6 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 41
engenheiro Duarte Pacheco e para envolver num sentimento de grande piedade a memória do engenheiro Gomes de Amorim, tam cedo roubado ao serviço do País e especialmente ao serviço do Município de Lisboa, onde deixou assinalados os seus méritos.
Sr. Presidente: eu não posso certamente acrescentar mais nada, em grandeza, à homenagem que as palavras de V. Ex.ª, as palavras eloquentes de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, cuja presença neste acto lhe dá a máxima grandeza e solenidade, e as dos oradores que me precederam encerram para a memória do ilustre homenageado.
Elas corresponderam à mágoa e vivo sentimento de todos nós e traduzem, Sr. Presidente, de uma forma perfeita, os votos mais sinceros de toda esta Câmara, mas nunca é demais enaltecer a obra de um Homem que teve a estatura do engenheiro Duarte Pacheco. E por outro lado eu não posso, por razões de ordem pessoal, guardar nesta consagração dolorosa aquele silêncio que é tanto da feição do meu espírito, porque também, Sr. Presidente, fiz parte do primeiro Govêrno organizado e presidido pelo Sr. Dr. Oliveira Salazar.
Foi breve a minha passagem pelo Poder, mas não foi vã, ao menos para o meu coração, onde se fixaram com raízes que só costumam lavrar tam fundo no terreno da mocidade amizades que o tempo só tem consolidado e uma camaradagem que ainda hoje e sempre recordarei com muita saudade.
Duarte Pacheco foi o primeiro desse grupo que partiu sem que o súbito da sua partida lhe permitisse despedir-se dos amigos. Eu quero apenas pois dizer algumas palavras de despedida e de justiça.
Não vou fazer um juízo crítico do Homem e da sua Obra. Está perto de nós ainda o engenheiro Duarte Pacheco; viveu muito perto do meu coração, para que a razão possa vencer a sensibilidade altamente emocionada pela brutalidade do desastre, pela brutalidade com que a morte amarfanhou na sua mão fria e implacável aquela vida estuante de realizações e de promessas, imobilizou para sempre aquele coração de ritmo tam vivo e tam forte e cerrou para sempre aqueles olhos onde tanto brilhou o clarão do triunfo e da vitória sobre as dificuldades da Administração.
Mas creio, Sr. Presidente, que não excedo os limites da justiça afirmando que a morte de Duarte Pacheco representa para o País uma grande perda.
A sua obra de renovação, de transformação material do Pais, é enorme e verdadeiramente extraordinária.
As esperanças que o Sr. Presidente do Conselho, como intérprete das esperanças do País, nele depositava ouvimo-las aqui todos há pouco da própria boca de S. Exa.
Se procuramos na história paralelos para este homem surgem-nos as grandes figuras de renovadores, os marcos miliários da nossa administração pública no sector das obras públicas, e se não fosse deselegante eu poderia talvez estabelecer paralelos favoráveis à memória do ilustro homenageado; mas não devo fazê-lo neste momento.
Creio, porém, poder afirmar que a figura e a obra de Duarte Pacheco não empalidecem nem se amesquinham em confronto com os grandes vultos de reconstrutores do País seus predecessores no sector da Administração que ele comandou. E já não é pouco poder figurar na galeria histórica desses homens, em que avultam nomes da mais alta jerarquia na consideração e no reconhecimento da consciência nacional.
Mas, repito, a obra de Duarte Pacheco foi verdadeiramente extraordinária. Tam depressa e com o mesmo afã impulsionava a abertura de grandes artérias na periferia de Lisboa, como acompanhava a reconstrução de qualquer igreja humilde perdida no mais recôndito canto do País.
Não houve aldeia, por mais modesta, onde ele não deixasse marcada a sua passagem e o seu dedo de gigante. Desde o Algarve, que lhe modelou as feições e o espírito, até às altas terras de Trás-os-Montes, pelas quais parecia revelar a maior simpatia, por toda a parte a sua acção ficou a testemunhar que ele tinha o sopro de renovação que o animava e a sua dedicação pelo bem público.
É inútil, senão impossível, enumerar todas e cada uma dessas obras.
Duarte Pacheco foi Ministro de Salazar durante muitos anos e pode preguntar-se se este homem, às suas qualidades de técnico, sobejamente marcadas, retinia também as de um político na larga acepção da palavra.
Eu peço licença ao Sr. Presidente do Conselho, e rogo-lhe que me releve se há alguma indiscrição no que vou dizer, para me referir a um facto a que assisti.
Pertencia eu, como há pouco disse, ao primeiro Governo presidido por Salazar. Fôra convocado um dos primeiros Conselhos de Ministros para se ocupar da questão da transferência do cadáver do último rei de Portugal, D. Manuel II.
Chegou a vez de o Ministro das Obras Públicas emitir também o seu parecer. Emitiu-o favorável, mas acrescentou que lhe parecia o momento azado para se fazer também um gesto de clemência para «outro lado», na sua própria expressão. O Conselho seguiu até ao fim e o Presidente do Conselho encerrou-o com estas palavras: «Já ouvi o Conselho, sei o que tenho a fazer».
Duas fortes impressões me deixou esse Conselho: é que o Ministro das Obras Públicas tinha revelado uma penetração política, a que há pouco o Sr. Presidente do Conselho fez justiça. A sua cultura matemática, ao dar-lhe ao espírito aquela exactidão geométrica própria das ciências exactas, não lhe embotara aquele esprit de finesse de que fala Pascal e que é o único capaz de compreender os complexos fenómenos políticos.
A outra impressão forte, e permita-me o Sr. Presidente do Conselho que a revele, foi a decisão rápida do Chefe, que rematou o Conselho, em que pairava certa hesitação, dizendo: «Já sei o que tenho a fazer».
Efectivamente fez-se a transferência para Portugal do cadáver de D. Manuel II. O cadáver do último rei de Portugal atravessou as ruas de Lisboa no meio do carinho ou do respeito de todos os portugueses. E esse acto foi, para o tempo, de uma grande, de uma enorme transcendência política.
Duarte Pacheco serviu, pela forma como êle o soube fazer, o pensamento político da Revolução. Serviu a causa da Revolução Nacional, realizando uma obra cujo prestígio acrescentou profundamente à obra da Revolução Nacional.
Vou terminar. O gesto do Sr. Presidente do Conselho e do Govêrno vindo a esta Assemblea prestar homenagem ao engenheiro Duarte Pacheco é, neste momento de perturbação e de tristeza, uma atitude altamente reconfortante.
Estou certo que entre todas as homenagens prestadas ao engenheiro Duarte Pacheco esta será, se no verso do imortal lírico «para além da morte ... memória desta vida se consente», aquela que mais comoveria o seu coração e mais grata seria ao seu espírito gentil. É que o engenheiro Duarte Pacheco, através dos longos anos da colaboração com o Sr. Presidente do Conselho, marcou sempre a sua posição de inalterável fidelidade ao Chefe, e a atitude da sua inteligência foi neste ponto de uma justa admiração, sem subserviências nem baixezas ao seu chefe político. Posso afirmá-lo com a mão na consciência, porque vivi perto dele e dele mereci algumas das suas confidências e desabafos mais íntimos.
Sr. Presidente do Conselho: a atitude de V. Ex.ª vindo a esta Assemblea é a atitude do general que só