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14 DE MAIO DE 1956 843

Mas, se alguma verdade basilar existe em matéria de educação e doutrinação, é a da impossibilidade de se chegar ao fim, já porque o caminho da perfeição humana, fim último da educação, tem sempre novos passos a dar, já porque a tarefa se renova permanentemente, em face de cada nova geração que desponta para a vida. Por isso mesmo, um «plano de formação social e corporativa» só tem razão de ser como plano de execução permanente, que a todo o momento se disponha a voltar ao princípio, como se nada tivesse conseguido ainda realizar.
Por demorada que seja, portanto, a definitiva estruturação das corporações e a sua progressiva emancipação da tutela do Estado - em direcção a um ideal corporativismo de associação 1 -, o presente plano destina-se a viver para além desse momento; e isso obriga a encarar a sua entrega ao Estado como algo de transitório, que só pode subsistir até que as condições actuais se modifiquem e se torne possível confiar a sua orientação, direcção e execução às próprias corporações.

5. A previsão desta transferência, além de imposta por uma lógica observância dos princípios doutrinários a que prestamos fidelidade, é exigida também por óbvias considerações de ordem política.
Na verdade, uma das grandes dificuldades que a organização corporativa tem encontrado em Portugal para captar a simpatia e adesão da grande massa
- quer no meio dos trabalhadores, quer entre os patrões e pequenos produtores- está no facto de se apresentar aos seus olhos como demasiado dependente da máquina estadual. Sindicatos nacionais, grémios, uniões e federações burocratizaram-se em excesso, aparentando ser, não poucas vezes, verdadeiras repartições, públicas, de que os beneficiários se sentem tão distanciados como das mesmas repartições do Estado. Compreendem a necessidade da sua existência com a mesma mentalidade com que sofrem a existência da engrenagem administrativa do Estado; mas, verdadeiramente, não têm por tais organismos o entusiasmo que poderiam ter se os sentissem, como coisa sua.
Tudo quanto possa contribuir para acabar com este preconceito o para libertar a organização corporativa da tutela do Estado terá um efeito altamente benéfico para o prestígio do próprio corporativismo. Se a notícia da próxima criação das corporações despertou em todo o País a onda de entusiasmo e de expectativa que
todos temos vindo a presenciar, isso deve-se fundamentalmente - não tenhamos dúvidas - à esperança, que essa notícia fez nascer, de ver a organização corporativa progressivamente libertada da tutela estadual - esperança que a rotina dos últimos anos tinha feito de todo esmorecer.
Ora é fácil de compreender que seria politicamente inoportuno entregar como coisa definitiva ao Estado a direcção e execução dum plano de importância vital para o corporativismo, no justo momento em que se vislumbra a emancipação deste, na medida do possível, do jugo daquele.
E a isto acresce que o Plano, como obra humana que é, há-de valer o que valerem os homens que o executarem; há-de atravessar altos e baixos na sua execução, períodos de sucesso e períodos de dificuldades. Ora a opinião pública compreenderá facilmente essas oscilações se a respectiva direcção estiver confiada a organismos de índole privada, cujos dirigentes têm de recrutar-se ao sabor das circunstâncias de ocasião; mas já não perdoará os insucessos que a execução do Plano possa ter sob a direcção do Estado. Este, ao lançar-se em tão delicado empreendimento, assume uma grave responsabilidade, pois no dia em que as circunstâncias obriguem a quebrar o ritmo ou intensidade da doutrinação o Plano correrá logo o risco dum fracasso, arrastando nesse fracasso o que é bem mais para lamentar o próprio prestígio da ideia que pretende servir.
Daqui se conclui que o Plano de Formação Social e Corporativa não deve aguardar nas mãos do Estado o surto da sua primeira crise cíclica. Deve, nesse momento -momento que surgirá, sempre, mais tarde ou mais cedo, por muito que o nosso optimismo procure negá-lo ou evitá-lo-, estar já devidamente entregue às corporações, pois o que seria um fracasso definitivo sob a direcção do Estado pode facilmente conseguir-se que seja uma simples crise de crescimento sob a chefia as corporações.

6. São, pois, simultaneamente, razões de ordem doutrinária e razões de ordem política as que justificam o acrescentamento de uma nova base à proposta em estudo, na qual se preveja como puramente transitória a orientação, direcção e execução do Plano por parte do Estado e se fole já da sua entrega definitiva, num futuro próximo, os corporações. Aliás, este pensamento parece não brigar de modo nenhum com os desígnios do Governo, pois na proposta de lei relativa à criação das corporações já se prevê como uma das suas atribuições normais [alínea e) da base IV] a de «desenvolver a consciência corporativa e o espírito de cooperação social, bem como o sentimento de solidariedade de interesses entre todos os elementos que a compõem». Pode dizer-se, pois, que o que se passa é apenas isto: provisòriamente, as corporações desempenhar-se-ão deste encargo colaborando no Plano de Formação Social e Corporativa, que fica entregue ao Estado; mais tarde, desempenhar-se-ão do mesmo encargo chamando a si a direcção e orientação do referido plano.
Tudo isto suscita, porém, certas dificuldades de ordem jurídica e de ordem prática. E que toda a proposta do Governo vem redigida dentro do pressuposto de que é o Estado, pelo Ministério das Corporações, quem dirige e executa o Plano; e essa redacção nem sempre se adapta a uma futura direcção e execução por parte das corporações. Desde a orgânica e competência da Comissão Directiva da Acção Social e dos organismos que hão-de trabalhar na sua dependência até aos problemas do financiamento do Plano, tudo carece de remodelações maiores ou menores, conforme os casos, na hipótese de se operar a transferência prevista.
Ora não é fácil dizer desde já que remodelações devam ser essas, enquanto as corporações não estiverem suficientemente estruturadas e enquanto o seu funcionamento não tiver sido devidamente regulamentado.
É problema, portanto, que tem de ser deixado em aberto, fazendo-se apenas uma referência genérica à necessidade de o Plano ser adaptado às novas circunstâncias quando for entregue às corporações.

7. Verificada, assim, a concordância da proposta do Governo com o primeiro, dos princípios apontados no final do n.º 3 deste parecer, vejamos se a proposta respeita igualmente os outros dois princípios aí formulados.

1 Intencionalmente dizemos tem direcção a um ideal corporativismo de associação», (pois é sabido que o puro corporativismo de associação só é possível como um ideal, impossível de atingir na sua plenitude. V., sobre o problema, por todos, Teixeira Ribeiro, «O Destino do Corporativismo», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano I (1946-1946), pp. 44 e segs., especialmente pp. 49 a 51.