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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129
ANO DE 1942 23 DE FEVEREIRO
II LEGISLATURA
SESSÃO N.º 124 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 21 de Fevereiro
Presidente o Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Ex.mos Srs.Carlos Moura de Carvalho
Gastão Carlos de Deus Figueira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 12 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário da última sessão. Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente do Conselho fez uma comunicação à Assem-blea sobre a invasão do território português da Ilha de Timor por forças japonesas.
Sobre o mesmo assunto usaram, seguidamente, da palavra os Srs. Deputados Acácio Mendes de Magalhais Ramalho e Albino dos Reis, tendo este último apresentado uma moção, que foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Deputado Favila Vieira declarou que as ilhas adjacentes seguem com carinho, admiração e interesse a obra de unidade c reconstrução nacional do Governo.
O Sr. Deputado Cancela de Abreu ocupou-se da protecção que o Estado deve dar às famílias numerosas.
O Sr. Deputado Santos Sintra, usando da palavra, chamou a atenção do Governo para a necessidade de ser dada condigna sepultura aos restos mortais do general Alces Roçadas, um dos grandes heróis das nossas campanhas coloniais.
O Sr. Deputado Augusto Pires de Lima chamou a atenção do Sr. Presidente para o facto de certos organismos os oficiais não darem andamento aos requerimentos feitos na Assemblea pelos Deputados.
O Sr. Deputado José Cabral, falando a seguir, lamentou que não tivesse recebido a tempo as informações que pediu acerca das actividades da Junta Nacional do Vinho, para se poder ocupar desta questão, e aproveitou a oportunidade para chamar a atenção do Governo para ser estabelecida a regulamentação da lei n.º 1:974, aprovada há três anos e respeitante à assistência de menores aos espectáculos de teatro e cinema.
O Sr. Deputado Melo Machado fez tombam uma declaração sobre a Junta Nacional do Vinho.
Ordem do dia. -.Na primeira parte discutiu-se o projecto de lei que concede, a titulo honorário, a patente de vice-almirante ao Sr. João de Azevedo Coutinho, sobre o qual usou da palavra o Sr. Deputado Freitas Morna e também se pronunciaram os Srs. Deputados Juvenal de Araújo e António de Almeida.
O Sr. Deputado Angelo César r c quer eu que fosse encerrado o debate, o que se aprovou.
Na segunda parte a Assemblea Nacional discutiu o parecer da comissão encarregada de apreciar as Contas Gerais do Estado para 1940, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Braga da Cruz, Melo Machado, Antunes Guimarãis e Pinto da Mota.
Foi aprovada a proposta de resolução de aprovação do parecer sobre as Contas Gerais do Estado.
Seguidamente e sem discussão foram aprovadas as contou da Junta do Crédito Público, conforme a proposta de resolução votada.
Antes de se encerrar a sessão usaram ainda da palavrão Sr. Presidente e os Srs. Deputados Pinto da Mota c Albino dos Reis.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 27 minutos.
Srs. Deputados presentes à chamada, 62.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 4.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 3.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Albino Soares Finto dos Heis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
Ângelo César Machado.
António de Almeida.
António de Almeida Finto da Mota.
António Augusto Aires.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
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António Maria Pinheiro Torres.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Fonnosinho Sanches.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Eduardo Valado Navarro.
João Mendes da Costa Amaral.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Carlos Borges.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 15 horas e 7 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 62 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão. Eram 15 horas e 12 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão. Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado tenha pedido a palavra sobre o Diário, considero-o aprovado.
Foi presente na Mesa uma exposição que será publicada no Diário.
É a seguinte:
Ex.mo Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - A Companhia Carris de Ferro de Lisboa, sociedade anónima de responsabilidade limitada, com sede nesta cidade, teve conhecimento pelo Diário daí Sessões n.º 124, de 12 do corrente, de que o Ex.1"0 Deputado Sr. Dr. Formosinho Sanches, usando da palavra acerca da situação da cooperativa Auto-Mecânica, produziu perante a Assemblea a que V. Ex.
ª tam dignamente preside algumas considerações que poderão induzir ao convencimento quer da legalidade ou viabilidade jurídica dos objectivos daquela empresa, quer de que as decisões do venerando Supremo Tribunal Administrativo lhe teriam sido favoráveis.
Porque só por equívoco, resultante de informações deficientes, podem ter sido produzidas tais afirmações, apressa-se a suplicante a trazer junto de V. Ex.ª e da digna Assemblea Nacional os sucintos esclarecimentos e elementos de prova seguintes:
1. - Por decreto de 20 de Outubro de 1898, publicado no Diário do Governo n.º 238, de 24 daquele mês, o Estado Português ratificou e homologou, para todos os efeitos, o contrato celebrado entre a Câmara Municipal de Lisboa e a signatária em 16 de Agosto anterior, cuja cláusula 7.º estabelece que:
Fora do caso previsto na condição 6.ª (inaplicável à hipótese presente), nenhuma nova concessão de licença de viação por tracção mecânica para exploração de transportes colectivos de passageiros poderá ser feita, dentro do prazo desta concessão, pela Câmara dentro do perímetro da rede geral concedida à Companhia, salvo acordo prévio com, a, mesma Companhia.
A garantia por este modo assegurada sempre foi entendida como constituindo um exclusivo absoluto, abrangendo todos os casos de transporte de passageiros em comum, ou de transporte colectivo de passageiros. A própria Câmara Municipal de Lisboa, numa série de posturas, datadas, respectivamente, de 18 de Agosto de 1927, de 18 de Outubro de 1928 e de 21 de Dezembro de 1929, já no domínio da actual situação política, condicionou sempre o trânsito em Lisboa dos autóbus de carreiras para os arredores às condições cio contrato com a Companhia Carris de Ferro de Lisboa celebrado em Outubro de 1898.
2. - Com a publicação do Código da Estrada, aprovado pelo decreto n.º 18:406, de 31 de Maio de 1930, a situação definiu-se ainda mais precisamente, pois o venerando Supremo. Tribunal Administrativo, por seu douto acórdão de 5 de Março de 1937, interpretando o artigo 4.º do decreto n.º 22:718, alusivo ao transporte de elementos do mesmo grupo associativo, decidiu definitivamente que:
... as fraudes "há que evitá-las ou coibi-las pelos meios legais próprios; não autorizam a anulação do preceito;
Nem a sua letra nem os princípios que o informam permitem que se organize sob a forma de sociedade ou outra qualquer a exploração de transportes colectivos, quere dizer, de transportes que, de facto, são utilizados por pessoas indeterminadas, às quais se faculta um lugar da lotação dos veículos ...
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terminando por concretizar que:
Concedido como foi à Companhia Carris o serviço público de transporte colectivo de passageiros por qualquer processo de tracção mecânica (condições 6.º e 7.º do contrato de 1898), o seu exclusivo será atingido, por forma que afecta as bases financeiras da concessão, sempre que os transportes de excursionistas revistam as características dos transportes colectivos, mas não quando revistam a forma de transportes de aluguer.
3. - A Companhia teve o cuidado de solicitar pareceres escritos dos distintos professores de direito, nomeadamente de direito administrativo, Srs. Dr. José Tavares, Dr. Mário de Figueiredo, Dr. Fezas Vital, Dr. Marcelo Caetano e Dr. Manuel Rodrigues, altas figuras do professorado português, cuja competência, isenção e integridade são indiscutíveis e repelem toda e qualquer suspeita acerca de parcialidade nas respectivas opiniões.
Pois todos, unanimemente, são concordes em que a concessão da licença solicitada pela cooperativa ofenderia os direitos da signatária, assegurando mesmo o Prof. Dr. Marcelo Caetano, textualmente, que:
... desde que a cooperativa pretenda fazer carreiras tem, pois, de pedir a indispensável concessão. Esta não lhe poderá ser dada:
a) Por a tal se opor o contrato de concessão entre a Câmara e a Companhia Carris;
b) Porque o não permitem os preceitos dos artigos 103.º, § único, do Código da Estrada e 36.º, § único, do regulamento especial.
4. - Por último, é inexacto que o acórdão do venerando Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1939 e sua aclaração em 28 de Abril seguinte favoreçam as pretensões da Auto-Mecânica, porquanto, embora classificando de inominados os transportes que a cooperativa se propunha levar a efeito, o douto Tribunal esclareceu expressamente que:
. . para os transportes em serviço de tam grande número de sócios e de suas famílias haveria necessidade de estabelecer carreiras, com itinerários a próprios e horários, o que aproxima esses transportes da categoria dos públicos, podendo, por isso, atribuir-se-lhes, visto não revestirem todas as características daqueles, a classificação de quási públicos ...
e aclarou, a final, o seu julgado, precisando que:
... se considerou que, em relação aos transportes quási públicos, se verificavam motivos, limitações e necessidades idênticas ... às que impõem as licenças para os transportes públicos.
Desta decisão resulta que as limitações estabelecidas para os transportes públicos foram reputadas pelo Supremo Tribunal Administrativo como aplicáveis também aos transportes quási públicos.
Ora de entre estas limitações destacam-se não só as provenientes dos bem claros §§ únicos dos artigos 103." do Código e 36.º do regulamento especial, como as impostas pelo contrato de exclusivo assegurado à signatária.
ilustres Deputados da Assemblea Nacional os números que seguem e que fazem ressaltar a valiosa contribuição da signatária em benefício da economia portuguesa:
Contos
Valor atribuído às linhas férreas, com o material fixo e circulante respectivo, que, no fim do contrato, a Companhia tem de entregar à Câmara em bom estado de conservação (condição 39.º do contrato de 1888) ....... 284:000
Importância anual de cupões da Lisboa Electric Tramways, Limited, pagos em Lisboa, independentemente dos cupões do mesmo papel que se se presume pertencerem a portugueses, embora pagos em Londres ..... 4:250
Importância anual de salários e ordenados pagos pela Companhia (4:000 empregados e respectivas famílias, que vivem do trabalho da Companhia) ............. 31:500
Pensões de reforma pelo tempo de serviço anterior à fundação da Caixa de Previdência (por ano) ................ 760
Importância anual das contribuições pagas pela Companhia para as reservas matemáticas da Caixa de Previdência do pessoal . 1:450
Total das reservas matemáticas já acumuladas 38:640
Assistência ao pessoal com o serviço de saúde, medicamentos, fardamentos, etc. (por ano) 1:650
Percentagem da receita que reverte para a Câmara Municipal de Lisboa e avença para conservação de calçadas (por ano) ..... 7:300
Contribuições ao Estado (por ano) ..... 5:400
Em face de quanto fica exposto, termina a signatária por solicitar de V. Ex.ª se digne levar ao conhecimento da ilustre Assemblea Nacional os esclarecimentos e elementos de prova juntos.
A bem da Nação.
Pela Companhia Carris de Ferro de Lisboa, os Directores: R. H. Harven - A. Baptista Coelho.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos.
Eram 15 horas e 13 minutos.
O Sr. Presidente sai da sala, regressando pouco depois acompanhado de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, que tomou lugar a seu lado, na Mesa. A assistência manifestou-se com efusivas e prolongadas salvas de palmas.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram l5 horas e 17 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai usar da palavra o Sr. Presidente do Conselho, para fazer uma exposição do Governo sobre os últimos acontecimentos de Timor.
Peço às pessoas que ocupam as galerias o favor de não se manifestarem, porque é contra o Regimento desta Casa.
Tendo ocupado a tribuna, S. Exª. o Sr. Presidente dó Conselho, que foi novamente muito aplaudido pela Assemblea, leu a seguinte exposição, que constitue a segunda comunicação à Assemblea Nacional acerca de Timor:
Para completo esclarecimento do assunto, adiante se juntam os folhetos com as alegações e os pareceres invocados, que tornam impossível a persistência em lapso tam manifesto como o que fica posto a claro.
E para concluir, respondendo à alusão ao caudal de ouro que todos os anos sai do País, atreve-se ainda a signatária a oferecer à consideração de V. Ex.ª e dos
SR. PRESIDENTE:
SRS. DEPUTADOS:
Adiei vinte e quatro horas a comunicação que devia fazer à Câmara acerca de Timor na esperança de trazer-lhe já informações completas e poder traçar a linha de uma atitude definida. Não chegam infelizmente
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para tanto as notícias em poder do Governo até este momento.
Depois da exposição dirigida ao País por intermédio da Assemblea Nacional em 19 de Dezembro, o Governo apresentou aos Governos Inglês e Holandês o seu protesto contra a violação do território de Timor por forças ali desembarcadas com o fim confessado de ajudar-nos na defesa contra iminente ataque japonês, visto a deficiência da guarnição local. Não podíamos pôr em dúvida nem este último facto nem a importância que a nossa parte da ilha teria para a defesa do território holandês c especialmente da Austrália. Mas não estávamos convencidos nem da probabilidade do ataque nem da sua iminência.
Por estes motivos e demonstrado como estava pelo simples decurso de tempo não ser exacto o motivo alegado da iminência da agressão, o Governo Português manifestou a sua confiança na retirada das forças estranhas. Previu-se por outro lado o suficiente reforço das tropas portuguesas, como meio mais simples de restabelecer, com a nossa perfeita neutralidade, a segurança para uns e outros contendores acerca da posse da parte portuguesa da ilha. Nessa conformidade se deram instruções imediatas para Moçambique, e devo consignar, para honra dos seus serviços, que o corpo expedicionário se encontrou num espaço mínimo de tempo pronto a partir.
Embora esta se nos afigurasse a solução mais simples, correcta e lógica, dados os antecedentes do caso, não podíamos aventurar as nossas forças tom longe de quaisquer bases e de outros recursos nossos sem averiguar qual a sequência do acto que, sem, olhar a encargos ou sacrifícios, nos resolvíamos a praticar. E seguiram-se então conversações com o Governo Inglês.
Eu fiz aqui a história do incidente e coube-me a ingratíssima tarefa de apresentar a profunda mágoa do Governo e interpretar o sentimento da Nação pela violência praticada, de que possivelmente o Governo Britânico não era inteiramente culpado, mas de que tinha de tomar a inteira responsabilidade. É razoável que seja também eu a fazer deste mesmo lugar justiça à lealdade com, que o Governo Inglês confessara termos cabal razão para protestar, à sinceridade com que sentiu o agravo feito e à amizade com que se empenhou em fazer aceitar a fórmula capaz de restabelecer na ilha uma situação impecável. (VOZES: - Muito bem, muito bem!). (Palmas). Pela sequência dos acontecimentos e até pelas ideas feitas acerca da defesa imperial, pela necessidade também de harmonizar interesses diferentes, todos podemos ajuizar de como, sem a mais decidida boa vontade da parte da Inglaterra, a que se associaram os Governos Holandês e da Austrália, teria sido impossível chegar a resultados úteis. Infelizmente por várias circunstâncias e sem a menor culpa nossa fomos obrigados a perder mais de um mês o corpo expedicionário estava pronto a partir em 30 de Dezembro; só em 22 de Janeiro recebemos a garantia da retirada das tropas holandesas e. australianas; só em 26 puderam, sair de Lourenço Marques com destino a Timor as forças que se haviam mandado preparar, agora em maior número que o anteriormente previsto.
A viagem tem sido mais morosa, do que permitia a nossa inquietação e eu aguardava ansiosamente o dia da chegada das forças portuguesas para celebrar a reposição integral da nossa soberania em terras de Timor e o definitivo encerramento de um incidente penoso mas que, apesar de tudo, nós não desejávamos deixasse traço de esfriamento, azedume ou desconfiança nas nossas relações de amizade com o Império Britânico.
Essa exposição porém, já não pode ser feita nos termos previstos por inesperado desvio dos acontecimentos.
Em 19 de Fevereiro o Ministro do Japão acreditado em Lisboa fazia, pelas dezoito horas, acerca de Timor, uma comunicação verbal, depois repetida por escrito e entregue pelas dez e meia da noite ao Ministro dos Negócios Estrangeiros. Leio-a à Câmara:
«Em seguimento das suas operações no Timor holandês, as forças imperiais viram-se obrigadas, em virtude da sua defesa própria, a expulsar o exército anglo-holandês que te encontra na parte portuguesa de Timor. O Governo Imperial aprecia os esforços desenvolvidos pelo Governo Português desde a ilegítima ocupação do Timor português pelo exército anglo-holandês em Dezembro último. Todavia; como as operações das forças japonesas se estenderam para o sul, estas não se encontram em situação de poder esperar a espontânea retirada do exército anglo-holandês, e o Governo Imperial não duvida de que o Governo Português se compenetrará de tal estada de cousas.
O Governo Imperial garante a integridade territorial do Timor português, e emquanto Portugal garantir, por seu lado, a manutenção da sua atitude neutral, o Governo Imperial está disposto a retirar as suas forças logo que os seus fins de legítima defesa estejam, atingidos.
O Governo Imperial espera que a sua verdadeira intenção seja correctamente compreendida e que o Governo Português possa determinar a sua atitude, tendo em consideração o que precede».
Mesmo descontado o avanço da hora de Timor sobre a de Lisboa, esta comunicação, repetida em Tóquio ao nosso Ministro, deve ler precedido o ataque já noticiado pelos jornais e agências como tendo tido começo na madrugada de ontem. E começou o novo calvário da terra portuguesa de Timor; o Governo não sabe, porém, ainda por conhecimento oficial e seguro os acontecimentos que ali se terão desenrolado.
Os termos correctos da comunicação recebida pelo Governo da parte do Governo Imperial não deminue a extrema gravidade dos factos. Não temos dê discutir os motivos da operação simultânea contra as duas partes da ilha, que tecnicamente e em pura abstracção dos direitos alheios pode parecer bem fundada. Nós temo-nos mantido fiéis a esta tese -- que não há direitos de estratégia contra a soberania dos Estados (VOZES: -Muito bem!). (Palmas); e ainda a este outro princípio - que a violação de um direito por uns não legitima a violação do mesmo ou de diverso direito por outros. (VOZES: - Muito bem, muito bem!). (Palmas). Seja qual for o interesse nipónico ou das forças nipónicas de ataque à parte holandesa de Timor em se premunirem contra o ataque de flanco; fosse qual fosse a importância das forças estacionadas no Timor português - aliás pequenas e cortadas das suas bases na outra parte da ilha -, a posição jurídica e moral permaneceria a mesma ( VOZES: - Muito bem, muito bem!). (Palmas): o acto das forças imperiais nipónicas constitue flagrante violação dos direitos soberanos de Portugal e o Governo encontra-se bem no seu direito - e aqui estritíssimo dever- de apresentar em Tóquio, como já fez, o mais enérgico protesto contra esta violência; violência inútil para a sequência das operações de guerra e inteiramente dispensável, pois a próxima chegada das forças portuguesas a Timor teria como consequência a retirada ou anulação das f Orças consideradas inimigas. ( VOZES: - Muito bem, muito bem !). (Palmas).
O Governo Japonês mostrara o seu aguado pela solução a que chegáramos, e estava informado, como aliás outros Governos, de tudo quanto respeitava ao reforço da guarnição de Timor e ao itinerário seguido; e devia saber que dentro de poucos dias estaria perfeitamente
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sanada a situação e garantida por forças portuguesas a neutralidade daquelas regiões.
O Império Nipónico não podia mesmo invocar, como a Inglaterra, deveres de auxílio derivados de pactos existentes, bem ou mal interpretados no momento; e nem a declaração de amigáveis sentimentos para connosco e dos seus propósitos de abandonar Timor pode fazer calar o nosso protesto e abafar a nossa mágoa. (VOZES: - Muito bem, muito bem!). (Palmas).
É lamentável que novas violências escusadas caiam sobre o mundo, tam cansado delas, e se teime em demandar a justiça através do desconhecimento ou desprezo de direitos soberanos cuja legitimidade se não pensa contestar.
Para, restabelecermos o nosso direito ofendido não deixemos ofuscar a luz dos princípios que nos guiam, e recomecemos pacientemente...
(VOZES: - Muito bem, muito bem!). (Muitas palmas) . (Vivos e prolongados aplausos).
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns momentos.
Eram 15 hora* e 30 minutos.
Em seguida o Sr. Presidente saiu da sala, acompanhando S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, a quem a Assemblea continuou aplaudindo com entusiasmo..
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 33 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhãis Ramalho.
O Sr. Magalhãis Ramalho: - Sr. Presidente: o peso dos anos que já vivemos esmaga, tritura, como o de unia prensa, as energias mais vibráteis da nossa alma, e os invernos que sobre aios passaram congelam, com o seu frio glacial, as emoções mais ardentes e impetuosas do nosso coração.
Por isso sinto e me crucia agora, como nunca, a dolorosa certeza de que a minha pobre palavra não poderá honrar, como seria mester, as imperativas exigências da conjuntura em que uso dela.
Mas a minha voz é, neste momento, a voz da Pátria que sofre e espera, e os sofrimentos da Pátria amarguram por igual, e as suas esperanças por igual alentam todos os seus filhos; não seleccionam idades, nem sexos, nem classes, nem lugares, nem zonas políticas, nem sectores ideológicos - difundem-se por todo o Império, contagiam todos os portugueses.
Por isso subo a esta tribuna.
Sr. Presidente: pouco mais de dois meses, apenas - e longos meses para a ansiedade nacional têm sido -, transcorreram sobre a inesperada e injustificável agressão de um país poli-secularmente aliado aos nossos inalienáveis direitos de soberania, sobre essa infeliz e indefensável violação da integridade territorial do Império Português, que sacudiu todo o País num frémito de justa indignação (Apoiados), e fundiu as almas de todos os portugueses na mesma profunda dor, e na vibração de um um sono e revoltado movimento de protesto como se a todas unisse uma só e mesma linha isotérmica de uniforme exaltação patriótica, como se a Nação fosse ferida aios mais íntimos sentimentos da sua alma colectiva.
Apoiados.
Pouco mais de dois meses são também volvidos sobre a hora magnífica em que o Sr. Presidente do Conselho, com a memorável e impecável exposição com que através da Assemblea Nacional informou o País da gravidade dos acontecimentos de 17 de Dezembro, ocorridos em Timor, foi a personificação suprema, mas calma daquela dor nacional, a corporização serena mas perfeita daquele veemente protesto, a encarnação viva e admirável da alma colectiva portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- E já uma nova agressão à nossa soberania, outro inesperado ataque à integridade territorial do nosso Império, uma violação inqualificável dos postulados fundamentais do direito internacional, veio hoje o Sr. Presidente do Conselho, com aquela sua inigualável e diáfana limpidez e sua imperturbável calma e firmeza, anunciar ao País, através da Assemblea Nacional, de inteira conformidade com a política de verdade que é hoje uma das linhas de força, uma das constantes da nossa governação pública.
Agressão não menos inesperada, ataque não menos injustificável, violação não menos condenável, perante os princípios eternamente bolos e luminosos da justiça, da razão, da moral e do direito (Apoiados] porque é feita por um país que não tem deixado de afirmar a cordealidade das suas relações de amizade com o nosso, por um país que não desconhece a melindrosa delicadeza da nossa posição de neutralidade, sempre honrada e irrepreensivelmente mantida, por um país que, sem deixar de render homenagem à verdade, não podia nem pode ignorar que dentro de poucos dias as tropas inglesas e indo-holandesus abandonariam, a nossa Ilha de Timor, e que esta fracção tam longínqua do Império Português estaria eficazmente defendida pela nossa força militar, já quási no termo da sua viagem, que não foi um cruzeiro cuidadosamente clandestino.
§ Liga os dois acontecimentos apenas uma relação de sucessão, ou antes uma certa relação de causalidade? Não é este o momento oportuno para o discutir, nem essa discussão teria qualquer utilidade. A sua gravidade e os perigos do momento dão, contudo, ao País o irrenunciável direito e o indeclinável dever de os registar com a sua mais legítima repulsa, a sua mais veemente indignação, o seu mais clamoroso protesto.
Há na vida dos povos um índice que não é falaz: o da sua condução por caminhos não ínvios nem errados; um momento culminante da formação ou do renascimento da sua consciência colectiva e unidade nacional.
Esse índice e esse momento atingem-se quando os povos e os seus chefes se irmanam e fundem na comunhão geral e completa de uma mística criadora de novas energias ou restauradora de energias latentes e imobilizadas por mórbidos e transitórios colapsos, quando os povos, desde as suas mais profundas camadas sociais, por instintiva intuição, até às suas mais aristocráticas elites mentais e morais, por consciente dedução, querem aos seus chefes até às excepcionais proporções de uma profunda e fervorosa veneração, feita de fé inabalável aã raridade das suas virtudes, na extensão da sua capacidade e na fecundidade e patriotismo da sua acção, e quando os chefes amam os seus povos até ao extremo inultrapassável de um culto absorvente e constante, feito de plena confiança no potencial dos anseios nacionais e das suas virtualidades étnicas, e de inteiro a abnegado sacrifício de si próprios à causa sagrada do bem comum e da defesa da pátria.
Foram esses, Sr. Presidente, os momentos que Portugal viveu nas horas mais dolorosas e mais altas da sua História, é esse o momento que Portugal vive nesta hora, tam alta e angustiada como aquelas, da sua existência, da existência de uma nação de tam resistente arcabouço e de tam rija têmpera que não bastam para envelhecê-la oito séculos de idade, mais que suficientes para o total aniquilamento de tantas outras de que já só resta a lembrança. A Assemblea Nacional, como todo
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o País, reage com o seu mais veemente e indignado protesto contra o atentado que profundamente o feriu (Apoiados), mas afirma, do mesmo passo, mais uma vez a sua plena confiança de que o providencial condutor do povo português defenderá a todo o transe o direito à integridade territorial do seu império, salvaguardará, intacta e imaculada, a honra nacional e terá, como sempre, o exacto e perfeito sentido da atitude imensurável da transcendente missão do Governo de uma nação que é o último reduto da paz, tam duramente provada e batida pela crise mais aguda, mais extensa e mais intensa de todos os tempos, a última cidadela defensiva de uma civilização que a mais pavorosa e pan-destruidora psicose colectiva de todas as idades ameaça subverter.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Albino dos Reis: - Sr. Presidente: quando na memorável jornada de 5 do corrente, que foi ao mesmo tempo uma justa grandiosa homenagem prestada a S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, eu afirmava no Coliseu que o acto eleitoral que ia realizar-se abria na história do nosso movimento nacionalista um período em que o Chefe do Estado não tinha já que sustentar com galhardia e bravura a bandeira do movimento de profunda restauração nacional, mas de conduzir por entre os escombros, as vicissitudes e o fragor da guerra a própria bandeira da Pátria intangível na sua altivez e na sua dignidade, eu tinha, Sr. Presidente, o espírito dominado por sombrios e amargos pressentimentos decorrentes do acto de força perpetrado em Timor em 17 de Dezembro do ano findo.
É que, quando suo conculcados os grandes princípios morais e jurídicos que dominam as relações da comunidade internacional, ficam só em campo a violência e a força como elementos cegos da natureza.
Foi um incidente desgraçado esse de 17 de Dezembro do ano findo - desgraçado porque a força gera sempre a desgraça para os que a empregam e para aqueles que dela são vítimas e, sobretudo, e com absoluta injustiça, para aqueles que, estranhos aos conflitos da força, vêem a sua pacífica e honrada neutralidade atingida pelas tropeliasdo direito e da moral internacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E como a violência gera a violência, nós temos hoje de lavrar mais uma vez o nosso veemente protesto, que é também o protesto da Nação, contra nova e flagrante violação da nossa soberania em Timor.
Mas o que eu não pensava, Sr. Presidente, era que a tam breve trecho das minhas palavras-presagos nessa memorável jornada do Coliseu se produzisse um incidente idêntico na sua gravidade e na sua substância àquele que levantou no fim do ano passado o clamor indignado da Nação inteira.
Disse o Sr. Presidente do Conselho que, sejam quais forem os fundamentos invocados para legitimar a invasão de Timor, sejam quais forem as garantias afirmadas de que nos será restituída a nossa soberania em Timor, o acto em si não pode deixar de merecer da parte de portugueses o nosso mais veemente e formal protesto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E assim é que os dois actos têm entre si uma identidade substancial. Ambos são actos de força. Em ambos os casos o fundamento invocado foi o da necessidade da defesa própria.
No primeiro, a necessidade de acautelar a Austrália contra uma surpresa das forças japonesas. Hoje, a necessidade de acautelar as forças japonesas desembarcadas no Timor holandês contra uma agressão das forças neerlandesas e australianas que ainda se encontram no Timor português.
Em ambos os casos se fez a afirmação de que seria respeitada a soberania portuguesa uma vez que desaparecessem as circunstâncias que obrigaram a tomar aquelas medidas de necessidade. E esta identidade dos dois incidentes impõe-nos a identidade do mesmo protesto formal.
Eu digo mais: esto segundo acto - porque nos encontra já com a nossa sensibilidade exacerbada - não pode deixar de provocar no nosso espírito, a par de uma grande decepção, um movimento da maior e da mais viva indignação na consciência portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A violência gera a violência, e esse incidente desgraçado de 17 de Dezembro à luz dos acontecimentos posteriores, e sobretudo da invasão japonesa, assume no meu espírito a forma de uma tristíssima premissa a cujo trágico desenvolvimento estamos a assistir.
Resta-nos, em momento tam perturbado, em momento de tanta incerteza, confiar na força do nosso direito, confiar no génio político do homem que tem conduzido os destinos de Portugal através de quási três anos de guerra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-A sua acção política, Sr. Presidente e meus senhores, tem sido de tal forma vincada no interesse nacional que ainda há pouco tempo nós assistimos a uma magnífica manifestação dessa política.
O Sr. Presidente do Conselho afirmou um dia que a aliança inglesa não absorvia toda a nossa política externa, e efectivamente, dentro deste pensamento e sem deixar de considerar devidamente a aliança com a Inglaterra, S. Ex.ª desenvolveu uma política de entendimento peninsular que ainda há poucos dias teve uma significativa manifestação no seu encontro, na capital da Andaluzia, com o Chefe do Estado Espanhol. Desse encontro não pode deixar de resultar uma magnifica esperança para o futuro das duas nações peninsulares.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Juntamente com o desenvolvimento dessa política de amizade peninsular, o Sr. Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros procurou estreitar ainda mais as nossas relações fraternas com o Brasil, e só essa explêndida política de aproximação com a grande nação de além Atlântico permitiu chegar ao resultado feliz da unidade da língua portuguesa escrita.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No meio das actuais incertezas temos portanto alguns motivos para continuar a confiar em que a soberania portuguesa há-de ser integralmente restituída ao nosso direito e que a terra portuguesa, que tem sido vitima no calvário da guerra, há-de ser de novo restituída não só ao nosso direito mas também ao nosso carinho.
Não quero terminar sem apresentar à Assemblea Nacional uma moção que exprima o seu sentimento, e que é certamente o sentimento da Nação, a propósito deste incidente.
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Passo a lê-la:
Moção
Ouvida a exposição do Sr. Presidente do Conselho. sobre os factos ocorridos posteriormente à comunicação oficial feita nesta Casa em 19 de Dezembro de 1941 acerca dos acontecimentos de Timor e verificando, com profunda mágoa, que mais uma vez foi violada a nossa soberania, não obstante o irrepreensível escrúpulo com que temos mantido a nossa neutralidade e o incontestável direito, dada a impecável correcção d& nossa atitude, a que fosse respeitada a intangibilidade do nosso solo:
A Assemblea Nacional, em nome da Nação Portuguesa, cujos sentimentos tem a segurança de exprimir com toda a exactidão:
a) Não reconhece legitimidade ao fundamento invocado pelas forças japonesas para a invasão da parte portuguesa da ilha de Timor, e contra esse atentado à soberania e à neutralidade de Portugal lavra o seu veemente protesto;
6) Dá todo o seu apoio u política externa do Governo e confia serenamente em que ele restabelecerá, com honra e com brio, o respeito pela nossa soberania e pela integridade do nosso território.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 21 de Fevereiro de 1942. - O Deputado Albino doa Beis.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a moção apresentada pelo Sr. Deputado Albino dos Reis.
Consultada a Assemblea, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns momentos.
Eram 15 horas e 69 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 10 horas e 4 minutos.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra para antes da ordem do dia o Sr. Deputado Favila Vieira.
O Sr. Favila Vieira: - Sr. Presidente: pedi a palavra a V. Ex.ª para ocupar-me da situação económico-social da Madeira, nos seus aspectos fundamentais, ante a perspectiva do futuro, mas os acontecimentos do momento atraem-me irresistivelmente para outro plano, outra ordem de considerações sobre as nossas ilhas atlânticas, a Madeira e os Açores.
Não quero, todavia, deixar de afirmar a V. Ex.ª que as medidas adoptadas em favor daquela Ilha, nos últimos anos, pelo Governo de Salazar, expressão magnânima da sua autoridade tutelar e da sua maleabilidade política, vinculam-nos, a nós, os portugueses da Madeira, a um reconhecimento profundo, de sentido histórico, e asseguram as soluções previstas e necessárias ao equilíbrio da sua economia.
A resolução dos problemas da emigração, hidroeléctrico e florestal, no domínio da sua interdependência, e outros de grande interesse futuro, como o das carreiras de transporte aéreo, hão-de contribuir decisivamente para a sua reconstituição.
Nesta emergência, em presença dos acontecimentos de Timor, que o Sr. Presidente do Conselho acaba de expor à Assemblea em termos de impressionante dignidade e firmeza, a minha natural emoção não consente que eu fale da Madeira ou dos Açores, das nossas ilhas atlânticas, em qualquer outro sentido que não seja o de reafirmar solenemente o seu alto espírito de solidariedade nacional.
Orgulho-me em poder transmitir a V. Ex.ª, nesta hora, a mensagem espiritual da sua confiança e devoção patriótica, Sr. Presidente.
Nem a distância, nem o turismo, nem a sua dependência dos mercados externos, nem a influência dos grandes interesses estrangeiros locais afectaram aquele complexo irredutível de sentimentos, ideas e virtudes que constitue o fundo nacional, a razão de ser moral das nossas ilhas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ligadas à comunidade portuguesa pelos vínculos da ancestralidade, pelo comando de uma história e de uma moral comuns, pelas raízes do coração, numa solidariedade que se confunde com a sua própria existência, ennobrecida pelos séculos e revigorada pela Revolução, essas populações insulares pensam e vibram como vós outros, os continentais, perante as nossas grandes questões.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Não há ainda muitos dias, Sr. Presidente, eu senti, na comunhão dos mesmos sentimentos, como irradiação da sua alma, o patriotismo dos povos das ilhas adjacentes nesse memorável movimento colectivo em que consagraram, com toda a Nação, a personalidade eminente do Chefe do Estado, a política de Salazar, o nosso destino.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Neste transe cíclico do mundo, de trágica subversão moral, em que se não respeitam os princípios mais sagrados nem os interesses mais legítimos, apraz-me sobremaneira assinalar estes factos, que exprimem, na sua essência, a nossa maior força: a unidade nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: já agora, quero ainda usar da palavra, por uma última vez, nesta Assemblea Nacional. E faço-o com o prazer de fechar o exercício de minha função de Deputado com um assunto, ou um ponto de vista, que espero mereça simpatia a toda a gente.
Volto, Sr. Presidente, mais esta vez, às famílias numerosas, depois de anteontem me ter sido remetida por V. Ex.ª a resposta do Ministério da Educação Nacional ao requerimento que apresentei em 13 de Dezembro.
E insisto na minha opinião: vai sendo tempo de se enveredar resolutamente pelo caminho franco da protecção à família, sob o aspecto dos encargos que constituem os filhos numerosos, caminho de protecção que nos é imposto por regras elementares de consciência e de justiça e - friso-o especialmente - pelo título III da Constituição que nos rege.
Os tempos vão difíceis, cada vez mais difíceis, Sr. Presidente, para muita gente. Mas todos temos de reconhecer, senão por experiência própria, por raciocínio e sentimento, que essas dificuldades crescem extraordinariamente de volume com o número de filhos que haja para alimentar, para vestir e para educar. Bem bastam todas as preocupações morais, todos os anseios e cuidados de coração, para apoquentar a existência de quem cumpre com generosidade esse nobre dever de ofertar à Nação as inteligências e os braços de que ela carece
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para a sua eterna continuidade. E justo que a comunidade tenha em conta esse serviço e ajude, de qualquer modo, a conduzir essa cruz dignificante, mas pesada.
Por duas formas se pode efectivar essa prática de .solidariedade social bem entendida.
Uma é a forma directa, a do salário familiar, a que ontem já aqui se referiu, e muito bem, o Sr. Deputado Ângelo César. E quando digo salário, quero também dizer ordenado ou vencimento; se as dificuldades são grandes para os operários ou proletários, são por vezes maiores ou mais dolorosas, embora mais discretas, na pequena burguesia. Ora essa forma directa está expressamente consignada no artigo 14.º da Constituição; e eu creio que, apesar dos seus nove anos de vigência e dos dezasseis anos decorridos desde a implantação dos seus princípios, eu creio que muito pouco se tem feito no sentido da remuneração do trabalho proporcionalmente ao número de filhos de cada um.
Outra forma é a forma indirecta, que a Constituição também consigna, quando diz, textualmente, que o em ordem à defesa da família pertence ao Estado e autarquias locais regular os impostos de harmonia com os encargos legítimos da família. (Apoiados}. Quero crer, com toda a sinceridade, que as circunstâncias, as difíceis circunstâncias de crise económica geral verificadas, mau grado nosso, durante estes anos da triunfadora política financeira do Estado Novo, não permitiram, de facto, a efectivação deste humano e justo princípio constitucional. Deus queira que ele possa efectivar-se em curto prazo, com caracter geral.
Mas há um aspecto dessa materialização de solidariedade para com as famílias numerosas que reveste, quanto a mim, uma característica especial, mais discriminada, mais objectiva, e, por isso, de atender por forma especial também. Refiro-me ao que cada um tem a pagar directamente por cada filho que trouxe a este mundo; aquilo que mais directamente o castiga, afinal, por uma culpa que não tem, por uma culpa que não é culpa, por uma culpa que é merecimento. Refiro-me, naturalmente, Sr. Presidente, às propinas das escolas.
E o certo é que o mesmo artigo da Constituição diz mais, textualmente, que ao Estado e às autarquias locais também pertence «facilitar aos pais o cumprimento do dever e instruir e educar os filhos». Neste particular, Sr. Presidente, é que eu ouso afirmar que já se podia ter feito um pouco mais do que o que se fez.
Apoiados.
Da resposta ao requerimento em que pedi informações ao Ministério da Educação Nacional eu concluo que é quási nada o que está «m vigor até agora em matéria de facilitar, de forma geral, por gratuitidade ou reduções de propinas, a matrícula dos irmãos de muitos irmãos. Um pai tem de pagar, nos estabelecimentos oficiais de ensino, pela inscrição dos seus filhos, a mesma considerável quantia por cada um, quer se trate de um só, como de cinco, como de dez. Talvez lhe façam, no armazém em que comprar de uma só vez seis pares de botas ou oito chapéus, algum abatimento pela quantidade; mas o Estado é que não lhe faz ainda nenhum abatimento nas propinas de dez filhos, o Estado que deve agradecer-lhe a dádiva de tantos novos cidadãos, o Estado que se obrigou a facilitar-lhe o dever de instruir esses filhos.
Na instrução primária não é concedida actualmente qualquer facilidade material de carácter geral. No ensino secundário, nem geral nem restrita; e praticamente o mesmo no ensino técnico médio ou elementar. Apenas no ensino superior foi dado agora, no recente decreto do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, o primeiro passo no Bom sentido; mas passo tímido, passo demasiadamente modesto, de reduzidíssimo alcance. Honra lhe seja, apesar disso.
Não sei, Sr. Presidente, o que se passa no estrangeiro neste campo de facilidades oficiais aos filhos das famílias numerosas; deixo essa investigação aos que quiserem e puderem aprofundar o seu estudo. Basta-me a mim o sentimento do que vai cá pela nossa casa, pela nossa casa portuguesa, em que os filhos que nascem são sempre motivo de alegria ou de festa, seja o primeiro, ou o sexto, ou o décimo, sempre bemvindos porque Deus quis que eles viessem; mas casa em que tanta vez falta, por mais esforço e por mais canseira, a possibilidade de bem os manter, de bem os educar, de bem os conduzir a todos até à realidade do sonho que sobre eles se acalentou.
O meu ponto de vista é concretamente este: uma redução gradual dos encargos de matrícula a partir do terceiro filho do mesmo pai, atingindo a gratuitidade a partir do sexto. Não afirmo, mas quere-me parecer que a quebra de receita global resultante da efectivação desta norma não seria excessivamente elevada na relatividade em que a devemos apreciar. E talvez a capacidade financeira da Nação pudesse comportar essa quebra.
Mas não arrisco mais afirmações nesse sentido e quero aceitar a hipótese de ser necessário criar uma contrapartida. Pois bem, Sr. Presidente: eu atrevo-me a sugerir que se vá buscar a compensação tributária aos celibatários e aos casais sem filhos, por exemplo aos celibatários com mais de trinta anos de idade, aos casais sem filhos com mais de cinco anos de matrimónio.
Apoiados.
Não vejo que possa levantar-se grande dificuldade ou grande obstáculo à criação desse tributo. Não creio que se possa criticar contundentemente o princípio que ele constitue ou representa. Sinto que ninguém impugnará a sua justiça: a de fazer contribuir os que têm menos encargos na vida e menos jus ao reconhecimento da Nação neste aspecto, fazer contribuir esses para o alívio dos maiores e pesados encargos dos outros que a favor da Nação se desdobraram.
É isto, Sr. Presidente, que eu pretendi sugerir ao Governo nesta última sessão da legislatura ; é este o apelo, o último apelo que eu lhe endereço.
O Sr. Presidente do Conselho, naquela magistral alocução que há dias proferiu, na véspera da reeleição presidencial, para que os portugueses de todo o Império o ouvissem, disse em certa altura:
«... E se em toda a colmeia trabalhadora ... há ainda obreiros sem aquelas garantias que ousamos proclamar como direitos - o do trabalho e o da família -, todos têm a segurança de que os compromissos da Revolução se cumprem e de que, se não se adoptam soluções precipitadas, é para não comprometer soluções definitivas ...».
Temos, de facto, essa segurança. Mas é de desejar que. agora, passados mais de quinze anos de Revolução, este compromisso «esteja em vésperas de ser realmente cumprido. Já não poderá, considerar-se precipitada a solução a adoptar. Ela pode já ser, por certo, uma solução definitiva a favor daquele proclamado direito de família, atribuído, justamente, a todos os obreiros da colmeia. Mais uma solução definitiva, entre as muitas que já ilustraram, para orgulho nosso e glória de quem manda, a obra da Revolução. E não será esta das que menos brilho lhe darão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Santos Sintra: - Sr. Presidente: uma das altas figuras militares que, já nos nossos tempos, muito contribuiu com os seus relevantes e extraordinários serviços
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à Pátria pura que a dominação de Portugal em Angola fosse definitivamente assegurada foi, sem dúvida, o general Alves Roçadas:
Apoiados.
A série das gloriosas campanhas em que tomou parte e em que exerceu o cornando para que a soberania portuguesa se afirmasse naquelas paragens são manifesta prova, de quanto a Nação lhe ficou devendo.
Assim, em 1905, comandou as operações no Mulondo e nos Gamboa.
Em 1906 comandou as operações na Huíla.
Em 1907 foi o comandante da expedição ao sul de Angola, desde o célebre combate de Mutilo até à tomada da Embala do Cuamato Grande.
Em 1914 comandou novamente uma expedição ao sul de Angola e tomou parte no combate de Naulila.
Em vida. o reconhecimento foi-lhe testemunhado largamente.
Foram-lhe concedidas as mais altas condecorações a que um militar pode aspirar.
Com ioda a justiça ornamentaram o seu peito, entre outras distinções:
O grande oficialato de Torre e Espada;.
Duas medalhas de valor militar;
A Cruz de Guerra de 1.ª classe;
Três medalhas comemorativas das campanhas em África.
Ainda estão na memória de todos as delirantes manifestações com que o povo o recebeu quando, depois de obtida a vitória no Cuamato, regressou a Lisboa com os seus oficiais e soldados.
Mas, Sr. Presidente, o general Alves Roçadas desapareceu de entre os vivos e, após a sua morte, as distinções deixaram também de existir.
Embora pareça estranho, os seus restos mortais estão depositados numa simples gaveta de um jazigo municipal.
Não foi dada ao general Alves Roçadas a sepultura :i que os serviços que prestou lhe deram direito.
E o que é pior é que, com o a ml ar dos tempos, talvez um dia se chegue a nem sequer .se saber onde se encontram se alguém não tomar as necessárias providências para que tal não possa suceder.
Na impossibilidade de a família, por falta de meios materiais, poder tomar o encargo de preparar local condigno onde repousem definitivamente os restos mortais da figura histórica que foi o general Alves Roçadas, ouso pedir ao Governo a sua atenção para este caso, que julgo não deve ser esquecido, pois, caso contrário, é muito natural que os despojos de um grande soldado, cujo nome ilustra a nossa história militar colonial, venham a perder-se na confusão com os da multidão dos desconhecidos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bom !
O Sr. Augusto Pires de Lima:-Sr. Presidente: nos termos dó artigo 96.º da Constituição Política, apresentei algumas vezes, durante o funcionamento da, Assemblea, requerimentos pedindo informações a várias repartições do Estado:
Usei de um direito que não podia nem devia sèr-me recusado, tanto mais que não gosto de tratar dos assuntos sem possuir elementos suficientes de prova.
Julgo, Sr. Presidente, que os meus colegas nesta Câmara têm, como eu, verificado o silêncio inconstitucional das várias repartições, silêncio que não penso poder fundamentar-se em altos segredo» do Estado, pois esses só podem ser avaliados pelo respectivo Ministro.
Estamos no fim da Legislatura, e eu, por uma simples questão de prestígio para a Assemblea Nacional, permito-me solicitar de V. Ex.ª que chame a atenção do Governo para o facto de as respectivas repartições não darem andamento aos requerimentos aqui feitos, o que pode, pelo menos nalguns casos, ser interpretado como má vontade e noutros como negligência ou necessidade de ocultar o que lá se passa.
A propósito de um dos últimos requerimentos que aqui fiz sucedeu, porém, ainda pior. Como tivesse relações pessoais com o Sr. Ministro ao qual estava subordinada a repartição a quem só dirigiam as informações pedidas, procurei-o e. por uma simples questão de lealdade, pus S. Ex.ª ao .facto das preguntas que ia fazer nesta Assemblea.
O Sr. Ministro agradeceu-me a atenção do meu comunicado, tomou algumas notas e procurou mesmo dar-me algumas indicações.
Alguns dias passados fui surpreendido no meu consultório no Porto pela visita de um alto funcionário do respectivo Ministério, o qual ia encarregado pelo director geral de me ouvir em processo de inquérito.
Declarei-lhe muito firmemente e por escrito que nada diria e quê o facto de, como Deputado, ter comunicado ao Ministro assuntos que iam ser versados nesta Assemblea não dava nem podia dar ao director geral respectivo o direito de levantar sobre o caso qualquer inquérito.
Esta atitude e este procedimento estão perfeitamente de acordo com o atraso nas informações pedidas, as quais, como de costume, nunca mais me chegaram.
Eu peço a V. Ex.ª que por esta simples exposição avalie da má vontade existente.
Um pedido de informações que se faça aqui dentro é considerado normalmente, como ofensivo e até como atentório dos princípios de irresponsabilidade por certas repartições adoptados.
Até aqui esse desprezo pelos direitos dos Deputados era simplesmente manifestado pelo silêncio. Parece, porém, que se pretende ir mais longe, e não tardará que seja-mos remetidos aos tribunais por colocar diante de certos períodos .dos requerimentos alguns pontos de interrogação, que são considerados reticentes ...
Até ao fim da legislatura, e com. a paciência que me caracteriza, eu esperei pelas respostas. Como não vieram, peço a V. Ex.ª Sr. Presidente, que disso mesmo faça ciente o Governo, que pode, como eu, tirar de certos silêncios ilações mais preciosas do que aquelas fornecidas possivelmente pelos documentos que nos fossem enviados.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. José Cabral: - Mandei para a Mesa, na sessão de 20 de Janeiro, um pedido de informações e documentos, dirigido ao Ministério da Economia. Essas informações e documentos referem-se a* certas actividades da Junta Nacional do Vinho.
Tinha, Sr. Presidente - já o disse e volto a repeti-lo- informações particulares que me habilitariam a tratar aqui desse assunto. Se não o fiz, foi .por um elementar dever de probidade; quereria, ao tratá-lo aqui, documentar todas as minhas conclusões, para não induzir em erro a Assemblea.
Infelizmente não o pude fazer, porque esses documentos « informações não puderam ser-me fornecidos, a tempo.
Sei, por intermédio do Ministério da Economia, que esses elementos foram, à última hora, enviados à Secretaria da Presidência do Conselho. Certamente que a falta de tempo impediu que chegassem até mim, mas, ainda que me fossem entregues, só poderiam tê-lo sido.
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hoje - tarde demais para o assunto poder ser tratado nesta sessão legislativa.
Lamento sinceramente que as cousas se tenham passado desta maneira, e lamento-o porque, sendo um problema grave, havia vantagem que tudo aqui se esclarecesse totalmente, e ainda porque essa circunstância me criou uma posição desagradável, porque não estou livre de que alguém possa dizer-me que vim. à Assemblea fazer acusações que não pude provar. Ora isto não é exacto, porque, se não pude provar o que disse (acusações ou não), é porque não puderam chegar até mini os elementos dessas provas. De resto, não é porque não tivesse elementos seguros de convicção.
As cousas são o que são, e não há nada a fazer senão pedir daqui ao Sr. Ministro da Economia que fixe a sua atenção sobre essas actividades da Junta Nacional do Vinho.
Em volta deste organismo tem-se dito muita cousa, tem-se feito muitos reparos e acusações, e é evidente que ninguém lucra, nem a própria Junta, nem o regime corporativo em que ela está integrada, com o facto de não se esclarecerem totalmente assuntos desta ordem.
Eu digo a, V. Ex.ª, Sr. Presidente, que não me custa nada a admitir, faço-o .mesmo de boa vontade, que as pessoas que constituem a direcção da Junta Nacional do Vinho são honestas e competentes ; mas V. Ex.ª sabe que a mulher de César deve não só ser honesta, mas parecê-lo. Penso que quem administra o dinheiro e os interesses dá Nação carece de um prestígio e de uma autoridade moral irrepreensíveis e eu, com mágoa o digo, tenho de declarar que, em minha opinião, pelas informações que tenho e por tudo quando para aí se diz, o prestígio e a autoridade moral da Junta Nacional do Vinho estão muito deminuídos e abalados. Ouvi dizer que a sua direcção, ao ter conhecimento do que eu disse aqui, na sessão de 20 de Janeiro, pedira o seu afastamento e um inquérito u sua actuação. Não sei como foi considerado esse pedido. Parece-me que deveria ter sido atendido. É isto o menos que eu poderia dizer.
Sr. Presidente: uma vez que estou no uso da palavra, permita-me V. Ex.ª que não termine as minhas considerações sem lhe rogar que se digne transmitir ao Sr. Ministro da Educação Nacional um pedido meu, que consiste em solicitar que S. Ex.ª promova o mais depressa possível a regulamentação da lei n.º 1:974. que estabelece as bases do regime da. assistência de menores a espectáculos públicos.
Essa lei foi aqui aprovada em 1939 e publicada com data de 16 de Fevereiro desse ano. Não pude, por doença, tomar parte na sua discussão, mas tive a honra, com a Sr.ª D. Domitila de Carvalho, minha ilustre colega, de subscrever o respectivo projecto. Já se perderam três anos para a solução deste problema; o que quere dizer que, emquanto se faz um esforço extraordinário no sentido da formação da mocidade, tem estado absolutamente esquecida a da infância.
Vo26S! - Muito bem, muito bem !
O Orador: - O que se vê todos os dias é desolador: mais insensatas que não hesitam em ir aos espectáculos de cinema levando os seu filhos, alguns ainda de peito; casas de espectáculos cheias de menores, assistindo a espectáculos que não foram organizados para eles, nem durante as horas que menos poderiam prejudicar o seu repouso normal.
É urgente que se ponha termo a esta desordem, cujos efeitos, no desenvolvimento fisiológico e moral da criança, são incalculáveis.
O problema é grave; ouso por isso dirigir ao Sr. Ministro da Educação um pedido: que se digne dar primazia ao problema da regulamentação desta foi sobre outros do seu Ministério, que podem porventura esperar sem inconveniente de maior monta.
Julgo que este meu pedido será, de. boa vontade, secundado por toda a Assemblea e estou certo de que u Sr. Ministro o acolherá e deferirá.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito, bem !
O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a todos os Srs. Deputados que querem falar antes da ordem do dia, porque temos um programa carregadíssimo de trabalho e, estando a sessão aberta há mais de uma hora, ainda não entrámos na ordem do dia, que é constituída pela discussão de dois projectos de lei e pela discussão e votação das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público.
Nestas condições, V. Ex.ªs hão-de concordar em que não me é possível dilatar mais o período de antes da ordem do dia.
Dou no entanto a palavra ao Sr. Deputado Melo Machado, solicitando-lhe que seja muito breve.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: em face das palavras do Sr. Deputado José Cabral, eu queria desagravar a direcção da Junta Nacional do Vinho; desejava demonstrar que todas as pessoas que estão à frente dessa Junta são merecedoras de toda a consideração e respeito, pelas qualidades morais que. possuem, e que, estou certo e absolutamente seguro, hão-de vir a provar num inquérito que elas próprias hão-de pedir aos seus actos. Lamento que as circunstâncias me não permitam fazer a demonstração do que afirmo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão o projecto de lei n.º 169, acerca da concessão da patente de vice- almirante ao antigo oficial da armada Sr. João de Azevedo Coutinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Morna.
O Sr. Álvaro Morna:- Sr. Presidente: quis o Destino, pela força inexorável de seus altos desígnios, que o autor, por tantos títulos ilustre, do projecto de lei que V. Ex.ª acaba de pôr em discussão, o espírito cintilante de Vasco Borges, alma generosa e de bondade, o saudoso companheiro de oito anos de trabalhos nesta Câmara, não se conte já no número dos vivos e venha hoje à tribuna, não para defender o projecto que, tendo honrado desde logo o seu nome, honrará para sempre a sua memória - tanto o diploma se ajusta ao sentimento da alma nacional - mas para que a Vasco Borges fosse dado o indizível prazer de, com os rasgos de beleza do seu fulgurante talento, aqui prestar a Azevedo Coutinho o culto de admiração e justiça que lhe inspirou a II obro iniciativa e a suprema satisfação de a ver realizada em lei.
A morte de Vasco Borges transformou cruelmente em dor, saudade e luto as galas e júbilo de que hoje se revestiria a Assemblea Nacional para votar o seu projecto de lei.
E quere ainda o Destino que ao mais obscuro, ao menos qualificado dos membros desta Câmara (Não apoiados), porque enverga uma farda e nela põe seu único
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título de orgulho, e porque não está de momento entre nós, em exercício de mandato, outro oficial da armada que melhor do que eu (Não apoiados) aqui poderia representar a marinha, focar a personalidade do herói que se consagra e trazer-lhe as saudações dos seus camaradas, seja dada a oportunidade, ao mesmo tempo dever e honra, de subir à tribuna nesta sessão de homenagem e consagração à grande figura de português e de marinheiro que é João de Azevedo Coutinho.
Sr. Presidente: há mais de trinta e seis anos, por volta de 1905, era Lord Selborne alto comissário de Sua Majestade Britânica na África do Sul.
Sir Arthur Ruly, governador do Natal.
O domínio inglês, mal ferido ainda da luta prolongada que houve de sustentar contra os boers, nessa guerra que custou à Grã-Bretanha, em pesados sacrifícios, de vidas, a fina flor dos seus exércitos, debatia-se agora com sangrenta sublevação de cafres zulos do Natal, assumindo a contenda gravidade e proporções que chegaram à tornar-se I II quieta II tes.
A revolta, afinal, foi dominada.
Não eram então passados três anos depois que o Transvaal e Orange haviam ingressado no quadro das colónias inglesas da África do Sul.
E no rescaldo da pacificação que seguiu a tam agitado período de lutas e de inquietações, julgou o Bei, entendeu o seu Governo de prudente e hábil política mandar àquelas paragens em viagem diplomática de visita às colónias do Cabo e do Natal, de Orange e do Transvaal figura de alto relevo, capaz de, pelo prestígio político, consolidar a vitória das armas e assegurar aquela unidade moral que é a base indispensável de todo q exercício estável do poder e da autoridade.
Para tam delicada missão escolhia-se o irmão do próprio Rei - Duque de Connaught, que há pouco ainda faleceu.
Acompanhava-o a esposa - duquesa Margarida, filha do célebre general Príncipe Frederico da Prússia, e a filha, Princesa Patrícia!
No séquito, a dama de honor Miss Pelly, o general Sir John Maxwell e o capitão Lord French.
Mais tarde, já na África do Sul, decide-se que as altas personagens visitem Lourenço Marques e ali embarquem de regresso à Europa.
Era Ministro da Marinha e do Ultramar o professor Moreira. Júnior, actual presidente da Academia das Ciências de Portugal. Governador da província de Moçambique, João de Azevedo Coutinho, alma de herói e de epopeia, símbolo da honra e da bravura, o homem com quem a Nação salda hoje, pelos seus representantes na Assemblea Nacional; a dívida que há perto de trinta anos mantém em aberto, restituindo-o de facto e por lei w marinha - a essa marinha que ele tanto amou e tam gloriosamente serviu - e a que jamais em espírito deixou de pertencer.
Apoiados.
A João Coutinho é então cometido o encargo da recepção dos príncipes - recepção que, sem deixar, naturalmente de ser modesta, despida de frivolidades espectaculosas ou descabidas, teria de ser digna do nome e prestígio de Portugal, digna das velhas tradições do País que, através dos séculos, em toda a sua expansão colonial, foi sempre o mais lídimo pioneiro do progresso u1 da civilização.
Ao espírito de João Coutinho logo acode a idea, tam inteligente como audaz, de assombrosa parada da gente mais temida e aguerrida de Moçambique - o desfile, perante os príncipes, de milhares de guerreiros das terras de Gaza e Lourenço Marques - a antiga gente do Gungunhana, que há pouco ainda havíamos castigado t submetido.
A emprêsa, mais que delicada, era arrojada e difícil.
Apresentava sérios riscos.
Havia que congregar e reunir tribos que pouco antes se hostilizavam ferozmente e que, vinte anos atrás, se tinham chocado em combates, os mais cruéis e sangrentos, nas próprias ruas do antigo presídio, a já então florescente cidade de Lourenço Marques.
Ia reunir-se, pela primeira vez, gente que, na campanha de 95 contra os vátuas, se bandeará para campos adversos ao domínio português.
Por demais, incontestado era o perigo de juntar elementos desta origem e no volume de tam grande número - dezenas de milhar de homens assim armados e equipados «m verdadeiro tom de guerra.
Mas ... dificuldades e perigos não os conhecia, por índole, o ânimo forte de João Coutinho sempre que um grande objectivo havia a atingir.
Ë o objectivo impunha-se-lhe agora em toda a grandeza do alto significado político e da sua larga projecção.
Era, na verdade, a prova mais eloquente da eficiência e do valor dos métodos muito próprios da nossa colonização, a manifestação máxima de prestígio sobre o indígena, manifestação de força, testemunho insofismável de segurança, inteira confiança na lealdade dos naturais ao domínio dos portugueses.
João Coutinho não hesita. Decide-se pela resolução que muitos julgariam temerária. Confia ao próprio valor, ao ascendente glorioso do seu peito coroado de vitórias em terras de África, todo o êxito do arriscado plano - em plena consciência do alto significado político, da auréola de prestígio que assumiria o País ante os olhos dos categorizados visitantes - príncipes e altos dignitários do séquito -, esses mesmos que regressavam da colónia onde há pouco ainda tam violentamente ,se tentara sacudir o domínio inglês.
Portugal ia pôr à prova, no cenário imponente de força que João Coutinho se propunha desenrolar diante de estrangeiros - os mais ilustres e da mais alta extirpe -, verdadeiramente a síntese de toda uma história de epopeias e colonização.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E foi assim, Sr. Presidente! Pela primeira vez se juntam armados, sob as cores da bandeira de Portugal, enquadrados na mesma impi, mais de 20:000 dos temidos guerreiros dos régulos das terras de Gaza para a grande e famosa parada.
E quando o tropel imenso da massa majestosa e rutilante de aço desce a trote, do alto de Machaquene, pelo antigo pântano, sobre a tribuna do governador, vigiada apenas por pequeníssima guarda de soldados, e, suspendendo o tropear imponente, estaca em frente da tribuna para lançar os três baiéteos de saudação e vassalagem, que ecoam nas almas dos presentes como hino de glorificação ao nome e poder de Portugal, o príncipe, mal refeito do assombro e emoção pelo deslumbramento feérico do espectáculo, voltando-se para João Coutinho, exclama:
«.Só portugueses são capazes de tam grande maravilha».
E o peito de aço de João Coutinho mais uma vez vibra de orgulho e de emoção - a emoção do quadro que só o seu valor podia ter criado, o orgulho desvanecido de quem tam alto sabia levantar o nome de Portugal.
Vezes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Este episódio da vida de João Coutinho, Sr. Presidente, conservei-o sempre gravado em minha
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alma, desde novo, que o ouvi, aspirante ainda da Escola Naval, que eu era então, como espelho vivo do homem - o valor, bravura, inteligência, clarividência, acção, o senso político -, a dizerem tam alto da sua inconfundível personalidade como a epopeia de combates e feitos de armas com que Azevedo Coutinho glorificou a marinha e serviu Portugal!
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A epopeia de combates e feitos de armão de Azevedo Coutinho, dizia eu, Sr. Presidente!
E o brilho da sua carreira política e colonial?
É preciso ler-lhe a folha gloriosa de serviços, como outra .não houve, por certo, maior nem mais bela na história da marinha, e meditar na série contínua de triunfos que é roda a sua vida de oficial - as campanhas dó Chire e do M'lolo, as do Barué, Namarrais, Zambézia, Maganga da Costa e tantas mais!
Os honrosíssimos louvores, as mais altas condecorações a atestarem-lhe » invulgar personalidade, devotado sacrifício, heroicidade!
Em graus sucessivas da Torre e Espada, sempre por feitos em. combate, atinge o grande oficialato, de cujas insígnias o Bei lhe faz oferta pessoal. Cobrem-lhe o peito., entre tantas dá maior valia, a medalha de ouro de serviços distintos e relevantes no ultramar, em campanha, e a medalha de ouro do valor militar. Bem diz a digna Câmara Corporativa, no seu primoroso parecer: «Azevedo Coutinho foi, verdadeiramente, um dos construtores da História Nacional». Como tal o impõem os seus feitos e a sua vida colonial.
Assim o reconheceu o Rei nos louvores e mercês que lhe conferiu.
Assim o reconheceram as Côrtes, proclamando-o benemérito da Pátria.
Assim o reconheceu o Povo, a massa anónima da Nação, no altíssimo significado da apoteose com que lhe coroou o heroísmo- no regresso das campanhas de África.
Assim o reconhece hoje a Assemblea Nacional, no legítimo título de honra que assume ao decretar pelos representantes da Nação a reintegração na armada d<_ que='que' de='de' tam='tam' a='a' homem='homem' nome='nome' levantou='levantou' alto='alto' o='o' p='p' servindo='servindo' marinha='marinha' portugal.='portugal.'>
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Angelo César: - Peço a palavra, Sr. Presidente, para um requerimento.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Angelo. César:-Depois das sóbrias e justas palavras do Deputado marinheiro Álvaro. Morna, suponho, Sr. Presidente, que interpreto o sentimento da Assemblea Nacional requerendo que V. Ex.ª encerre este debate com as suas palavras, para que possamos sem demora manifestar o nosso voto sobre este projecto de lei.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vou consultar a Assemblea.
Nos termos do artigo 44.º do Regimento, o debate acabará pela aprovação dê um requerimento para que a matéria seja dada por discutida.
O Sr. Juvenal de Araújo: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: eu estava inscrito para falar sobre o projecto de lei em discussão e queria aproveitar essa oportunidade para pôr em relevo a notável carreira militar e os grandes feitos de João de Azevedo Coutinho nas nossas campanhas de África. Mas, atendendo às razões especiais em que se funda o requerimento do Sr. Deputado Angelo César e lamentando II ao poder juntar a minha voz à do Sr. Deputado Álvaro Morna, declaro que aprovo o requerimento enviado para a Mesa.
Tenho dito.
O Sr. António de Almeida: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: também eu, na qualidade de professor da Escola Superior Colonial, desejava usar da palavra para enaltecer a nobre figura do grande colonialista que foi João de Azevedo Coutinho.
É que, Sr. Presidente, se João Coutinho, antigo oficial da armada, pelos sen s feitos guerreiros, merece a patente mais elevada da sua corporação, como colonialista de escol não é menos digno de ser galardoado com tam justíssima distinção.
No entanto, e dadas as circunstâncias apontadas por V. Ex.ª, concordo com a sugestão do Sr. Deputado Angelo César.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação o requerimento do Sr. Deputado Angelo César.
Submetido à votação, foi o requerimento du Sr. Deputado Angelo César aprovado.
O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate. Suponho que o desejo da Assemblea seria votar este projecto de lei por aclamação...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - ...mas, como o Regimento o não permite, vou pôr à votação o artigo único do projecto de lei por forma mais solene do que a usual.
Os Srs. Deputados que aprovam este projecto de lei, levantam-se; os que o rejeitam, deixam-se ficar sentados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado por unanimidade. Interrompo a sessão por uns momentos.
Eram 16 horas e 59 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Como V. Ex.ªs sabem, a ordem do dia era constituída pelo projecto do Sr. Deputado Tavares de Carvalho sobre a formação do nome.
O adiantado da hora e a necessidade que temos de discutir e aprovar ainda as Contas Gerais do Estado e as contas da Junta do Crédito Público impossibilitam a Assemblea de discutir esse projecto. Por isso, com muito pesar meu, e pedindo muita desculpa ao Sr. Deputado Tavares de Carvalho, vejo-me forcado a retirar da discussão o seu projecto.
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Nestas condições, estão em discussão as Contas Gerais do Estado relativas à gerência do ano de 1940. Tem a palavra o Sr. Deputado Braga da Cruz.
O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: o artigo 91., n.º 3.º, da Constituição Política declara competir à Assemblea Nacional o «tomar as contas respeitantes a cada ano económico, as quais lhe serão apresentadas com o relatório e decisão do Tribunal de Contas, se este as tiver julgado, e os demais elementos que forem necessários para a sua apreciação».
Vai esta Assemblea Nacional tomar as contas do ano de 1940, e, uma vez mais, o vai fazer sem que essas contas lhe sejam apresentadas com o relatório e decisão do Tribunal de Contas, elementos valiosíssimos, cuja falta não pode deixar de ser anotada, muito sendo para desejar que os serviços daquele alto organismo do Estado conjuguem os seus esforços com os dos serviços d» Direcção Geral da Contabilidade Pública, por forma a ser dado cumprimento àquele preceito constitucional.
E, em tal sentido, não deve também deixar de ser relembrada a promessa, já por mais de uma vez feita, da publicação de um novo regulamento geral da contabilidade pública, cuja necessidade de actualização há muito tempo já se verificou.
O nosso direito privado exige que a administração do certas sociedades, confiada a uma direcção, seja fiscalizada por um conselho fiscal, e é o relatório daquela, sempre acompanhado do parecer deste conselho fiscal, que é sujeito à apreciação da respectiva assemblea.
E se aí se exige, e muito bem, a existência de um órgão de fiscalização directa (e as tendências actuais o desejam até de natureza técnica), por maioria de razão muito é de desejar que um órgão idêntico, e até de mais largas funções, exista e actue não só na fiscalização mas também na decisão a tomar sobre as Contas Gerais do Estado.
Apesar, no entanto, da falta apontada, há que toma. as contas, e, deixando de considerar a parte técnica, tanto mais que nas Contas não surge qualquer indício que denote haver afastamento de preceitos legais, limite-mo-nos a apreciar alguns dos seus aspectos de natureza política e administrativa, pois, como diz o muito ilustre e douto relator do parecer, Sr. Deputado Araújo Correia, c ainda é possível louvar ou criticar o dispêndio ou a utilidade de uma ou outra verba».
E ao seu voto de ser bem de desejar que o cômputo das cobranças totais do Estado, dos corpos administrativos, do Fundo de Desemprego e dos organismos corporativos se faça de modo a poder ser fixado o total da carga tributária, venho aqui explicitamente juntar o meu voto, pois tal prática orçamental é a que ensinam os grandes mestres, e sem dúvida a que está no espírito da lei, como resulta do artigo 63." da Constituição e dos trabalhos preliminares desta.
De novo se me afigura necessário lembrar aqui a imperiosa necessidade da coordenação e consolidação das íeis fiscais, devendo o Governo, sem perda de tempo, mandar proceder à compilação e reforma de todas as disposições vigentes e reguladoras dos seus respectivos rendimentos, taxas, contribuições e impostos, no sentido de estabelecer a sua simplificação, procurando estabelecer em um só diploma todas as normas que rejam e regulem cada uma dessas fontes de receita.
E que, como já em velhos tempos se dizia, por já serem muitas as leis, pela multiplicação delas se recresciam continuamente muitas dúvidas e contendas.
Sr. Presidente: entrando a apreciar o que respeita tis receitas, e na impossibilidade de uma análise mais larga, há que anotar, desde já, o facto, assaz importante, de serem satisfeitas despesas extraordinárias, de elevados montantes, por força de receitais ordinárias.
Para o seu pagamento não lançou o Governo mão de empréstimos, como poderia fazê-lo, o que viria elevar o saldo positivo das contas a cerca de 240:000 contos.
No momento que estamos atravessando é no. entanto de apresentar, até para efeitos de deflação, a idea de obter, por meio de dívida flutuante, os suprimentos necessários que menciona e autoriza o § único .do artigo 67." da Constituição.
Merece a contribuição predial, que produziu a mais elevada verba das receitas, uma menção especial, analisando-se sobretudo a parte rústica, onde surgem certas disparidades dignas de nota, visto que demonstram ser muito desigual a carga tributária entre certas regiões do Pais.
Assim é que, arcando o distrito de Braga com o mais elevado peso, de 34$80 por hectare, o distrito de Beja apenas paga o mínimo de 7$30 por hectare.
É que no distrito de Braga o rendimento colectável, por hectare, é de 239$50, quando no distrito de Beja não passa de 49$00.
Tais números não podem deixar de levar a pensar nos problemas básicos das mais importantes contribuições e impostos, quais sejam os problemas das matrizes prediais e os problemas do cadastro.
As matrizes prediais nasceram já com manifestas insuficiências, e com injustas desigualdades e disparidades de região para região, e até de prédio para prédio.
Certas insuficiências ainda poderão ter-se remediado ulteriormente, embora seja vulgar ser tam difícil obter a identificação de alguns prédios que só à sorte lhes é dado um dos irreconhecíveis artigos inscritos.
Mas onde nada se remediou e, antes, onde tudo se foi tornando pior foi nos rendimentos colectáveis inscritos, que já .a princípio, em situações de injustas proporções de valores, viram tais injustiças sucessivamente agravadas pelos processos de correcções matriciais feitas singelamente pela aplicação de factores.
Só a inspecção directa pode pôr cobro a tais injustiças, mas inspecção directa feita em globo, metodicamente e com as demais garantias do cadastro, e não inspecções directas isoladas, que tantas e tantas vezes só têm servido pura agravar as disparidades já existentes.
Urge activar, Sr. Presidente, os serviços dos levantamentos cadastrais e tratar da conservação do cadastro dos concelhos que já o têm, e evitar também que andem ainda hoje dispersas por vários Ministérios verbas destinadas a levantamentos, cuja. centralização se impõe no Instituto Geográfico e Cadastral.
O número de prédios rústicos inscritos nas matrizes, no continente e ilhas, era em 1940 de 11.587:543.
Comparando esse número com o número de prédios rústicos que existiam no amo de 1916, de 11.358:659, vê-se ter havido um aumento, neste período, de 128:884 prédios.
^Acaso .se poderá considerar este elevado número de novos prédios rústicos como inscrições de prédios omissos?
Por forma alguma. Tais prédios foram, na sua grande maioria, (resultantes, de partilhas e divisões de outros prédios já inscritos, continuando assim a verificar-se uma extrema divisão e parcelamento da propriedade rústica, absolutamente antieconómica e anti-social.
É que o minúsculo prédio assim existente nada já interessa à produção agrícola, é parcela, encravada, língua de terra insidiosa que um mau vizinho obstinadamente mantém, e donde tantas vezes surgem os males e doenças que vão atacar as culturas dos vizinhos diligentes e cuidadosos.
É sobretudo no norte do País que a propriedade se acha mais dividida, mas não deixa de interessar ver até que ponto vai já hoje o extremo parcelamento da
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propriedade rústica, o que pode avaliar-se pelos seus rendimentos colectáveis.
Com efeito, e seguindo os escalões estatísticos, há no continente e ilhas:
5.218:324 prédios de rendimento colectável até 15$.
4.738:729 prédios de rendimento colectável de 15$01 a 100$.
1.529:043 prédios de rendimento colectável de 100$01 a 500$.
158:022 prédios de rendimento colectável de500$01 a 1.000$.
82:445 prédios de rendimento Colectável de 1.000$01 a 5.000$.
10:924 prédios de rendimentos colectável de 5.000$01 a 20.000$.
2:349 prédios de rendimento colectável de 20.000$01 a 100.000$.
130 prédios de rendimento colectável de 100.000$01 a 500.000$.
4 prédios de rendimento colectável superior a 500.000$.
O quadro é ,por tal forma eloquente que dispensa quaisquer comentários.
Quási metade do número de todos os prédios rústicos inscritos nas matrizes é constituído por prédios que não chegam a ter rendimento colectável superior a 15$, ou se. j a um valor venal de 300$!
Que importância pode ter para a produção agrícola uma unidade agrária de tal natureza?
Mas não é só em Portugal que o fenómeno se verifica.
O engenheiro agrónomo Henri Bichard ainda há menos de um ano dizia que a França se havia deixado cair numa extrema divisão da propriedade, e que era necessário recoser o manto da França, fazendo a comparação com o sistema de divisão da propriedade nos países do norte, onde o legislador, há mais já de cem anos, procura evitar o fraccionamento da propriedade, datando de 1821 a primeira lei votada na Alemanha sobre o assunto, mas citando operações realizadas já na Suábia no século XYI.
E o certo é que em França a lei Chanveau, de 27 de Novembro de 1918, aperfeiçoada pelo decreto-lei de Outubro de 1935, vem já facilitar o emparcelamento.
Em Portugal foi publicado, em 10 de de Maio de 1919, o decreto n.º 5:705 a estabelecer o emparcelamento, mas não só veio ele desacompanhado de qualquer relatório, como também jamais se pensou depois na sua regulamentação, ficando até hoje como letra morta.
Em 17 de Abril de 1940 aludiu ao assunto o Sr. Ministro da Agricultura, e hoje Ministro da Economia, em uma notável conferência, transmitida ao País pela Emissora Nacional, mas ainda até hoje não foi promulgada a legislação necessária a obstar aos males apontados, legislação que não é só de natureza económica, mas que mester é levar muito mais longe.
Se o fenómeno da extrema divisão da propriedade se acentua no último século, e se ele é bem mais intenso no norte do País, quais terão sido as causas que o determinaram?
Sigamos o que diz o insuspeito Correia Teles, a que dá toda a actualidade o precioso estudo do mestre eminente da história do direito que é o Sr. Prof. Dr. Manuel Paulo Mereia.
O liberalismo vencedor atacou, em dementa da fúria iconoclasta, velhas instituições, aliás tam úteis e adaptadas à nossa estrutura social que o seu desaparecimento fatalmente havia de acarretar bem longas p penosas consequências.
É vulgar citar os morgados, mas bem mais importante do que a extinção dos morgados foi a conversão dos prazos de nomeação em fateusins, pois, como diz Correia Teles, há cem vezes mais prazos de vidas do que havia de vínculos.
E, no entanto, o nosso Código Civil, com uma inconcebível leviandade, decreta essa conversão, estabelece a partilha igualitária e, com todo o seu feroz individualismo, cria-nos a situação presente.
Para a superior competência do eminente civilista que é o Sr. Ministro da Justiça venho apelar, pois é urgente harmonizar os preceitos do Código Civil com os princípios da nossa Revolução Nacional.
Apoiados.
É certo que já se estabeleceu na lei a instituição do casal de família, mas tudo por tal forma feito que ignoro que tal lei haja tido já qualquer aplicação prática.
Olhemos para a função social e familiar da propriedade, sendo para fixar a nota apresentada pelo Sr. Dr. Luiz Lopes Navarro, na sua excelente dissertação, de na Alemanha já existirem, em regime de Erbhof, 700:000 casais com uma área superior a metade de todo o território agrícola da nação, não devendo cada um ter área inferior a 125 hectares.
A importância do assunto levar-nos-ia a largas considerações, mas o tempo que nos é dado não no-las permite, tanto mais que ainda alguma cousa é bom dizer sobre u parte das receitas que respeita ao imposto sobre sucessões e doações.
Ainda, Sr. Presidente, não se harmonizou, até hoje, a legislação que regula este imposto com os princípios da nossa Constituição Política, que, no seu artigo 14.º. n.º 3.º, manda Regular os impostos de harmonia com os encargos legítimos da família.
Analisando o movimento da liquidação deste imposto no ano de 1940, encontra-se o seguinte:
[... ver tabela na imagem]
Número da transmissões Imposto liquidado
A favor de descendentes 123:507 57:247.047$90
A favor de ascendentes 2:464 3:212.547$99
Entre cônjuges 3:306 12:501.931$40
Entre irmãos 5:891 12:231.805$26
Entre colaterais (3.º grau) 7:504 17:692.252$77
Entre estranhos 7:427 22:238.859$77
Total 150:299 125:124.472$09
Na liquidação deste imposto não há a menor contemplação com os legítimos interesses da família, abandonaram-se taxas moderadas, que se começaram a lançar aos descendentes com alegados intuitos estatísticos, para as elevar sucessivamente a imoderadas alturas, e, para cúmulo, cria-se uma taxa uniforme de adicionamento, que já nem sequer atende aos graus de parentesco, nem ao valor das heranças.
Urge harmonizar, até para não sermos alcunhados de incoerentes, a liquidação deste imposto com os princípios básicos da nossa Constituição.
No Brasil adoptou-se, pelo decreto-lei de 23 de Maio de 1940, um curioso processo de redução no imposto de transmissão no distrito federal, e assim (artigo 5.º, S 2.º): «Quando na linha descendente os herdeiros necessários, contados por estirpes, forem dois, três ou quatro, e cinco ou mais, a importância do imposto recai sobre a parte da herança que lhes couber, e será reduzida de õ, 10 e 13 por cento, respectivamente».
E pelo artigo 7.º determinou-se que «as heranças que não excederem 10:000$000 réis ficam isentas de imposto de transmissão de propriedade causa mortis».
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Mas não será possível, no nosso orçamento, prescindir daqueles 57:000 contos, que se vão arrancar aos descendentes precisamente na, ocasião crítica em que, regra geral, caem na orfandade, e obtê-los de outras fontes de receita?
Cremos bem que sim, e um novo estudo e arranjo orçamental que desse satisfação a tam manifesto desejo nacional viria não só estabelecer a concordância entre a lei fiscal e as doutrinas proclamadas pela Revolução Nacional, mas também levar o alento e o conforto àqueles que sabem bem que nada conta a efémera vida humana, mas muito conta a família como base estável e fecunda da Nação.,
E para notar é ainda o facto de ir recair o maior peso deste imposto não sobre a família dos grandes centros, mas dos meios rurais, como pode ver-se da natureza e valor dos bens sobre que recaem as liquidações, ou sejam:
Sobre móveis ......... 11:001.522$92
Sobre dinheiro ........ 36:063.794$35
Sobre semoventes ....... 2:335.579$15
Sobre créditos. ........ 42:005.633$44
Sobre títulos (avença) ...... 17:535.588$05
Sobre mobiliários diversos . . 20:361.245$32
Sobre prédios urbanos ..... 392:844.388$26
Sobre prédios rústicos ...... 470:271.192$49
Quer dizer: os detentores da propriedade rústica (o poderoso esteio da ordem e da saúde moral, na notável expressão do ilustre relator), que já são os mais sobrecarregados pela contribuição predial e imposto complementar, são ainda as primeiras vítimas do imposto sobre sucessões e doações.
Sem tempo já para abordar outros factos que ressaltam do atento exame das contas, há no entanto afirmações que não devem deixar de ser feitas, embora em curto sumário.
E, assim, há que registar, e altamente louvar, as consideráveis economias nos encargos da dívida pública, onde há uma melhoria de perto de 121:000 contos.
Há que estranhar a parca dotação dos serviços de saúde pública, inferior até em uns milhares de contos à- dotação dos serviços pecuários.
Há que estranhar a aplicação do imposto de justiça e remuneração do pessoal forense, manifestamente insuficiente e, em alguns casos, atentatória da própria dignidade da função.
Há que admirar como foi possível manter, quási no nível anterior, as despesas do Ministério dos Negócios Estrangeiros nestes tempos de intensa actuação.
Há que louvar importantes verbas destinadas a obras de fomento, e tantas e tantas outras manifestações de progressiva actividade de tam alto interesse, que bem mereceriam especial menção.
E é neste sursum corda que, animado e confiante, dou o meu voto de aprovação às Contas Gerais do Estado de 1940.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Melo Machado: - Sr.. Presidente: muito poucas palavras, em virtude do adiantado da hora, mas, em todo o caso, algumas palavras que reputo necessárias.
Nunca aos antigos Parlamentos foi permitida uma discussão das contas .do Estado, pela simples razão de que nunca essas contas foram presentes aos antigos Parlamentos.
Felizmente que agora, em cada ano, religiosamente, se apresentam ao Parlamento as contas, acompanhadas por um largo parecer sobre as mesmas, e digo felizmente porque esta função de julgar as contas públicas é primacial para esta Assemblea.
Só tenho a lamentar que este assunto venha sempre em final de sessão e em hora tam apertada e breve que quási podemos dizer que discussão não existe. É-nos comunicado à última hora, num larguíssimo parecer sobre as contas, que o nosso ilustre colega Sr. Araújo Correia, com a sua paciência beneditina e a sua extraordinária competência, nos fornece, recheado de elementos tam interessantes que o parecer, só por si, é justificativo bastante da nossa vinda à tribuna.
O maior elogio que posso fazer deste documento é dizer que ele está feito de forma tam hábil que solicita o desejo de o discutir.
Mas é evidente, Sr. Presidente, que em pouco tempo, mal se podendo folhear este importantíssimo documento e não se podendo concretizar as ideas para discussão de tam importante assunto, só com sacrifício se pode vir a esta tribuna para falar sobre as Contas Gerais do Estado.
Quero também aproveitar a ocasião para lavrar o meu protesto por me não terem sido fornecidos uns elementos que eu pedi aos Hospitais Civis de Lisboa para melhor poder apreciar as suas contas, afinal uma cousa a que em meia hora se me poderia ter dado satisfação, tanto mais que eu não estou habituado a que assim se proceda.
O Ministério das Finanças, a quem tenho dirigido complicados requerimentos, origem de longos trabalhos, nunca deixou em tempo oportuno de enviar a resposta aos meus pedidos. No caso sujeito, não fiz o meu pedido para apreciar a má administração dos Hospitais Civis, mas queria frisar o facto de haver saldos consideráveis de gerência, como os relativos a anos anteriores, quando todos nós sentimos haver tantas necessidades que deixam de ser satisfeitas, tantas faltas que não encontram providências.
Apoiados.
Eu desejava, Sr. Presidente, apresentar à consideração da Assemblea e chamar a atenção do Sr. Sub-Secretário da Assistência, porque me parece que é a pessoa indicada para tal fim, para o facto de os orçamentos das câmaras municipais deste País estarem sobremaneira carregados com os pagamentos dos serviços prestados pelos Hospitais Civis àquelas câmaras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Percebe-se "que essas câmaras municipais, de tam minguados recursos e às quais tantas obrigações impõem, não podem condicionar verdadeiramente a administração, porque há uma verba, e essa é a dos Hospitais Civis, que nunca se sabe onde vai ter e depois é descontada nas receitas que o Estado cobra em seu nome.
É que, Sr. Presidente, não podem as câmaras municipais condicionar a entrada dos doentes nos Hospitais porque há quem, servindo-se de habilidades, introduza de urgência os seus doentes nos Hospitais, cujas contas as câmaras municipais depois têm de pagar, e assim sucede que as dívidas das câmaras municipais aumentam em cada ano.
O meu concelho já tem uma dívida de 300 contos, c amanhã terá de 500 ou 1:000 contos, porque lhe é impossível condicionar a administração dos seus dinheiros neste caso restrito. E, para estabelecer um paralelo com a Câmara Municipal de Lisboa, direi que paga aos Hospitais Civis uma avença, pelos serviços que lhe prestam, de 140 contos, 40 contos em dinheiro e 100 por serviços de matadouro ou quaisquer outros, ao passo que a Câmara Municipal do meu concelho paga anualmente aos Hospitais Civis 80 contos.
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Pregunto: Como é que se pode administrar assim, quando 10 por cento das receitas desaparecem desta maneira?
Cingindo-me, porém, ao capítulo das receitas, quero apenas chamar a atenção da Assemblea para o número.
Ainda há pouco o Sr. engenheiro Cancela de Abreu falou das famílias numerosas e do dever que temos, até pela nossa Constituição, de velar por essas famílias. E talvez, Sr. Presidente, eu encontre aqui um número que é profundamente impressionante justamente nesse aspecto, não digo das famílias numerosas, mas da família em geral.
A p. 20, no parecer do ilustre relator, no que diz respeito ao imposto sobre sucessões e doações, está este número verdadeiramente impressionante e para o qual chamo a atenção da Assemblea:
O imposto sucessório foi aplicado no que respeita às fortunas entre 100$ e 5 contos a 48:000 contos.
j Este imposto é arrancado às pessoas que têm a espantosa fortuna de 100$ até 5 contos e pior isso, Sr. Presidente, estes 48:000 contos foram arrancados à miséria, quando se fala da protecção à família!
O Sr. Araújo Correia: - V. Ex.ª está-se a referir ao valor do processo; sobre isso é que se aplica uma percentagem.
O Orador: - Tem V. Ex.ª razão, mas esses 48:000 contos não são mais que pobreza de numerosas pessoas, que ficou agravada com o imposto.
Aproveitando o ensejo de se ter falado em hospitais, devo dizer que também me impressiona extraordinariamente o facto de se revelar neste parecer que as despesas dos hospitais deminuíram 390 contos no que diz respeito a anti-sezonismo.
O Sr. Araújo Correia: - Essa deminuiçâo é no que diz respeito à saúde pública.
O Orador: - Quando se alarga a cultura do arroz e se desenvolve o sezonismo, deminue-se a verba destinada ao ataque dessa doença, que vai depauperando tristemente a nossa população rural.
Mas há outros números curiosos para os quais chamo a atenção da Assemblea e que demonstram a necessidade absoluta que tínhamos de ver com mais tempo estas contas.
Por exemplo, a construção dos hospitais escolares, que nós ainda não lográmos ver sequer nem nos alicerces, pelo menos não os conheço, já custou 11:250 contos.
Eu tive o cuidado de preguntar a alguns dos nossos colegas médicos, tanto do norte como do sul, se já havia qualquer cousa visível com respeito aos hospitais escolares. Responderam-me que não. Ainda mais, Sr. Presidente: o Manicómio de Lisboa, cuja edificação já existia anteriormente à actual situação política, no qual se gastaram já 26:000 contos e que continua fechado, quando por esse País fora os loucos andam perfeitamente à vontade sem poderem ser hospitalizados, encontra-se por assim dizer pronto, mas parece que não é possível fazer-se o mobiliário. Estas são as consequências das demoras excessivas nas construções, demoras que não posso compreender, porquanto qualquer obra particular cresce a olhos vistos. As do Estado arrastam-se por tempos infinitos, dando lugar a que obras como esta custem mais do dobro ou do triplo que deviam custar. A este respeito, Sr. Presidente, até mesmo este Palácio onde nós estamos já está também numa conta calada, sendo certo que a sua estrutura principal já existia: 21:598 contos tem custado este Palácio. Todavia, Sr. Presidente, não foi preciso fazê-lo de raiz, estava já feito desde o tempo dos frades. E lamentável que a simples modificação que sofreu tivesse custado uma soma desta natureza.
Não vim a esta tribuna simplesmente para me despedir dela, onde tenho sido demasiadamente assíduo (Não apoiados), mas quero terminar como comecei, sendo franco, sendo leal e sendo sincero.
São, evidentemente, de elogio as minhas palavras para com a administração do Estado, mas isso não quere dizer que em todos os campos da administração do Estado não haja oportunidade de pôr aqui e além algumas observações, que podem ser úteis, que podem ser convenientes e que entendo serem absolutamente necessárias em cumprimento da nossa primacial obrigação.
O Sr. Luiz de Pina: - V. Ex.ª dá-me licença?
Em 1930-1931 os serviços de saúde tiveram 5:139 contos e os serviços pecuários tiveram 3:506.
Em 1940 subiram, é certo, para 7:600 contos as dotações dos serviços de saúde, mas os da pecuária subiram para 9:640. Em resumo: gasta-se muito mais com os serviços de pecuária do que com os serviços de saúde.
Cada um tirará as conclusões que quiser ...
O Orador: - Tem V. Ex.ª razão.
A pecuária merece toda a nossa atenção, mas a principal riqueza dum país é a sua população, e isso deve merecer a melhor atenção.
O que acabo de dizer foi tudo quanto, em poucas palavras, pude tirar da leitura rapidíssima que fiz deste interessante documento e da observação dos seus números.
Uma vez que prometi ser breve, vou terminar fazendo votos por que nas futuras Assembleas as cousas sejam organizadas de forma a que os pareceres sobre as contas do Estado venham às mãos dos Deputados a tempo suficiente de poderem ser observadas com o cuidado que merecem, de modo a poder-se fazer uma crítica criteriosa e sincera da administração dos dinheiros públicos, que, apesar de ser feita com todo o cuidado e com uma honestidade que merece a nossa admiração e o nosso elogio, tem todavia, repito, muitos pontos em que se podem realmente focar pequenas deficiências, e esse exame é de toda a vantagem, não só para quem governa, mas também de utilidade para quem é governado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Antunes Guimarãis:- Sr. Presidente: muitas vezes e sobre variadíssimos temas subi a esta tribuna durante a 1.º Legislatura e a que hoje encerra seus trabalhos.
Dois assuntos, particularmente, têm atraído a minha atenção e merecido cuidadoso estudo: a proposta de autorização de receitas e despesas e as Contas Gerais do Estado.
Diplomas que abrangem toda a actividade do Estado chegaram sempre até nós acompanhados de substanciosos estudos, ou dimanados da Câmara Corporativa, ou assinados pela nossa ilustre comissão de contas, cujo relator, o Sr. engenheiro Araújo Correia, muito tem valorizado os trabalhos da Assemblea Nacional com uma série de pareceres em que a crítica é sempre inteligente e os alvitres oportunos.
Uma vez mais, Sr. Presidente, dentro da acertadíssima orientação dos anos anteriores, a ilustre comissão de contas apresenta um trabalho, que muito a honra, no qual outro ano, o de 1940, de administração do Estado Novo é posto em merecido relevo pela inteligência, devoção patriótica e notável competência com que fora orientada.
Apoiados.
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O exame dos diferentes capítulos de receitas e despesas e a apreciação dos variados sectores da administração são orientados por espírito de crítica minuciosa, mas invariavelmente construtiva, revelando um esforço de útil colaboração desta Assemblea Nacional com o Governo, expresso na série de alvitres oportunos e inteligentes, constantes do parecer, para que a obra do Estado Novo se amolde cada vez mais às conveniências legítimas da Nação e se atendam, tanto quanto possível, todas as aspirações justas.
No parecer agora apresentado sobre as contas do ano de 1940 aparecem estudos originais, entre os quais avulta o que desenvolve o importante e fundamental tema da «propriedade rústica», que continua a ser o campo de labor de mais de metade da população portuguesa.
Foca-se, numa série de números paciente e inteligentemente colhidos, a sua distribuição irregular nas diferentes regiões, salientando-se a sua pulverização ao norte do Tejo, com excepção da Beira Baixa, e, ao sul daquele rio, no Algarve. A contrastar com aquela nota de minimifúndios aparecem os latifúndios alentejanos, onde a área média dos prédios rústicos chega a atingir, como se verifica em Alcácer do Sal, 51 ha,7.
Devo notar que na região minhota os graves inconvenientes apresentados no parecer, como resultante da grande divisão da propriedade rústica, são atenuados ou suprimidos pelo agrupamento de variados prédios com diversas aptidões em casais.
Trata-se do agrupamento económico adaptado a absorver o trabalho da família, que ali colhe o preciso para se sustentar e a renda que paga ao senhorio. Mas como o trabalho familiar não basta para certos granjeios de maior vulto, recorre-se então aos vizinhos, que nunca faltam, antes acodem em ar festivo, para que resultem eficazes todas as manifestações de solidariedade, que muito embelezam e valorizam o trabalho colectivo, tam frequentemente realizado nas aldeias.
O casal vem de muito longe, do tempo em que as terras eram emprazadas por conventos e senhores, em lotes apropriados às diferentes culturas, sem faltarem as que produziam mato para os estábulos, que depois fertilizavam os campos, e as matas que davam lenha para a lareira e madeira para as construções.
A sua área variava com a produtividade do terreno; somada a superfície dos campos de lavradio, bouças de mato e outros prédios orçava por 5 hectares a sua média, com capacidade de produção para pagar a renda de quatro carros de cereais e de feijões, a que se juntava o vinho, do qual dois terços cabiam ao senhorio, algum azeite, fruta, linho, galinhas, etc.
Geralmente o casal sustenta uma junta de bois, a que geralmente se adiciona alguma vaca, um ou dois porcos, etc.
Em certas regiões disfruta o direito à moenda da respectiva fornada, em velhos moinhos a água ou a vento, f. acontece, embora raramente, aproveitar as vantagens de alguma pesqueira.
Junto da costa, onde os matos escasseiam, é o mar que fornece grande parte dos fertilizantes, que os lavradores ali vão colher, geralmente constituídos por sargaço e pilado.
Noutras eras os casais beneficiavam das lições sobre agricultura recebidas nos mosteiros, sobretudo beneditinos, que constituíam autênticas escolas agrícolas, como geralmente os passais preenchiam as funções de escola primária, em que a missão do professor era desempenhada pelo pároco.
Havia casais de maior área, embora pouco frequentes, capazes de sustentar duas juntas de bois.
Na minha opinião esta fórmula tam antiga ainda se adapta às exigências económicas presentes.
Em muitos casos beneficiariam de uma fórmula de emparcelamento de glebas que não prejudicasse o equilíbrio das diferentes culturas e de melhor distribuição de águas de rega e de lima, para o que seria recomendável a generalização, até à propriedade média, das vantagens financeiras e técnicas da lei dos aproveitamentos hidroagrícolas, mas deixando-se sempre a iniciativa das obras e a sua administração aos povos rurais, porque não deixariam de concorrer gratuitamente para que o seu preço não resultasse incomportável, como infelizmente se tem verificado em obras recentemente realizadas pelo Estado.
Se ao que fica exposto se juntasse uma política de créditos a juro muito baixo e longa amortização para nitreiras e silos, se facilitassem calagens e outras correcções de que a terra está geralmente carecida e, ainda, se fosse intensificado o fornecimento de boas sementes e de fruteiras, tudo acompanhado da indispensável assistência técnica, os casais voltariam a constituir o tipo ideal da lavoura para fixação de famílias.
Mas importa também que a vida rural não seja perturbada com tabelamentos excessivos de géneros, que não deixam margem para um nível de vida razoável, que os roubos sejam reprimidos por eficaz policiamento rural e ainda que a burocracia deixe em sossego as actividades rurais, para que o trabalho possa prosseguir na faina dura e perseverante donde sai a alimentação pública e grande parte das receitas do erário.
Sobre a urgência da electrificação rural e a necessidade, cada vez mais instante, de se tornar possível e eficaz a instrução primária, não dissertarei, mais uma vez, Sr. Presidente, neste momento, porque muito tempo já tenho tomado à Aseemblea sobre tam importantes temas e mo meu projecto de lei sobre o Casal da Escola, publicado no Diário das Sessões, o problema da instrução rural é abordado com algum desenvolvimento.
No douto parecer da nossa comissão de contas afirma-se, logo de entrada, a conveniência de se fazer o cômputo das cobranças totais do Estado, Fundo de Desemprego, organismos corporativos e autarquias administrativas, a fim de se avaliar o total da carga tributária.
Louvo esse oportuno alvitre, porque já constitue lugar comum afirmar-se que o contribuinte português paga pouco. E se, simultaneamente, inquiríssemos do valor das ofertas para fins de assistência, para melhoramentos rurais e outras obras de alcance colectivo, ofertas expressas em dinheiro, em diversos valores e precioso e devotado trabalho, chegaríamos à conclusão de que os portugueses, ou por força das diversas leis tributárias, ou por obediência a variadíssimas e quási sempre dispensáveis exigências burocráticas e, sobretudo, mercê da sua incomensurável generosidade, continuam a contribuir com avultada cota parte dos seus rendimentos, do seu capital e do seu trabalho para as despesas do Estado e prosperidade da Nação.
Contudo, importa não esquecer, como afirmei desta tribuna, ao pronunciar-me sobre a proposta de lei relativa aos lucros extraordinários de guerra, a- mentalidade muito particular dos portugueses em matéria fiscal, pois vexa-os toda e qualquer devassa, embora não ignorem que o cálculo presumível dos lucros, sempre orientado por indicadores infalíveis, terminará por contribuí-lo com o que é devido ao Estado e, muitas vezes, com mais do que seria razoável.
Para é a página das Contas Gerais do Estado, bem como do notável parecer da nossa ilustre comissão, que não atraia a nossa atenção para nos convidar ao seu bem merecido estudo e correspondente apreciação crítica, quási sempre para aplaudir.
Reconheço, porém, que devo ser breve, razão por que terminarei com algumas apreciações sobre o que muito
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oportunamente, no capítulo «Saúde pública», se diz acerca da deminuição de natalidade, que passou de 29,67 em 1930 para 24,66 «m 1940, sem que se tenha verificado redução na mortalidade nos últimos anos, e, desgraçadamente, em 1940 se registasse algum recrudescimento. O saldo líquido do movimento demográfico, que em 1932 orçava por 83:000 habitantes, deminuíu para 59:737 em 1940.
Diz-se no parecer que, dos aspectos mais graves do regime de vida nacional, o da mortalidade infantil avulta ainda com proporções alarmantes, embora se note certo decrescimento nos últimos anos.
Julgo merecedores de referência os resultados da obra de puericultura realizada por algumas juntas de província (Apoiados), das quais destacarei apenas a da Estremadura, com sede em Lisboa, e a do Douro Litoral, com sede no Porto, por não ter à mão elementos respeitantes aos restantes organismos congéneres.
A primeira, actualmente presidida pelo nosso ilustre colega Sr. coronel Linhares de Lima, que sucedeu a outro colega nosso, também muito distinto, Sr. major Santos Pedroso, como este, por sua vez, substituíra, nas suas altas funções, o antigo e ilustre Deputado Sr. engenheiro Carlos Santos, administra dezoito dispensários de puericultura, de colaboração com o Ministério da Educação Nacional, Obradas Mais pela Educação Nacional, Direcção Geral de Saúde, Legião Portuguesa, câmaras municipais da província e outras entidades colectivas e particulares.
Daqueles dispensários dez trabalham em Lisboa e os restantes espalham-se por Almada, Azeitão, Cascais, Parede, Peniche, Setúbal, Sobral de Monte Agraço e Torres Yedras. Beneficiam da assistência ali recebida, que se traduz em consultas médicas, visitas domiciliárias, medicamentos e alimentação, cerca de 3:000 crianças.
A mortalidade tem decrescido, as moléstias deminuem e verifica-se, de uma maneira geral, o robustecimento daquela numerosa população infantil.
Por sua vez a Junta de Província do Douro Litoral, sucessora da grande obra de assistência da antiga Junta Geral do distrito do Porto, actualmente presidida pelo nome prestigioso do Dr. Almeida Garrett, director da Faculdade de Medicina e da Maternidade Júlio Diniz, apresentou em 31 de Janeiro último, no 10.º aniversário do Instituto de Puericultura, da iniciativa daquele muito ilustre professor, números verdadeiramente eloquentes.
Assim, pelos seus diferentes postos de protecção à infância, verificaram-se 81:664 visitas de informação, propaganda e ensino»1; 29:900 inscrições novas; 102:474 medicações; 471:294 pesagens; 287:190 consultas de higiene e medicina; 38:873 sessões de raios ultravioletas; 81:006 tratamentos (injecções e curativos); 37:827 vacinações contra a varíola e 3:332 vacinações contra a difteria.
Registaram-se dádivas de leite fresco, que somaram 576:076 litros; de leite em pó, 37:872 quilogramas; farinhas, 78:712 quilogramas.
Anexos aos dispensários funcionam postos municipais de lactação, onde foram distribuídos 13:130 litros de leite.
Esta benemérita instituição, além das dotações da Junta de Província, tem recebido o valioso concurso da Câmara Municipal do Porto, que no ano findo contribuiu com 200 contos; da Direcção Geral de Saúde, que entrou com 68 contos; da Faculdade de Medicina, com 10; sendo ainda digna de destaque a. acção benemérita do Rotary Club, que tem oferecido muito vestuário e apólices de seguros às crianças. Merece realce a colaboração dedicada de médicos, visitadoras e de outras entidades.
Os resultados verificam-se num gráfico que pode examinar-se na sede daquele corpo administrativo, no Porto, como autêntico título de glória da sua actuação. Nele se verifica que nos últimos dez anos a mortalidade infantil, até aos dois anos, baixou, na cidade do Porto, de 30,8 por cento em 1931-1932 para 24,7 por cento em 1939-1940.
Mas a influência da obra do Instituto de Puericultura ressalta mais evidente da comparação da mortalidade entre três meses e dois anos, que é o período em que mais intervém a sua acção. Vê-se que baixou para 16,3 por cento, resultado muito bom, mesmo comparado com as percentagens de muitas nações, atendendo às condições económico-sociais do Porto.
Salvaram-se mais de 3:000 vidas nos últimos dez anos. ; Se aquela abençoada assistência se tivesse generalizado a todo o país, salvar-se-iam para cima de 100:000 vidas!
Há a acrescentar o notório robustecimento verificado, de uma maneira geral, nas crianças que recebem os benefícios do Instituto de Puericultura do Porto.
Não me refiro, por falta de tempo, à grande obra da. Junta de Província noutros campos de assistência, e onde a eloquência dos números confirma também os benefícios ali colhidos.
Sr. Presidente: verifica-se que a obra de restauração económico-social que o Governo vem tenazmente realizando, como se verifica, com tanta satisfação, pelo exame das contas e leitura do parecer que as aprecia, tem colaboradores inteligentes e absolutamente devotados, o que constitue garantia sólida de que o Estado Novo, em todos os capítulos da sua feliz administração, mas neste caso especial, que respeita ao robustecimento da raça e preparação dos futuros soldados da Pátria, já muito conseguiu e acabará por triunfar!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Pinto da Mota: - Sr. Presidente: dos deveres que nos incumbem como fiscais dos actos administrativos das chamadas províncias da administração pública nenhum é mais importante nem mais imperativo do que o da discussão das contas do Estado, pois que nestas é que se vê a direcção geral política e as suas 4erivadas.
Não pudemos dispor para a discussão deste momentoso assunto de mais do que breves minutos.
O que valerá é que há-de ficar das contas do Estado o admirável relatório feito pelo nosso ilustre colega Sr. engenheiro Araújo Correia, que honra esta Câmara e honra S. Ex.ª, e é demonstrativo da mais alta cultura económica, de forte, serena e reflectida inteligência e da dedicação e solicitude patrióticas que estas questões lhe merecem.
Tenho pena de não poder lembrar-me dos meus tempos antigos, rejuvenescer as minhas antigas ideas e poder servir-me do admirável relatório de S. Ex.ª para poder fazer, em comparação com os pareceres dos outros anos, o que se chama o gráfico das realizações políticas da nossa situação, da política de assistência, da política de sanidade, da política do fomento, emfim de tudo, de maneira a podermos deduzir dessa curva a lei do seu desenvolvimento ascensional ou descensional, para aplaudir ou cooperar por uma crítica construtiva para as correcções úteis.
Mas milagre foi se pudemos ler algumas páginas c se as pudemos digerir.
Também tenho pena - e nisso concordo com o ilustre relator, quando diz que deveria também saber-se o que se paga para os municípios, o que se paga para esta cousa chamada corporativismo, para o «desemprego», emfim o que se paga de todas as maneiras, para se poder
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avaliar a carga fiscal que cai sobre o contribuinte -, e acrescentarei: também tenho pena de que não possa manobrar as estatísticas, de forma a ficarmos sabendo se neste País se come melhor ou se come pior, se neste País se veste pior ou melhor, em fim se há ventura ou desventura, de forma a poder fazer as curvas em que se pudesse ver se a marcha da fortuna do Estado é ascensional ou descensional, em relação à da Nação, ou se faz, como a desta, o que se chama, o fenómeno das atesouras».
Poderá o País aguentar com aquilo que nós quisemos por escolha? Julgo que não tem possibilidades para isso, possibilidades económicas.
Mas não se admirem V. Ex.ªs nem imaginem que isto é qualquer censura a durezas governativas; é sim um ataque directo, claro, à Assemblea Nacional e a mim próprio, .porque nós, com o compreensível entusiasmo pelo Estado Novo, fomos, quando posta à nossa escolha, para a alternativa da restauração económica e do fomento a todo o pano, em vez de aceitarmos uma directriz governativa mais modesta.
Estamos agora a sofrer as consequências do que fizemos. Fomos nós que assim o quisemos; não podemos queixar-nos de ninguém, pelo que nada tem de admirar que a Assemblea Nacional pense no remédio ou, pelo menos, no paliativo para que este estado de cousas não continue. Que efectivamente o País não pode com tanta sobrecarga, suponho que é indiscutível.
Das despesas que se fazem com o corporativismo não faço idea. O que é certo é que estamos numa época experimental das virtudes do corporativismo. E pouco temas lucrado. O que há é uma grande confusão. Globalmente o que se vê é que o corporativismo veio criar uma superstrutura burocrática mais bem paga do que a outra, o que irá influir certamente no futuro, quando mais não seja para que a burocracia propriamente dita possa reclamar, ao menos, paridade de vencimentos.
O Sr. Belfort Cerqueira: - V. Ex.ª dá-me licença? Não julgo que V. Ex.ª possa fundar-se em razões concretas para afirmar que realmente dos esforços e da actuação do corporativismo não tenha resultado nada em Portugal.
O Orador: - Não disse nada; disse pouco.
O Sr. Belfort Cerqueira: - Então ouvi mal.
O Orador: - Mesmo era incoerente, porque numa intervenção que aqui fiz há pouco tempo disse que alguma cousa tem feito o corporativismo.
Vou fazer uma análise breve do assunto em discussão.
Em primeiro lugar vou falar do segundo mapa, onde vêm as receitas ordinárias orçamentada.» e cobradas, a p. 206-(-3) do parecer.
Vê-se por este mapa, e quem fizer a soma e tirar á média vê melhor, que as sobras andam todas à roda da média, e de maneira que pode parecer que já se fez o orçamento para essas sobras.
No orçamento as sobras aparecem com uniu diferença pequenina, de palmo. Mas, depois, nos resultados, nas Contas Gerais do Estado, aparecem diferenças quilométricas. Poderá preguntar-se se isto é feito de propósito. Não é. Mas pela crítica de alguns dir-se-ia que temos agora um «carrilhismo» às avessas. Disso se encarregam os nossos inimigos com uma fobia especial.
Quere dizer: nos tempos da Monarquia, para se esconderem ao público as desgraças dos deficits, o Sr. Carrilho, então director geral da contabilidade pública e grande técnico nestas questões, de uma rara virtuosidade, arranjava sempre maneira de camoufler esses deficits. Era um disfarce, mas que se aceitava e compreendia. O País não perdeu inteiramente com isto. Éramos um país novo, com pouca indústria, na infância, por assim dizer, com uma economia atrasada. Éramos um país agrícola que precisava de ser ajudado. E esse regime dos deficits continuados teve defeitos, mas teve a virtude de ajudar ao enriquecimento.
Fazemos agora orçamentalmente o contrário; mas não para camoufler, por previdência e por prudência. E necessário aguardar a consolidação dos superavits.
Pode haver uma variação, e de grande amplitude, que assim fica abrangida dentro desta previdência e cautela; e, no regime que nós temos, com a nota inconvertível e seguindo os exemplos da moeda empírica inglesa, precisamos de ter um orçamento super-equilibrado. E muito fácil, na época que atravessamos, em qualquer orçamento haver um erro que, projectando-se a distância, se transforme mima grande diferença.
O segundo reparo que tenho a apresentar é quanto u contribuição predial rústica do norte; refiro-me aos distritos de Braga e de Viana, cuja lavoura continua caída por terra.
Tenho pedido todos os anos piedade para o Minho, mas as minhas vozes ainda não conseguiram a satisfação que julgo mereciam.
É certo que o preço do milho já esteve pior do que está, mas o futuro pode desde já anunciar-se terrorista. As comissões reguladoras de preços arranjaram para a lavoura uma situação insustentável. É preciso que os preços sejam regulados de forma a prevenir o fenómeno das tesouras, que é congénito na agricultura e deriva da distância dos preços da lavoura em relação aos do comércio e da indústria, e esta distância não foi prevista nem prevenida com relação à lavoura, cujos preços de trigo e milho são os mesmos do ano passado.
O Sr. Deputado Araújo Correia levou a sua gentileza e carinho pelo Minho ao ponto de apresentar em apêndice um trabalho feito sobre a média das propriedades. Julgo que S. Ex.ª está equivocado.
No meu concelho há .muitas propriedades superiores a 2:500 metros quadrados, e até a 2, 3, 5 e mais hectares, e no mapa de S. Ex.ª está tudo abaixo do 2:500 melros quadrados ou igual.
O Sr. Araújo Correia: - Mas repare V. Ex.ª que o que aí está é a média do concelho.
O Orador: - Sei: é a média aritmética. A realidade agrícola é outra; em lodo o caso, como minhoto, agradeço a V. Ex.ª
Para poder mostrar a situação do Minho formulei uma pequena hipótese, que bem demonstra como o Minho está sobrecarregado.
Supus um campo que tenha de rendimento 80 alqueires de milho e três pipas de vinho.
O que se costuma, fazer é cortar ao meio o rendimento bruto do milho e ir ao vinho e tirar um terço para custeio; é êste o rendimento colectável.
Antigamente o milho estava- a 500 réis. Para o rendimento colectável punha-se então o valor do milho, que dava 20$000 réis, e para- o vinho 15$000 réis, o que dava para rendimento colectável uma soma de 50$000 réis, e o que, com 18,5 por cento de percentagem final, obrigava a pagar uma contribuição de 9$250 réis.
Hoje não estão assim as cousas. O rendimento colectável multiplicou-se por 50 e sobre isso incide a percentagem de 18,5, o que quere dizer que pagamos ouro e recebemos papel.
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No tempo antigo, com o milho a 500 réis o alqueire, para pagar a contribuição chegavam 20 alqueires, sobrando outros 20 e todo o vinho, ou sejam:
36|000 + 10$000=46$000 réis,
quantia esta que era ouro, ou sejam 2.300$, mas que, mesmo multiplicada por 22,5, daria, em escudos,
1.035$
Tome-se nota.
Hoje, para pagar a contribuição, que é de, em escudos,
462$50,
são precisos:
Com o milho na média de 9$ (assim estivemos anos) mais de 50 alqueires - o que quere dizer que o milho de renda (40 alqueires) só produz 360$ e que é preciso ir buscar os 102f 50 restantes ao vinho, e que se obtém em dinheiro (com a pipa a 350$)
700$ -102$50=597$50;
Com o milho a 12$, em média, e o mesmo preço para o vinho:
18$+700$=718$;
Com o milho a 14$, em média, e o mesmo preço para o vinho, obtém-se
98$ +700$=798$;
Com o milho a 18$, como está agora, obtém-se
288$+700$ =988$,
pois que, além do vinho (a 350$ cada pipa), sobram 16 alqueires. Ora esta última quantia - 988$ - ainda não chega à de 1.035$.
Todavia, como o lavrador se contenta com pouco, voltou a alegria aos campos, voltou a euforia, a campina verdeja; e tudo está em que a cavalaria fiscal não volte a pô-los nus, a pô-los a terrear.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate. Está na Mesa uma proposta de resolução, referente às Contas Gerais do Estado. Ê redigida nestes termos:
Proposta de resolução
A) A cobrança das receitas públicas durante a gerência compreendida entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 1940 adaptou-se, tanto quanto possível, às condições económicas do País, tendo sido feita de ^ harmonia com os termos votados na Assemblea Nacional e mais preceitos legais;
B) As despesas públicas, tanto ordinárias como extraordinárias, foram feitas de harmonia com o disposto na lei;
C) O produto de empréstimos contraídos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais;
D) Foi mantido durante o ano económico o equilíbrio orçamental e é verdadeiro e legítimo o saldo de 176:193 contos apresentado nas contas respeitantes a 1940.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 21 de Fevereiro de 1942. -O Deputado José Dias de Araújo Correia.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se esta proposta de resolução.
Posta à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão as contas da Junta do Crédito Público de 1940.
Pausa.
O Sr. Presidente: -Como nenhum Sr. Deputado pediu a palavra, vou pôr à votação uma proposta de resolução que se encontra sobre a Mesa, e que diz:
Proposta de. resolução
A Assemblea Nacional:
Considerando que durante a gerência de 1940 continuou, e acentuou-se consideràvelmente, a progressiva redução da dívida pública e dos seus encargos gerais, e fez-se a conversão facultativa da maior parte da divida externa, com evidentes vantagens do mais largo alcance para o País - de ordem política, económica e financeira;
Considerando que a política do Governo sobre a dívida pública revelou um superior sentido de oportunidade e de visão dos acontecimentos quanto à divida externa e foi sempre a mais conveniente aos interesses da Nação:
Resolve dar a sua plena aprovação às contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano económico de 1940.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 21 de Fevereiro de 1942. - O Deputado João Lufe Augusto das Neves.
Posta à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está assim terminada a matéria da ordem do dia.
Como V. Ex.ªs sabem, com esta sessão terminam os trabalhos da 2.ª Legislatura.
A situação excepcional criada pela guerra e os cuidados que ela suscita não consentiram que actividade da Assemblea Nacional, sobretudo nos dois últimos anos, fosse tam intensa e tam fecunda quanto nós desejaríamos.
Mas, dentro daquilo que as circunstâncias permitiam, julgo que desempenhámos conscienciosamente o nosso mandato e que cumprimos honestamente o nosso dever para com a Nação.
Apresento a V. Ex.ª os meus cumprimentos de despedida e agradeço-lhes reconhecidamente a boa e leal cooperação que sempre me dispensaram e as manifestações de apreço com que me distinguiram.
Proponho a V. Ex.ªs que dêem um voto de confiança à Comissão de Redacção «para dar forma definitiva aos textos votados pela Assemblea e que ainda aqui não foram apresentados. Refiro-me (principalmente à proposta de lei relativa aos lucros de guerra e ao projecto de lei do Sr. Cancela de Abreu, pois quanto ao projecto de lei respeitante ao Sr. Azevedo Coutinho talvez a Comissão de Redacção não tenha nada que modificar.
O Sr. Pinto da Mota: - Sr. Presidente: pedia licença a V. Exª para propor à Assemblea um voto de agradecimento e de reconhecimento pela acção do nosso Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Albino dos Reis: - Pedi a palavra, mas, antes de usar dela, desejo salientar que me parece que o seu uso nesta altura, e sobre o assunto de que vou tratar, não é" permitido à face do Regimento. Porém, no final desta legislatura, eu julgo interpretar o sentimento da Assemblea exprimindo a V. Ex.ª quanto todos estamos
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convencidos de que o aprumo, a dignidade e correcção com que V. Ex.ª tem exercido a Presidência desta Casa ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- ... é certamente o maior dos factores com que ela tem suportado as circunstâncias difíceis em que tem exercido o seu mandato.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: V. Ex.ª referiu-se à situação difícil .em que decorreu esta legislatura, difícil porque não podia haver verdadeira serenidade, visto que a sua atenção estava concentrada em assuntos de alta importância.
Entretanto, Sr. Presidente, a própria dificuldade das situações emergentes durante estes dois anos também, de certa maneira, concorreu para que a Assemblea se prestigiasse. Elas determinaram a vinda aqui do Sr. Presidente do Conselho repetidas vezes, e esse facto não pode deixar de ter concorrido no espírito público para prestigiar esta instituição.
Veio o Sr. Presidente do Conselho esclarecer aqui o País sobre a marcha das nossas relações externas em momentos perturbados da nossa política e deu ocasião a que esta Assemblea fosse o intérprete da indignação, do clamor e dos protestos nacionais.
Se não fora senão isso, já a Assemblea teria servido para muito.
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Apresentou V. Ex.ª as suas despedidas e com elas os seus agradecimentos. Nós queremos afirmar a V. Ex.ª - e dizendo-o estou convencido de que interpreto o sentir de todos nós - que levamos de quatro anos, e eu já de oito, de trabalhos nesta Assemblea sob a alta direcção de V. Ex.ª a mais simpática e mais viva das recordações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E V. Ex.ª pode ter a certeza de que, quando daqui a pouco lhe apertarmos a mão, na nossa irá o calor da nossa sinceridade è do reconhecimento pela maneira por que V. Ex.ª com tanta bondade conduziu os trabalhos da Assemblea e nos teve de desculpar algumas vezes.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam o voto de confiança à Comissão de Redacção deixam-se ficar sentados; os que o rejeitam levantam-se.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Está1 encerrada a sessão. Eram 18 horas e 27 minutos.
O REDACTOR - Luiz de Avilez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA