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1200 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 98

Tal é a súmula dos direitos regulados por esse monumento jurídico, onde prevaleceram as concepções de Krauss, do visconde de Seabra e, nalguns capítulos, as do grande Herculano.
Este monumento jurídico levantou-se contra os privilégios de alguns, privilégios, aliás, de direito público, em nome do direito natural indiscriminado de todos e da liberdade civil.
A marcha para a liberdade e o direito natural indiscriminado de apropriação começaram com o «descontamento», ou seja, a conversão em terra livre e penetrável das coutadas reais, embora sob o pretexto de se reduzirem as áreas demarcadas para se melhorar a vigilância e facilitar a fiscalização e à defesa.
Grande parte da terra encontrava-se erma, inculta e até livre.
Eram raros os caçadores, ou melhor seja, as espingardas de fogo que podiam por eles ser manobradas. Eram poucas assim e naturalmente pouco espalhadas.
Os animais bravios consideravam-se uma riqueza natural, mas sem valor e sem dono.
E o direito de caçar, em nome de princípios igualitários, pertencia a cada um, qualquer que ele fosse, e concretizava-se pela apropriação da caça, depois da sua perseguição e derrube.
Às folhas e manchas de cultura sucediam-se as charnecas, matos, estevais e florestas, onde os animais bravios se acantonavam e forneciam ao caçador possibilidades abundantes.
Portanto, não se perca de vista, a caça para todos de qualquer animal bravio é livre e faz um capítulo das reformas liberais que começaram com o Regimento de 12 de Março de 1800.
Esse Código Civil de 1867, um monumento jurídico, na parte «Aquisição dos direitos», considera a caça como a ocupação de animais bravios, regulando-a do artigo 384.º até ao artigo 394.º, incluindo este, e, na sua técnica, proclamava-a um direito à sua aquisição, derivado simplesmente do facto e vontade de cada um, singularmente considerada.
O Prof. Teixeira de Abreu, incontestado mestre na matéria, preleccionava que caça era «a ocupação dos animais bravios terrestres, quadrúpedes ou voláteis que nunca tinham dono», e esta se podia exercer tanto nos próprios terrenos como nos alheios. (Vide Doutor Teixeira de Abreu, Curso do Direito Civil, parte II, Coimbra, 1904-1907, pp. 25 e segs., e visconde de Seabra, A Propriedade, p. 142).
Portanto, o Código Civil, sem acabar com as coutadas, permitiu a qualquer caçador caçar em todo terreno, findando grande parte dos privilégios atribuídos ao príncipe, aos senhores e às ordens e mosteiros que do seu exercício faziam um direito eminente que suplantava a propriedade e os bens alheios.
Nem todos, porém, tinham armas; entretanto a caça podia dizer-se que chegava para todos.
Mas aconteceu que os caçadores numerosos fizeram legião, e de legião, pela difusão e aperfeiçoamento das armas de fogo, se volveram em exército infindável e depredador.
Os refúgios e reservas começaram a ser penetrados e dizimados.
E a caça que parecia chegar e sobrar foi reduzindo, defendendo-se naturalmente nos refúgios e esconsos, e começou a rarear, a faltar, a tornar-se difícil e, pelas defesas naturais, a levantar cada vez mais longe, mais desconfiada, parecendo acrescentar a sua rudeza bravia, nativa.
Então o direito de caçar começou a entrar em colisão com o desbravamento dos matos, as arroteias e culturas e entrou em colisão mesmo com o direito dos donos das terras livres e abertas.
Verdade seja que as propriedades se repartiam e fragmentavam por forma que perdizes e lebres as atravessavam fulgurantemente e a integração dos animais sem dono, na propriedade plena, com excepção dos coutos e tapadas, parecia também privilégio e surdia como nova fonte de quezílias, de discussões e conflitos.
Mas o número de caçadores e de espingardas subia sempre e os cantões de caça iam-se condensando geogràficamente e viam-se menos povoados.
Por outro lado, o direito daqueles que converteram o inculto em terra cultivada com investimentos, labor e sacrifício apresentavam perante os factos novos razões novas que não podiam embaratecer-se.
O capítulo do Código Civil serviu de ponto de partida para um complexo jurídico inextricável.
O direito aduaneiro regula a importação de armas e munições que aqui não se fabricavam. Vêm depois os regulamentos da Administração sobre comércio, detenção, manifesto, uso e porte de arma, fabrico e venda de munições.
Seguem-se novos imperativos sobre caça, cães, vacinas, licenças, etc.
Todavia, a despeito de uma intervenção tão constante do legislador, da regalia à simples faculdade desta a um direito natural eminente e deste último a um direito temperado e regulamentado com minúcia, nem a arte progrediu nem se garantiu o seu objecto.
Reza a história que desapareceram e extinguiram-se várias espécies.
Acabaram os ursos, os cervos, os gamos, os corsos, a cabra hispânica, os javalis e outros.
Mas, ao lado de nós, estas espécies fazem parte do património espanhol de fauna cinegética.
Desapareceram por cá as montarias, a cetraria, a altanaria, a volataria, a falcoaria e a lei, que permite chamarizes nos pombos, e os proíbe nas perdizes.
Certas espécies de aves em peregrinação vêm cada vez menos e parece provável que deixarão de cortar os nossos céus.
Mas logo passando a fronteira, além de um povoamento judicioso, continuam as montarias, os cercos e as esperas.

10.º Uma democracia venatória de comissões locais

A legislação de 1934 - Decreto-Lei n.º 23 460, de 17 de Janeiro desse ano, e o n.ºs 23 461, da mesma data - não rompeu com as teorias e técnicas do Código Civil sobre a caça.
Mas considerou com primazia, não o caçador de direito natural, isolado, mas o seu agrupamento em comissões venatórias concelhias, embora estas agrupadas por distritos e por três regiões.
Tudo se passará na área do concelho e no domínio do Código Administrativo; a matéria de licenças, restrições e transgressões dizem respeito ao município.
As comissões tem por missão fiscalizar, nomear guardas, arrecadar receitas e dar-lhes destino.
Os caçadores são, simultâneamente, eleitores e elegíveis e a lei regula minuciosamente a sua forma de designação.
Portanto, com eleições, com pequenos parlamentos de comissões, com fiscalização sua, com a caça apenas como problema concelhio, seria realizada a democracia dos caça, dores, senhores dos próprios interesses, soberanos ditando a si mesmos o seu comportamento e dispondo de guarda privativa para comandar a eficácia da lei e das suas resoluções.