596 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 47
II
Exame na especialidade
2. No artigo 1.º do projecto estabelece-se que so artigo 411.º do Código de Processo Penal não é aplicável aos advogados no exercício das suas funções, devendo proceder-se quanto a eles, pelas infracções cometidas em audiência, de harmonia com o disposto no artigo 412.º do mesmo diploma».
Visa-se, essencialmente, a interpretação do citado artigo 411.º, em torno do qual recentemente surgiram dúvidas, a que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1958 aliás tirado apenas por maioria, deu uma solução que ao problema atribuiu particular acuidade.
A questão expõe-se assim:.
Na primitiva redacção dos artigos 411.º, 412.º e 413.º do Código de Processo Penal, as pessoas que assistissem à audiência sem guardarem, o maior acatamento e respeito ou manifestando aprovação ou reprovação por sinais públicos, excitando tumultos ou violências e perturbando, por qualquer outra forma, o seu regular funcionamento, ficariam sujeitas às sanções do- artigo 93.º prisão até três aias, imposta sem outra forma de processo anais que a nota ao facto na acta da audiência. Se a falta cometida constituísse crime, seriam autuadas e presas (artigo 411.º).
Nos termos do artigo 412.º, se os advogados ou defensores nas suas alegações ou requerimentos se afastassem do respeito devido ao tribunal ou, manifesta e abusivamente, procurassem protelar ou embaraçar o regular andamento da causa, usassem de expressões injuriosas, violentas ou agressivas contra a autoridade pública ou quaisquer outras pessoas ou fizessem explanações ou comentários sobre assuntos alheios ao processo e que de modo algum servissem para esclarecê-lo, seriam advertidos com urbanidade pelo presidente do tribunal; se, depois de advertidos, continuassem, poderia ser-lhes retirada a palavra e a defesa ser confiada a outro advogado ou pessoa idónea, sem prejuízo de procedimento criminal e disciplinar, se houvesse lugar a ele.
E, nos termos do artigo 413.º e seu § único, se o réu faltasse ao respeito devido ao tribunal, seria advertido, e, se reincidisse, poderia ser mandado recolher, sob custódia, a qualquer dependência do tribunal ou à cadeia. O tribunal poderia fazê-lo comparecer de novo na sala da audiência para ouvir ler a decisão final ou mandar-lha comunicar à prisão. Se fosse indispensável que o réu voltasse ao tribunal antes da decisão, viria sob custódia. Se a falta cometida pelo réu constituísse infracção penal, ser-lhe-ia levantado o competente auto, nos termos dos artigos 166.º e 169.º
3. Publicado o Decreto-Lei n.º 36 387, manteve-se em absoluto a redacção do artigo 412.º, mas o artigo 411.º ficou com o seguinte texto:
Se for cometida qualquer infracção em audiência, será levantado auto de notícia e ordenada a prisão do infractor.
§ 1.º Se a infracção for punível com pena correccional e o infractor não tiver foro especial, o Ministério Público requererá que se proceda a julgamento sumário do arguido.
§ 2.º O julgamento será feito pelo tribunal perante o qual se cometeu a infracção e imediatamente depois de terminar a audiência em curso.
§ 3.º Só haverá recurso da decisão final nos termos gerais de direito e não se escreverão os depoimentos se o julgamento for efectuado por tribunal colectivo.
Ora, porque neste artigo se alude à prática de qualquer infracção em audiência, daí se concluiu ser ele aplicável também aos advogados, podendo estes, quando acusados de infractores, passar a réus e vir a ser julgados sumariamente pelo tribunal que assim os considerou, imediatamente depois de terminar a audiência em curso.
4. O desprestígio, o risco e o alarme a que este entendimento deu origem escusam de ser realçados.
A vida do advogado é uma vida de combate.
Ser advogado é ter o direito de profligar todos os abusos, da afrontar todas as violências, de denunciar todos os crimes, dá defender os oprimidos, os perseguidos e os fracos, de dar apoio aos que dele carecem, de propugnar pelo direito - em cuja existência assenta, a própria vida da humanidade; é, afinal, manter aceso o facho da legalidade, sem a qual o Mundo se subverte na mais atroz confusão; é empunhar um gládio e lutar com ele pela ordem jurídica.
Só homens livres podem, por isso, exercer com honra a profissão. E a liberdade é coarctada pelo facto simples;
-mas trágico - de cada advogado se ver sob a ameaça, de passar a réu, ficando à mercê do critério puramente»; subjectivo dos juizes, às vezes perturbado pelo calor da discussão da causa, pelo choque das opiniões que nela. se defrontam, pela própria paixão inerente à defesa de que se julga ser o direito.
Um advogado colocado no temor de sanções drástica» como as que o artigo 411.º impõe fica totalmente diminuído para exercer a profissão; ou se acomoda, aceita, o que se lhe afigura injusto renuncia a conduzir a luta viril, e por vezes heróica, que é o patrocínio de uma causa, e então não é digno da honra de ser advogado; ou corre todos os riscos e coloca-se na situação e chocante (para empregarmos as expressões do conselheiro Eduardo Coimbra no voto de vencido com que subscreveu o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1958) «de poder ser forçado a descer, acto contínuo, da sua bancada para o banco dos réus», a pretexto de que se desmandou na defesa.
Daí que muitos fujam dos tribunais criminais para; não ficarem reduzidos à situação de espectadores acomodatícios e pacíficos de verdadeiros dramas judiciários.
O panorama é perturbador.
5. Decerto não está no propósito de ninguém (e já o escreveu o actual presidente da Ordem) e sustentar o direito de qualquer advogado ofender um tribunal, ou os juizes que o componham»; mas, para evitar que isso aconteça ou para impor sanções aos que lamentavelmente o façam, não há necessidade de aplicar o artigo 411.º, visto que para esse efeito existe uma disposição própria, que é o artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Este problema, aliás, já fora considerado, discutido e resolvido antes da publicação do Decreto-Lei n.º 36 387.
Efectivamente, na vigência dos anteriores artigos 411.º, 412.º e 413.º do Código de Processo Penal, discutira-se se ao advogado podiam ser aplicadas as sanções do artigo 411.º quando perturbasse o regular funcionamento da audiência; e o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 11 de Novembro de 1930, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, vol. 64, p. 13, pronunciara-se sem hesitações pela negativa, com o fundamento exactíssimo de que o legislador quisera «sujeitar os advogados a uma disposição especial, que; é a do artigo 412.º
Em anotação a este acórdão, a Revista (decerto pela pena do Prof. Beleza dos Santos, autor do código, que