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26 DE NOVEMBRO DE 1943 3

Há duas espécies de optimismo: o optimismo patológico e doentio, que ignora as realidades da vida e constrói para si um mundo imaginário; o optimismo fisiológico e saüdável de quem sente em si confiança para todas as temeridades e fôrça para todas as realizações. O primeiro é alucinação; o segundo é triunfo.
Era dêste segundo tipo o optimismo de Duarte Pacheco.
Uma revelação característica do seu optimismo confiante e ousado: em 1926 Salazar retirara para Coimbra, silencioso e desencantado, depois de uma breve experiência política. Passam-se dois anos; em Lisboa as cousas não corriam bem; era necessário um Homem que pusesse ordem ,e claridade no descalabro das finanças públicas; os olhos voltavam-se, ansiosos e esperançados, para uma casa da Rua dos Grilos da velha cidade universitária. Mas quem havia de arrancar Salazar ao recolhimento da sua vida e à tranqüilidade dos seus livros?
Duarte Pacheco era então um jovem de 29 anos; não conhecia Salazar. Pois não hesita em tomar sôbre si a missão difícil de o convencer a aceitar o maior o mais pesado sacrifício que podia ser-lhe exigido.
Quem poderia prever nesse momento que quinze anos mais tarde Salazar havia de acompanhar ao cemitério, numa mal contida expressão de desalento o angústia, o corpo do desventurado moço que o fôra buscar a Coimbra?
É cedo ainda para se lavrar sentença definitiva e segura sôbre a obra de Duarte Pacheco. O tempo, o grande e infalível distribuïdor de justiça, há-de pôr no lugar que merece a figura desse estadista.
Mas uma cousa pode já ter-se como certa: que a morte prematura de Duarte Pacheco privou o País, tam pobre de valores humanos, de um dos homens com quem confiadamente podia contar nestes tristes e amargurados dias em que de cada lado e a cada momento surge um problema grave em que manter-se de pé e viver é uma maravilha de equilíbrio que desafia as qualidades mais nobres e as competências mais experimentadas.
Sem nenhuma sombra de exagêro se tem de reconhecer que o desaparecimento do Ministro Duarte Pacheco assume as proporções de uma verdadeira perda nacional.
Porque assim é, e porque tombou descuidada e desprendidamente ao serviço da Nação, inclino-me, respeitoso e reverente, perante a sua memória, e proponho que no Diário das Sessões de hoje fique exarado um voto de profundo sentimento pela sua morte.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente do Conselho: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: espero que a Câmara me desculpará de ser breve, excessivamente breve talvez, deixando para outro momento aquelas palavras de louvor e de justiça que uma estreita e intensa colaboração de muitos anos me dará especial autoridade para dizer um dia. Feliz serei se, esbatido então já o sentimento e criada a necessária perspectiva para se medir a estatura de um grande homem, puder fazer perante a Nação que o perdeu e a História que orgulhosamente o recolheu em seu seio o depoïmento que lhes devo.
Hoje é outro e mais simples o meu intento - associar o Govêrno à manifestação de pesar da Assemblea Nacional. Tendo embora feito tudo quanto lhe ditara o seu próprio sentir e o dever lhe ordenara para salvar a vida e honrar a morte, o Govêrno quis estar aqui presente e, êle próprio de luto, juntar o seu pêsame ao da Câmara, como representante e intérprete do sentimento da Nação.
Se a morte escolhesse atitudes, diríamos que no caso presente caprichara em fixar aquela que melhor traduzisse uma vida velozmente vivida e inteiramente consagrada ao progresso pátrio. Podia o Ministro ter morrido na função, envelhecido precocemente, na ânsia, e no afã de quem pressente faltar-lhe o tempo para realizar o pensamento de reconstrução e renovação que o regime encarnou em Portugal. Era pouco ainda. Era preciso que literalmente morresse ao serviço dela, vítima dela, a apressar o têrmo de uma obra, a economizar escassos minutos para um Conselho em que outros planos ou obras se aprovariam ainda.
O sonho que sonhamos da transformação material do País em mais dez ou quinze anos, se a situação internacional não paralisasse os nossos esforços e o trabalho nacional, não pode já ser realizado sob o impulso do seu dinamismo, da sua intensa felicidade de criar, do seu poder de resolução, da sua vontade de aço, e não sabemos mesmo em quanto esta morte o terá prejudicado. Tinha-se bem nítida a consciência do atraso que era preciso vencer num país onde a velocidade ainda perturba, e os meios são escassos para economizar anos. Mas dessa reposição de Portugal no seu tempo, sob o aspecto material das comunicações, da urbanização das cidades e vilas, da instalação e funcionamento dos serviços, da reparação do património artístico, do lar com higiene e beleza, da elevação da vida rural, esperava-se a transformação do meio e decisiva influência na nossa vida colectiva. Essa obra de optimismo transbordante, que comprovava a capacidade de realização e as possibilidades artísticas e técnicas ainda ao nosso dispor, deveria exercer influência revolucionária nas ideas feitas, na imitação servil, no acanhamento e pu-silanimidade correntes, na triste conformidade do grande número - isto é, esperava-se dela poderosa acção estimulante e educativa.
Muito grande nos seus fundamentos e no seu lineamento geral, esta obra não pode, no entanto, ser acusada de excessiva e desproporcionada. Sem dúvida, ela ultrapassa os hábitos e o momento, mas não excede Portugal: o Ministro tinha o raro condão de adaptar a grandeza da concepção às proporções do País. Construir para um século era a divisa, porque paradoxalmente uma nação modesta não pode construir só para vinte anos; a excessiva e documentada duração do provisório ensinava-nos que tudo devia ser definitivo.
A perfeição da obra material e até da construção jurídica, quando lhe cabia fazê-la e a realizava com a facilidade dos matemáticos para o direito, derivava da rara compleição intelectual dessa extraordinária feição de espírito, igualmente apto para as grandes linhas e para as pequenas cousas, para idear, particularizar e construir, como se a grandeza e beleza do conjunto não fôssem senão o somatório ou a resultante da perfeição do pormenor.
O engenheiro Duarte Pacheco detestava as improvisações e os expedientes, como indignos da seriedade da inteligência e da gravidade do tempo. Por isso se resignava a adiar os problemas até ao seu estudo exaustivo e a sua integração no conjunto dos outros problemas afins. Mas questão estudada a sério ficava definitivamente resolvida, sem que mais se viesse a sentir a necessidade de tocar na traça geral das soluções.
Não era a perfeição - a pobre argila, humana é de sua natureza imperfeita -, mas alguns defeitos que pudessem emergir de uma natureza rica. exuberante de qualidades, todos estavam predispostos a servir o interêsse colectivo e o bem comum. Nenhum lhe aproveitava pessoalmente. Desinteressado até à renúncia, rindo com a pobreza ou a modéstia dos recursos pró-[Continuação]