994 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 92
assentou o seu programa de reconversão colectiva em um derruir das restrições quantitativas ao comércio intereuropeu, a Organização traçou implicitamente o próprio termo da sua competência. E sentiu-se, efectivamente, por volta de 1954-1955, que estava concluída uma fase do processo de recuperação da economia europeia, impondo-se a aceitação de meios mais ambiciosos, se quisesse levar-se além a tarefa comum de progresso e reafirmação de poder realizada nesses primeiros anos. Tais meios são, primacialmente, a superação das barreiras aduaneiras, transformando-se a multiplicidade de espaços nacionais num único espaço comercial, livremente aberto às produções continentais.
Este é o ponto de convergência com as correntes da «ideia europeia», que sempre aceitaram como princípio de construção, no terreno da política comercial, a tese da união aduaneira. Ora essas correntes foram assumindo concretizações muito diversas, como que a título de ensaios em escala reduzida: e assistimos sucessivamente à criação lenta, mas sempre progressiva, do Benelux, e à experiência tão valiosa da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, ao mesmo tempo que a um certo número de «fracassos» - a Comunidade Europeia de Defesa no terreno militar e o pool verde dirigido ao sector da agricultura - ou ao delineamento de construções meramente hipotéticas, como a união aduaneira entre a Itália e a França, a estender depois ao Benelux, e ainda as uniões aduaneiras na Escandinávia e deste grupo com o Reino Unido.
Os resultados conseguidos na unificação entre a Bélgica, Holanda e Luxemburgo, a par da simbiose de êxitos e limitações, devidas ao seu carácter sectorial, que significou a tentativa da Comunidade do Carvão e do Aço, foram os dois factos de política económica que permitiram impulsionar o Mercado Comum - e não se esqueça que a iniciativa partiu, exactamente, dos governos dos três pequenos países citados. Mas sem dúvida pesou acentuadamente no triunfo da ideia a coincidência geográfica e histórica, nesses países que hoje compõem a Comunidade, da acção doutrinária dos pensadores mais entusiastas da Europa, com o interesse de grandes grupos económicos privados e ainda com certo estado da opinião pública, em todos os seus estratos sociológicos e culturais, muito permeável a uma revisão das estruturas políticas superando os nacionalismos estreitos.
O Mercado Comum nasceu, assim, sob o signo profundo da integração política, mas com uma enganadora aparência de arranjo de política económica e comercial. Vamos ver como esta dualidade de expressões veio a ter efeitos funestos ao longo de toda a negociação que acabou por romper-se em fins de 1958.
As negociações tendentes a associar ao Mercado Comum os restantes países da
Europa Ocidental
8. Ao mesmo tempo que se inspirou no princípio da liberalização do comércio, a acção da Organização Europeia de Cooperação Económica fundou-se sempre na prática da não discriminação entre os países membros. Ora a entrada em funcionamento da Comunidade significaria, precisamente, o estabelecimento de situações discriminatórias no comércio intereuropeu - certa importação pagaria menos direitos na alfândega alemã se proviesse de território italiano ou belga (países do Mercado Comum) do que se fosse originária da Suécia, por exemplo (país não incluído nesse agrupamento). Daí que o Conselho da Organização, desde cedo, procurasse lançar os fundamentos de uma solução associando aos a seis D os restantes países do Ocidente Europeu,, por forma a evitar tais discriminações.
Escolheu-se a forma de zona de comércio livre, a qual equivale à de união aduaneira (é o caso do Mercado Comum) em quanto respeita à supressão de todas as barreiras que se oponham às relações comerciais entre os países abrangidos, mas que dela se distingue pela circunstância de cada país poder conservar uma pauta e uma política comercial própria perante o exterior, quando na união se estabelece uma política e uma pauta externa única. Mas porquê esta fórmula de zona livre? E que o Acordo Geral sobre os Direitos Aduaneiros e o Comércio (G. A. T. T.) - organização a que pertencem quase todos os Estados empenhados na negociação - apenas aceita estas duas soluções discriminatórias, para casos novos, em matéria de comércio mundial, a par de outras que já vêm de trás em situações concretas, como seja a «preferência imperial» na Comunidade Britânica. Já se vê que não vale certa acusação, a qual, todavia, teve grande aura, de tudo haver sido ideia inglesa; com vista a embaraçar a construção de um perigoso desequilíbrio de poderes entre a Europa continental e as ilhas britânicas - e até se deve a propostas francesas a inserção no texto do G. A. T. T. dessa nova hipótese das zonas de comércio livre.
9. Mas não é pacífica, em termos científicos e técnicos, a ideia de poderem ligar-se dois grupos de países por uma zona livre, quando um desses grupos empreende, simultaneamente, a sua unificação aduaneira; e não o é hoje em dia, essencialmente, por falta de experiência. Simplesmente, quando em 1956 começaram a ser abordadas estas questões, juntava-se à carência de experiência mais outro motivo para dúvidas e relutâncias: é que nem no terreno teórico estava solucionado o problema, levantando-se fortes reservas acerca da possibilidade de evitar os desvios de tráfico; por uma adequada e praticável definição de origem. Por isso, começou o Conselho da Organização Europeia de Cooperação Económica por cometer a um grupo de peritos a dilucidação deste problema prévio.
A resposta dos técnicos do «Grupo de trabalho n.º 17» foi positiva; e dispondo-se, entretanto, do texto assinado em Roma pelos ministros dos «seis», deu-se começo à longa negociação do Comité Maudling, no seio da Organização Europeia de Cooperação Económica, a qual demorou desde o Outono de 1957 até final do ano seguinte, quando soçobraram todas as esperanças de conciliação e se afiguraram legítimas as mais negras perspectivas para o futuro económico, quando não político, da Europa. Onde esteve a dificuldade das negociações?
Fez-se acreditar cá fora - e, certamente, porque foi essa a convicção dos negociadores - a ideia de que eram de ordem técnica as dificuldades suscitadas na Comissão Ministerial, as quais se centrariam, exactamente, no problema da definição de origem com vista a obviar aos desvios de comércio. Mas a pouco e pouco foi-se reconhecendo que radicava em outra ordem, muito diferente dessa, a divergência que opunha o grupo dos «seis» aos restantes onze membros da Organização Europeia de Cooperação Económica e, anais agudamente, a França contra o Reino Unido: a oposição respeitava, realmente, às concepções de evolução económica que usavam como instrumento executivo a libertação aduaneira; e essa diferença quanto à economia derivava, por sua vez, de uma profunda diversidade relativamente ao próprio futuro político da Europa, tendendo uns ao mero estreitamento da cooperação entre Estados, mas procurando os outros encaminhar-se para uma autêntica unificação dos próprios Estados por fórmulas de soberania supranacional. Enquanto não fossem claramente definidas - e mùtuamente compreendidas - estas posições, continuaria o equívoco à