do arrendamento por via administrativa. E não repugna que o regime jurídico da expropriação clássica seja utilizado para a obtenção deste resultado, estendendo-o à consecução de um novo, mas semelhante, escopo prático, sobretudo se se tiver em conta que não podem passar despercebidos os aspectos, digamos, «realísticos» do direito ao arrendamento, os quais concorrem para fazer dele uma espécie de tertium genus, integrado por elementos obrigacionais e por elementos reais.
20. Supomos que é à hipótese ora descrita que o § único do artigo 7.º, em estudo, pretende referir-se: não deve ser, efectivamente, à hipótese da expropriação de prédios arrendados, que essa está claramente resolvida nos preceitos atrás citados, sub 19, bem como no artigo 10.º, n.º 2, da Lei n.º 2030.
Parece, ante quanto acabamos de dizer, que se torna necessário esclarecer, neste diploma, que entre os direitos relativos aos imóveis, aos quais o artigo 7.º se refere, se conta o direito ao arrendamento, mesmo considerado isoladamente, visando a expropriação, em tal caso, a declaração da caducidade do direito do arrendatário. A fórmula usada no projecto não é suficientemente expressiva a este propósito.
Por outro lado, o § único não distingue entre os arrendamentos em geral e os arrendamentos comerciais, industriais e destinados ao exercício de profissões liberais, para efeito de atribuir aos locatários expropriados direito à indemnização. Também se tem, pois, de introduzir nessa redacção a alteração que é requerida, a tal respeito, pelo sistema da nossa lei em matéria de indemnização dos inquilinos; quando interessados ao lado dos expropriados propriamente ditos.
21. Diz-se na parte final do § único, ora examinado, que a indemnização (a pagar aos arrendatários) «será calculada pelo mesmo processo estabelecido para a determinação do valor do imóvel expropriado».
Não interessa só fixar o processo para a determinação da indemnização a pagar, mas também fixar o critério ou a base dessa indemnização. E aqui duas soluções se oferecem: a que, há semelhança do que sucede para hipótese aparentemente análoga, faz variar essa indemnização consoante as circunstâncias, e lhe fixa um limite máximo (40 por cento), reportado ao valor do prédio ou parte do prédio ocupado pelo arrendatário; e a que, independentemente deste limite, e de um modo geral na expropriação de direitos diversos do de propriedade perfeita, a determina pelo prejuízo resultante da privação do direito ao arrendamento (cf. o artigo 10.º, n.ºs 2 e 4, da Lei n.º 2030).
Sendo a este último título, isto é, como expropriação do um direito diverso do de propriedade perfeita, que, na nossa hipótese, a expropriação se efectiva, parece razoável colocar este caso a par dos restantes do mesmo tipo para efeito de fixar o critério da respectiva indemnização. Aliás, o limite fixado à indemnização no n.º 2.º do artigo 10.º, citado, compreende-se e explica-se para a hipótese da expropriação conjunta de imóveis e do direito ao arrendamento, uma vez que, de outro modo, o beneficiário da expropriação (que em rigor só deveria pagar o imóvel) poderia ser obrigado a pagar ao arrendatário tanto ou mesmo mais do que ao proprietário. Trata-se de um regime de favor para o proprietário, a quem se desonera de indemnizar, à sua custa, o arrendatário, pelas forças da compensação recebida - com vista a que não fique reduzida a um montante mais ou menos irrisório a parte que lhe cabe