18 DE ABRIL DE 1960 1011
Trata-se de uma medida da qual se espera advenham consequências benéficas, tão-só pela importante desfuncionalização do contacto directo com o assistido que dela certamente vai decorrer. Mas obriga as Santas Casas u profunda reorganização técnica e administrativa referida na base IX e cuja necessidade as próprias Misericórdias por várias vezes têm afirmado; e levará também, com a execução do plano hospitalar e a criação das carreiras médicas, a um certo número de adaptações dos serviços e dos métodos de trabalho, que se confia venham a revelar-se úteis para a cobertura sanitária do País.
A orientação proposta alarga sensivelmente as responsabilidades das Santas Casas. Ainda há pouco, porém, o Congresso das Misericórdias demonstrou quanto elas possuem de vitalidade e de capacidade realizadora: dir-se-ia que a herança da Princesa Perfeitíssima lhes assegura, com o dobar das idades e por estranho paradoxo, cada vez mais e maiores possibilidades de acção.
Ainda no campo vastíssimo da iniciativa privada merecem referência as fundações, a que também se reporta a base IX, e que uma adequada política fiscal grandemente poderá estimular (base XL, n.º 2), por modo, porém, a não pôr em risco o pendor natural, para as Santas Casas, da nossa benemerência particular. Todavia, cumpre ter presentes os limites que as iniciativas e as instituições privadas hoje encontram nas duras realidades da vida. A eles se reporta a base m na alínea c): o progresso da ciência e da técnica postula para certas actividades uma concentração de meios e uma actuação coordenada, e em todo o País, que se não compadece com o seu prosseguimento sem sei por intermédio do Estado ou sob o seu comando directo. Sucede isso, por exemplo, com a defesa contra a poluição dos cursos de água, com as campanhas contra o paludismo, com as vacinações precoces ou até com a luta contra a tuberculose. Em casos destes a iniciativa particular pode e deve ajudar no prosseguimento do esforço comum. Mas não se encontraria vantagem em se lhe entregarem actividades que, pelo seu superior interesse nacional ou pela sua complexidade, só o Estado pode realmente levar a efeito, tomando sobre si, pelo menos, o& encargos principais.
7. Na base XXX estabelecem-se para os médicos a carreira de saúde pública e a carreira hospitalar.
Trata-se de problema de inegável actualidade, que veio preocupando crescentemente a classe médica, em Portugal como em tantos outros países. Vai ser difícil estruturá-las; e nem é de admitir que o possam ser de um momento para outro. Mas grandes serão as vantagens decorrentes do seu estabelecimento e espera-se que bastantes dos obstáculos que suscitam possam ser resolvidos graças à colaboração dos interessados, através da Ordem respectiva.
A carreira médica hospitalar terá importantes consequências, sobretudo quanto aos hospitais da província. E aconselhará a que se considerem outros problemas congéneres, entre os quais avulta o dos farmacêuticos dos hospitais (aos farmacêuticos autónomos se refere a base XLII) .
Está igualmente relacionado com este assunto o que dispõe a base XXLX quanto à Escola Nacional de Saúde Pública. Desejar-se-ia vê-la frequentada não só por médicos, mas também por farmacêuticos, assistentes sociais, engenheiros, arquitectos, veterinários, etc. E o problema dos cursos técnicos de carácter secundário, considerado na alínea b) dessa base, traz consigo toda a gama complexíssima dos pequenos especialistas de que o País tanto carece, desde as visitadoras sanitárias aos técnicos de raios X. Considera-se o assunto particularmente delicado e urgente; e por isso mesmo se espera poder dedicar-se-lhe, na legislação que está a ser preparada, uma atenção particular: a falta de profissionais competentes nestes diversos sectores (e a competência não se improvisa) poderá pôr em risco qualquer plano para tirar rendimento completo dos investimentos, já feitos ou a efectuar, para melhoramento da cobertura sanitária do País.
8. Pela sua importância fez-se também uma referência expressa ao serviço social, a que se reportam a base XV e também as bases XXVI, XXIX e XXX.
O facto contraprova o relevo que se atribui a esta actividade, indispensável a uma acção educativa (necessária para ajudar a fixar nas famílias os benefícios da assistência) e ao contacto directo com o assistido e o seu meio. Mas, sem embargo de registar, como merece, a acção individual e familiar, a base XV alude igualmente às técnicas modernas do serviço social de grupo ou de comunidade.
9. No capítulo 5.º consideram-se as responsabilidades financeiras pelos encargos das actividades de saúde e assistência.
O sistema não se afasta muito da Lei n.º 1998, estabelecido entre outras nas suas bases XXI e XXII. Todavia, suscita alguns problemas de certa dificuldade. Tal é o caso, por exemplo, dos encargos obrigatórios das câmaras municipais.
Tem-se dito que estes encargos não correspondem a uma antiga tradição; e, a certo aspecto, assim é. Contudo, verdade é também que só há relativamente pouco tempo os hospitais começaram a exigir despesas tão vultosas, e, mal isso sucedeu, logo a solidariedade e o auxílio mútuo (que o vínculo municipal traduz) começaram também a fazer-se sentir no que respeita ao pagamento, aliás, parcial e muito limitado, dos encargos com os pobres e indigentes. Quer dizer: assim que a necessidade social se fez sentir como tal nasceu a intervenção do Município e uma nova tradição surgiu. Nem outra coisa teria sido facilmente compreensível entre nós, na ordem psicológica como na ordem moral.
O problema situa-se, portanto, em sector diferente: M da com portabilidade dos encargos para as finanças municipais. O estatuto, na base XXXVII, não traz nova solução para o problema, que só a poderá encontrar, na medida do possível, na reforma financeira em estudo para as câmaras municipais. Porque, de facto, e antes que o desenvolvimento económico do País permita às famílias e á previdência ocorrer à generalidade dos casos, nem se vê como os fundos assistenciais possam chegar para custeá-los a todos, nem o Estado poderá (orná-los integralmente sobre si.
10. Na presente proposta de lei, a que se manteve o nome de «Estatuto» por herança da sua antecessora, incluíram-se algumas disposições de carácter normativo que melhor figurariam em texto de outra natureza. Pareceu conveniente fazê-lo, num Estado que não repudia, antes afirma, o seu conteúdo ético e quando se trata de considerar, problemas como os da saúde e assistência, onde o respeito pela realidade, unitária da pessoa humana, o culto pelas virtudes naturais e os limites da experimentação científica a cada momento podem surgir. E, dado a assistência ser tanto mais eficaz quanto mais tiver carácter educativo e familiar, isso mesmo se regista logo na base II. E se repudia o profissionalismo dos assistidos (que sobretudo nos grandes centros se vai tornando frequente) pela expressa afirmação da necessidade de criar ou desenvolver nestes, quando necessário, a ideia da aceitação do trabalho