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1046 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 103

Forçado pelas circunstâncias a debruçar-se sobre as questões de carácter social, o indiferentismo liberal acabou por oferecer, também ele, aos conflitos do trabalho um foro próprio. Não por obediência a qualquer tradição ou por fidelidade a imperativo de escola, como é evidente, mas porque o carácter específico dos problemas que se geram no mundo do trabalho o reclamava.

2. O progressivo desenvolvimento da organização corporativa, a expansão da previdência social e a multiplicidade e a complexidade das situações de facto surgidas na vigência da nova legislação sobre as relações do trabalho haviam naturalmente de reforçar a necessidade da aplicação, neste domínio, do princípio segundo o qual a cada grupo de fenómenos jurídicos nitidamente individualizados e diferenciados deve corresponder, para a mais adequada realização dos fins da lei, um órgão judiciário especializado.
Foi o que a Constituição de 1933 oportunamente acautelou, ao prever a criação de tribunais do trabalho.
É que, se os tribunais dos árbitros avindores haviam arrastado a sua longa vida de tribunais de classe, para acabarem desacreditados pela esterilidade e pela lentidão do seu funcionamento, os tribunais de desastres no trabalho, que lhes sucederam (Decreto n.º 4288, de 9 de Março de 1919), mal estruturados e de rendimento quase nulo, pouco mais puderam que justificar a sua supressão.
Por isso, ao definir, na linha doutrinária da Constituição, os princípios que haviam de informar todo o processo de recuperação social do País, o Estatuto do Trabalho Nacional veio assegurar a criação duma verdadeira organização judiciária do trabalho, e logo o fez com o propósito expresso de instituir uma justiça especializada.

3. Uma vez delineada, pelo Decreto-Lei n.º 23 053, de 23 de Setembro de 1933, a constituição dos tribunais do trabalho, não tardaria que, mercê da relativa eficiência da sua actividade e do acerto e equilíbrio das suas decisões, eles se acreditassem como serviço perfeitamente ajustado às exigências dum direito novo, caracterizado pela sua vincada e peculiar intenção social. Viriam, contudo, a perturbar a sua acção limitações de vária ordem, que, ou não puderam prever-se, ou não se poderiam impedir.
Foi assim que, a princípio, eles ficaram a reger-se pelos regulamentos dos extintos tribunais dos árbitros avindores, de previdência social e de desastres no trabalho, até que era 15 de Agosto de 1934, obtiveram o regulamento próprio, através do Decreto-Lei n.º 24 363.
Diploma extenso e minucioso, este decreto-lei era um regulamento provisório que compendiava normas estatutárias, regras de processo e preceitos reguladores de custas, na prudente expectativa duma experiência que faltava. Constituía, não obstante, sob alguns aspectos, verdadeira inovação no campo do direito.
Foi sòmente seis anos decorridos que as lições resultantes da sua aplicação permitiram regular as matérias relativas à organização, funcionamento e disciplina dos novos tribunais (Estatuto dos Tribunais do Trabalho - Decreto-Lei n.º 30 909, de 23 de Novembro de 1940), bem como as respeitantes ao processo e às custas (Código de Processo e Tabela das Custas nos Tribunais do Trabalho - Decretos-Leis n.ºs 30 910 e 30 911, da mesma data). A esta oportuna e sistemática formulação de princípios e de normas seguiu-se um acréscimo notável de rendimento e de prestígio dos novos tribunais.
Ao fim de dezasseis anos, o gradual desenvolvimento da organização corporativa e da, política social do Governo, a crescente industrialização do País e a expansão dos serviços do Instituto Nacional do Trabalho e Presidência tiveram forçoso reflexo no movimento dos tribunais do trabalho, e com tal magnitude que só o aperfeiçoamento da sua orgânica e melhoria dos seus meios de acção serão capazes de dar ao seu funcionamento a eficiência e a prontidão exigidas pelos altos, interesses que lhes estão confiados.

4. Com efeito, enquanto que durante o ano de 1942 o número de processos instaurados nestes tribunais era de cerca de 18 000, atingiu já em 1956 cerca de 38 000, sendo de notar que neste último ano o aumento foi de 4500 processos aproximadamente. Em catorze anos, o total dos processos registados foi de mais de 408 000: cerca de 115 000 em Lisboa, de 68 000 no Porto e de 225 000 nos outros tribunais (mapas anexos n.ºs 1 a 3).
Não se espera, de resto, a estabilização do movimento processual nestes limites. Várias causas bem conhecidas, se conjugam para um aumento apreciável destes números. Enfare elas assumem especial relevo o crescimento da população, o incremento das actividades económicas, a intensificação dos serviços da Inspecção do Trabalho, o revigoramento da vida sindical e até, como está averiguado e bem se compreende, os extraordinários resultados que ultimamente se colheram na luta empreendida contra o analfabetismo, através da execução do Plano de Educação Popular, instituído pelo Decreto-Lei n.º 38 968, de 27 de Outubro de 1952.

5. O que, todavia, mais vivo significado imprime aos números referidos é, especialmente, o facto de a competência destes tribunais abranger no sistema português actividades que outras legislações deixam a órgãos de simples natureza administrativa, os quais, em regra, têm a seu cargo a apreciação dos processos, emergentes de acidentes de trabalho, até à fase contenciosa, e a imposição de multas por infracção de normas, legais, convencionais e regulamentares de previdência social e disciplina do trabalho. Esta circunstância ainda mais faz avultar a comprovada exiguidade dos quadros dos tribunais do trabalho. Com efeito, se é certo que com a promulgação, em 23 de Novembro de 1940, do primeiro Estatuto dos Tribunais do Trabalho melhor se definiram as atribuições e se aperfeiçoou a estrutura destes órgãos jurisdicionais, é também certo que nessa altura não se foi muito longe na dotação dos quadros, talvez porque em alguns tribunais o movimento ainda se apresentava reduzido ou estacionário.
Dos vinte e dois tribunais existentes em 23 de Novembro de 1940, mais de metade ficou a funcionar sem juízes privativos, confiando-se aos delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, nas respectivas áreas, a competência daqueles magistrados.
Esta orientação trouxe sérios inconvenientes, que em breve se reconheceram e se foram removendo, através, da publicação dos Decretos-Leis n.ºs 33 345, de 20 de Dezembro de 1943, 35 425, de 31 de Dezembro de 1945, 37 300, de 10 de Fevereiro de 1949, e 37 911, de 1 de Agosto de 1950.
Apesar deste conjunto de providências, ainda se notam algumas lacunas, mormente nos tribunais de Lisboa e Porto, onde as varas existentes estão longe de poder dominar o cada vez maior volume de processos.
Por outro lado, só quinze tribunais dispõem de agentes do Ministério Público privativos, continuando nos restantes esta competência entregue aos subdelegados, do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, com comprovado prejuízo para o exercício do patrocínio oficioso dos trabalhadores e para a acção social.
Também no que aos oficiais de justiça diz respeito, estão os quadros deficientemente dotados, o que impossibilita a boa execução dos serviços, não obstante as medidas já tomadas através dos Decretos-Leis