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14 DE MAIO DE 1956 841

Num momento em que os nacionalismos totalitaristas estavam ainda longe de ser batidos por ventos adversos - e em que, pelo contrário, pareciam destinados a obter uma crescente simpatia -, o Chefe do Governo Português proclamava serenamente que o nacionalismo do Estado Novo deveria manter-se «tão afastado do liberalismo individualista, nascido no estrangeiro, e do internacionalismo da esquerda como de outros sistemas teóricos e práticos aparecidos lá fora, como reacção contra eles» 1; e insistia, em termos particularmente vivos, na necessidade de «afastar de nós o impulso tendente à formação do que poderia chamar-se o Estado totalitário - o Estado que subordinasse tudo sem excepção à ideia de nação ou de raça por ele representada, na moral, no direito, na política e na economia», porque essa concepção do Estado «poderia envolver um absolutismo pior do que aquele que antecedera os regimes liberais» e seria «incompatível, por natureza, com o génio da nossa civilização cristã» 2.

para a vida e os interesses da humanidade. E no entanto, fugindo da divinização do Estado e da sua forca, em nome da razão e da história, nós temos de realizar o Estado forte, em nome dos mais sagrados interesses da Nação; temos de fortalecer a autoridade, desprestigiada e diminuída, diante das arremetidas de mal compreendida liberdade; temos de dar à engrenagem do Estado a possibilidade de direcção firme, de deliberação rápida, de execução perfeita». Cf. Discursos, vol. e ed. cit., p. 285; e Salazar - Antologia. Discursos, Notas, Relatórios, Teses, Artigos e Entrevistas (1909-1958), Lisboa, 1954, pp. 226 e 227.
Noutro passo da mesma conferência, o Presidente do Conselho formula as devidas prevenções contra o risco dum totalitarismo económico, produto inevitável do crescente dirigismo então verificado em certos poises da Europa: «... está aqui uma das dificuldades do problema, visto que, aliás sem desconhecer as necessidades presentes, não quer o Estado português arrogar-se papel exagerado na produção e pretende valorizar ao máximo a acção da iniciativa individual - mola real de uma vida social progressiva. Quando o Estado vá além da indicação das necessidades colectivas e da realização das condições gerais para que os particulares possam satisfazê-las, entra no caminho dos grandes desperdícios, das concorrências indevidas, do trabalho improgressivo. É preciso salvar, no interesse particular e no público, a iniciativa privada». Cf. Discursos, vol. e ed. cit., pp. 287 e 288; e Antologia, p. 132.
1 Cf. Oliveira Salazar, «O Estado Novo Português na Evolução Política Europeia» (discurso proferido na sessão inaugural do I Congresso da União Nacional, em 26 de Maio de 1934), in Discursos, vol. e ed. cit., p. 334.
2 Eis o passo integral do discurso citado na nota anterior, onde figuram as afirmações transcritas no texto: «É isto exacto; e todavia é preciso afastar de nós o impulso tendente à formação do que poderia chamar-se o Estado totalitário. O Estado que subordinasse tudo sem excepção e ideia de nação ou de raça por ele representada, na moral, no direito, na política e na economia, apresentar-se-ia como ser omnipotente, princípio e fim de si mesmo, a que tinham de estar sujeitas todas as manifestações individuais e colectivas, e poderia envolver um absolutismo pior do que aquele que antecedera os regimes liberais, porque ao menos esse outro não se desligara do destino humano. Tal Estado seria essencialmente pagão, incompatível por natureza com o génio da nossa civilização cristã, e cedo ou tarde haveria de conduzir a revoluções semelhantes às que afrontaram os velhos regimes históricos e quem sabe se até a novas guerras religiosas mais graves que as antigas.
A Constituição aprovada pelo plebiscito popular repele, como inconciliável com os seus objectivos, tudo o que directa ou indirectamente proviesse desse sistema totalitário. Ela começa por estabelecer como limites à própria soberania a moral e o direito. Impõe ao Estado o respeito pelas garantias derivadas da natureza a favor dos indivíduos, das famílias, das corporações e das autarquias locais. Assegura a liberdade e inviolabilidade das crenças e práticas religiosas. Atribui aos pais e seus representantes a instrução e educação dos filhos. Garante a propriedade, o capital e o trabalho, em harmonia social. Reconhece a Igreja, com os suas organizações próprias, e deixa-lhe livre a acção espiritual». Cf. Discursos, vol. e ed. cit., pp. 336 e 337, e Antologia, p. 229.
Teixeira Ribeiro, no citado trabalho «Princípio e Fins do Sistema Corporativo Português», pp. 26 e 27, chama justamente a atenção para o contraste flagrante entre estes afirmações do Chefe do Governo Português e os discursos que proferiam, pela mesma ocasião, Mussolini e Hitler, transcrevendo alguns passos, bem elucidativos, de tais discursos.
3. «O nacionalismo português - como disse ainda o Presidente do Conselho -, para ser o que é pela Constituição, para ser conforme ao que é exigido pelas mais sãs tradições nacionais, tem de manter com pureza e desenvolver com lógica estas e outras ideias que, ao lado da concepção do Estado nacional e autoritário, são essenciais do Estado Novo» 1. É por isso mesmo é que importa formular a questão -que seria supérflua noutro ambiente doutrinário - de saber se é lícito ao Estado, sem quebra do antitotalitarismo de que faz ponto de honra, lançar-se numa campanha de doutrinação com as características descritas na presente proposta de lei.
A resposta a esta questão, temos de ir buscá-la ao próprio corpo de doutrinas em que o Estado Novo português se inspira - corpo de doutrinas que não é outro senão o da sociologia e moral cristãs, a que a Constituição Política e outros textos legislativos dão expressa ou tácita adesão.
Ora esse corpo de doutrinas ensina-nos que o Estado, em matéria de educação - e o «plano» que temos presente não é senão um grande plano de educação -, desempenha um papel supletivo e complementar, como, aliás, no domínio da economia, do fomento interno e noutros sectores: compete-lhe proteger e fomentar a iniciativa privada; e, em segundo plano, suprir a» suas deficiências e completar os espaços por ela deixados em aberto, indo até onde ela não pode ou não deve chegar 3.
Na verdade, a realização do bem comum, justificação última de toda a actividade do Estado, envolve duas actividades bem diferenciadas, e perante as quais é diferente também a posição da máquina estadual: a tutela da ordem jurídica e o desenvolvimento da prosperidade pública ou bem-estar social 4. Na tutela da ordem jurídica - que envolve a dupla tarefa de promover a justiça e de defender a segurança social, tanto na ordem internacional como na ordem interna - tem o Estado uma função primordial: é ele que aparece em primeiro plano, muito embora seja dever colectivo e de com ele colaborar, na medida em que as circunstâncias o exigirem. No desenvolvimento da prosperidade pública ou bem-estar social, pelo contrário, tem o Estado uma função mais discreta - íamos a dizer quase paternal: quem aparece em primeiro plano é a iniciativa privada; o Estado deve procurar orientá-la e fomentá-la; e só na medida em que ela se mostrar deficiente deve substituir-se a ela, para a completar e suprir as suas lacunas, indo até onde ela não pode ou não deve ir nas suas realizações, práticas.
É certo que o Estado, nesta missão de promover o bem-estar social, vai ocupando nos tempos modernos um lugar cada vez mais absorvente, por serem também

1 Pertencem estas palavras ao mesmo discurso citado nas duas notas anteriores; e figuram imediatamente a seguir às passagens aí transcritas. Cf. Discursos, vol. e ed. cit., p. 338, e Antologia, loc. cit.
2 V., por todos, Teixeira Ribeiro, ob. cit., pp. 5 o 6.
3 Cf., neste sentido, a alínea 9.º das «Conclusões» do Congresso Internacional de Cultora Católica pela Paz do Mundo, realizado em Ciudad Trujillo (República Dominicana), de 28 de Fevereiro a 6 de Março do corrente ano: «As relações entre cada um dos cidadãos, corpos intermédios e o Estado devem regular-se pelo principio da subsidiariedade; o que os cidadãos individualmente ou diversamente associados são capazes de realizar, ou de facto realizam, não há-de pretender fazê-lo o Estado».
4 V. Marcelo Caetano, Lições citadas, pp. 112 e 118; Afonso Queiró, «Os Fins do Estado. Um Problema de Filosofia Político», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, suplemento ao vol. XV (1939), pp. 61 e 62; Braga da Cruz, Direitos e Deveres do Estado na Educação, separata do IV Curso das Semanas Sociais Portuguesas, Braga, 1952, p. 21; e, do mesmo, Problemas de Educação - Direitos da Família, da Igreja e do Estado (conferência proferido na sessão comemorativa do XXV aniversário da encíclica Divini Illius Magistri); p. 17.