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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 112
ANO DE 1947 25 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.° 112, EM 24 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente propôs um voto de sentimento pela morte, de Dr. Homem de Melo, pai do Sr. Deputado Albano Homem de Melo, Subsecretário de Estado da Agricultura.
O Sr. Deputado Águedo de Oliveira enviou para a Mesa um requerimento dirigido aos Ministérios do Interior e da Economia.
O Sr. Deputado Mendes Correia enviou para a Mesa um requerimento pedindo diversos elementos a diferentes serviços públicos.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mário de Aguiar, Albano de Magalhães, Marques de Carvalho, Antunes Guimarães, Pedro Cymbron, Ricardo Durão, Botelho Moniz, novamente o Sr. Deputado Albano de Magalhães, Armando Cândido de Medeiros, Querubim Guimarães, Ernesto Subtil, Marques Teixeira, Madeira Pinto, Cunha da Silveira, Favila Vieira, Ribeiro Casões, Henrique Galvão, Carlos Borges e Mário de Figueiredo.
Ordem do dia. - Apreciação e votação das Contas Gerais do Estado e das da Junta do Crédito Público.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Maria Luisa Van-Zeller, Querubim Guimarães e Bustorff da Silva.
Encerrado o debate, foram aprovadas as Contas Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público referentes a 1945, depois de lidas as propostas de resolução dos Srs. Deputados Araújo Correia e João Neves, respectivamente, que foram aprovadas por unanimidade.
Em segunda parte da ordem do dia discutiu-se o pedido formulado pelo Governo de Sua Majestade Britânica para aquisição de um terreno na cidade da Beira, a fim de se construir um edifício destinado à residência oficial do cônsul britânico naquela cidade.
Foi lido o parecer da Comissão dos Negócios Estrangeiros.
Usou da palavra o Sr. Deputado Sousa Pinto, que enviou para a Mesa uma proposta concedendo a autorização solicitada.
Posta à, votação, foi aprovada por unanimidade.
Seguidamente o Sr. Presidente, antes de encerrar a sessão, pronunciou palavras de agradecimento aos Srs. Deputados pela colaboração prestada durante a sessão legislativa que hoje termina.
A sessão foi encerrada às 20 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro,
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
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Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Bocha Pária.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes .da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 91 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
Da Associação Comercial de Lisboa, Câmara de Comércio, em que, a propósito do parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro, formula as seguintes conclusões:
1.° Que em matéria de traspasses deve estabelecer-se que na avaliação requerida pelo senhorio não será calculada a seu favor a valorização comercial do estabelecimento, porque tal faculdade não é mais do que um processo de promover o aumento das rendas, e por consequência de provocar despejos;
2.° Que a elevação de rendas somente deve poder ser feita na base do artigo 56.° e §§ 1.° e 2.° do decreto n.° 5:411, isto é, segundo coeficientes de valorização proporcionalmente graduados em relação à renda em vigor;
3.° Que o direito de opção concedido a favor dos senhorios dos prédios no artigo 9.° da lei n.° 1:662, de 4 de Setembro de 19J4, deve ser regulado em nova disposição, na qual, mantendo-se o mesmo direito, se declare que a opção se exerce unicamente sobre a totalidade da operação do traspasse;
4.° Que, em disposição especial, deve ser declarado que a taxa de 5 por cento do imposto do selo nos contratos de traspasse incide somente sobre o valor do local do estabelecimento, e não sobre o da propriedade deste, isto é, do património comercial das firmas.
Telegramas
"A administração da Cooperativa Portuguesa dos Proprietários cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª e pede seja intérprete junto Srs. Deputados das suas saudações pela brilhante actuação durante a legislatura que hoje termina. - Jaime Silva, administrador."
Do Grémio de Comércio de Angra do Heroísmo apoiando o pedido de criação naquela cidade de uma escola do magistério primário.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos, fornecidos pelo Ministério do Interior, requeridos pelos Srs. Deputados Braga da Cruz, Magalhães Pessoa e Albano de Magalhães, e os fornecidos pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência a requerimento do Sr. Deputado Mendes de Matos. Todos estes documentos vão ser entregues àqueles Srs. Deputados.
Como a Câmara sabe pelos jornais da manhã, faleceu ontem o Sr. Dr. António Homem de Melo, pai do Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura, nosso colega nesta Assembleia.
Creio interpretar os sentimentos da Câmara propondo um voto de sentimento pela morte do Sr. Dr. Homem de Melo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
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O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: tenho a honra de enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
"A expansão da indústria de produtos e especialidades farmacêuticas e congéneres e o regime dos respectivos preços parece corresponderem a crise da venda a retalho, a dificuldades das instituições assistenciais e dificuldades de pagamento das classes modestas. For isso se requerem dos Ministérios do Interior e da Economia os seguintes esclarecimentos:
A) Da Direcção Geral de Saúde:
1.° Se a venda global e o respectivo preço médio dos produtos e especialidades farmacêuticas nacionais e dos produtos e especialidades farmacêuticos estrangeiras se podem confrontar, sem entrar em linha de conta com:
a) A pureza dos produtos;
b) A eficiência;
c) Os aperfeiçoamentos técnicos;
d) O peso de especialidades de alto e caro afinamento que não podem ser produzidas entre nós;
e) A posição dos câmbios e os custos de entrada no mercado nacional.
2.° Informação sobre a eliminação ou falta de especialidades alemãs de terapêutica mais usual no mercado nacional, de 1939 a esta parte.
3.° Informações colhidas de autoridades de saúde, provedores de Misericórdias, conselhos administrativos de hospitais sobre as dificuldades manifestadas pelas classes modestas no aviamento das receitas, compra de especialidades, produtos profilácticos, solutos e outros similares após 1939.
Estas informações, se não houver inconveniente, serão acompanhadas de nota sobre dívidas de medicamentos a farmácias dos meios provincianos.
4.° Estatística do número de farmácias, laboratórios de análises, farmácias-laboratórios, fábricas de medicamentos e produtos congéneres, dependências existentes nos anos de 1939 a 1946.
B) Da Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos:
1.° Se, nos termos do artigo 4.°, n.° 1.°, do decreto n.° 30:270, de 12 de Janeiro de 1940, a expressão "manutenção do justo preço dos produtos" tem sido interpretada e aplicada, pela respectiva Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos, como implicando o menor custo possível para o consumidor ou cliente último.
2.° Se a mesma Comissão Reguladora, acudindo às solicitações altistas indispensáveis, simultaneamente tem tomado iniciativas ou promovido baixas de preços.
3.° Se o incremento industrial, a melhoria técnica, as novas instalações traduziram aumentos de lucros de exploração ou conduziram, por igual, a melhores fornecimentos e baixas de preços nos retalhistas.
4.° Se tem sido fiscalizada a evolução mercantil no sentido do fornecimento de tubos, frascos, caixas, doses em quantidade superior às unidades requeridas mensalmente pelo comprador.
5.° Se a cafeína, diurectina, electuário de sene, extracto de beladona, xarope de ruibarbo, tonocálcio vitaminado, transpulmina, cálcio coloidal são os mais vulgares da farmacopeia portuguesa.
E, sendo-o, se o seu custo, eficácia e resultados se podem contrapor aos similares estrangeiros.
6.° Se tem sido vigiada e orientada a produção sucessiva de medicamentos e especialidades com nome diverso mas com a mesma acção, que, embora revelando aperfeiçoamento e melhoria técnica, representam, em muitos casos, ascensão de preços.
7.° Nota dos custos originários, preços de armazenistas e retalhistas dos produtos nacionais - lanolina, linhaça em pó, mostarda e tília, com referência aos anos de 1939 a 1946.
8.° Quadro estatístico que inclua os custos originários, lucros, percentagens dos intermediários, valores para embalagens e propaganda, selo e preço de venda ao público dos seguintes medicamentos:
Sulfamidas, em tubos de comprimidos; em pó; em pomada;
Vitaminas A, B e C, respectivamente em gotas, comprimidos e ampolas;
Cálcio em ampolas;
Bismuto em ampolas;
Mercuriais em ampolas, cianeto 5 por cento; e, ainda em ampolas, benzoato; Digitalina, soluto de 1 por mil;
Oftalmosas diversas.
Este quadro deverá incluir as variações de preços de 1939 a 1946 inclusive".
O Sr. Mário de Aguiar: - Sr. Presidente: quando, em Dezembro do ano findo, foi discutida nesta Assembleia a proposta da lei de meios para 1947, tive a honra de propor, com todos os Srs. Deputados pelo distrito de Leiria, um aditamento ao artigo 10.°, que foi aprovado, pelo qual o Governo inscreveria no Orçamento Geral do Estado as verbas necessárias para subsidiar a conclusão e construção de novas linhas férreas.
O Governo já, pelo decreto n.° 18:190, de 28 de Março de 1930, tinha aprovado o plano da rede ferroviária e considerou urgente a construção de alguns troços de linha a que me vou referir, porque logo os fez compreender na 1.ª fase dos respectivos trabalhos.
Essa urgência, Sr. Presidente, foi e é justificada pela necessidade de o programa ferroviário acompanhar a realização do plano dos portos, das estradas e dos grandes aproveitamentos hidroeléctricos, de modo que a rede geral de transportes seja capaz de garantir o abastecimento das matérias-primas e o escoamento dos produtos da terra e das fábricas.
Por outro lado, sem meios rápidos e económicos de comunicações e transportes, toda a acção regionalista é inútil e também não podem ser eficazes os esforços para desenvolver o progresso local nem para criar zonas de turismo numa nação que é das mais ricas e mais belas em panoramas e tradições históricas.
As novas linhas férreas dos distritos de Leiria e de Coimbra auxiliariam fortemente o Estado a resolver outros importantes problemas nacionais, como são o excesso de urbanismo e de emigração, fazendo agarrar à terra aqueles que dela se afastam, porque tudo quanto possam produzir não compensa os trabalhos e sacrifícios que o eterno isolamento em que vivem e trabalham não deixa valorizar.
Ora os distritos de Leiria e de Coimbra, com a sua densa população e com grandes centros de importação e de exportação, aspiram a desenvolver, cada vez mais, o seu comércio, as suas indústrias e a sua agricultura e pedem insistentemente que os dotem com melhores vias de comunicação, rápidas e económicas, que são as linhas férreas há muito tempo projectadas e consideradas como urgentes, por serem de alto interesse nacional, e que são as seguintes:
a) Linha de Setil e Peniche (conclusão), a passar por Óbidos, Caldas da Rainha e Rio Maior, da qual resulta a ambicionada ligação entre a linha do Norte e a de Oeste;
b) Tranversal de Pombal à Certã, a passar por Ancião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra;
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c) Linha de Leiria à Batalha e a Porto de Mós;
d) Linha da Nazaré à Idanha, a passar por Alcobaça, Porto de Mós, Fátima, Vila Nova de Ourem e Tomar a Castelo Branco, ficando assim ligadas as três linhas do Norte, Oeste e Leste;
e) Finalmente, a conclusão da linha que com as anteriores está estreitamente ligada, denominada a linha de Arganil, continuando desde Serpins, a passar por Gois, Arganil e Espariz, e a ligar com a linha da Beira Alta em Santa Comba Dão.
Para esta última linha, que está adormecida há muitos anos em Serpins, já estão feitas as expropriações até Arganil, assim como já estão executadas, há cerca de cinquenta anos, importantes e dispendiosas obras de terraplenagem, aquedutos, túneis e outras que a acção do tempo vai inutilizando.
É certo que a lei n.° 2:008 concentrou numa única empresa concessionária todo o sistema de viação acelerada e, portanto, a execução do plano ferroviário aprovado já pelo citado decreto n.° 18:190.
Mais não há conhecimento de quaisquer diligências no sentido de se realizarem as aspirações dos povos beneficiados por este plano e, por isso, os Deputados por Leiria e Coimbra, cujos distritos estão estreitamente ligados por interesses morais e materiais, deliberaram requerer as informações que lhes são necessárias para que oportunamente possam ocupar-se destes importantes melhoramentos, que consideram essenciais para o progresso e para a economia da Nação.
Esse requerimento, que tenho a honra de enviar para a Mesa, está assinado por todos os Srs. Deputados representantes dos dois distritos e também pelo Sr. Ulisses Cortês, que, sendo Deputado por Lisboa, se dignou, entretanto, associar-se a este pedido, que respeita a uma das mais justas e legítimas aspirações dos dois distritos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O requerimento é o seguinte:
"Em cumprimento da lei n.° 2:008, que estabeleceu as novas bases com que se pretendeu solucionar o grave problema dos transportes, todo o sistema de viação acelerada está actualmente concentrado numa única entidade concessionária.
Quando foi da discussão da referida lei nesta Assembleia, ficou largamente definida a necessidade de se adoptar uma rasgada e ampla política de transportes a bem da valorização de todas as províncias e ainda mais particularmente dirigida a favor da economia nacional, o comércio, da indústria e da agricultura. Pertencendo à nova empresa concessionária a transformação de toda a rede de caminhos de ferro, a qual se torna urgente para que a realização do respectivo programa ferroviário coincida com a realização do programa dos portos, das estradas e dos grandes aproveitamentos hidroeléctricos, como é indispensável para se conseguir a mais útil e eficaz rede de transportes, desejamos ser informados com urgência e pelas repartições competentes:
1.° Se perante a actual concentração de serviços continua em vigor, para ser executado, o plano geral da rede ferroviária aprovado pelo decreto n.° 18:190, de 28 de Março de 1930;
2.° Em caso afirmativo, se está prevista a época aproximada para começarem os trabalhos de execução das linhas férreas que constam do mapa n.° 2 do referido plano, com as seguintes características:
a) Linha de Setil a Peniche (conclusão), a passar por Óbidos, Caldas da Rainha e Rio Maior;
b) Transversal de Pombal à Certã, a passar por Ancião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra ;
c) Linha de Leiria à Batalha e a Porto de Mós;
d) Linha da Nazaré à Idanha, a passar por Alcobaça, Porto de Mós, Fátima, Vila Nova de Ourém e Tomar a Castelo Branco;
e) Finalmente, a conclusão da linha, que com as anteriores está estreitamente ligada, denominada "linha de Arganil", continuando desde Miranda do Corvo, a passar por Gois, Arganil e Espariz, e a ligar com a linha da Beira Alta em Santa Comba Dão;
3.° Mais desejamos ser informados, pelo que respeita a esta última linha de Arganil, quais as obras que já se encontram executadas a seguir ao actual limite de exploração, que é Serpins, assim como as importâncias despendidas com essas obras e com expropriações necessárias e ainda a data da suspensão dos trabalhos.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Março de 1947. - Os Deputados: Mário Correia Carvalho de Aguiar - Manuel de Magalhães Pessoa - José Nunes de Figueiredo - Joaquim de Moura Relvas - Artur Augusto de Figueiroa Rego - Diogo Pacheco de Amorim - Francisco Higino Craveiro Lopes - Ulisses Cruz de Aguiar Cortês - Manuel José Ribeiro Ferreira - Manuel Colares Pereira.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
"Requeiro me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.° Pela Inspecção dos Espectáculos, a nota do rendimento da taxa a que se refere o artigo 2.° do decreto-lei n.° 36:062, que criou o Fundo cinematográfico nacional, pendo discriminadas as espécies e categorias dos filmes;
2.° Pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, a nota das receitas a que se refere o artigo 4.° do mesmo decreto-lei e das aplicações porventura feitas nos termos do artigo 5.° do citado diploma;
3.° Pelo Comissariado do Desemprego, quanto ao caso previsto pelo artigo 9.° do mencionado decreto-lei, a nota especificada dos financiamentos requeridos e dos concedidos ao abrigo da aludida disposição legal;
4.° Pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, a nota de quaisquer providências tomadas pela mesma entidade sobre a exploração do formato de 16 milímetros, dentro do disposto no artigo 16.° do decreto-lei em questão, e se há algum pedido de exclusivo da exploração do dito formato;
5.° Pelo mesmo Secretariado, informação sobre o modo como tenha sido regulada a aplicação do regime de contingente estabelecido no artigo 17.° e seus parágrafos, com a indicação do número de estreias, em Lisboa e Porto, de filmes nacionais e de filmes estrangeiros, discriminando suas espécies e categorias;
6.° Pelo mesmo Secretariado, informação sobre o modo como tenha sido cumprido o artigo 21.° do mesmo decreto-lei no que respeita aos contratos de exibição do filmes portugueses e se foram tomadas quaisquer providências para evitar que a colocação destes filmes seja condicionada à aceitação concomitante de filmes estrangeiros. Peço ainda que todas as informações solicitadas neste requerimento sejam referidas ao período decorrido entre 1 de Janeiro de 1947 e o inicio da próxima sessão legislativa".
O Sr. Presidente: - Estão inscritos antes da ordem do dia muitos Srs. Deputados. É claro que, se não forem breves nas suas considerações, os primeiros oradores que usarem da palavra prejudicam os outros, porque se torna impossível conceder a palavra a todos.
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Portanto, peço aos oradores a quem vou conceder a palavra antes da ordem do dia sejam brevíssimos, na expressão do nosso ilustre colega Sr. Deputado Bustorff da Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Albano de Magalhães.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: quando a opinião pública está mal esclarecida e se verifica que há pessoas de escol que se deixam orientar pelo seu juízo precipitado e apaixonado é dever de todo o homem investido em funções de responsabilidade marcar a sua posição sem receio de arrostar com os ressaques da impopularidade.
Muito acima da inconsciência dos outros, existe o nosso dever. E é esse que temos de cumprir para bem exercermos as funções que nos foram confiadas.
A popularidade, geralmente, conquista-se despersonalizando-se. Satisfaz-se a vontade do maior número, que só sabe pedir, para, no fim de contas, ao verificar os resultados da satisfação da sua vontade, concluir que é o principal sacrificado.
Foi sempre assim e há-de ser sempre assim. Por isso é mister que, de vez em quando, se abram então válvulas que afinal são de... segurança. O homem só experimentando o mal é que reconhece a existência do bem.
A opinião pública, mais tarde, ao ver o eterno sacrificado, muda de rumo e leva consigo aquela doce ilusão de popularidade.
Por isso é que a mim, muito mais do que a popularidade, seduz o cumprimento do dever. Para tanto aqui estou no uso da palavra. Sei antecipadamente o que de mim vão julgar certos inconscientes da vida.
Que me interessa, se eu já vi pessoas que deviam ter certas noções de responsabilidade a julgarem como qualquer democrata oficioso, com intuito apenas de agradar à "malta"!
Quando neste lugar denuncio erros ou critico atitudes não procuro senão defender o que, na minha opinião, melhor representa o interesse nacional. E eu desde já declaro que o interesse nacional, para mim, é em toda a parte defendido pelo Governo da Nação. Não compreendo que haja terras ou distritos em que os seus interesses sejam postos em colisão com os princípios que orientam o Governo. Se tal acontecer, há princípios, interesses ou pessoas a mais.
Ditas estas breves palavras, passemos ao objecto da minha intervenção.
Quando requeri os elementos que reputei indispensáveis a um completo esclarecimento do sistema que tinha sido adoptado na cidade do Porto sobre o abastecimento de carnes, nunca supus que um ilustre Deputado, que muito prezo, mas que não vive nesta cidade, melhor esclarecido do que eu, viesse pôr em foco este mesmo assunto no dia seguinte. Limitei-me então a declarar que esperava que me fossem fornecidos os elementos pedidos para me poder manifestar.
Aguardei que chegassem. Infelizmente ainda não me foram entregues. Entendo todavia que aqueles que possuo, extra-oficiais mas que me merecem todo o crédito, me habilitam a tomar posição neste tão falado e discutido assunto.
Tive sempre uma particular inclinação para o estudo do problema do abastecimento de carnes. Como lavrador e vereador da Câmara Municipal do Porto, procurei, na medida das minhas possibilidades, resolvê-lo. Fui também representante da lavoura no conselho técnico das carnes da Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
Não se suponha, pois, que intervenho neste assunto com outros intuitos que não sejam o de uma simples testemunha que alguma coisa sabe e que deseja prestar um depoimento objectivo.
O problema das carnes foi sempre uma questão muito debatida. É raro o ano em que não aparece à supuração.
Todos se queixam, desde o lavrador ao pobre consumidor. Justo porém é confessar que o sistema corporativo estabeleceu um condicionalismo de maior garantia de interesses para todas as actividades. Criou-se uma maior estabilidade à economia do lavrador, do comerciante de carnes e do consumidor.
Claro está que essa estabilidade foi afectada pelas circunstâncias emanadas da economia de guerra.
Os preços médios de 80$ por arroba de rês adulta antes da guerra subiram até 265$ em Agosto passado. A matança média nesta data era de 60:000 quilogramas.
O Grémio dos Comerciantes de Carnes (dizem-me que autorizado ou com o conhecimento da Junta Nacional dos Produtos Pecuários) intervinha no mercado comprando o gado por aquele preço superior ao da tabela, para o que utilizava o fundo de compensação criado, com o fim de assegurar tanto quanto possível a permanência da tabela de preços ao consumidor.
O decreto n.° 35:809, de Agosto passado, estabeleceu novas regras e tornou extensivas as penalidades a todas as pessoas ou entidades que comprassem produtos ou mercadorias por preços superiores aos tabelados.
O Grémio dos Comerciantes de Carnes, por maioria de razão, não podia continuar a adquirir o gado pelo preço a que o vinha adquirindo.
Passou, por isso, a comprá-lo pelo preço médio de 222$ a arroba, ficando reduzida a matança a cerca de 30 por cento, segando me informam.
Se anteriormente à publicação daquele decreto n.° 35:809 se sentia falta de carne, pode-se afirmar que desde então a falta era total, pois o público não se apercebia do destino daqueles 30 por cento.
A lavoura, que já tinha investido largos capitais no gado que substituía aquele que vendeu, retraiu-se, esperançada em não sofrer grandes prejuízos. Vem a propósito dizer que a lavoura não quer especular, mas também não quer ser vítima da especulação. O preço do gado subia. Vendia-o mais caro, mas o lucro apenas beneficiava o parceiro agricultor - a parceria é o contrato normal em grande parte do Norte do País. O parceiro proprietário investia todo o lucro no novo gado que substituía o vendido e ainda tinha de nele aplicar mais capital.
Posso assegurar que este aumento, sem termo nem medida, obrigou vários lavradores a desistir de criar gado, por verem assim afectadas gravemente as suas pequenas economias.
E é nesta fase, em que não aparece carne nem outras subsistências na cidade do Porto, que os clamores atingem proporções de justificado alarme.
O governador civil do Porto, Sr. coronel Joviano Lopes, procura resolver esta situação, que o Sr. Ministro da Economia pretendia desconhecer.
Intervém directamente, depois de verificar que as suas diligências perante quem de direito são infrutíferas. Chama a Junta Nacional dos Produtos Pecuários e a direcção do Grémio dos Comerciantes de Carnes. Manifesta-lhes a necessidade imperiosa do abastecimento de carnes à cidade do Porto.
A direcção do Grémio comunica-lhe a impossibilidade de satisfazer o seu desejo com os preços da tabela em vigor.
Em face desta resposta, o governador chama um comerciante de carnes muito conhecido na cidade do Porto. Este prontifica-se a fornecer toda a carne necessária.
O governador rejubila e a população portuense louva e agradece as providencias tomadas pelo seu governador. Eu pertenço à população portuense.
A Junta Nacional dos Produtos Pecuários e o Grémio dos Comerciantes de Carnes são encostados ao pelouri-
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nho da praça pública, vaiados, escarnecidos, reduzidos a deformados esqueletos pela justiça popular.
Depois a carne vai aparecendo e o preço do gado vai subindo, vai subindo, chegando em quatro meses a atingir uma diferença para mais de 60 por cento. E mais subiria se se mantivesse este sistema de autoabastecimento. Só tinha termo quando não houvesse dinheiro ou o lavrador se recusasse a vender as suas espécies pecuárias.
Vejamos, em brevíssimas palavras, como vigorou este sistema de autoabastecimento instituído pelo governador civil. Estou a falar, repito, em face de elementos que reputo verdadeiros, à falta daqueles elementos oficiais que em devido tempo pedi e insisti por que me fossem entregues.
Primeiro é encarregado o referido marchante e negociante de gado, da mais alta categoria financeira no seu meio, do exclusivo de abastecimento de carnes.
A tabela dos preços de venda de carnes ao público determinada pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários mantém-se. Por esta tabela os comerciantes de carnes deviam receber a carne ao preço médio de 13$80, para a vender ao público ao preço médio de 15$80.
Havia quatro qualidades de carne:
Lombo e vazio, 265; 1.ª categoria, 22$80; 2.ª categoria, 19$20; 3.ª categoria, 12$.
Para que esta tabela se não cumpra deixa de se fazer fiscalização na cidade do Porto. Certas pessoas, porém, beneficiam do preço da tabela. O comum dos mortais tem carne pelo preço que o talhante lha quer vender. Gostava de ver o que reza nos documentos que pedi. É oportuno repetir: também pertenço à população portuense. Por mim e por muitos outros sei o que se passou. Alguém, com responsabilidade, a quem comuniquei que continuava a não ser abastecido de carne, prontifica-se a providenciar. Recuso-me a ser beneficiado com medidas de excepção e continuo atento à evolução natural deste sistema autárquico.
As funções atribuídas ao opulento comerciante de carnes são transferidas, por despacho do governador, para uma instituição chamada Comissão Distribuidora de Reses Vivas, em que tem influência decisiva, através da sociedade de que é gerente, o comerciante opulento.
Devo acentuar que esta Comissão não se chama grémio e suponho que não tem a mais ligeira fiscalização. Por isso agrada, embora com funções distributivas semelhantes às do grémio. Os nomes muitas vezes é que perturbam o sentimento e a inteligência das pessoas.
Mas como é que se podia cumprir o preço médio de 15$80 da tabela de venda ao público quando a carne passou rapidamente a ser fornecida ao talhante pelo preço médio de 18$90? Não havia opulência que resistisse a tão avultado prejuízo.
O Governo tem conhecimento do que se passa na cidade do Porto, da maneira como foram postergadas as funções da Junta Nacional dos Produtos Pecuários e do Grémio dos Comerciantes de Carnes, que se limitavam a cumprir instruções do Sr. Ministro da Economia; tem ainda conhecimento de que o decreto n.° 35:809 é como se fosse letra morta para a cidade do Porto no que diz respeito ao abastecimento de carnes. E deixa um organismo de coordenação económica e um organismo corporativo inteiramente ao sabor iuconscien'6 da justiça popular, apesar de os seus crimes nefandos consistirem em terem procurado obedecer à lei e às normas de conduta que pelo respectivo Ministério lhes eram dadas.
O governador, por seu lado, vê-se também desamparado. Assumiu uma atitude que lhe foi imposta pelas circunstâncias políticas. E o governador e o Governo, mesmo o Ministro da Economia, também têm de fazer política. A administração sem política é uma administração sem alma, e quando falta a alma passa-se insensivelmente a cadáver.
É nestas condições que o governador continua a assumir a responsabilidade de se substituir ao Ministro, que desconhece a existência da cidade do Porto, e fixa uma tabela de preços de carne em que desaparece a carne de 3.ª
A tabela é a seguinte: lombo, 28$; 1.ª categoria 264; 2.ª categoria, 22$80.
A carne de 2.ª numa rês de 225 quilogramas apenas abrange 37 quilogramas. Esta tabela também não pode ser cumprida, porque o preço do gado continua a subir, a ponto de atingir o preço de 360$ por arroba de carne limpa.
A fiscalização continua morta. E o consumidor tem de pagar carne a 36$ o quilograma. As classes mais desafortunadas olham para a carne com vontade de comer.
Entretanto na cidade de Lisboa começa-se a abastecer o consumidor com carne a 10$, 16$, 20$, 24$ e 28$ o quilograma, através da Junta Nacional dos Produtos Pecuários e do Grémio dos Comerciantes de Carnes.
Nas duas principais cidades do País vigoram dois sistemas de abastecimento.
Numa manda o Governo, noutra manda um delegado do Governo.
Numa obedece-se à disciplina económica, noutra põe-se de parte a mesma disciplina. O decreto-lei n.° 35:809 continua a ser letra morta na cidade do Porto.
O consumidor portuense em condições económicas mais precárias não se apercebe de que só tem carne de 2.ª categoria a preço muito mais caro do que a fornecida de 3.ª, 4.ª e até da mesma categoria ao consumidor de Lisboa.
Não se apercebe de que o preço da carne de gado bovino foi sempre mais baixo no Porto do que em Lisboa.
O Porto continua a ter carne acessível só às classes abastadas. Todavia parece que a outra classe também rejubila.
Fala-se muito em consumidor e não se sabe distinguir o consumidor farto de meios e o consumidor pobre de meios.
Chega-se até a ver o consumidor farto de meios a falar em nome do "homem da rua", usando de um mandato que, embora lhe apeteça, nunca lhe foi confiado.
A economia do lavrador do Norte sai fortemente afectada com esta política especulativa do preço da carne.
A economia do comerciante de carnes, se fosse cumprida a tabela, acabava por desaparecer.
Só nada sofria a economia do consumidor farto, porque a sua resistência foi conquistada nos embates laureados e frutuosos do tempo de guerra, e também nada sofria a economia do consumidor pobre, porque se limitava à sua triste sorte de continuar com vontade de comer.
É neste estado de coisas, nesta desintegração económica, em que se não cumpre uma disciplina que se proclama e se expressa na lei, por má compreensão ou por a lei não corresponder às realidades, que o Sr. engenheiro Daniel Barbosa toma conta da pasta da Economia.
E pouco tempo depois a cidade do Porto está novamente integrada na disciplina económica orientada pelo Governo. A disciplina da Junta Nacional dos Produtos Pecuários e a disciplina do Grémio dos Comerciantes de Carnes ressuscitaram.
O Ministro da Economia repôs as coisas no seu devido lugar. Justiça lhe seja feita. Volta a haver carne para as classes menos abastadas.
Acusou-se a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, acusou-se ainda o Grémio dos Comerciantes de Carnes. Espero que o Sr. Ministro da Economia não coarcte a defesa destes organismos e proclame a quem pertencem as responsabilidades da situação criada.
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A Junta Nacional dos Produtos Pecuários, ao Grémio dos Comerciantes de Carnes ou a quem?
Não há pior mal pura um regime do que querer atribuir culpas à organização por ele criada, quando as responsabilidades dessas culpas a outrem pertencem.
E eu prometo aqui não largar mão deste facto.
Não me move outro interesse que não seja defender um sistema que me parece o melhor. Atacar quem o serve por o servir com disciplina não é próprio de quem assume funções com responsabilidade.
E por enquanto o que se sabe é que o Grémio é acusado por obedecer ao cumprimento da lei e das instruções superiormente recebidas.
Esperamos que o Sr. Ministro da Economia e toda a justiça para quem a direcção do Grémio apelou se pronunciem.
Depois também nós, a quem a direcção do Grémio também recorreu nos termos constitucionais, podemos e devemos fazer justiça política.
É nossa função, é nosso dever!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Marques de Carvalho: -Sr. Presidente: a grande quantidade de exposições e reclamações que quase todos os dias são enviadas a esta Câmara mostra que o País confia na Assembleia Nacional, como um órgão transmissor das suas queixas, das suas reclamações, dos seus pontos de vista.
É de facto, Sr. Presidente, uma das funções mais importantes desta Casa: constituir, junto da Administração, um órgão onde encontrem eco os interesses legítimos dos povos de que somos mandatários.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Anteontem, Sr. Presidente, apareceu nas nossas carteiras de Deputados uma brochura que folheei interessadamente. Desta vez não se tratava de qualquer queixa ou reclamação. Era o relatório, referente ao exercício de 1946, dos serviços da assistência social da Legião Portuguesa no Porto.
Conheço, Sr. Presidente, e toda a gente no Porto conhece, a importância dessa obra, as benemerências que vem desenvolvendo, os serviços sociais que vem prestando. Assim mesmo, a sensação que colhi foi impressionante, e para ela quero chamar a atenção de V. Ex.ª e da Câmara.
Alguns números respigados do relatório são por si mesmo de uma eloquência definitiva. No ano de 1946 movimentaram-se por aqueles serviços cerca de 15:000 contos, tendo-se fornecido 6.500:000 refeições, apesar de se terem gasto em outras formas de assistência (vestuário, donativos, etc.) algumas centenas de contos.
Neste momento, Sr. Presidente, estão a ser servidas no Porto, pela Legião, 22:000 refeições diárias, o que corresponderia, no dizer do relatório, a alimentar todos os habitantes de uma das nossas cidades menos populosas.
São onze as cantinas espalhadas pela cidade, incluindo duas em Vila Nova de Gaia.
Todo o Porto tem o maior carinho pela assistência social da Legião, podendo afirmar-se afoitamente que, quanto a esse aspecto da actividade do patriótico organismo que é a Legião Portuguesa, o aplauso é unânime.
Apoiados.
Este ano devora o ficar concluídas as obras para a instalação do edifício dos serviços centrais, que importarão em 7:500 contos, e para as quais o Estado, pêlos seus vários departamentos, tem louvavelmente contribuído. Um dos aspectos socialmente mais interessantes está no facto de a organização modelar desses serviços permitir levar as refeições às fábricas e às cantinas escolares, isto além dos milhares que se servem nos seus refeitórios.
Está também generalizado no Porto, graças aos serviços da Legião, -a substituição da esmola em dinheiro pela entrega de uma senha de refeição.
O Estado liberal, que acabara com as sopas nas portarias dos conventos, nada criara que as substituísse...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e aos famintos e desprotegidos consolava-os assegurando-lhes que eram cidadãos eleitores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O liberalismo económico não comportava na sua ética, para os detentores do supérfluo, a obrigação social de dar. Tal obrigação era imposta apenas pela caridade cristã, mas essa era combatida como reaccionária.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois, Sr. Presidente, entre as muitas coisas novas da Revolução Nacional, os serviços da assistência social da Legião Portuguesa marcam um lugar destacado. Pedi a palavra para o salientar e para saudar a comissão administrativa, do que faz parte o nosso antigo colega nesta Casa, Jaime Amador e Pinho, que àquele organismo vem dando o melhor do seu esforço e dedicação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Faço votos por que por todo o País se imite o exemplo do Porto e se difundam largamente actividades análogas, vincando-se assim, através da Legião Portuguesa, o carácter eminentemente social do Estado Novo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: a Legião Portuguesa foi reconhecida pelo decreto-lei n.° 27:058, de 30 de Setembro de 1936.
Esse diploma autorizava a constituição da Legião Portuguesa, como única organização patriótica de voluntários e em complemento da Mocidade Portuguesa.
Mas nas bases I e II do diploma anexo àquele decreto diz-se que:
O Governo reconhece a Legião Portuguesa, formação patriótica de voluntários destinada a organizar a resistência moral da Nação e a cooperar na sua defesa contra os inimigos da Pátria e da ordem social.
E, ainda, que:
A Legião integra-se no conceito da Nação armada, devendo portanto ser-lhe dada organização que lhe imponha colectiva e individualmente rigorosa disciplina e incite à prática das demais virtudes militares.
Efectivamente, não se tratava de criar um novo organismo patriótico de voluntários, mas da legalização indispensável que lhe desse forma de corpo organizado e pusesse na dependência do Governo algumas dezenas de milhares de patriotas que, espontaneamente e quase ao mesmo tempo, irromperam de todos os pontos do País para enfrentar e combater pela palavra, pelo exemplo e pela
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acção a grave ameaça de subversão material e moral que se ia infiltrando em variados sectores da sociedade. Não carecia aquela admirável, organização para a defesa civil de quaisquer incitamentos à prática das mais excelsas virtudes ou à afirmarão da maior valentia e rigorosa disciplina.
Eu tive a grande satisfação de ver o entusiasmo com que aqueles milhares de portugueses acorreram, sem que ninguém os chamasse, a oferecer vida e haveres em defesa dos princípios do Estado Novo.
Presenciei, verdadeiramente comovido, as suas primeiras formaturas, nas quais cerravam fileiras, ombro a ombro, patriotas de todas as categorias e idades, rapazes de poucos anos e velhos de cabelos brancos, operários e patrões, estudantes e professores, proprietários e capitalistas, gente das cidades e dos campos marchando com garbo e decisão, obedecendo a chefes improvisados, na maior ordem e disciplina irrepreensível.
É que a todos iluminava a mesma luz espiritual, no propósito calmo, mas decidido, de, ou por si sós, ou ao lado do exército, sempre que preciso fosse, lutarem inflexivelmente pela defesa dos sãos princípios da nossa civilização para a felicidade do povo e prestígio da Pátria.
A organização resultante do citado decreto e seus regulamentos determinou, mas sem prejuízo da respectiva unidade geral, a divisão em múltiplas formações e conveniente distribuição territorial.
Sr. Presidente: as formações da Legião Portuguesa atribuídas à cidade do Porto, sempre rigorosamente integradas nos preceitos regulamentares, não escaparam à influência benéfica que aquele antigo e característico burgo sempre exerceu sobre pessoas e instituições que ali se fixaram.
Eu recordo a preocupação de um distinto engenheiro de nacionalidade francesa, que se domiciliara naquela cidade com sua mulher e filho e mandara este, a meio do curso, concluir os estudos em França, só porque, dizia ele, embora tivesse o maior carinho pela terra e povo, verificara que o rapaz era já mais portuense que francês, e ele queria absolutamente que seu filho readquirisse as qualidades da sua nacionalidade, embora estimasse que mais tarde ele voltasse a fixar-se e a trabalhar no Porto. É geralmente conhecida a influência que ali tem sido exercida sobre escritores, poetas, pensadores e em artistas notáveis, tais como músicos, pintores e escultores, e ainda, e de uma maneira geral, nos que demoradamente ali exercem qualquer actividade.
Todos sabem que, tal como se verificara em Nuremberga, cidade dos mestres cantores, que Wagner celebrou em imorredoura comédia lírica, também a cidade do Porto regista na sua história a passagem luminosa de poetas e outros artistas saídos do comércio e demais classes laboriosas.
Mas não é só nas pessoas que a influência daquele ambiente tão particular se exerce benèficamente.
O vinho precioso dos socalcos durienses, após uma viagem acidentada em pitorescos barcos rabelos, é desembarcado a poucos quilómetros a montante da foz do caudaloso rio Douro.
E após muitos anos de permanência naquele clima excepcional adquire brilhantes e inconfundíveis qualidades, que dele fazem a melhor bebida do Mundo, em toda a parte conhecida por vinho do Porto.
Até a nossa Pátria, cuja independência se cimentara na minha terra, na batalha de S. Mamede, nas cercanias do Guimarães, em que o jovem Afonso Henriques destroçara as hostes castelhanas comandadas pelo conde de Trava, fora baptizada naquele velho burgo e dele recebeu o glorioso nome de Portugal.
Se eu tivesse de continuar nesta ordem de ideias, seria um nunca acabar, tão notória tem sido a influência
da cidade invicta em todas as pessoas, instituições e actividades mergulhadas no seu ambiente inconfundível.
Sr. Presidente: de estranhar seria que as formações da Legião Portuguesa fixadas na cidade do Porto, Bem que por um momento tivessem de fugir à mais rigorosa integração nos princípios que informam aquele patriótico organismo e aos preceitos que regulam a sua actuação, se esquivassem à influência social do meio portuense.
Por isso, quando logo de início assisti, com grande prazer, às primeiras manifestações da faceta assistencial na vasta e simpática obra que a Legião Portuguesa, com perseverança e patriotismo, ia sucessivamente realizando na cidade do Porto, nenhuma dúvida tive em filia-los na influência da bela tradição que ali se tem verificado através dos séculos no capítulo da benemerência.
Desde a bendita obra das Misericórdias, que no Porto atingiu o expoente máximo em suas múltiplas manifestações altruístas, aos conventos, onde diariamente se distribuíam refeições, e às diversas confrarias e irmandades que ali mantêm asilos e hospitais, desde as instituições de caridade de iniciativa privada às diversas fontes de generosidade que diariamente valem a infortúnios transitórios e definitivos, tudo na cidade do Porto revela com eloquência quanto aquele ambiente tem sido propício aos mais belos sentimentos da solidariedade cristã.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: pelo elucidativo relatório e contas da comissão administrativa da assistência social da Legião Portuguesa na cidade do Porto relativo a 1946, e que foi largamente distribuído nesta Assembleia, já V. Ex.ª e os nossos ilustres colegas puderam avaliar o desenvolvimento de tão grandiosa obra.
Iniciada pelo dedicado legionário Dr. Silva Leal, com a colaboração valiosa de outros legionários ilustres, dos quais destaco o nome prestigioso do dinâmico, aprumado e saudoso capitão Eduardo Romero (Apoiados), que infelizmente já não é deste Mundo, ajudada pela câmara municipal e outras autoridades locais, acarinhada de uma maneira geral por todos os portuenses, e contando também com auxílios da junta central da Legião Portuguesa e do próprio Governo, a obra realizada em tão poucos anos é incontestavelmente grandiosa e traduz-se eloquentemente em doze refeitórios-cantinas da própria Legião, no fornecimento de alimentação a oitenta e oito cantinas-escolares do Porto, Gaia e Matosinhos e a quarenta e quatro cantinas de outras tantas empresas fabris.
Para se fazer ideia da alimentação distribuída, citarei o número de refeições diárias, que andam por vinte e duas mil, e informarei V. Ex.ª de que a sopa, saborosa e nutriente, fornecida por aquele benemérito serviço de assistência corresponde a quarenta e quatro pipas diárias!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não vou citar os números correspondentes ao enorme valor do considerável acervo daquela obra de assistência da Legião Portuguesa na cidade do Porto, porque V. Ex.ªs poderão consultar o relatório onde tudo se discrimina e justifica.
Mas bastará citar que as obras complementares que devem concluir-se no ano corrente orçam por 7:500.000$!
Outra nota digna de registo é que à administração tem sido inteiramente alheio o espirito lucrativo, para que tudo - capital imobilizado e em circulação e o esforço inteligente e devotado da ilustre comissão administrativa da assistência social e dos seus devotados colaboradores - se traduza em benefícios para aliviar infortúnios e facilitar a vida a tantos dos que não dispõem de recursos para maior fartura.
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É de toda a justiça citar os nomes dos três beneméritos que há bastantes anos administram com tanto zelo, inteligência e devoção a assistência social da Legião Portuguesa no Porto: o nosso antigo colega Sr. Jaime Amador de Pinho e os Srs. Óscar de Magalhães e Melo Pacheco.
Mas não tem havido apenas zelo e devoção: sei que ao primeiro daqueles legionários já a assistência social é devedora de valioso concurso financeiro, que se exprime em desembolsos e responsabilidades de grande vulto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O notável exemplo desta obra assistencial, segundo se lê no relatório, já vai frutificando em obras similares na capital e outras de iniciativa da F. N. A. T.
É mais um titulo de orgulho para a assistência social da Legião Portuguesa do Porto.
Sr. Presidente: eu não me engano afirmando que as palavras de louvor que acabo de pronunciar correspondem aos sentimentos dos habitantes do círculo que me elegeu para seu Deputado.
Mas de todo o distrito do Porto eu desejo destacar a freguesia do Bonfim, em que habito e de onde é natural minha mulher, que preside à respectiva comissão de beneficência, para a qual contribuem generosamente muitos paroquianos.
É vasto o campo de benemerência daquela instituição, mas os resultados ficariam muito aquém dos que felizmente se vêm registando se não fosse a intervenção da obra assistencial da Legião, que é fornecedora, a preços mínimos, de muitas centenas de refeições, distribuídas a numerosas famílias e às criancinhas das escolas, cuja cantina se deve à iniciativa a aos esforços daquela benemérita comissão de beneficência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Bem hajam, pois, aqueles devotados legionários. Daqui lhes dirijo, bem como à Legião Portuguesa, com as palavras de justíssimo louvor que V. Ex.ªs tiveram a paciência de escutar, a afirmação do meu reconhecimento como Deputado, como munícipe portuense e paroquiano da freguesia do Bonfim, pelo seu patriótico civismo, já eloquentemente afirmado na defesa da paz, da ordem e dos bons princípios da civilização ocidental, e pela sua tão eficaz acção no campo da assistência, em benefício de numerosos conterrâneos meus.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pedro Cymbron: - Sr. Presidente: há pouco mais de um ano abordei aqui três problemas do mais alto interesse para o distrito de Ponta Delgada. Infelizmente todos aguardam ainda solução, estando apenas um quase resolvido.
Não tratarei agora do repovoamento florestal, cujo estado o Sr. Ministro da Economia tem entre mãos, mas ao qual não pode certamente nesta ocasião prestar a atenção que ele exige, ocupado como está com assuntos, de maior interesse nacional, que absorvem todo o seu cuidado.
Também não quero demorar-me a apreciar a situação em que se encontra o distrito que represento no que respeita à sua electrificação, tão fácil de conseguir em S. Miguel. O seu estudo e arrumo está dependente da apresentação de um relatório de trabalhos há muito realizados, que aguardamos com impaciência.
Esperamos que o Sr. engenheiro Vieira Barbosa, Ministro da Economia, em breve tenha entre mãos os elementos necessários para encarar de frente este problema vital para o futuro das ilhas de S. Miguel e Santa Maria e o solucione com aquela energia e firmeza que se depreendem das palavras que pronunciou ao tomar posse do alto cargo que ocupa.
Pretendo agora somente tratar dos transportes: em primeiro lugar, para manifestar a minha satisfação pela próxima inauguração das linhas aéreas entre Santa Maria, S. Miguel e Terceira; em segundo lugar, para enviar para a Mesa um requerimento relativo aos transportes marítimos.
Estão felizmente em plena actividade linhas aéreas Lisboa - Santa Maria, fazendo várias companhias escala por aquela ilha com regularidade. 0 mesmo, porém, não acontece com as outras ilhas do arquipélago. Não necessitam os distritos açorianos a que pertencem essas ilhas, tão bem representados nesta Assembleia, que voz estranha se levante a pugnar pelos seus interesses, mas mal não ficará a quem se bate pela maior camaradagem entre as ilhas irmãs acusar aqui deficiências que lhes digam respeito e pedir para o caso a atenção de quem de direito.
Sabe-se, e com isso toda a população do distrito de Ponta Delgada se regozija intensamente, que em breve haverá ligação aérea entro as ilhas de Santa Maria,
S. Miguei e Terceira por meio de um avião propriedade da empresa açoriana que honra a sua terra. Apesar dos esforços feitos por esta empresa e das facilidades concedidas e auxílio prestado pelas entidades oficiais, quer para obter material quer para conseguir pilotos, só foi possível adquirir um avião.
Um só aparelho não poderá garantir serviço perfeito, mas permitirá viajar por via aérea das ilhas Terceira e S. Miguel para Santa Maria e, consequentemente, para Lisboa.
Impõe-se a preparação de mais campos de aviação, particularmente na ilha do Faial, onde se acha a capital do distrito mais ocidental do País e que actualmente está a nada menos de sete dias de Lisboa, embora apenas afastada l20 milhas de Santa Maria, que dista de Lisboa três horas e meia.
Quanto a transportes marítimos, estão os Açores bastante mal servidos. São pouquíssimos os navios (actualmente nem uma viagem. mensal para passageiros) e pesadas as tarifas.
Todos nós sabemos que há enormes dificuldades neste campo e nesta ocasião em todo o Mundo, mas é voz corrente e opinião geral nos Açores de que a nossa economia está há muito exageradamente sobrecarregada com o preço elevado dos fretes. Tenho aqui uma nota do valor do frete de alguns produtos para e dos Açores, que não vale a pena ler, mas da qual tiro os elementos necessários à elaboração de um quadro comparativo das taxas cobradas para a Madeira, S. Miguel, Guiné e Luanda relativamente a quatro mercadorias. Nesse quadro registo o preço, que calculo, do frete por milha percorrida. Assim, temos:
Produtos importados no continente
Gado
S. Miguel
255$00
$32(6)
Madeira
Taxa por cabeça e por viagem ... .
Taxa por cabeça e por
milha, percorrida, . . -$-
Guiné
375$00
$21(2)
Luanda
600$00
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Isto é, o preço do transporte por milha percorrida é para S. Miguei uma vez e meia e mais de duas vezes o estabelecido respectivamente para a Guiné e para Luanda.
Note se que o preço do frete por cabeça e por viagem para S. Miguel, que serviu de base a este quadro, é o que se paga por qualquer animal durante os meses de Janeiro a Março ou Outubro a Dezembro, ou, no pequeno navio-motor Corvo, durante todo o ano, havendo espaço. Nos outros meses esta tarifa é só para gado de 10 a 12 arrobas, pois pelos animais maiores pagar-se-á, muito mais.
Madeira em bruto
Taxa por metro cúbico e por viagem ....
Taxa por metro cúbico e por milha percorrida
Madeira
93$50
$17(5)
S. Miguel
259$00
$33
Guiné
364$00
$20
Luanda
504$00
$13
Verifica-se que a taxa para S. Miguel é quase duas vezes, mais de uma vez e meia e mais duas vezes e meia as que vigoram, respectivamente, para a Madeira, para a Guiné e para Luanda.
Deve notar-se que para a madeira de criptoméria e acácia, das que mais se exportam de S. Miguel, a tarifa é de 102$ por metro cúbico, o que dá por milha $13, igual à de Luanda e sensivelmente inferior às da Guiné e da Madeira (mas a Madeira não exporta este produto).
Produtos exportados do continente
Cimento
Madeira S. Miguel Guiné Luanda
93$50 204$70 252$00 222$00
$17(5) $26 $14(2) $05(7)
Taxa por tonelada e por viagem ... ... . Taxa por tonelada e por milha percorrida .
A taxa por milha percorrida é mais elevada mais de uma vez e meia, quase duas vezes e perto de cinco vezes as fixadas, respectivamente, para a Madeira, Guiné e Luanda.
Tecidos de algodão
Madeira S. Miguel Guiné Luanda
249$50 544$50 756$00 812$00
$47 $70 $42(5) $20(8)
Taxa por metro cúbico e por viagem ... .
Taxa por metro cúbico e por milha percorrida
Nota-se que o facto normal em todas as carreiras marítimas de o preço por milha percorrida baixar na razão directa da distância não se verifica em geral para os Açores.
De uma rápida análise parece depreender-se que têm as populações das nossas ilhas alguma razão nos seus clamores, e por isso um grupo de Deputados açorianos, reunindo representantes de todos os distritos, que vêm procurando coordenar os interesses das suas ilhas, resolvem juntar elementos de estudo relativos à linha dos Açores. Assim terei a honra de apresentar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, um requerimento, que vai assinado por esses Deputados, pedindo que com a possível urgência sejam fornecidos a cada um as respostas às perguntas
nele formuladas.
Sabemos que no plano de renovação da nossa marinha mercante foi prevista nova orientação na exploração da carreira das ilhas adjacentes, de maneira a evitar a
forma manifestamente defeituosa como durante tantos e tantos anos se fez esta exploração.
Ia um navio como o Carvalho Araújo ou o Lima a ilhas pequenas (muitas vezes para nem sequer deixar um passageiro, três caixotes ou um suco de mala) fazer
despesas avultadas e perder tempo precioso, sem a indispensável contrapartida de receita, e assim qualquer desses navios levava quinze dias na volta redonda das ilhas, para depois aguardar inactivo em Lisboa durante quinze dias a chegada do outro. Isto é: uma só viagem por mês e pelo menos 25 por cento do material o pessoal permanente sem rendimento, constituindo à primeira vista exploração pouco racional e antieconómica. Não poderia fazer-se melhor? Parece bem que sim. Senão, haja em vista a nova orientação que se lhe pretende imprimir levando os grandes navios mistos, de passageiros e carga, que serão mais velozes e mais bem apetrechados do que os actuais, só às capitais dos distritos, e pondo dois navios-motores de 600 toneladas para ligarem as pequenas ilhas com aquelas cidades. Infelizmente está atrasado o plano e não se vislumbra ainda quando estará em pleno vigor.
Consta que dentro de alguns meses será convocada nova comissão de tarifas, que será encarregada de estudar a remodelação das que vigoram actualmente para as
nossas ilhas.
Oxalá a sua organização seja rápida e as suas conclusões não demorem.
Sou contra grandes comissões, mas esta terá de ser, necessariamente, numerosa, pois deverá agregar representantes de vários organismos e diversas actividades.
Estão em causa os interesses dos nossos distritos...
O Sr. Linhares de Lima: - V. Ex.ª dá-me licença?
Estão em causa os interesses primários de todos os nossos distritos porque os Açores, com o seu actual sistema de comunicações, não estão em condições, de conseguir o seu desenvolvimento económico.
Não é com um único vapor por mês que se consegue esse desenvolvimento, pois ficam lá os produtos retidos durante muito tempo aguardando embarque e os passageiros permanecem igualmente durante longas semanas à espera de vez.
Há cinquenta anos, quando vim para Lisboa, havia seis vapores por mês. Agora há apenas um. Isto é sufocar a economia dos Açores.
O Orador: - Tem V. Ex.ª absoluta, razão.
Estão em causa os interesses dos nossos distritos e, como será difícil encontrar uma pessoa que represente com perfeito conhecimento todas as ilhas dos Açores,
lembro a vantagem de nomear para essa comissão um representante de cada um dos distritos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - 0 requerimento, Sr. Presidente, tem a seguinte redacção:
«Requeremos que, pelo Ministério da Marinha, nos sejam fornecidos os seguintes elementos de estudo:
1.º Nomes dos navios que entre 1 do Janeiro de 1940 e 31 de Dezembro de 1940 transportaram carga o passageiros ou só carga entre o continente e as ilhas adjacentes e indicação das datas de saída e chegada de cada viagem de cada um desses navios;
2.º Respectivas tonelagens (D. W.), velocidades, tipo de caldeiras, quando as tenha, tipo e potência das má-
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quinas (turbinas, motores a vapor ou de combustão interna) e combustível usado (carvão, fuel-oil ou óleo Diesel);
3.° Rol de matricula dos tripulantes desses navios;
4.° Cópia das tabelas das taxas de fretes e preços de passagens estabelecidos durante o período indicado no n.° 1.° e datas em que vigoraram;
5.° Relativamente a cada viagem realizada no período indicado no n.° 1.°:
a) Número de passageiros em cada classe e tonelagem transportada de cada porto do continente para cada porto das ilhas e valor global do respectivo frete;
b) Idem entre os portos das ilhas;
c) Idem entre estes e os do continente.
Nota. - Não interessa qualquer indicação relativa a navios fretados pelos Ministérios da Guerra e da Marinha, nem passagens requisitadas, nem cargas transportadas por conta destes Ministérios.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Março de 1947. - Os Deputados: Pedro de Chave Cymbron Borges de Sousa - Armando Cândido de Medeiros - Henrique Linhares de Lima - José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira -Teotónio Machado Pires".
Quadros a que se referiu o Sr. Deputado Pedro Cymbron no seu discurso:
Quadro comparativo de algumas taxas de frete
[Ver tabela na imagem]
(a) Em navios de carga.
(b) Em navios de passageiros.
(c) Para a madeira dos Açores existem mais as seguintes rubricas:
Madeira de criptoméria................................... 85$ por metro cúbico
Madeira de plátano....................................... 85$ por metro cúbico
Madeira de acácia........................................ 85$ por metro cúbico
(d) A angariação e despesas com o tratador e o tratamento do gado é de conta dos carregadores.
(e) Pelo navio-motor Corvo o frete especial para vacas é aplicável em todos os meses, havendo espaço, em viagem directa para Lisboa.
Notas
1) Os fretes rara os Açores tem os seguintes adicionais, devidos pela descarga: S. Miguel, S. Jorge (Velas) e Faial, 15 por cento; Santa Maria, Flores e Corvo, 20 por cento. Nas restantes ilhas do arquipélago a descarga é por conta da fazenda.
2) Os fretes das mercadorias destinadas a Bissau são acrescidos do adicional de 50$ por tonelada ou metro cúbico.
3) Os fretes de volta dos Açores são acrescidos da taxa adicional de 20 por cento devida pela descarga.
As mercadorias provenientes da costa ocidental, quando destinadas a Leixões em conhecimento emitido para Lisboa, tom a sobretaxa de 30$ por metro cúbico ou tonelada.
Distâncias em milhas. - Ao Funchal, 530; a Ponta Delgada, 788; a S. Vicente, 1:555; a Bissau, 1:767; ao Príncipe, 3:381; a S. Tomé, 3:352; a Luanda, 3:931.
O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: tendo alguém solicitado a minha intervenção em defesa dos interesses das instituições de beneficência de Vila Viçosa, tomei o compromisso de requerer, para exame, alguns documentos relativos à administração dos bens da Casa de Bragança.
Apresentei o meu requerimento há cerca de três meses e só no penúltimo dia da sessão legislativa que vai terminar me foram enviadas as provas que solicitei.
Poderia manifestar a minha estranheza, se não fosse o primeiro a concordar que a pesquisa desses documentos teria de ser laboriosa e, portanto, sujeita a demora.
Consta-me, porém, que pela repartição competente já fora dada satisfação ao meu pedido há bastantes dias e com o mais amplo destemor. Resta-me nesse caso atribuir essa demora a razões de ordem burocrática, porventura justificáveis. Mas não é positivamente para lamentar o atraso ou para criticar as suas causas que volto ao assunto.
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O que ou pretendo agora é justificar-me, por minha vez, do meu silêncio, à falta de elementos de apreciação, que em vinte e quatro horas mal tive tempo de folhear.
Aguardo, pois, que a copiosa documentação que ontem recebi, constituída por mais de duzentas páginas maciças, me forneça matéria de estudo para poder pronunciar-me, o que só farei - ou espero fazer, evidentemente - na próxima sessão legislativa.
Entretanto, Sr. Presidente, não quero deixar de afirmar, neste mesmo lugar donde expedi o meu requerimento, que nunca pus em dúvida a boa fé e as boas intenções dos administradores da Casa de Bragança. Tenho até conhecimento, por informações particulares, aliás comprovadas, de que a administração tem sida exercida pelo actual conselho administrativo de uma forma construtiva e salutar.
Têm-se despendido, é certo, verbas que parecem à simples vista desnecessárias ou exageradas, mas também é verdade que noblesse oblige e mal ficaria ao conselho administrativo se não honrasse as tradições, os imperativos sociais e as exigências de representação da velha casa ducal de Vila Viçosa.
verifica-se, por outro lado, que essa mesma administração tem saldado largamente, mesmo além do exigível, todos os compromissos tomados, restituindo à Casa de Bragança a sua independência económica, a sua prosperidade agrícola e a sua grandeza heráldica.
Sobre as percentagens atribuídas às instituições de beneficência a que me referi, há quem afirme que o testamento de El-Rei D. Manuel não existe ou não tem valor jurídico, levando assim a concluir a priori aquele encargo poderá constituir uma faculdade, mas nunca uma obrigação do conselho administrativo.
E eu respondo que o valor jurídico não pode preterir o valor moral; foi para servir este que aquele se criou e é sempre em seu serviço que actua, nem pode ser outra a doutrina do Estado Novo, baseada nas afirmações que ouvimos formular a cada passo sobre o conceito de justiça.
Será um mito, com efeito, o testamento de El-Rei D. Manuel; mas o que nunca é um mito é a vontade de um morto por qualquer forma expressa. O mais sagrado direito do homem é o direito à vida, sobretudo o direito à vida dos mortos, quando as suas virtudes se alteiam ou os seus sacrifícios se impõem. Além disso, eu não creio que a sua vontade seja inexequível ou inoperante; não creio que as suas determinações, tão insistentemente propagadas, e essas mesmas percentagens, tão precisamente estabelecidas, sejam produto apenas ao uma fantasia de sonâmbulos.
Mas há ainda outra hipótese a considerar: a dificuldade de materializar o pensamento do rei. Nesse caso, se do exame dos factos é uma obrigação que resulta, que se cumpra; se é uma faculdade, que se amplifique.
Seja qual for, portanto, a conclusão a que chegarmos, só uma intenção me move e só uma finalidade me conduz: defender, como pretendi os interesses das instituições de caridade que o Sr. D. Manuel galhardamente incluiu entre os seus primeiros contemplados.
Ninguém poderá acusar-me nem me hei-de arrepender por isso.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: antes que termine a sessão legislativa actual, julgo oportunas algumas considerações de ordem política.
Não tenho a honra de pertencer à União Nacional, onde nunca procurei inscrever-me. Ponderei a quem de direito esse facto quando aquele organismo me convidou a apresentar a candidatura de Deputado pelo círculo de Lisboa.
A resposta que recebi, perfeitamente isenta de espírito partidário, inteiramente identificada com a razão patriótica, animou-me não só a aceitar o mandato mas a respeitar mais ainda, se possível é, a orientação superior da política do Estado Novo.
Na minha modestíssima acção parlamentar nunca me foi exigida, ou sequer sugerida, qualquer atitude. Ao contrário do que sucede em tantos agrupamentos, que se dizem democráticos mas impõem aos seus adeptos a mais tirânica disciplina em matéria de opiniões, nada contrariou a expressão, livre do meu pensamento e ninguém me limitou o exercício do mandato.
Falei sempre em meu nome pessoal e sou o único responsável, quer pelas afirmações produzidas, quer pelas reacções consequentes às minhas palavras.
Sr. Presidente: por tais motivos, a União Nacional e os seus dirigentes merecem o agradecimento e a homenagem entusiástica do simples soldado que nada aceitou nem jamais aceitará da política, que nunca exerceu nem virá a exercer cargos políticos ou administrativos e que até à sua eleição para Deputado se limitara a ocasionais intervenções militares.
Ao contrário do que muita gente supõe, sou um burguês pacato, desejoso de fruir pacificamente os últimos anos de vida, incapaz de atitudes irredutíveis, compreensivo e tolerante. Só conheço um inimigo: o ódio. Odeio o ódio, odeio o ódio apaixonadamente, sob todas as suas formas, política, pessoal, científica ou material. Em presença do ódio reajo com a coragem dos tímidos - e passo imediatamente à luta em todos os campos onde o adversário se encontre.
Fora disso não adopto atitudes sistemáticas. Como parlamentar, ora louvo, ora condeno, às vezes no mesmo dia a mesma pessoa e o mesmo serviço. Porquê? Porque a minha consciência está tão aberta à justiça como cerrada ao preconceito e à paixão partidária ou administrativa. Sou tolerante; quer dizer: forte de espírito.
Se tentam vencer-me, reajo; se me convencem, adiro.
Por isso erram muito aqueles que em Portugal ou no estrangeiro me consideram sinónimo de oposição a Governos e mais ainda os que me julgam partidário incondicional de quaisquer chefes políticos.
Venero o que se passa nesta Câmara: em vez de uma oposição sistemática, cega, obcecada e, portanto, injusta, encontro uma oposição flutuante, que ora se desloca num sentido, ora se revela noutro, conforme a natureza dos problemas, e nunca sectária, dirigida pela adversão a pessoas ou contra princípios fundamentais.
Uma das acusações feitas amiúde ao nosso Parlamento é a de que não pode funcionar bem uma Assembleia onde não existe oposição. Nada disto é verdadeiro.
Porquê? Porque a oposição existe e traduz-se na crítica que os eleitos da Nação, em nome dos seus eleitores, aqui livremente exercem. Pode classificar-se de oscilante, por não ser sistemática, de pendular, por não ser facciosa e por variar de sentido, de flutuante, por vogar ao sabor dos acontecimentos, e até de indisciplinada, por não ter comando, mas devemos reconhecer que ela existe, corresponde aos mais altos interesses nacionais, é independente de coacções disciplinares e somente se rege pela consciência de cada Deputado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não há grupos indefinidos antecipadamente, mas formam-se os indispensáveis núcleos de opiniões, na ocasião oportuna, conforme os assuntos versados. Num debate pertencemos à oposição; noutro somos governamentais.
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O Sr. Soares da Fonseca:- À oposição não; a uma oposição!
Há outras!
O Orador: - Completamente de acordo. Vou demonstrá-lo já a V. Ex.ª
O Sr. Carlos Borges: - As palavras proferidas por V. Ex.ª Sr. Deputado Botelho Moniz, exprimem bem o seu pensamento.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
Não será isto exemplo de patriotismo, de abnegação, de consciência e de independência perfeitas?
Objectam os nossos detractores que, além desta oposição flutuante e interna, existe outra, que não está representada entre nós.
As oposições ao Estado Novo poderão chamar-se externas, já porque muitos dos seus adeptos são servidores do estrangeiro (Apoiados), já porque outros, como nós integralmente Portugueses, se encontram no exterior da situação nacionalista e no exterior do Parlamento.
Fiel aos meus princípios de odiar o ódio, desprezo profundamente aqueles que odeiam a sua própria Pátria e são escravos de marechais estrangeiros. Quanto aos restantes, considero-me feliz porque nada de fundamental no ponto de vista da Pátria nos divida deles: nem quanto às pessoas, porque quase todos nós mantemos relações de amizade com antigos chefes militares das oposições exteriores e com muitos dos seus chefes políticos.
Por minha parte, ponho entre os primeiros e os segundos alguns dos meus amigos mais queridos.
Nem quanto aos princípios essenciais, relativos à existência da Pátria, porque somos portadores ou apóstolos das mesmas verdades axiomáticas, de dogmas políticos comuns ao Estado Novo e às oposições verdadeiramente nacionalistas: todos temos Portugal no coração, todos amamos as liberdades individuais, todos as subordinamos ao interesse colectivo, todos pugnamos pelo progresso social, todos respeitamos a crença religiosa alheia como melhor forma de exigirmos respeito pela crença própria, todos fazemos da família a base indiscutível da sociedade humana, todos compreendemos as vantagens das Corporações, todos admitimos o direito sagrado da propriedade e as limitações desse direito quando a Nação necessita invocá-las.
Nada de fundamental nos divide. Então que nos separa?
Ódio entre homens? Odeio o ódio. Mal entendidos e intrigas? Inadmissíveis para gente forte.
Questiúnculas de pormenor? Abdiquemos delas perante o essencial.
Desejo de retaliações e de vinganças? Constituem manifestação de egoísmo. São impróprias de quem se julga digno da missão de orientar e melhorar a moral dos povos.
Ausência de representação das oposições externas no seio da Assembleia Nacional? De quem a culpa?
Porque praticaram a falta de não se apresentarem às eleições? Não se queixem de nós. Queixem-se deles próprios. Sei que os homens mais viris e mais independentes das oposições confessam francamente o erro que estas cometeram e verberam a desorientação política ou o conformismo com atitudes estrangeiras que determinaram esse erro.
Sei que muitos dos situacionistas mais convictos e mais combativos lamentam que essa falta estratégica e táctica tenha sido cometida. Odeio o ódio, mas adoro a luta leal, patriótica, correcta, animada pelo velho cavalheirismo português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ela teria sido útil, dar-nos-ia mais coesão a nós, situacionistas, renovaria a chama da nossa mística e melhoraria a nossa actuação política, fazendo-a mais firme, mais tenaz, mais unida e mais constante.
Embora perdêssemos tempo a lutar, ganharíamos alma, vivacidade e experiência.
Por mais nefasta que seja a guerra, também tem suas vantagens.
O combate tempera os espíritos e os corpos, dá-lhe a rijeza e a maleabilidade do aço, que somente se conseguem na adversidade, na ânsia da vitória, na tensão
espiritual, que tanto mais nos eleva quanto mais alta é a missão a cumprir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Maldita seja a guerra que destrói; bendita seja a luta que constrói e purifica!
Do erro das oposições externas fomos nós, situacionistas, as primeiras vítimas.
Consolem-se os nossos adversários com esta ideia.
Odeio o ódio.
A ânsia de batalhar na boa batalha eu que, findo o prélio, os adversários se abraçam fraternalmente, não significa risco de maiores divisões.
Pelo contrário, ambiciono que os desejos de Salazar se convertam em realidade. Para continuidade da obra salvadora, Portugal inteiro deve constituir-se, quanto mais depressa melhor, numa sólida frente nacional, que, apoiada firmemente no espírito nacionalista da armada e do exército, poderá completar a sua obra de pacificação social.
Façamos por esquecer dissidências pessoais e políticas. Quando haja que fazer oposição, exerça-se ela por forma levantada, nobre e patriótica, alheia a particularismos e a inferioridades, como nós a temos exercido nesta Assembleia, exemplo vivo de independência e de amor pela verdade.
Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª, se digne permitir-me mais esta declaração: àqueles que não compreendem as nossas atitudes, acho que devemos responder: não vivemos em regime de partidos. Abominamos todas as manifestações de totalitarismo. Por isso também não queremos um partido único. Não somos Deputados governamentais. Não somos Deputados da oposição.
Somos, simplesmente, honradamente, calorosamente, a coisa mais bela que um ser humano pode ambicionar: portugueses!
Portugueses, por fiéis às tradições herdadas dos heróis de antanho, que, em passos de gigante, nunca ultrapassados, levariam a fé cristã do minúsculo condado de Portus Cal aos confins do Mundo ignorado.
Portugueses, porque somos leais e fidalgos em todos os nossos actos.
Portugueses, porque acima da política pomos a verdade, acima dos Governos pomos a Situação Nacionalista, acima das oposições colocamos ideais de unidade patriótica e acima de tudo isto vemos Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugueses, odiamos o ódio. Consequentemente, dirijo a Carmona e a Salazar, meus chefes e meus amigos, a súplica de um soldado que nunca será mais do que soldado: olhai em redor! Estamos ansiosos por ver traduzida em netos decisivos, firmes,
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rasgados, grandes, como tudo que parte de homens grandes, a vossa aspiração de unidade patriótica.
Ela foi solenemente manifestada, em nome de todos, pelo mais incansável obreiro da redenção nacional: Salazar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na administração financeira e económica confiamos no cumprimento do plano gigantesco de trabalhos, que corresponde aos votos unânimes desta Assembleia, tendentes à melhoria do nível de vida portuguesa.
No social estão em marcha realizações de assistência nunca igualadas.
Na direcção política, como consequência lógica das palavras de Salazar, para que os portugueses se abracem como irmãos, devemos acrescentar às medidas generosas em que os últimos anos têm sido férteis a liquidação completa das punições do passado político dos nossos adversários e dos nossos amigos.
Sr. Presidente: de 1910 para cá, na série de lutas que nos tem dividido, existem muitas vítimas, quer entre monárquicos quer entre republicanos.
Oficiais e sargentos que souberam combater pelas suas ideias, o que pode ser criminoso à face dos códigos, mas é sempre nobre perante as consciências; funcionários civis que foram demitidos em consequência de leis de excepção, cujo exemplo foi dado pela República vitoriosa, deixêmo-los regressar aos quadros, dentro das situações que lhes competirem pelas suas idades e pelos seus serviços.
Este voto pode parecer paradoxal na boca de quem, como eu, constantemente protesta contra burocratas que se servem dos seus cargos para atraiçoar o regime.
Não é. Assim como aprecio e admiro todos aqueles que batalham às claras e assumem responsabilidades carácter comum a todas as vítimas apontadas: desprezo os que mordem pela calada, vivem de jogo duplo e atraiçoam amigos e inimigos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esqueçamos toda a política que nos divide. Lembremos apenas tudo quanto nos possa unir verdadeiramente.
Sr. Presidente: a mais santa comemoração que pode ter o apelo de Salazar ao alargamento da frente patriótica é o perdão mútuo das nossas injúrias. Fala-vos um soldado que arriscou a vida e venceu nalgumas dezenas de combates. Não transige. Não teme. Não adoptou o lema dos cavaleiros:«morte ou glória», porque só considera bela uma divisa: «Vencer»!
Não transige. Não teme. Mas odeia o ódio.
Que esta sessão legislativa se encerre com uma palavra de amor, símbolo dos afectos mais puros, porque é o nome sobre todos venerado da Terra-Mater: Portugal!
Nela reside a expressão de uma raça de vitalidade gloriosa, que unida será mais forte e mais forte será invencível. Invencível já o foi na guerra externa, invencível tem de sê-lo na luta consigo própria.
Portugal!
Salazar anseia porque todos os portugueses sejam irmãos!
Que ninguém deixe de acompanhá-lo nesse voto, embora a muitos seja necessário sacrificar algo do seu modo de ser pessoal ou político.
Se for indispensável, para vencer a batalha da unidade patriótica, que os nossos próprios corpos sirvam de ponte de passagem, como o corpo de Martim Moniz na conquista de Lisboa, demos as nossas vidas, porque mais não pode dar quem já devotou toda a sua alma.
Assim o manda, como palavra de ordem, o mais lindo nome de amor da língua de Os Lusíadas, aquele que aflora aos lábios do último murmúrio do soldado que cai ou vibra gritando no entusiasmo dos triunfadores:
Portugal!
Disse.
Vozes - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: ao requerer certos documentos sobre o processo de inquérito à Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, envolvendo os actos de um antigo governador daquele distrito, não me animou outro propósito que não fosse esclarecer-me sobre o critério com que tinha sido apreciada a investigação.
Sabia que para a instauração deste processo fora requisitado um juiz de Direito.
Sabia que os arguidos, como tal apontados, não obstante as diligências efectuadas se confinarem à averiguação geral dos factos, procuraram fazer constar que o juiz inquiridor se deixara mover por defeituosos sentimentos de justiça.
Sabia ainda que alguém fizera circular um papelucho em que era contida uma defesa especialmente eivada de acusações dirigidas à honra e dignidade do juiz inquiridor.
E fazia-se constar, com intuitos de manifesta má fé, que os termos de um despacho ministerial davam tácita aprovação às acusações que a defesa continha.
Revestia este caso sérios aspectos de gravidade:
1.º Porque um magistrado que o Ministro da Justiça nomeia para prestar serviço noutro Ministério que o requisita não pode estar à mercê de acusações de pessoas cuja conduta lhe incumbe investigar.
Quando tal suceder, o respectivo Ministro, ao despachar no processo, não deve deixar de tomar as providências indispensáveis à manutenção do prestígio devido ao magistrado e à justiça;
2.º Porque estes factos são tanto mais graves quanto mais elevadas forem as categorias das pessoas arguidas;
Apoiados.
3.º Porque se nos meios grandes este desforço impróprio se dilue, nas terras pequenas ele serve para alimentar a maledicência e afectar a autoridade de um juiz, que cumpre ter sempre em guarda.
O processo em referência foi posto à minha disposição e hoje acabam-me de ser entregues os documentos pedidos, vendo, entre eles, com justificada alegria, o despacho que vou ler:
Juntem-se os documentos ao processo.
Sobre as considerações do presente oficio apraz-me assinalar o seguinte:
a) Não existe qualquer dúvida sobre a isenção ou honestidade com que foi instruído o processo de inquérito aos serviços da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada e elaborado o respectivo relatório. Assim se justifica que, sobre esse aspecto, não tenha recaído apreciação ou despacho especial;
b) Quanto à verdade apurada, o despacho ministerial que mandou arquivar o processo, com data de 26 de Setembro de 1946, justificou-se essencialmente pela circunstância de ter ocorrido o falecimento daquele que, directa ou indirectamente, foi considerado o principal responsável pelos factos apurados. 20 de Março de 1947. -A. C. de Abreu.
Não citei o nome do principal responsável por o seu falecimento mo impedir de o tornar público.
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Entendeu-se que, pelo mesmo motivo, não se devia formar culpa contra os outros arguidos, não fosse a memória daquele ser atingida pela autoridade que sobre eles exercia. Procedem as razões. Paz aos mortos. Não se permita, porém, que sobre o seu corpo gélido tome corpo a especulação contra os vivos.
É com júbilo que trago estes factos ao conhecimento da Assembleia Nacional.
Como era da mais elementar justiça, fez-se justiça a um magistrado integérrimo (Apoiados), que põe sempre em todos os seus actos aquele pundonor próprio das pessoas dignas, que prezam a verdade e a defendem com a mesma galhardia com que um militar empunha a sua espada em defesa da honra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esse magistrado é o nosso colega Armando Cândido de Medeiros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já o conheço há muitos anos, e é sempre o mesmo. Uma peça inteiriça que ninguém consegue vergar nem quebrar. Temos tido ocasião de apreciar nesta Assembleia os fulgores do seu espírito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Congratulo-me pela justiça que lhe fez quem tinha direito de a fazer. Se ainda há quem continue a falar, lembro-se, Sr. Deputado Armando Cândido, que muitos homens se comprazem em deixar nos seus actos bem marcado o ferrete da ignomínia que trazem vincado no espírito.
Afirmo-lhe a minha solidariedade, e estou certo de que todos os Srs. Deputados me acompanham.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: ouvi as considerações que o ilustre Deputado Sr. Dr. Albano de Magalhães acaba de fazer sobre o inquérito à Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada.
A falsa opinião pode nalguns intervalos ter autoridade, mas, enfim, a verdade prevalece.
A máxima é de Heitor Pinto e agrada-me saboreá-la nesta altura.
Fui o juiz que instruiu o processo, juntando documentos, ouvindo testemunhas, tirando conclusões firmes.
Sei que o maior arguido já não pode responder perante a justiça dos homens. Na frente da morte peço à vida que dê o sinal da sua têmpora. Adiante!
Põe-se agora o caso dos demais responsáveis.
Não desejo prolongar aqui a minha posição de inquiridor.
No cumprimento do meu dever, só quero ir até onde chegou o exercício efectivo da minha responsabilidade profissional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Poderia, como Deputado, ir mais longe. Mas, entre a mistura de funções e a nota de isenção e de equilíbrio que pretendo dar, escolho esta, com os direitos que me ficam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o despacho de S. Ex.ª o Ministro do Interior, engenheiro Augusto Cancela de Abreu, que foi lido à Assembleia com a compreensível omissão do nome do principal arguido, paga-me os trabalhos e os sofrimentos para que fui requisitado.
Devo agradecer?
Prefiro guardar o pergaminho e dizer simplesmente que o transmitirei com a mesma felicidade com que o honrado capitão da Índia deixou em herança o auto em que se declarava nunca ter recebido a mínima peita.
Ao Deputado Sr. Dr. Albano de Magalhães e à Câmara, que tão acentuadamente apoiou as palavras proferidas a meu respeito, a garantia comovida e segura de que jamais esquecerei o significado da consideração que me dispensaram.
Julgo, Sr. Presidente, ter evitado «a prosa das coisas» e não ter diminuído a força que me interessa reservar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi cumprimentado.
O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um requerimento, também assinado pelo nosso ilustre colega Sr. Gaspar Ferreira, em que são solicitadas algumas informações ao Ministério da Economia, pela Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos, a respeito do problema que já foi aqui versado, e muito bem, pelo Sr. Deputado Madeira Pinto, sobre a concessão de minas de sal-gema, que traz em alarmo a indústria salineira do País.
Nas referências feitas pelo Sr. Deputado Madeira Pinto foi indicado o valor económico da indústria do sal marinho em Portugal, que atinge uma produção global calculada em 270:000 toneladas anuais em média, num valor computado em 200:O00 contos.
Realmente, num país salineiro como o nosso, considerado, pela sua posição geográfica o condições climatéricas, o país do sal, com uma indústria que produz habitualmente mais do que o exigem as necessidades do nosso consumo, tendo na exportação, que atinge mais de 100:000 toneladas por vezes e pode considerar-se numa média de 25 por cento da produção, a compensação de que carece para poder manter-se, pode porventura admitir-se a exploração do sal-gema, que, dadas as facilidades de extracção, iria complicar mais o problema do excesso da produção
e arruinar uma indústria que tem uma tradição secular e que alimenta um grande número, alguns milhares, de trabalhadores que na mesma se ocupam e dela vivem?
Ninguém, creio, poderá defender em boa razão o ponto de vista oposto.
Nada justifica a exploração do sal de minas. Associo-me, pois, como sendo de uma região em que a indústria do sal ocupa lugar de preponderância na economia local, às palavras do Sr. Deputado Madeira Pinto, e, porque careço das informações precisas da repartição respectiva, envio para a Mesa o requerimento a que aludi e que, repito, vai também assinado pelo Sr. Deputado Gaspar Ferreira.
Tenho dito.
O requerimento é o seguinte:
«Porque anda justamente alarmada a indústria do sal marinho quanto ao seu futuro, apesar da sua antiguidade anterior à própria fundação da nacionalidade, como o documentam estudos de eruditos investigadores, entre os quais se destacam Rocha e Cunha e o Prof. Charles Lepièrre, em virtude de um pedido de concessão para exploração de um extenso jazigo de sal-gema que se diz ter sido descoberto numa faixa do nosso território continental que se estendo entre o mar e o meridiano que passa por Leiria, limitada ao norte pelo paralelo de
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Monte Redondo, a 20 quilómetros de Leiria, e ao sul pelo de Torres Vedras, como já aqui foi referido nesta Assembleia, requeremos que, pelo Ministério da Economia, Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos, e para completa e precisa elucidação do assunto, nos sejam enviadas as seguintes informações:
a) Termos em que foi feito o pedido de concessão, isto é, se visa directamente a exploração dos jazigos de sal-gema naquela zona existentes ou apenas o da exploração de sais de potássio sem abranger as substâncias associadas a que se refere a condição 5.ª da portaria publicada no Diário do Governo n.° 268, 2.ª série, de 17 de Novembro de 1943, entre as quais se encontra, em grande quantidade, o cloreto de sódio;
b) Número de jazigos indicados no pedido e sua localização e capacidade;
c) Entidade ou entidades que solicitam a concessão;
d) Se houve quaisquer reclamações contra tal pedido, quantas e de quem".
O Sr. Ernesto Subtil: - Sr. Presidente: como já disse nesta Assembleia, recebi centenas de telegramas e cartas de aplauso e agradecimento por ter chamado deste lugar a atenção do Governo para a situação difícil em que se encontravam e encontram ainda os funcionários públicos, sobretudo os mais humildes; e entre aqueles telegramas conta-se um, procedente de Vimioso, do distrito de Bragança, assim redigido:
Pessoal guarda fiscal Vimioso agradece Vocelência interesse tomado Assembleia Nacional situação funcionários civis e militares. - Francisco de Oliveira, primeiro-cabo.
Informado por um distinto colega do norte do País de que o signatário do referido telegrama e alguns dos seus camaradas haviam sido castigados disciplinarmente pelo facto de me dirigirem aquele agradecimento, e parecendo-me estranho tal castigo, desde logo requeri - para saber ao certo o que se havia passado - que, pelo Comando Geral da Guarda Fiscal, me fosse indicado, em face do respectivo processo, o seguinte:
1.° Qual a pessoa que fez a participação e qual o modo por que essa mesma pessoa tomou conhecimento daquele telegrama, que, como correspondência particular, estava sujeito a sigilo;
2.° Qual a matéria da acusação e qual a pessoa ou entidade que a subscreveu;
3.° Qual a defesa deduzida por cada um dos arguidos c quais as penalidades que a cada um deles foram aplicadas ;
4.° Quais os fundamentos de facto e de direito dessas penalidades e qual a entidade que as aplicou.
Essas indicações foram-me já prestadas por intermédio de V. Ex.ª e, em presença delas, apura-se, Sr. Presidente:
Que não houve participação nem violação do sigilo a que está sujeita a correspondência particular, pois aquele telegrama foi conhecido por intermédio do jornal O Comércio do Porto, que o publicou em 2 de Abril de 1946;
Que constituiu matéria da acusação a reunião das praças castigadas, sem autorização dos seus legítimos superiores, para se manifestarem colectivamente, e ainda o facto de o referido telegrama me ter sido enviado em nome de "o pessoal da guarda fiscal de Vimioso", quando é certo que desse mesmo telegrama nem todo o pessoal teve conhecimento, como se verificou nas investigações que, em virtude do disposto no artigo 111.° do regulamento disciplinar da guarda fiscal, foram ordenadas pelo comandante do respectivo batalhão;
Que os arguidos se defenderam com a alegação de que, encontrando-se na cozinha do seu quartel e tendo lido aí num jornal o relato das palavras que eu proferira nesta Assembleia acerca da situação dos funcionários civis e militares, ficaram sensibilizados com tais palavras e resolveram mandar-me o já citado telegrama, do qual não foi dado conhecimento ao oficial comandante da secção nem ao segundo-sargento comandante do posto de Vimioso, e, por esse motivo, foram punidos o primeiro-cabo Francisco de Oliveira com quinze dias e as restantes praças com dez dias de detenção;
Que tais penalidades foram aplicadas pelo comandante do referido batalhão e tiveram por fundamento a infracção dos deveres constantes dos n.ºs 5.° e 38.° do artigo 5.° do mencionado regulamento disciplinar da guarda fiscal.
Ora, posta a questão nestes termos e embora não conheça os arguidos nem tenha, como é evidente, a menor culpa de que eles me tivessem dirigido tal telegrama, julgo-me obrigado, por uma razão de ordem moral, a dizer alguma coisa em sua defesa.
Antes, porém, quero acentuar, Sr. Presidente, que os arguidos, ao expedirem tão malfadado telegrama, não o fizeram em nome de todo o pessoal da guarda fiscal de Vimioso. E que, conforme o respectivo original, que tenho em meu poder, esse telegrama foi-me dirigido, não em nome de "o pessoal da guarda fiscal de Vimioso", como resulta da acusação e do texto publicado em O Comércio do Porto, mas sim em nome de "pessoal guarda fiscal Vimioso", o que é diferente e significa que não abrange, necessariamente, todo o pessoal da respectiva guarnição.
Esclarecido este ponto, procurarei agora demonstrar, ainda que de modo sucinto, que os arguidos foram, sem a menor dúvida, indevidamente castigados, como adiante se verá.
Para o provar basta, Sr. Presidente, que se leiam as disposições legais que determinaram o castigo, e que foram, como já referi, os n.ºs 5.° e 38.° do artigo 5.° do regulamento disciplinar da guarda fiscal, aprovado pelo decreto n.° 13:461, de 23 de Março de 1927.
Assim, o n.° 5.° dispõe que o militar tem por dever especial:
Cumprir as ordens e regulamentos disciplinares e fiscais.
E o n.° 38.° que o militar tem igualmente por dever:
Não tomar parte em manifestações colectivas atentatórias da disciplina nem promover ou autorizar iguais manifestações, devendo como tais ser consideradas não só as reclamações, pedidos, exposições ou representações, verbais ou escritas, referentes a casos de disciplina ou de serviço que, tendo um fim comum, sejam apresentados por diversos militares ou por um em nome de outros, mas também as reuniões que não sejam autorizadas por lei ou por autoridade militar competente.
Ora, Sr. Presidente, tais deveres não foram infringidos pela expedição do referido telegrama, porque este não constituiu a violação de qualquer ordem ou regulamento disciplinar ou fiscal nem designadamente constituiu qualquer manifestação colectiva para os efeitos que a lei teve em vista evitar.
E que as manifestações colectivas que a lei considera contrárias aos deveres militares, e que por isso mesmo deverão ser punidas, não são todas e quaisquer manifestações colectivas, mas só aquelas que forem (como expressamente o diz a lei) atentatórias da disciplina, devendo como tais considerar-se (e é a mesma lei que
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as concretiza) as reclamações, pedidos, exposições ou representações, verbais ou escritas, referentes a casos de disciplina ou de serviço que, tendo um fim comum, sejam apresentadas por diversos militares ou por um em nome de outros.
Essas manifestações colectivas são, por outras palavras, somente aquelas que afectam a disciplina ou respeitam a casos de serviço, as quais se reduzem, afinal, às que representam qualquer infracção da disciplina militar, infracção essa que, nos termos do artigo 8.° do citado regulamento, consiste anã acção ou omissão contrária ao dever militar que por por lei não seja qualificada crime".
Por isso, e porque esse dever, pelo que respeita à guarda fiscal, se encontra definido no corpo do artigo 5.° daquele mesmo regulamento, segundo o qual "o militar deve regular o seu procedimento pelos ditames da virtude e da honra, amar a Pátria, guardar e fazer guardar a Constituição Política e mais leis da República", é evidente que a expedição do já referido telegrama não constituiu qualquer infracção disciplinar e, nomeadamente, não representou nenhuma manifestação colectiva atentatória da disciplina.
De resto, não se compreenderia, Sr. Presidente, como é que a disciplina militar poderia ser afectada com um telegrama daquela natureza, de simples agradecimento por palavras ordeiras proferidas na Assembleia Nacional, agradecimento esse que só traduziu, no fim de contas, o sentimento nobre da gratidão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também esse telegrama não emanou, contrariamente ao que consta do processo, de qualquer reunião das praças da guarda fiscal em nome das quais ele me foi enviado, pois que, no momento em que resolveram fazer a sua expedição, tais praças encontravam-se acidentalmente, como sucede quase todos os dias, na cozinha do seu quartel.
Não houve, pois, uma reunião propriamente dita, por isso que ninguém convocou os arguidos a reunirem na já referida cozinha para tomarem conhecimento do facto que deu origem ao telegrama incriminado e deliberarem sobre se deviam ou não enviar este, além de que a reunião dos militares, contrária aos deveres que aos mesmos incumbem, não é também toda e qualquer reunião que não seja autorizada por lei ou pela autoridade competente, mas apenas a reunião realizada nessas condições e que tenha por objecto tratar casos de disciplina ou de serviço.
Se assim não fosse, se toda e qualquer reunião de militares houvesse de ser punida, teriam então de ser castigados cinco ou seis militares que assistissem, por exemplo, ao jantar comemorativo do aniversário de um deles e resolvessem durante esse jantar mandar um telegrama a um camarada que faltou por estar doente, fazendo votos pelas suas melhoras.
É evidente, pois, que não é nem pode ser esse o sentido da lei que proíbe as reuniões colectivas dos militares.
De outro modo, isto é, se essa lei pudesse ser entendida como a entendeu o Sr. comandante do referido batalhão da guarda fiscal, teriam os cabos e soldados de andar fugindo uns dos outros, para não serem considerados em reunião, e teriam de ser punidos - e não foram - muitos soldados e cabos da guarda fiscal, da polícia de segurança pública e da guarda nacional republicana por se terem juntado, como juntaram, em várias dependências dos seus postos ou quartéis para o efeito de subscreverem, em conjunto, a mensagem de saudação que há poucos meses ainda, e em comemoração do 20.° aniversário da Revolução Nacional, foi muito justamente dirigida a S. Exas. os Presidentes da República e do Conselho.
Esses soldados e cabos não foram punidos, e muito bem, porque a sua reunião, para o efeito indicado e a assinatura daquela mensagem, em nada afectaram a disciplina, não respeitaram a casos de serviço, não revestiram, enfim, as características elas manifestações colectivas que a lei proíbe.
E porque tais características não as revestiu também a manifestação colectiva de que foram acusados o cabo e os soldados de Vimioso, não deviam estes ter sido castigados, como foram, e por sinal severamente, com os dias de detenção que já referi, seguidos de transferência e com perda do direito de promoção.
E eu disse severamente castigados porque o regulamento em que se fundamentou o Sr. comandante do referido batalhão para aplicar semelhante castigo determina, no n.° 41.° do seu artigo 5.°, que os superiores têm por dever especial "tratar os inferiores com moderação e benevolência", e também porque, "sendo um dos fins do castigo a regeneração do delinquente", deverão os superiores proceder "com a máxima prudência e sem rigores desnecessários, que, longe de elevarem, rebaixariam o sentimento do dever e da honra, base da subordinação e da disciplina", e ainda porque isso mesmo determina o artigo 78.° do regulamento invocado pelo mesmo Sr. comandante.
Por tudo o que fica exposto, e sem mais considerações sobre o assunto, que me dispenso de fazer, para não maçar mais esta Assembleia, não podem restar dúvidas a ninguém de que o castigo aplicado ao cabo e aos soldados da guarda fiscal de Vimioso, e, consequentemente, às suas pobres famílias, que dele sofrem também os necessários efeitos, foi um castigo injusto, e tanto mais injusto quanto é certo que com o facto que praticaram os castigados não tiveram a menor intenção de infringir os regulamentos militares, pois só tiveram em vista manifestar o reconhecimento, que muito os dignifica, pelo interesse que a sua situação mereceu nesta Assembleia.
Não pode chegar a outra conclusão, penso eu, quem aprecie desapaixonadamente os factos e quem interprete devidamente a lei em que se fundamentou a aplicação daquele castigo, lei que tem de ser interpretada em termos hábeis, como se diz em Direito, e bem assim restritivamente, por se tratar, como se trata, de uma lei de carácter penal.
Por isso, Sr. Presidente, deverá tal castigo ser anulado na parte em que isso ainda é possível, declarando-se de nenhum efeito as notas que por virtude dele foram averbadas nos registos disciplinares do cabo e dos soldados punidos.
Acontece, porém, que, salvo os casos previstos nos artigos 105.°, 106.° e 107.°, que não se verificam, do mencionado regulamento, essas notas só poderão ser anuladas, nos termos do artigo 108.° do mesmo diploma, por efeito de amnistia ou por efeito de reclamação ou recurso atendidos.
E, porque os interessados (com receio, sem dúvida, de um mal maior) não reclamaram nem recorreram, em devido tempo, daquele castigo, impõe-se, pois, a concessão daquela amnistia, que, nos termos da Constituição Política, compete à Assembleia Nacional.
Mas, porque esta fecha hoje e só reabrirá daqui a oito meses e porque é urgente dar uma reparação ao cabo e aos soldados de Vimioso, daqui peço ao Governo de Salazar que se digne tomar o assunto em consideração, como merece, e conceder por decreto-lei, como é também das suas atribuições, a já referida amnistia, a qual, estou certo disso, cairia bem em todo o País, por-
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que representaria, sem dúvida, um acto de humanidade e de justiça.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. capitão Ribeiro Cazaes proferiu nesta Assembleia, num dos dias da semana finda, um entusiástico discurso em defesa da sua dama - a sua querida Vouzela -, que deseja ver engrandecida mais e mais. Fê-lo com carinho, com alma, vibrantemente. Colocou-se S. Ex.ª em bom terreno, até ao ponto em que, sem querer menoscabar, faço-lhe essa justiça, interesses alheios - todos concordes em que os interesses alheios são tão sagrados como os nossos próprios interesses quando assentam na mesma base de legitimidade -, introduziu, todavia, na sua oração alguns passos que podem conduzir ao convencimento de que o ilustre Deputado não hesitou ante a ideia de ferir a sensibilidade moral dos filhos de S. Pedro do Sul, os quais amam o estremecem ardorosamente a sua terra e dela com toda a justiça se orgulham pêlos seus valores históricos, pela sua elevação social, pelo seu nível económico, pela sua importância comarca, pela sua craveira administrativa, pelos seus atributos turísticos, índices estes de vitalidade e de progresso que decerto enchem de ufania a gente simples da encantadora terra de Vouzela (onde tenho o prazer de contar amigos dilectos), como mãe que vê as suas qualidades reproduzidas, multiplicadas, requintadas, no seu filho - para me servir de duas expressões usadas pelo nosso ilustre colega.
Sr. Presidente: nunca na história, já longa, de S. Pedro do Sul se esboçou uma atitude que demonstre desejo de emulação ou de confronto; contenta-se aquela vila e seu concelho com o que é, em si e por si, e nunca gosta de denegrir os méritos alheios nem enfeitar-se com penas de pavão, bastando-lhe, Sr. Presidente, a consciência repousante do que vale como resultante final do seu esforço honesto de conquista.
Que todos vivam em paz e em espírito de justiça - aquela justiça e aquela paz, Sr. Presidente, a que a gente laboriosa e honrada de S. Pedro aspira para os outros e muito preza, exigindo, no entanto, que as saibam retribuir e lhas respeitem.
Achei simpática a atitude do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes; reputo legítima a linha fundamental da pretensão que enunciou. Mas ninguém me pode levar a mal, Sr. Presidente, que varra também a minha testada colocando a situação de S. Pedro do Sul, sob o seu aspecto geral, no pé em que ela verdadeiramente se mostra.
Se trago, Sr. Presidente, S. Pedro do Sul no coração, tributo apreço a Vouzela e dedico um sentimento de enternecida simpatia à donairosa Oliveira de Frades.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Madeira Pinto: - Sr. Presidente: tomarei poucos momentos à Câmara. Não quis, porém, que se encerrasse, com a reunião de hoje, a 2.ª sessão legislativa da IV Legislatura sem solicitar a atenção do Governo para um assunto que me parece merecedor de carinhosa consideração.
Refiro-me à situação em que se encontraram os oficiais e sargentos milicianos e as praças de pré expedicionários por ocasião da última guerra, no referente à possibilidade de admissão a concursos para lugares do Estado ou dos corpos e corporações administrativos ou à promoção à categoria superior, quer por terem por aquele facto atingido o limite de idade, quer o retardamento para a promoção.
Esses oficiais, sargentos e praças desviados das suas ocupações normais, civis, estiveram ao serviço da Pátria nas ilhas adjacentes e no Império.
Quis a Providência, nos seus insondáveis desígnios, que eles não tivessem de defrontar-se com os horrores da guerra.
Honrosíssimo serviço, grande bênção do céu. Mas não é menos certo que os que não foram chamados às fileiras não sofreram os transtornos idos seus lares e das suas ocupações, não viram as suas carreiras subitamente interrompidas nem os seus proventos subitamente diminuídos, não viveram as horas de ansiedade de uma guerra feroz, sempre iminente. Desfrutaram assim de uma substancial e tangível regalia sobre os seus pares.
É justíssimo que a situação dos expedicionários a quem me refiro seja considerada.
O caso não é novo. Para me reportar apenas ao que então se chamou a Grande Guerra (quanto maior não foi a última!), direi que o decreto n.° 7:823, de 23 de Novembro de 1931, modificado pelo decreto n.° 11:211, de 21 de Novembro de 1925, considerou a situação dos expedicionários da guerra de 1914-1918, concedendo-lhes diversas regalias.
Entre elas figurava a de o serviço de campanha constituir preferência legal (inicialmente, até preferência absoluta) nos concursos ou provas para a admissão a qualquer cargo do Estado ou dos corpos administrativos ou para a melhoria de situação nos quadros do funcionalismo a que pertencessem.
Poderá dizer-se que entre uma e outra guerra as situações são díspares: na primeira a presença das tropas expedicionárias foi nos próprios campos de batalha, na segunda em locais que poderiam vir a converter-se em teatros de luta.
É certo, em parte, porque também as nossas tropas por ocasião da guerra de 1914-1918 foram dirigidas para locais onde a guerra não se ferira nem chegou a ferir-se.
Mas pelo que respeita às circunstâncias que me determinaram a usar da palavra a situação é a mesma: a de pessoas que abandonaram as suas funções civis, em serviço da Pátria, e que se viram ultrapassadas por outras a quem não tocou a vez de a servirem.
O que seria justo, então, que se lhes fizesse? Pois simplesmente isto: que se lhes prorrogasse por certo tempo o limite de idade para a admissão aos cargos quando esta dele dependesse; que se lhes concedesse certa melhoria ou bonificação, proporcional ao tempo de ausência como expedicionários, na valorização dos concursos ou promoções.
O Sr. Ministro da Guerra, pessoa de esclarecida inteligência, de claro sentido das realidades e de rectíssimo proceder, de certo não deixará de considerar o assunto.
Nele confio, para ele apelo, o que equivale a dizer que entrego em boas mãos o que se me afigura ser abra de justiça.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Cunha da Silveira: - Sr. Presidente: tencionava usar da palavra sobre o momentoso problema dos lacticínios quando se discutisse o aviso prévio do ilustre Deputado Dr. Querubim Guimarães. Mas como ele foi adiado para outra oportunidade, sou obrigado, pela força das circunstâncias, a fazer desde já algumas considerações, porque também represento nesta Assembleia uma região altamente preocupada e interessada na marcha desta questão e nas providências que o Governo venha
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a tomar tendentes ao equilíbrio de todos os interesses em cansa.
A indústria dos lacticínios ocupa, como V. Ex.ªs sabem, um lugar de verdadeiro destaque no campo da economia rural dos Açores. Nalgumas ilhas que compõem o arquipélago - em S. Jorge, nas Flores, por exemplo, talvez mesmo na Terceira- poder-se-á dizer, sem exagero, que esta indústria, conjugada com a pecuária, constitui a fonte principal da sua riqueza e assegura portanto o bem-estar das respectivas populações. Nas restantes - no Faial, no Pico, em Santa Maria, no Corvo e até em S. Miguel, onde a indústria tem tomado ultimamente grande desenvolvimento - as actividades ligadas ao leite pesam sobremaneira na balança das respectivas exportações. Só a ilha Graciosa, pela exiguidade da sua extensão e ainda mais pelo pequeno relevo do seu solo, pela reduzida massa pecuária de que dispõe, faz excepção às demais.
No capítulo dos lacticínios, os Açores lutaram sempre com um certo número de factores desfavoráveis: a excessiva pulverização do exercício da indústria; a falta de capitais fabris e os deficientes conhecimentos profissionais entre a maioria dos fabricantes e dos seus colaboradores.
No período que decorreu entre as duas conflagrações mundiais a situação da indústria agravou-se sucessivamente, de tal modo que, se não fora, a partir de 1940, a falta de concorrência, permitindo que os produtos se passassem a vender em razão da escassez e não da qualidade, ter-se-ia chegado nesta altura ao seu quase completo aniquilamento.
Mas este período anormal tende a desaparecer, e é preciso preparar quanto antes a indústria em moldes novos, de maneira a poder resistir às dificuldades que nitidamente se avizinham.
O problema tomou mesmo recentemente aspectos que reputo graves.
Nestes últimos dias tenho recebido vários telegramas, entre eles um, bem expressivo, da Cooperativa de Lacticínios de Lourais, de S. Jorge, pedindo a minha interferência junto das instâncias superiores e dando-me conta do estado de espírito que reina entre as populações daquela ilha, devido às estranhas actividades e às tendências monopolizadoras de determinada firma que detém já a parte mais importante da produção de lacticínios do continente e das ilhas adjacentes.
Estes telegramas traduzem com fidelidade o que por outras vias tem chegado ao meu conhecimento. Só em S. Jorge - onde aliás as fábricas, pela pequena extensão da ilha, são em número reduzido - a referida firma já adquiriu dois alvarás em Santo Amaro, dois em Santo António, um na Ribeira da Areia, três no Norte Pequeno, três nos Biscoitos da Calheta e dois na Ribeira Seca, ou seja nada menos de treze alvarás no curto espaço duns meses! E ora com promessas, ora com pressões de vária ordem, procura rapidamente ficar com toda a indústria na mão.
Numa terra em que predomina a pequena propriedade e na qual todos os que fornecem leite são os próprios donos das vacas que o produzem, não é difícil adivinhar as consequências: o aviltamento, a breve prazo, do preço dele, a bem dizer única fonte de suficiência, de vida, da população de freguesias inteiras, praticamente de toda a ilha.
É tempo, portanto, de acudir à indústria dos lacticínios dos Açores, pondo à sua disposição os meios necessários para contrabalançar as circunstâncias desfavoráveis que a ilaqueiam e todos os recursos que lhe permitam entrar definitivamente no caminho da prosperidade, de antemão assegurado pela excelência do meio onde exerce a sua acção.
Sr. Presidente: mais ou menos em toda a parte, a indústria dos lacticínios tem passado por uma verdadeira transformação. No tocante aos métodos de trabalho, à
técnica empregada hoje em dia, pode bem dizer-se que uma tal evolução foi radical.
O empirismo ou desapareceu ou não tem razão de subsistir. O factor sorte, os segredos tão peculiares das oficinas leiteiras, sobretudo das queijarias, tudo isso deixou de ser um valor que se transmitia de pais a filhos, de famílias para famílias. Regras e preceitos científicos de mérito comprovado reinam presentemente em absoluto.
Regularizaram-se os fabricos, alcançou-se a possibilidade de' obter produtos de qualidade uniforme, sãos, fáceis de conservar e de bom aspecto comercial. Hoje, em matéria de produção de lacticínios, pode-se caminhar sem hesitações, com perfeita segurança.
O que encontramos de aproveitável na actual indústria açoriana? Duma maneira quase geral apenas a habilidade manual, o esforço individual elevado ao auge e o amor da profissão, que muitas vezes resiste a laborações nada remuneradoras.
Em boa verdade, se o pequeno fabrico oferece lacunas, são elas perdoáveis, porque umas são filhas da tradição, dos hábitos inveterados, da falta de instrução profissional e dos minguados recursos de que dispõe. Mus já outro tanto não sucede com os representantes da média ou grande indústria. Estes, salvo raríssimas excepções, muito recentes, pouco têm caminhado de há trinta ou quarenta anos para cá. Para a maior parte o progresso reside no emprego de desnatadeiras centrífugas; o resto não conta ou conta pouco. A técnica racional ainda lhes é desconhecida. Ajunte-se a isto o apego aos processos empíricos, que é a norma corrente, e reconhecer-se-á quanto o acaso compartilha destas explorações.
A par da extracção dos produtos principais - a manteiga e o queijo -, há que pensar no aproveitamento e melhor valorização dos produtos secundários, em especial o leite desnatado e o almece. Da resolução deste problema deverá resultar naturalmente a diminuição do custo inicial dos mencionados produtos manufacturados ou o maior valor do leite industrial.
As embalagens, os meios de transporte, eis outras tantas lacunas nas organizações leiteiras açorianas.
As embalagens, que em alto grau contribuem para a segurança na expedição dos produtos e depois para os impor aos olhos do comprador, conservam ainda um estado primitivo, tal e qual se fazia nos tempos da falta de concorrência.
Não é possível esconder que as latas de manteiga chegam aos mercados arrombadas umas vezes, machucadas em outras ocasiões. Que os queijos quase sempre perdem a sua flor, racham ou fendem, são atacados pelos ratos, sofrendo outras tantas depreciações de valor.
Por outro lado, a maneira como ainda hoje são feitos os transportes destes produtos, em porões quentes, que determinam, mormente nos queijos, segundas fermentações, que frequentes vezes concorrem para deformar as respectivas massas, são uma causa a mais para a sua desvalorização.
E quanto à colocação dos produtos no mercado consumidor? A organização comercial da indústria açoriana é tudo quanto há de mais caótico o mais obra do acaso.
Os produtos são por via de regra dirigidos aos comissários ou consignatários, muitas vezes desconhecidos dos fabricantes. Frequentemente, estes dividem por duas e três casas a mesma marca; algumas vezes sacam com a mercadoria a importância provável da respectiva liquidação. Assim, por suas próprias mãos, são os produtores que estabelecem a concorrência e a baixa dos preços; e ainda fomentam essa mesma baixa forçando o seu representante a efectuar vendas, a fim de com o produto das liquidações poderem honrar os saques que recebem.
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A dispersão dos consignatários, o grande número de casas recebedoras dos produtos açorianos, a falta de conhecimentos especiais por parte de muitas dessas casas, a escassez de capitais de que se ressentem bastantes consignatários, são outros tantos motivos de insucesso e da instabilidade das vendas. Mas é justo dizer que o bom senso, a consciência comercial e o zelo, tantas vezes postos em evidência por muitas dessas casas consignatárias, conseguem por vezes atenuar em grande escala os prejuízos resultantes da má orientação seguida pelos industriais dos Açores.
Mas as deficiências não se notam apenas nos sectores industrial e comercial. São tanto ou mais graves junto da lavoura, nas pequenas ilhas, completamente desacompanhada de qualquer assistência técnica.
O Sr. Teotónio Pires: - Não esqueça acentuar que isso está sendo pedido, ou, melhor, essa coordenação tem sido podida ao Estado, que até agora ainda não a deu.
O Orador: - Segundo a opinião de um autorizado médico veterinário que há anos foi aos Açores em missão oficial estudar as necessidades da indústria dos lacticínios, "a desorientação na criação bovina é absoluta. Vestígios de várias raças se observam nos animais existentes. Não há uma acção persistente com o fim de seleccionar o gado indígena por absorção por qualquer raça estrangeira ou de melhorar por simples selecção o gado da terra".
Estreitamente ligada com estes problemas zootécnicos está a tão importante questão do melhoramento das pastagens.
Os terrenos do arquipélago dos Açores, no dizer de um engenheiro agrónomo que proficientemente os estudou, oferecem todos os requisitos indispensáveis às culturas forraginosas e as pastagens apresentam uma composição herbácea que não tem confronto com os bons enrelvamentos doutras regiões afamadas.
Já o visconde de Castilho, num trecho da sua prosa erudita, nos falou com admiração e entusiasmo da excelência dos pastos açorianos: "Estou persuadido de que se Floriau ou Fontenelle tivessem conhecido a ilha de S. Jorge, aí é que teriam colocado as suas tão faladas e elegantes pastorais. Aquelas pradeiras sem fim que se convertem em ondas de leite...".
Mas, Sr. Presidente, impressiona ao mesmo tempo ter de verificar em muitos casos o número relativamente avultado de plantas inúteis e, mais ainda, o número daquelas que são prejudiciais, o que traduz o mau governo a que estão submetidas muitas dessas pastagens, como judiciosamente acentua o referido engenheiro agrónomo. Se bem que nalgumas ilhas se tenha progredido, a verdade é que muito há a fazer ainda para obter a melhoria das pastagens açorianas. A experiência tem demonstrado que na maioria dos casos se pode alcançar facilmente o dobro do antigo rendimento, além de se verificar que o leite melhora sensivelmente, quer na quantidade quer na qualidade.
Por outro lado, a escassez de forragens e a falta de abrigos para o gado determinam em algumas ilhas, no período invornoso, avultados prejuízos materiais, pela mortandade e pela má preparação das vacas que devem produzir leite nos começos da primavera. E o mais interessante é que estes inconvenientes se poderiam facilmente evitar pela construção de simples abrigos de montanha e pelo estabelecimento em terras baixas de prados temporários. Ficavam assim resguardados os animais do rigor do inverno e tinha-se o recurso à ensilagem, únicas formas de garantir a saúde e a vida dos gados explorados.
Sr. Presidente: nas considerações que até agora tenho feito deixei transparecer os pontos fracos da indústria dos lacticínios açorianos e os perigos que presentemente a ameaçam.
Esses pontos dizem respeito à qualidade dos produtos, ao atraso das explorações pecuárias e à má orientação comercial.
O Sr. Teotónio Pires: - Está legalmente feita a federação das cooperativas no distrito de Angra do Heroísmo, por despacho de Janeiro do corrente ano.
O Orador: - A indústria açoriana, pulverizada e desunida, por falta de orientação de recursos e de ensinamentos não tem podido nem sabido cumprir a sua missão. O campo está, pois, felizmente livre e aberto à lavoura para meter ombros aos empreendimentos que se impõem. Mas os problemas da produção e da industrialização do leite são actualmente de tal ordem que os agricultores, isolados ou teoricamente agremiados, não podem, por falta de preparação e de meios, lançar-se num caminho de inovações, cujos processos desconhecem em absoluto.
Os produtores açorianos devem associar-se de modo efectivo para poderem aperfeiçoar e intensificar as suas explorações agrícolas e pecuárias e, ao mesmo tempo, tomar a iniciativa de industrializar o seu próprio leite, reorganizando e modernizando a indústria sob o ponto de vista fabril e comercial, defendendo-se assim legitimamente dos intermediários, única forma de obterem a máxima valorização da sua matéria-prima.
Mas, sendo esta uma condição necessária, não a considero ainda suficiente. A resolução integral do problema dos lacticínios açorianos depende de uma acção conjunta do Estado e dos interessados.
Ao Estado caberá:
a) Fomentar, orientar e proteger a organização corporativa e cooperativa da lavoura;
b) Proporcionar o necessário crédito a todos os elementos que concorrem para a produção, de modo a permitir a intensificação e o aperfeiçoamento das explorações agro-pecuárias e a industrialização do leite;
c) A instituição dum centro profissional onde se ensinem os métodos modernos para o fabrico do queijo, da manteiga e dos subprodutos, ou criando o ensino móvel, espalhando-o pelas ilhas directamente interessadas;
d) A instituição dum estabelecimento de investigações leiteiras que contribua para a remodelação de muitos dos actuais processos do trabalho agrícola, pecuário e fabril;
e) A criação de certificados de origem e genuinidade dos produtos para garantia da indústria;
f) A regulamentação dos serviços de navegação de cabotagem nacional de maneira a proporcionar em boas condições o transporte dos lacticínios açorianos.
Por seu turno, à lavoura competiria:
a) Associar-se de modo a ficar rodeada de elementos tais que lhe facilitassem, nas melhores condições técnicas e económicas, o exercício das suas actividades agrícolas, pecuárias, industriais e comerciais;
b) Meter ombros à empresa de rivalizar com a indústria similar continental ou estrangeira, quer em queijos, quer em manteiga, quer em quaisquer outros produtos lácteos exigidos pelo consumo nacional.
Estou certo de que só a associação poderá resolver todos os problemas relacionados com esta importante indústria agrícola, talvez a que mais concorre para a abastança de grande parte do arquipélago.
Não apenas o incremento e o aperfeiçoamento de cooperativas isoladas e dispersas, mas a sua federação - como aliás se encontra já oficialmente previsto - para maiores facilidades de acção, incluindo a concentração
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de unidades industriais, o que permitirá uma situação técnica e económica mais favorável.
E estou seguro também de que em parte alguma o cooperativismo agrário poderá encontrar condições tão propícias e tanta oportunidade como no meio açoriano.
Mas terá o agricultor dos Açores qualidades para meter ombros a uma tal empresa? Afigura-se-me que sim. Em todos os passos da actividade açoriana, fases de hesitação, fases de desânimo, ressalta à evidência o espírito de tenacidade, de iniciativa, de inteligência que caracteriza o habitante daquelas ilhas. Sem estímulos alheios, sem protecção do Estado, afastado dos grandes centros, contando exclusivamente consigo, não perdendo nunca a fé no seu destino, caindo aqui, levantando-se ali, o açoriano reagiu, lutou e venceu!
Isto. Sr. Presidente, em relação ao que é lícito pedir e esperar dos interessados. Quanto à acção do Estado, ao seu imprescindível auxílio e apoio, confio na decisão, na boa vontade e na inteligência do Sr. Ministro da Economia, a quem daqui denuncio o perigo e transmito os apelos dos agricultores do meu distrito, em especial da ilha de S. Jorge, certo de que S. Exa., sem escusadas demoras e enquanto é tempo, adoptará para o problema dos lacticínios açorianos a solução mais adequada, mais justa e mais eficiente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Favila Vieira: - Tinha tido algumas indicações no sentido de que o problema das ligações aéreas da Madeira ficaria resolvido antes do encerramento desta sessão legislativa.
Reservara-me assim, Sr. Presidente, para fazer aqui a crítica, no bom sentido, da solução adoptada pelo Governo.
Não sucedeu deste modo, todavia. A questão acha-se em via de resolução, simplesmente.
Julgo-me em todo o caso na obrigação política, por dever de justiça, de acentuar e agradecer a decisão tomada no ano passado pelo Ministro das Obras Públicas dê então, Sr. engenheiro Augusto Cancela de Abreu, antigo e brilhante colega de alguns de V. Ex.ª e meu nesta Assembleia.
S. Exa. não hesitou em mandar proceder a novos reconhecimentos na ilha da Madeira, na deliberada intenção de encontrar aí a possibilidade da construção de um campo de aviação.
Estão a completar-se agora os respectivos estudos.
A S. Ex.ª são devidos os agradecimentos da Madeira e os meus - pelas minhas sucessivas intervenções naquele sentido junto do Governo - e também ao Sr. engenheiro José Frederico Ulrich, actual Ministro das Obras Públicas, que, como Subsecretário desta pasta, se ocupou interessadamente daquele importante e difícil problema.
A questão é das que primam e urgem, actualmente, no plano económico daquelas ilhas atlânticas, em virtude das características peculiares da ilha da Madeira e dos riscos do seu turismo, em especial.
Disse já a V. Ex.ª na última sessão legislativa, em palavras claras e precisas, o que pensava a respeito do assunto.
Fundamentei mesmo as minhas considerações em elementos de ordem natural e condições primaciais de carácter económico, que não me parecem susceptíveis de servirem de base a outras conclusões.
Não seria de bom gosto repeti-las, ainda que por outras palavras, Srs. Deputados.
Houve, contudo, nas notas publicadas no Diário das Sessões, um lapso meu, de revisão, que é agora a altura
de ressalvar, de perfeita harmonia com o meu pensamento e as minhas diligências junto dos homens do Governo.
Defendi sempre a ideia de que, em qualquer caso, a ilha do Porto Santo devia ter um campo próprio - como aeródromo principal do arquipélago, de características de aeroporto internacional, se fosse possível, ou campo de recurso e ligação com a ilha da Madeira, conforme os resultados definitivos de um estudo completo do problema.
O meu pensamento é o mesmo de sempre, desde que pus, pela primeira vez, a questão a Duarte Pacheco, verdadeiro homem de Estado, que tão bem sabia compreender no que era, na realidade, essencial, os problemas da Madeira, a despeito do carácter especial dos seus aspectos, em geral.
A Madeira deve ter uma ligação aérea com o Mundo directa e segura ou, no caso de demonstrada impossibilidade, indirecta - por intermédio da ilha do Porto Santo - mas fácil e de toda a confiança.
Espero confiantemente que o Ministro das Comunicações, Sr. coronel Gomes de Araújo, possa estudar e despachar em definitivo o assunto antes da reabertura da Assembleia.
Já que estou no uso da palavra, se V. Ex.ª mo consente, Sr. Presidente, acrescentarei algumas mais, de aplauso ao Governo noutro assunto.
O plano das obras dos portos, de 1947, publicado recentemente nos jornais, inclui a verba de 2:400 contos para melhoramentos nos pequenos portos da Madeira.
O facto vale por si mesmo e, sobretudo, pelo que significa.
O Governo da nossa situação política, depois de liquidar a malfadada concessão do porto do Funchal, de 1985, promoveu a realização de obras de vulto e responsabilidade técnica neste porto, no montante de 39:263 contos (1.ª fase), que hão-de completar-se com as demais projectadas, avaliadas em 17:000 contos.
Agora, com este primeiro passo, inicia os melhoramentos dos pequenos portos da Madeira, há tantos e tantos anos abandonados, quase todos desprovidos dos menores recursos de apetrechamento e das mais elementares condições de segurança.
A resolução do Governo merece registo, Sr. Presidente.
A circunstância de estas obras serem custeadas pelas receitas próprias da Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira não invalida o mérito da intervenção decisiva do Governo nestes assuntos.
A Madeira deve, de resto, à Situação, sob tantos aspectos, altos benefícios, medidas e resoluções da maior importância, uma em especial - que entrou já em fase de execução - de grande projecção no futuro: a do plano dos aproveitamentos hidráulicos para a rega de grandes áreas de terreno inculto ou de precário rendimento e a produção de energia eléctrica barata em toda a ilha.
Apoiados.
A V. Ex.ªs, Srs. Deputados, dei na sessão legislativa passada uma nota clara e desenvolvida das condições determinantes e do alcance dessas grandes obras.
Nenhuma dúvida tenho há muito tempo, Sr. Presidente, que é tão necessário o justo louvor como a justa crítica na vida pública, como afinal em todos os meios de acção do homem.
Há que ter, contudo na devida conta, como elementos de correcção, as condições gerais de cada momento e as particularidades de cada caso, em defesa da verdadeira justiça e do interesse público.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Só assim entendo que deve servir-se uma doutrina política e a causa pública, Srs. Deputados. Não se afirmam mesmo de outro modo os homens de acção dirigidos por sentimentos superiores.
Nada mais, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Agradeço a V. Exa. ter sido breve, como convinha ao andamento dos trabalhos desta sessão.
O Sr. Ribeiro Cazaes: - Sr. Presidente: encerram-se hoje, por imposição constitucional, os trabalhos da 2.ª sessão legislativa desta Assembleia.
Talvez que todos sintam esta interrupção - já por não poderem ser levados a cabo alguns trabalhos em curso, já porque, como é minha opinião, o labor desta Assembleia Nacional tem sido importantíssimo contributo para a paz interna.
Embora para o espírito de alguns os trabalhos aqui realizados possam ter tido, por vezes, o aspecto perturbador de vivo julgamento de actos do Governo, a verdade é que, para quem segue a linha recta ou verticalmente serve - e só assim se pode servir bem -, tais atitudes representam simplesmente crítica construtiva, de quem não deve e não teme ao procedimento de, porventura, maus servidores que nos postos que lhes têm sido confiados se comportaram de forma a ser apontados como "maselas" da Situação ou se revelaram falsos valores pela sua improdutividade, devendo por isso ser considerados maiores inimigos da Revolução Nacional do que aqueles que, de frente, lhes têm saído ao caminho - porque estes ... ao menos, sempre arriscaram alguma coisa.
Entre os trabalhos que têm de ficar para outra sessão legislativa vejo-me obrigado a deixar um que eu desejava apresentar, convencido da sua utilidade para o bem colectivo e para o qual necessito de elementos que solicitei em 4 de Fevereiro de 1947.
Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que se digne insistir junto do Ministério da Educação Nacional no sentido de me serem fornecidos, tão breve quanto possível, esses elementos.
Sr. Presidente: permita-me V. Exa., já que estou no uso da palavra, que me refira agora ao que há pouco disse aqui o ilustre Deputado Dr. Marques Teixeira.
Parece que S. Exa. desejou defender a sua terra de qualquer ataque que julgou eu lhe tivesse feito quando falei sobre Vouzela, cabeça de Lafões, pedindo a restauração da sua comarca.
Vouzela é mãe de S. Pedro do Sul e não madrasta. Julgo que ninguém terá dúvida em afirmar que nunca uma mãe desejou o mal de seus filhos, mas se orgulha da sua grandeza, dos seus dotes, do seu acrescentamento.
Vouzela olha por isso para S. Pedro do Sul com o olhar carinhoso, vaidoso, de mãe afectuosa.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Insistirei junto do Ministério da Educação Nacional para que seja satisfeito o pedido de V. Exa.
O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: em Março de 1945 os meios coloniais foram agradavelmente surpreendidos com a notícia da publicação de um decreto que, dizia-se, visava fomentar o povoamento das colónias e pelo qual o Ministério das Colónias seria dotado com a importante soma de 30:000 contos.
E havia razão para que a surpresa fosse agradável. Por um lado, a metrópole mostrava finalmente que queria tomar sobre si, como encargos de soberania, as despesas, ou parte das despesas, de um plano de povoamento. Por outro lado, 30:000 contos era já uma verba que permitia principiar com segurança - tanto mais que havia estudos feitos.
O decreto foi publicado (n.° 34:464, de 27 de Março de 1945), mas não visava, como se propalara, apenas o fomento do povoamento das colónias, mas também o estreitamento das relações espirituais destas com a metrópole.
Quer dizer: os 30:000 contos não se destinavam apenas a despesas de povoamento.
Mas - pior ainda! - esta importância seria inscrita por parcelas, em anos sucessivos, no orçamento do Ministério das Colónias; quer dizer: não se gastaria conforme um plano, mas pouco a pouco, e apenas conforme as ideias que para sua aplicação fossem surgindo.
Sem mais comentários, pois adio as considerações a que as disposições deste decreto dão lugar para aviso prévio, que anunciarei na próxima sessão legislativa, sobre o problema do povoamento em Angola e Moçambique, envio para o Diário das Sessões, para publicação e para conhecimento dos Srs. Deputados, a nota das despesas efectuadas por conta da verba de colonização (decreto-lei n.° 34:464, de 27 de Março do 1945) em 1945 e 1946, que me foi fornecida pelo Ministério das Colónias. Julgo que essa nota demonstrará que vai a caminho de perder-se, como contribuição efectiva e valiosa para o problema do povoamento de Angola e Moçambique, uma dotação generosamente atribuída, com a qual, de facto, se poderia ter começado uma obra que assim fica ainda por principiar.
Essa nota é a seguinte:
Nota das despesas efectuadas por conta da verba de "colonização" (decreto-lei n.° 34:464, de 27 de Março de 1945)
Ano de 1945
(Capítulo 2.º, artigo 18.°-A, do orçamento)
Sociedade de Geografia de Lisboa, para a edição de cadernos com máximas e preceitos, para distribuição aos futuros colonos..................... 28.297$00
Companhia Portuguesa Rádio Marconi, pelo serviço R. D. M. para o Império Colonial Português, da Agência Lusitânia...................... 447.490$13
Missão técnica para o estudo e elaboração do projecto do aeródromo da ilha do Sal.............................. 271.949$10
Missão técnica para o estudo e elaboração do projecto do aeródromo de Luanda................................... 266.377$05
Emissora Nacional de Radiodifusão, por comparticipação nas despesas ocasionadas pelas emissões destinadas ao Império................. 120.000$00
Companhia Nacional de Navegação, por passagens para Angola de alunos tirocinantes do Instituto Superior Técnico e seus assistentes....... 44.732$45
Soma............................................... 1:178.845$73
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Ano de 1946
(Capitulo 2.°, artigo 19.º, do orçamento)
Companhias Nacional e Colonial de Navegação, por passagens de colonos..................................... 2:112.440$85
Missão técnica para o estado e elaboração do projecto do aeródromo da ilha do Sal..................... 59.791$50
Missão técnica para o estudo e elaboração do projecto do aeródromo de Luanda................................... 20.921$80
Subsídio aos serviços florestais da colónia de Angola, para defesa e alargamento dos núcleos de colonização do sul da Costa.......................................... 500.000$00
Banco de Angola, pela transferência da quantia anterior.. 69$10
Estação Agronómica Nacional, subsídio para a formação de um centro de estudos para tirocinantes que pretendam servir nas colónias...................................... 150.000$00
Companhia Portuguesa Rádio Marconi, pelo serviço R. D. M. para o Império Colonial Português, da Agência Lusitânia................................................ 510.964$79
Despesas efectuadas com os alunos tirocinantes do Instituto Superior Técnico, e seus assistentes que foram a Angola........................................... 88.525$84
Missão de estudo de aproveitamento do rio Cunene......... 725.000$00
Gratificações a médicos do Instituto de Medicina Tropical, por prelecções aos futuros colonos....................... 3.500$00
Execução de quadros morais sobre higiene tropical, para instrução dos futuros colonos no Instituto de Medicina Tropical................................................. 7.200$00
Subsidio à Corporação Missionária Beneditina............. 70.000$00
Organização de uma obra sobre as colónias portuguesas, onde se compendie o estado actual dos conhecimentos em todos os ramos do saber.................................. 15.000$00
Soma............................................... 4:363.413$88 Reposição.......................................... 1.800$90
Total.............................................. 4:361.612$98
Ano de 1947 (Janeiro e Fevereiro)
(Capitulo 2.°, artigo 19.º do orçamento)
Organização de uma obra sobre as colónias portuguesas, Onde se compendie o estado actual dos conhecimentos em todos os ramos do saber.................................. 40.000$00
Missão de estudo de aproveitamento do rio Cunene......... 85.000$00
Missão técnica para o estudo e elaboração do projecto do aeródromo da ilha do Sal................................. 38.315$40
Companhias Nacional e Colonial de Navegação, por passagens de colonos............................................... 45.133$55
Gratificações a médicos do Instituto de Medicina Tropical por prelecções aos futuros colonos....................... 1.000$00
Arquivo Histórico Colonial, para reunião de elementos materiais destinados à recolha das fontes documentais para a História da Colonização Europeia.................. 13.000$00
Subsídio ao director da agência noticiosa Lusitânia como comparticipação em despesas de viagem (quantia ainda não paga nesta data)......................................... 40.000$00
Soma............................................... 262.448$95
E já que me referi, embora tão levemente, a este problema máximo da nossa política colonial, aproveito a oportunidade para chamar a atenção do Sr. Ministro das Colónias para a situação em que se encontram, quanto às dificuldades que lhe são opostas para entrarem na posse plena das terras que lhes foram concedidas o que tão corajosamente têm valorizado, os pequenos colonos dos planaltos de Angola.
É bom que ao mesmo tempo que se pensa em fomentar o povoamento - aliás tão ingenuamente como o decreto que citei o pretende - se cuide de consolidar alguma coisa do que já se fez. Estes colonos a que me retiro são os elementos expressivos que permitem dizer que Angola é a mais portuguesa das colónias portuguesas - alguns foram pioneiros da colonização, outros têm sido os seus continuadores - e todos são aqueles indivíduos pobres e humildes, mas esforçados e genuinamente portugueses, que através de sofrimentos e dificuldades de toda a ordem deram aos planaltos de Angola a feição portuguesa de que tanto nos orgulhamos.
Pois estes colonos humildes, alguns com mais de trinta anos de fixação, não conseguem, por mais que há anos peçam, supliquem e reclamem, a legalização das suas terras. Apenas têm conseguido que toda a gente do quem o seu problema mais ou menos depende lhes diga que têm razão.
Têm razão - e é tudo!
É costume, quase praxe, saudar calorosamente estes colonos sempre que surge oportunidade de despender retórica com as colónias.
Estou convencido de que o Sr. Ministro das Colónias, que não é um retórico, completará a saudação que merecem promovendo a justiça a que têm direito.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Havia ainda outros Srs. Deputados inscritos para usarem da palavra antes da ordem do dia, mas a hora vai muito adiantada e já não é possível, embora com muito pesar o verifique, conceder-lhes a palavra.
O Sr. Deputado Carlos Borges era um dos inscritos.
O Sr. Carlos Borges: - Peço a palavra para explicações.
O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra para explicações.
O Sr. Carlos Borges: - Acaba V. Exa., Sr. Presidente, de dizer que, havendo um número indefinido de Deputados que pediram a palavra para antes da ordem do dia, não podia concedê-la a mais nenhum, por falta de tempo. Sendo um dos preteridos, pretendo declarar, para ficar consignado no Diário das Sessões, que, tendo apresentado na sessão de 12 do corrente um aviso prévio a fim de tratar do pedido feito pela Companhia do Cabo Mondego para expropriação, por utilidade pública, de terrenos situados na zona de turismo da Figueira da Foz, o assunto foi resolvido e a expropriação autorizada pelo decreto n.° 30:810, de 19 do corrente.
Não se tratando de um decreto-lei, estou impossibilitado de pedir a sua ratificação pela Assembleia.
Mas não desisto, Sr. Presidente, do propósito de demonstrar à Assembleia Nacional, ao País e ao Governo que o futuro da Figueira da Foz está gravemente ameaçado. Pretendo apurar quais são as indústrias de alto interesse nacional que podem legitimar a expropriação de trinta e seis propriedades rústicas e urbanas numa determinada zona de expansão duma cidade que há pouco mais de um século era um pequeno burgo de pescadores
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e é hoje uma das mais belas e florescentes do nosso País e a mais formosa praia da Península. Pretendo demonstrar que se poderia dar outra solução ao caso, sem prejuízo dos altos interesses da indústria nacional e da expansão legitima e natural da Figueira da Foz, conciliando-se os interesses da indústria com os da cidade, embora com alguns sacrifícios para ambas.
Não desisto, portanto, do meu aviso prévio, que, apesar do decreto n.° 36:810, não perdeu a oportunidade nem diminuiu de importância.
É esta, Sr. Presidente, a declaração que eu peço a V. Ex.ª para ficar consignada no Diário das Sessões.
Sr. Presidente: já que V. Ex.ª me consentiu estas breves e amargas palavras, permita-me ainda dizer que recebi hoje uma representação de motoristas de Santarém protestando contra a exigência de uma taxa de 45$ mensais para o Grémio dos Industriais de Transportes em Automóveis, que consideram excessivamente onerosa e de que não tiram auxílio nem proveito.
Para o assunto peço a atenção dos Srs. Ministro das Comunicações e director geral dos serviços de viação, corto de que será feita justiça.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, em nome da Comissão de Legislação e Redacção.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: como presidente da Comissão de Legislação e Redacção pedia a V. Ex.ª para submeter à Câmara o pedido da referida Comissão no sentido de ser pela mesma Câmara autorizada a converter em decretos da Assembleia as propostas de lei e projectos de lei pela Assembleia votados durante esta sessão legislativa e que ainda não puderam ter redacção definitiva.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário do Figueiredo, como presidente da Comissão de Legislação e Redacção, pede que aquela Comissão seja autorizada a converter em decretos desta Assembleia as propostas e projectos de lei votados pela Assembleia durante esta sessão legislativa.
Como a Assembleia vai fechar, seria necessário que os Srs. Deputados exprimissem, sim ou não, um voto de confiança à Comissão de Legislação e Redacção, para que esses decretos possam ser convertidos em lei.
Consultada a Assembleia, foi concedido esse voto de confiança à Comissão de Legislação e Redacção.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria van Zeller.
A Sr.ª D. Maria van Zeller: - Sr. Presidente: o exame das contas públicas reveste, como é natural, variados aspectos das actividades do Estado a que as mesmas contas respeitam. Não seria possível que cada orador que vem a esta tribuna pudesse ocupar-se de todos eles, e por isso não estranhará a Assembleia que eu tenha escolhido para algumas ligeiras considerações apenas aquele em que naturalmente poderei falar com algum conhecimento de causa, por tocar de perto com as minhas próprias actividades profissionais.
O parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1945, no seu bem elaborado relatório e na clareza dos números que o acompanham, mostra, por forma bem evidente, o apreciável acréscimo que tiveram nos últimos anos as verbas referentes à assistência. Contudo, aqueles que trabalham no campo da assistência a cada passo sentem crescer dificuldades que vão peando o seu melhor esforço de bem servir nesse sector da vida pública e dia a dia têm uma noção mais exacta das necessidades crescentes da mesma assistência.
As verbas, aparentemente avultadas, que se destinam à assistência, embora grandes nas suas cifras, são no entanto pequenas e ficam sempre aquém das que seriam precisas para resolver cabalmente alguns angustiosos problemas da vida portuguesa.
Porquê?
Porque paralelamente, ou, antes, porque sobrepondo-as não há uma marcha mais acelerada de todos aqueles meios preventivos e protectores da saúde física e moral da população que, no seu conjunto, evitando a doença e corrigindo os vícios, minoram, na medida do possível, os flagelos sociais - sejam eles quais forem -, e isso só será exequível quando a saúde pública for considerada como um dos primeiros alicerces da sociedade e como tal postas em equação e resolvidas as questões que lhe dizem respeito.
Pela leitura do parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1945 verifica-se que em assistência foram despendidos 143:851 contos e que à saúde pública apenas foi directamente consignada a parca verba de 8:937 contos!
Não me parece que o confronto destes números, já por si diminutos e invertidos na ordem lógica por que os deveríamos encontrar, seja prestigioso para a Nação, nem tão-pouco que eles se harmonizem com o espírito que informou as grandes reformas de assistência social do Estado Novo, nomeadamente o do próprio Estatuto de Assistência Social, onde, a p. 2, capítulo 2.°, alínea c), do relatório que acompanhou essa proposta de lei, se concretiza um dos três princípios basilares que "informam todo o ordenamento jurídico do Estatuto" nestas palavras: "é socialmente mais eficiente e economicamente mais útil prevenir os males do que vir a dar-lhes remédio".
Sr. Presidente: na vida fisiológica de uma sociedade física, moral e politicamente bem ordenada a prevenção deve sempre encontrar-se no campo das actividades que tenham por finalidade a saúde, ao passo que as actividades assistenciais deverão estabelecer-se apenas para valorizar e aumentar o rendimento do capital humano, suprindo as faltas ou as deficiências encontradas na vida individual ou colectiva.
A economia social do País exige, pois, que de futuro o departamento de saúde pública seja tratado por forma diferente e que se intensifiquem as actividades preventivas para que não seja necessário cuidar tanto das meramente curativas ou recuperadoras, nem tão-pouco dispor de verbas consideráveis para os "fundos perdidos" de todas aquelas modalidades de assistência, onde tantas vidas em declínio, e que a desgraça ou a doença venceram, se albergam quase exclusivamente para aguardar a morte e cujo rendimento social é, portanto, praticamente nulo.
Não se torna necessária uma larga demonstração para que a Câmara apreenda as inter-relações existentes entre estes dois campos de actividade tão intimamente ligados - saúde pública e assistência - e para que, vendo o antagonismo em que deverão encontrar-se na vida social de um Estado bem organizado, possa acompanhar o meu voto de que, em orçamentos futuros e no interesse de todos nós, se registe apreciável acréscimo e inversão das verbas que referi.
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Até agora, como o departamento da saúde pública, mercê exclusiva das suas dotações - quero crê-lo -, não tem podido progredir na medida que seria para desejar, a assistência está cada vez mais sobrecarregada, pelo muito que propriamente lhe compete fazer, e continuará assim por largos anos, estou certa, pois, por muito que se trabalhe no campo da saúde, esse trabalho, de larga projecção futura, é daqueles que só com os anos dará frutos manifestos e compensadores.
O problema da saúde, que no seu aspecto higiénico e profiláctico já por si é muito complexo, ainda se torna mais pelo facto de se encontrar estreitamente ligado ao da assistência social, e ambos eles à educação do povo nos seus diversos graus de cultura e nível social.
Como adiante veremos, não admira, pois, que as soluções tenham de ser morosas, se quisermos que a eficiência da acção que se pretende realizar seja perfeita No campo propriamente da assistência, não regateio ao Governo o aplauso que lhe é devido pela grande e importante obra já realizada; simplesmente, em boa verdade, devo dizer à Câmara que ela está longe de ser completa. A verba consignada à assistência nas Contas Gerais do Estado, neste momento em discussão, carece de ser reforçada, a fim de que essa verba, que hoje quase se destina à manutenção dos serviços existentes, possa permitir que sejam criados outros novos, e forçosamente, Sr. Presidente, há que criá-los, pois é preciso que a assistência não se confine aos grandes centros populacionais, onde, apesar das faltas e deficiências apontadas, a densidade de obras desta categoria já hoje é maior, mas sim que progrida e caminhe até à mais recôndita aldeia de Portugal.
Dentro dos limites das verbas orçamentais de que o Estado dispõe, parece-me que talvez fosse politicamente mais útil (socialmente sê-lo-ia com certeza) fazer o balanço das necessidades do País em matéria de assistência, e acudir-lhes prontamente, gastando com elas - e, se necessário fosse, durante anos - as avultadas quantias destinadas a cobrir despesas que não se impõem por forma tão imperiosa.
Quando, ao subir a Avenida da Liberdade, deparo lá em baixo, nos Restauradores, com o Palácio Foz, inteiramente renovado e em cujas obras se gastaram milhares de contos, e mais acima contemplo a grande transformação por que está passando o antigo Parque Eduardo VII, onde se deverão gastar muitos mais, tenho sempre diante dos olhos aqueles quadros de miséria real que a cada passo se deparam a todos nós è aos quais a assistência nem sempre pode acudir por falta de recursos.
Pergunto-me, por exemplo, se não seria mais educativo, de uma melhor propaganda nacionalista, ver as ruas de Lisboa livres desses pobres aleijados e mendigos que a cada passo nos patenteiam a sua miséria; vê-las sem os cegos que a cada esquina entristecem a cidade com as notas plangentes da sua música e canto e não encontrar, até quase de madrugada, crianças andrajosas a estender a mão à caridade pública; ter sanatórios e asilos suficientes para as necessidades do País e nos seus hospitais haver onde e com que tratar os doentes?
Pergunto-me, repito, se não seria mais educativo, mais humano e de melhor política social?
Concordo que há obras que são necessárias, mas a par dessas gasta-se muito em outras que são supérfluas e é sobre elas que recai a minha crítica.
O supérfluo só pode admitir-se quando haja o necessário, e, em matéria de assistência, ainda estamos longe de o atingir. Há serviços a montar de novo e tantos outros a equipar com os meios indispensáveis para lhes garantir um funcionamento regular!
É bom que o Governo o saiba, para que em futuros orçamentos possa fazer uma equitativa distribuição das suas dotações.
Sr. Presidente: ao falar em serem criados novos serviços, desde já declaro que não sou apologista das pluralidades de obras; refiro-me apenas àquelas cuja lacuna marca uma falta, e uma falta grave, no quadro geral das actividades da assistência portuguesa.
Quando em matéria de assistência se vivem apaixonadamente os seus problemas com o desejo de lhes encontrar a melhor solução, alguma coisa há que impressiona profundamente e que, não obstante as soluções de continuidade existentes no campo das actividades assistenciais, ainda se verifica - até parece ironia dizê-lo -, a sobreposição de obras que, a paredes meias, por vezes, quase se digladiam por quererem fazer a mesma coisa.
Sr. Presidente: infelizmente este facto ainda se verifica, apesar dos estatutos e decretos que criaram institutos especializados para superintenderem em várias das modalidades de assistência a que o Estado carece de prestar o seu auxílio, quer para "valer aos males e deficiências dos indivíduos", quer para melhorar as "condições morais, económicas ou sanitárias dos seus agrupamentos naturais", e para cujo efeito se propõem organizar, coordenar e assegurar o exercício de actividades que a tal conduzam, conforme se vê na base i da lei n.° 1:993, de 15 de Maio de 1944.
Se o que acabo de referir é já grave sob o aspecto social da distribuição de actividades, não o é menos sob o ponto de vista económico e do rendimento social das mesmas obras. Que admira então que o dinheiro não produza os frutos desejados e todos se insurjam contra o Estado, que dá pouco, sem quererem concordar que são as próprias obras que, por vezes, o aplicam mal!
Mas há mais:
Com frequência se encontram grãos de areia que dificultam o andamento da máquina do poder executivo da assistência sempre que se pretende dar um passo para a frente, alargar e unificar serviços em prol do seu melhor funcionamento e proveito para o bem de todos.
Ainda compreendia que entre as instituições particulares e oficiais pudesse haver articulações mal lubrificadas e que, entre elas, entorpecendo-lhes a acção, se encontrasse certo retraimento, filho do infundado receio de que o Estado, esquecendo que a sua assistência é por princípio supletiva, pudesse e quisesse fazer convergir para si a honra de todos os postos de comando; ora, pelo contrário, é precisamente nos sectores do próprio Estado, naqueles que melhor deviam ter a compreensão da grande obra a realizar em comum, onde, com mais frequência, impera com toda a sua força o maléfico espírito de "capelinha", perdoem-me o termo, e é aí que, em regra, se encontram as maiores dificuldades para agir e o menor espírito de colaboração. Poderia apontar a V. Ex.ªs factos concretos, mas limito-me a incriminar a palavra "assistência" como sendo a causa de todos estes dissabores.
Fazer assistência é ainda para muitos, e apesar de tudo que sobre ela se tem dito e escrito, como que um sinónimo do verbo "dar".
Dar e exercer a caridade são obras de misericórdia que, de todos os tempos, sempre atraíram simpatias e reconhecimento à roda de quem as pratica. Talvez por isso todos querem dar... Aparentemente, porque são boas pessoas, bons portugueses, sempre solícitos em acudir à situação angustiosa dos menos afortunados...; na verdade, porém, porque nesta espécie de dádivas, que nunca são ocultas, como o preceitua a verdadeira caridade, se deseja fazer política pessoal, no intuito de
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criar ambiente propício onde melhor cresçam e frutifiquem as ambições de cada um!
Com este espírito, que a cada passo encontramos, não obstante boas medidas legislativas sobre assistência, não obstante o esforço improfícuo daqueles que a chefiam e querem trabalhar seriamente, as obras não progridem, não há coesão entre elas, não há contiguidade e continuidade de acção, não se potencializam energias nem se valorizam capitais; em resumo: com tal espírito, é impossível fazer uma boa assistência em Portugal.
Há, pois, que renová-lo.
A dispersão de obras de assistência por vários Ministérios fomenta., de certo modo, esta tendência, que já se verifica dentro de direcções gerais comuns. Concordo, pois, em absoluto com a solução do Exmo. relator do parecer sobre as Contas Gerais do Estado, Sr. Deputado Araújo (Correia, quando, a p. 105, § 62, do seu tão interessante e importante trabalho, refere, como necessidade no actual estádio da vida pública, a criação do Ministério da Saúde e Previdência Social, a que, a meu ver, melhor fora talvez chamar-se Ministério da Saúde, Previdência e Assistência Social. Este título estaria até mais de acordo com a ideia do ilustre Deputado quando, ao referir-se a esse Ministério, diz: "Haverá mais facilidade em coordenar o trabalho dos dois actuais Subsecretariados".
De facto, da visão de conjunto de problemas tão afins não poderia deixar de resultar uma melhor técnica de execução e até uma maior economia numérica (em pessoal e monetária) em encargos administrativos.
Dos serviços da administração pública que conheço creio serem estes aqueles onde mais se justifica a unidade de comando e a descentralização da acção executiva. A centralização do comando, fazendo convergir responsabilidades semelhantes numa entidade única e projectando nos serviços que lhe ficassem subordinados a mesma orientação e idênticas directrizes, só poderia ser benéfica para todos nós.
Quando o ilustre Deputado Sr. Araújo Correia, através das vias competentes, pediu aos vários organismos que lhe fornecessem elementos para poder elaborar o seu notável parecer, sei que da parte dos organismos houve certa dificuldade em lhe fornecerem tais elementos e, seguramente, por parte do Sr. Deputado não houve menos trabalho em poder extrair deles as conclusões a que chegou, e isso, Sr. Presidente, apenas por falta de unificação dentro de serviços idênticos e tendentes à mesma finalidade.
A experiência ensina a quem costuma compulsar estatísticas que nem sempre as conclusões a que se chega são o resumo que, pouco a pouco e quase espontâneo, deveria ir fluindo da confluência dos dados fornecidos pelo apuramento do trabalho de obras de grau progressivamente crescentes, mas sim essas conclusões representam, em regra, o trabalho exaustivo do próprio que pretende utilizar tais dados e que primeiro se vê obrigado a classificá-los e a arrumá-los, dentro de uma ordenação uniforme, para depois poder colher deles os elementos de que necessita.
A falta de uniformidade nas estatísticas no domínio da saúde, previdência e assistência é o reflexo flagrante do que acabo de referir e a melhor causa de erro quando, sem fazer o ajustamento prévio, se pretende comparar e apreciar, no seu rendimento integral, serviços semelhantes.
Não quero dizer com isto que a rigidez dos números nos possa sempre dar o valor real das obras, pois há factores que as vivificam e que jamais poderão traduzir-se inteiramente por qualquer sinal gráfico, como sejam a dedicação e o sacrifício daqueles que lhes dão o melhor do seu trabalho.
As estatísticas são, no entanto e apesar de todos os seus erros, o único índice visível donde a nossa razão pode deduzir o rendimento das obras, as suas faltas materiais, e são ainda elas que melhor podem conduzir os governantes na dura tarefa de apreciar o trabalho realizado e as necessidades mais urgentes a que o Estado terá de acudir.
É preciso, pois, que junto dos vários serviços assistenciais funcionem secções de estatística, bem coordenadas com o Instituto Nacional de Estatística e apetrechadas com o material necessário e pessoal adestrado.
Sr. Presidente: em matéria de saúde e de assistência todos os esforços deverão tender para um termo único, que é o bem supremo da Nação, e nesse sentido se devem orientar e canalizar todas as energias, procurando que rendam e se aproveitem na plenitude da sua capacidade funcional.
Evidentemente, conforme muito bem diz o Sr. Deputado Araújo Correia, à medida que a saúde pública - dentro daquela latitude em que a encara e que é a sua verdadeira fisionomia - for progredindo, decrescerá a amplitude do pelouro assistencial. Teoricamente a vida deste deve ser efémera, e oxalá pudesse sê-lo ainda nos nossos dias!
A lua das realidades práticas não podemos, porém, pensar assim, e diante de nós surge sempre um grande campo de trabalho, com as suas necessidades, que a vida actual, por ser cada vez mais difícil, torna mais prementes, surge sempre o pelouro da assistência com as suas aspirações, que, como é evidente, não podem sê-lo menos, com as críticas que lhe fazem e que hão-de crescer na razão directa do aumento do número de serviços assistenciais e sempre que em qualquer deles não se dê inteira satisfação às múltiplas aspirações dos que pretendem encontrar nos organismos da assistência a chave de todos os problemas, sejam eles os das necessidades a que é justo acudir ou apenas os desejos ousados de quem cruza os braços à luta pela vida, porque é mais cómodo parasitar nos serviços de assistência!
Este parasitismo é fácil e mais frequente do que se pensa entre nós, não só porque os serviços de assistência estão tutelados por entidades diferentes, mas ainda porque trabalham sem a indispensável fiscalização de um corpo de serviço social rigorosamente seleccionado e bem organizado.
A falta de um ficheiro central onde fiquem registadas as necessidades dos que precisam de assistência e aquela que recebem é uma outra grande lacuna dos nossos serviços de assistência e lamento que o Centro de Inquérito Assistencial, criado para esse fim, ainda a não tenha suprido.
Quanto mais limitarmos a assistência daqueles que não precisam melhor poderemos acudir à situação dos verdadeiros necessitados, e é triste confessar que, entre estes, muitos há que não têm a assistência devida.
Desta tribuna peço às entidades competentes que organizem e mantenham actualizados a existência e cadastros de pobres, não unicamente para mostrar a impecável arrumação dos seus ficheiros, mas sim para estarem habilitados a fornecer aos organismos que o solicitem as devidas informações práticas acerca de cada um.
Os cadastros de pobres são para os serviços de assistência um auxiliar importantíssimo, quer sob o ponto de vista económico, quer sob o ponto de vista social daquilo que a esta compete fazer.
Sr. Presidente: em face deste parecer sobre as Contas Gerais do Estado, muito se poderia discorrer sobre problemas assistenciais e os números que ele encerra seriam dignos de longas meditações. É impossível fazê-lo dentro do tempo de que dispomos.
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Há, no entanto, alguns pontos que não podem deixar de ser focados e que carecem de resolução urgente. Assim, pensem V. Ex.ªs na pletora de doentes que acorrem aos hospitais e imaginem a tragédia que em cada dia se desenrola à hora da admissão. É um quadro horrível que a miséria pinta com tintas de negras cores, e bem tristes.
Em geral não há camas. Os doentes voltam para casa, sabe Deus com que dificuldade e à custa de sacrifícios de toda a espécie; em geral voltam revoltados, e com razão, falando mal de tudo e de todos, e, o que é pior, vendo agravar-se os seus padecimentos nos dias, horas e meses de expectativa que medeiam entre o seu primeiro contacto com o hospital e o internamento, às vezes até entre aqueles e o simples resultado de um exame ou de uma análise que lhes é necessária.
Esta situação não pode manter-se.
Sacrifique-se o que for preciso, mas resolva-se.
É a saúde do País que o exige, e quem diz a saúde diz o bem-estar e a vida da própria sociedade, que passa a estar em perigo.
Há uma grande catástrofe; tenham V. Ex.ªs a certeza, e felizmente, que aparecem sempre medidas de emergência para socorrer os atingidos. Então por que não hão-de aparecer também para suprir as deficiências dos estabelecimentos hospitalares, que, por não serem tão espectaculosas, não deixam de ser menos graves e até mais extensas é profundas?
Os hospitais não chegam, estão mal distribuídos e vão constituir-se outros novos. Ë um facto, e por ele há que louvar o Governo, que assim irá proceder e nesse sentido já publicou recentes e importantíssimos diplomas, mas entretanto há doentes que necessitam de tratamento e é preciso que não morram ou piorem por este lhes ter faltado a tempo.
Ao meu espírito simplista o problema apresenta-se com uma solução relativamente fácil, e que seria a assistência domiciliária (àqueles doentes cuja vida não perigasse por serem tratados no seio da própria família. A maior parte das vezes os doentes (e nisto refiro-me em especial aos do foro médico) recorrem aos serviços hospitalares por não poderem custear os honorários clínicos, os cuidados de enfermagem e as despesas de farmácia. Se o hospital lhes garantisse a assistência médica è a enfermagem especializada que transcende aqueles cuidados de enfermagem caseira que as famílias estão sempre prontas a prestar e que ninguém como elas é capaz de exercer, muitos prefeririam ficar em casa e sentir-se-iam felizes, por não serem obrigados a deixar os seus e a perderem os carinhos e a vigilância constante dos que lhes são queridos.
Com a facilidade de deslocação que os serviços motorizados permitem não seria difícil que o mesmo médico de clínica geral - ou especialista, quando fosse necessário -, uma enfermeira, com uma ajudante ou simples criada, pudessem ter a seu cargo apreciável número de doentes dentro da zona onde fosse fixado o seu trabalho.
O hospital lá estaria sempre para fiscalizar o serviço efectuado, para receber os casos difíceis ou insusceptíveis, pelo menos temporariamente, de ser tratados em casa, para as doenças infectocontagiosas e para acolher todos aqueles que não tivessem domicílio ou que, apesar de todas as facilidades concedidas, por outros factores não enumerados, não pudessem ou não quisessem ser tratados no seu lar.
Os doentes assistidos em casa estariam em igualdade de circunstâncias com os hospitalizados no que respeita ao direito de beneficiarem dos serviços laboratoriais, radiológicos, de agentes físicos, de farmácia, etc., é, em casos extremos, poderiam até receber do hospital a competente dieta.
Nos meios rurais, ainda tão desprovidos de qualquer modalidade de assistência, quantos benefícios não poderiam colher-se com a organização de um serviço semelhante!
Quando há anos se realizou, no Porto, o Congresso das Ciências da População, tive ocasião de apresentar idêntica sugestão. Nada se fez, e é pena que à Misericórdia de Lisboa também não tivesse sido possível realizar o que a tal respeito se contém no decreto que reformou os seus serviços.
Por ocasião desse Congresso já estavam em curso e continuaram algumas experiências sobre o socorro domiciliário por ocasião do (parto e os seus resultados levam-nos a poder afirmar que esta forma de assistência, além de menos onerosa para o Tesouro, é grandemente apreciada e querida pelo público.
Se se generalizasse ao tratamento de doentes, não deixaria de o ser menos. Os hospitais passariam a ter maior número de camas livres, para os casos em que se impõe o internamento, e não assistiríamos ao espectáculo verdadeiramente anti-humano de negar a possibilidade de recuperar a saúde àqueles que, por riqueza, só possuem esse único bem.
A despesa dos estabelecimentos hospitalares, apesar de a sua capacidade ser insuficiente, como insuficiente é a assistência neles prestada aos doentes, por falta de apetrechamento devido, de 1942 para 1945 tem aumentado consideràvelmente, e a comparticipação nos encargos para sustentar os Hospitais Civis de Lisboa, o Hospital da Universidade de Coimbra, os hospitais das Caldas da Bainha, subsídio de cooperação à Santa Casa da Misericórdia do Porto (para sustentação do Hospital Geral de Santo António) e a outras instituições que mantêm estabelecimentos deste tipo passou de 45:158 contos em 1942 a 69:375 contos em 1945, ou seja, sofreu um acréscimo de 24:217 contos.
É de notar que os médicos que prestam serviço nestes hospitais, nomeadamente nos Hospitais Civis de Lisboa, em pouco ou nada oneram os serviços, pois trabalham em regime de puro voluntariado ou com honorários irrisórios, o que não é justo, pois, embora a medicina deva ser encarada como um sacerdócio, o médico tem de viver e, não podendo fazê-lo penas com o que o hospital lhe dá em troca dos seus serviços, pela força das circunstâncias é obrigado a compensar essa falta procurando ou aceitando outros trabalhos, com manifesto prejuízo daqueles que lhe estiverem confiados e, talvez mesmo, da economia hospitalar, que poderia exigir mais trabalho a um inferior número de médicos se lhes pagasse melhor.
Este problema carece da atenção das entidades superiores, e, se as suas consequências ainda não se fizeram sentir mais duramente, tem sido devido ao grande somatório de trabalho dos médicos voluntários.
Se, por hipótese, os voluntários fossem bruscamente obrigados a suspender os seus estágios nos serviços hospitalares, muitos desses serviços quase ficariam inibidos de atender o público e o primeiro a ressentir-se - podem V. Ex.ªs estar certos - seria o próprio banco de S. José, onde o trabalho duro, pesado, extenuante e excessivo exigido aos médicos do quadro escalonados para a urgência só se torna possível com o auxílio dos voluntários que, em número muito mais avultado que o desses, ali prestam serviço todos os dias.
Espero que a nova reforma hospitalar ponha cobro a esta deficiência e a muitas outras que se registam nos hospitais existentes e que atenda não só a uma distribuição mais racional dos serviços como ao seu apetrechamento. Não me canso de repetir que este apetrechamento requer mais cuidados que propriamente o arranjo das instalações, e quando me refiro ao apetrechamento
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destaco nele, em lugar muito à parte, o pessoal que desde já se deveria começar a preparar.
As Faculdades de Medicina em cada ano conferem diplomas a poucas centenas dos estudantes que frequentam os seus cursos, mas que ainda se contam por centenas; entretanto, o mesmo não sucede às escolas de enfermagem, cuja frequência é reduzidíssima para as necessidades do Pais e cuja média de diplomados não atinge - nem de longe - tais números.
É um facto mundialmente assente, e por razões fáceis de compreender, que, salvo em casos especiais, os serviços de enfermagem devem ser confiados a mulheres. Ninguém como a mulher sabe debruçar-se delicadamente sobre a dor e no momento oportuno dizer a palavra que consola, encontrar o gesto e a atitude que aliviam e, na sua sensibilidade afectiva, dedicar-se aos doentes com um entusiasmo e espírito de sacrifício que, por vezes, atingem o heroísmo.
Entre nós têm-se criado alguns cursos de enfermagem e ainda este ano foi inaugurado um novo curso oficial de enfermagem especializada. No dia em que
se encerrou a matrícula registara-se uma única candidata em condições de poder ser admitida!
Prorrogou-se o prazo, facilitaram-se extraordinariamente todas as condições de admissão e, apesar disso, o total de inscrições de pouco excedeu o total geral das alunas que puderam ser admitidas em Lisboa e no Porto, que foi apenas de 30!
O curso oferecia vantagens evidentes e a garantia do ingresso certo e imediato nos quadros hospitalares, mas ainda não se criou suficientemente no espírito, das nossas raparigas o gosto e o entusiasmo pela enfermagem e a consciência de que a profissão de enfermeira, que também é um sacerdócio, será sempre estimada e respeitada no mundo moderno, como uma missão nobre, bela e socialmente útil.
É verdade que as condições de vida que os hospitais oferecem ao seu corpo da enfermagem não são atraentes, quer pelos honorários, quer horário de trabalho a que fica sujeito, quer pelo alojamento que lhe proporciona. Urge renová-las, sem perda de tempo, a menos queiramos obstar a que se eleve o nível moral, intelectual e social das enfermeiras portuguesas.
A reforma doo serviços hospitalares claudicará - e quem diz essa reforma diz a e qualquer outro serviço de assistência - se não se tratar, com o devido tempo, de preparar o pessoal técnico (médico, de enfermagem, de serviço social ou outro), devidamente seleccionado, para assegurar a boa marcha dos serviços.
A cada passo ouvimos falar da morosidade com que se põem em execução as recentes reformas de assistência, mas não se pensa que não bastam só os subsídios do Estado para as tornar realidade; é necessário ter pessoal competente para que, desde o início do seu funcionamento, tais serviços não sejam "nado-mortos".
0 pessoal não se improvisa, e sem pessoal qualquer reforma de assistência não passará de uma fachada e cairá pela base.
E feitas estas considerações a que fui levado pela leitura e reflexão das contas públicas de 1945 e seu parecer, quando li as cifras aí registadas, termino as minhas palavras chamando precisamente a atenção do Governo para a necessidade de dotar proficientemente os serviços maternais do nosso País, para que também não caia pela base a vida da Nação.
Não voltarei a expor à Câmara todas as razões que aqui referi por ocasião da discussão do Estatuto de Assistência Social, e que me levaram a essa convicção.
Estão ainda todas de pé e vivas na agudeza da verdade com que nessa data as apresentei à Assembleia, apesar do muito que, de então para cá, se tem feito em prol de assistência materno-infantil, mas posso garantir a todos V. Ex.ªs que em favor das exigências de tais serviços o Instituto Maternal tem envidado os melhores esforços para que a sua acção não atraiçoe o fim para que foi criado.
É preciso, no entanto, que, com nítido conhecimento do que é a sua missão, todos o ajudem na tarefa empreendida, a começar pelo próprio Estado, certos de que velar pela maternidade e pela infância da nossa terra é querer garantir o revigoramento e a continuidade do Portugal de amanhã.
Pelas razões apontadas, todo o trabalho a efectuar no campo da assistência social há-de necessariamente ser longo, duro e dispendioso para a Nação, mas por ser caro e difícil, confio plenamente em que se não recuará diante desses obstáculos e contra todas as dificuldades contra todos - se necessário for - e contra tudo, conduzido pela verdade dos factos, animando pela consciência do dever a cumprir e, apesar dos sacrifícios que lho possa custar o que em assistência social ainda resta fazer, o Governo agirá e marcará mais uma vitória da sua política nacional, que não é de promessas, mas de realizações, conforme se tem a prova nas contas do Estado que neste momento estamos a discutir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Querubim Guimarães:- Sr. Presidente: a hora vai mais do que adiantada, vai adiantadíssima. E esse é um dos motivos por que não posso demorar-me era maiores considerações, como bem merecia o trabalho admirável que é o parecer sobre as contas públicas, de que costuma ocupar-se, com grande objectividade e documentação, o nosso ilustre colega Sr. engenheiro Araújo Correia. S. Ex.ª é, pode dizer-se, o relator encartado, há muitos anos dos pareceres sobre as contas públicas.
Leio sempre com muita atenção e interesse os pareceres de S. Ex.ª, os quais, desde que ocupo um lugar nesta Assembleia, vou arquivando e guardo na minha pequena e humilde biblioteca, como preciosos elementos de consulta e de estudo sobre os problemas vários que interessam à nossa economia e às nossas finanças.
O Sr. engenheiro Araújo Correia em todos os seus pareceres faz aflorar uma nota de pessimismo - perdoe-mo S. Ex.ª, pois não tenho a menor intenção de o criticar -, aliás, essa nota, fulgurante de interesse, que é como que um grito da parte de quem se debruça sobre os problemas económicos do nosso País, com tanta atenção e com tanta competência, e ausculta as suas possibilidades tão desaproveitadas ainda e que, aproveitadas convenientemente, transformariam as dúvidas de hoje na certeza de um futuro que garanta a todos os portugueses aquela estabilidade e suficiência económica a que têm jus.
País pobre? diz S. Ex.ª; não! O País não é pobre. Tem muitas riquezas para explorar, riquezas ocultas e que necessitam de ser trazidas cá para fora, extraídas da terra e de um subsolo inexplorado e desconhecido - isso para bem de todos.
Novamente S. Ex.ª toca a tecla da conveniência de se desenvolver e activar a produção da energia hidroeléctrica, de modo a criarem-se e desenvolverem-se novas indústrias. Todos os anos S. Ex.ª vem apontando essa necessidade.
Reconhece que alguma coisa se tem feito já, mas muito pouco ainda do muito que se deveria fazer.
É um facto, porém, que se trabalha dentro de um plano de conjunto, que está a ser executado com resultados positivos, como é do conhecimento de todos os ilustres Deputados.
A electrificação do País será um facto, embora não a curto prazo.
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O plano, de harmonia com a proposta de lei que aqui aprovámos, levará anos a executar, mas será uma realidade, de que Portugal fruirá todos os benefícios, num melhor aproveitamento das actividades agrícolas e industriais.
Tem-se feito na hidráulica agrícola trabalho também de muito interesse.
É outro índice de uma actividade renovadora da nossa economia.
Tenho ouvido críticas, tenho lido críticas a respeito da actividade da respectiva Junta no que diz respeito à hidráulica agrícola. Na minha região foi este problema também muito agitado a propósito da barragem de Vaie de Cambra, agora já solucionado. Mas as críticas que se fazem atingem menos a conveniência e utilidade futura desses trabalhos do que a sua inoperância actual, agravada pelos encargos a que ficam sujeitos os interessados, que podem ser obrigados a pagar uma importância, pelo aproveitamento que façam da água, que vai de encontro àquilo que julgam ser a sua conveniência de proprietários.
Quando se discutiu aqui essa matéria, a Assembleia tomou conhecimento de protestos dessa natureza, entre eles o que dizia respeito à irrigação da veiga de Chaves.
V. Ex.ªs devem estar recordados.
Verifica-se, porém, que o trabalho é tecnicamente perfeito, levando-nos à certeza das maiores possibilidades económicas dos campos que se podem irrigar.
Parece incontestável.
Há no relatório uma outra pungente dúvida, que impressiona o espírito do nosso colega Sr. Araújo Correia. S. Ex.ª vê perigos no aumento da população que se verifica no País, e isto porque o País não produz o suficiente já para alimentar a população actual.
Se a produção se não intensifica, esse aumento progressivo da população portuguesa, que a estatística acusa de década para década, pode ocasionar uma situação difícil na carência de bens de consumo essenciais à vida.
A produção interna de bens de consumo continua a ser deficitária e concorro em muito para o deficit da nossa balança comercial. Perante este facto e tendo em consideração os encargos provenientes de encomendas feitas para a reconstituição da nossa fruta mercante, transportes terrestres e reapetrechamento industrial, põe o ilustre relator das contas o dilema: «ou o País aumenta em escala apreciável a sua produção ou em pouco tempo o nível de vida terá de diminuir ainda mais».
Temos necessidade, portanto, de fazer importações, para o que há crédito e numerário em abundância, como já aqui ficou demonstrado ao tratar-se do problema monetário, mas o facto não deixa de preocupar.
No capítulo especial que o relatório consagra à nossa balança comercial verifica-se, em quadro próprio, o seu desequilíbrio, que atingia em 1945 um deficit de 819:000 contos, sendo de notar que as importações de géneros alimentícios, num pais agrícola por excelência como o nosso, foram acima de 1 milhão de contos. Compreende-se, perante os factos, o dilema que nos apresenta o Sr. engenheiro Araújo Correia.
Se o nível de vida é tão baixo já com a actual população, o que será no futuro, com este aumento progressivo, num ritmo de 800 a 900 mil habitantes em cada década?
O Sr. Araújo Correia: -V. Ex.ª, dá-me licença ? Eu não vejo perigo; o que entendo é que deve ser aumentada a produção.
O Orador: - Perfeitamente. É o que estou dizendo.
Por outro lado S. Ex.ª desgosta-se por ver que não há um plano de conjunto para transformar e valorizar a produção do Pais, especialmente a riqueza que ele contém no seu solo e no seu subsolo. S. Ex.ª queria que houvesse para esta exploração dos nossos recursos um plano de economia organizado e em execução, que não vê que haja.
A consciência nacional ainda não acordou perante a vasta significação do problema, afirma. O País empobrece no que diz respeito a bens de consumo, quando poderia bastar-se mobilizando todas as suas possibilidades.
Vê S. Ex.ª que há falta de bens de consumo, carência de produtos alimentares, o que num país agrícola como o nosso não é de admitir. Há necessidade de importar, não só em ocasião de guerra como em época normal.
Não é de aceitar tal situação. É preciso sair dela.
Faz o ilustre relator, a propósito, outras observações, que são realmente de grande interesse: algumas delas enegrecem o quadro. Confesso, porém, que a confiança nos homens que nos governam e a confiança nos nossos técnicos, que são na verdade já revelação crescente de competências, desanuviam-nos o espírito e dão ao quadro luz de esperança em melhores dias.
Confiança nas possibilidades do País, confiança na política orientadora do Governo, confiança na competência técnica de quem executa, e qualquer preocupação se desvanece portanto.
Há crédito, há saldos positivos, há possibilidades de valorização da terra portuguesa - mais não é preciso para que a esperança de melhores dias se não dissipe.
Apesar, porém, de um laivo de desânimo que aqui e além aparece no relatório, sai-se da sua leitura com a certeza de que, ao contrário do que se diz, Portugal não é um pais pobre. Ouve-se a cada passo: Portugal é um país pobre, talvez porque olhamos para a pequena superfície que o constitui, para o pequeno espaço geográfico que ocupa no mapa da Europa, e não se procura ver se porventura tem realmente em cada metro quadrado da sua superfície possibilidades de um pais que
não é pobre.
Sr. Presidente: cada, vez mais nos estamos guiando por quadros estatísticos e outros trabalhos desta natureza, porque são elucidativos, e realmente vejo que nós não podemos hoje trabalhar nem orientarmo-nos sem esses preciosos dados.
O relatório, na sua exposição e nas suas conclusões, é a tal respeito bastante elucidativo.
Nessa altura a presidência é assumida pelo Sr. Deputado Cancela do Abreu.
O Orador:- Do seu exame extraem-se elementos de estado e apreciação lisonjeira sobre a nossa situação financeira, com aumento crescente de receitas e saldos orçamentais muito importantes.
Isso significa que há uma economia com capacidade para tanto.
Desejaria o ilustre relator que se computasse com a maior segurança possível a carga tributária do nosso contribuinte, com um organismo próprio para o investigar. Mas, por sua própria conta, lançou mãos à obra o não me parece, dos números que colheu, que a carga seja incomportável.
Não tenho tempo para focar senão um ou outro ponto do relatório, que bem merecia ser examinado com o maior interesse. Mas há um ponto que convém destacar o a que o Sr. Araújo Correia se refere, condenando o facto a grande concentração industrial junto dos grandes centros. Uma desconcentração, uma deslocação das indústrias dos grandes centros para a província, de maneira a descongestionar as capitais, aconselha-o o relatório e creio que ninguém de tal discordará, pois que o problema do urbanismo, do congestionamento demográfico que avança nas capitais, traz consequências graves que todos nós conhecemos.
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Uma dessas consequências graveis é a da falta de habitações. É, esse um problema sério, como se está observando, principalmente nos dois grandes centros urbanos que temos, e problema de difícil solução.
Sr. Presidente: os assuntos demográficos e económicos estão a ser tratados hoje em Portugal com muito interesse, graças ao Instituto Nacional de Estatística, que nos fornece preciosos elementos de estudo, completados agora por duas revistas que, numa iniciativa feliz desse organismo, se estão publicando com regularidade.
As duas revistas que aí se publicam - de estudos económicos uma e de estudos demográficos outra -, com a colaboração de reputados valores, entre elos o Sr. engenheiro Araújo Correia, documentam-nos sobre esses problemas, trazendo-nos ao corrente de muitas circunstâncias de facto e matéria de doutrina que muito convém conhecer. Merece-nos, pois, o nosso sincero aplauso a iniciativa de Sr. director desses serviços.
As deslocações constantes da província para as nossas duas capitais é cada vez maior e precisa de ser combatida.
Quando aqui se discutiu a reorganização industrial, apresentei como perigosa a conveniência da criação de núcleos industriais em diversos pontos do País.
Isto sob o aspecto social, pois transformará a vida pacifica da aldeia em núcleos agitados, outros tantos centros de perturbação que a massa trabalhadora, facilmente manobrável, pode fazer criar, fazendo assim desaparecer aquela paz quase virgiliana que há nas terras da província.
Mas este meu receio, como é fácil de ver, diz respeito apenas ao aspecto social da questão.
Sob o ponto de vista económico, estou de acordo em desviar para a província parte da actividade industrial que há junto dos grandes centros. Estes só teriam a lucrar com isso.
Há no relatório, depois das considerações gerais, os dois capítulos respeitantes às receitas do Estado e às despesas, que são um elemento apreciável do desafogo financeiro em que vive o Estado.
As receitas aumentam progressivamente - os números dos quadros são elucidativos. Não me detenho a indicá-los, porque eles estão ali patentes aos olhos de todos V. Ex.ªs, como demonstração evidente da seriedade e do rigor com que se exerce a nossa administração.
As despesas também aumentam devido às circunstâncias derivadas da guerra, com um poder de compra excessivo, que, elevando os preços, torna a vida incomportável com os ganhos da classe média, sobretudo, e faz desviar lá para fora, para se adquirir o que precisamos, muito numerário que poderia aplicar-se em despesas reprodutivas, fomentando a nossa indústria o a nossa agricultura e ao mesmo tempo reduzindo ao mínimo possível as despesas improdutivas. Esta tem sido, nos vários relatórios das contas públicas, a sistemática opinião do seu ilustre autor.
Até onde, porém, considerar o improdutivo e localizar o que é reprodutivo oferece dificuldades.
Refere-se o relatório, em outros capítulos, a dois sectores de serviços a que desejo, embora muito ligeiramente, referir-me.
Um desses serviços que mais apreciáveis são na sua modelar organização, no conjunto das suas receitas e nos benefícios que presta ao País, é o dos CIT.
A melhoria notável desses serviços, tanto em aperfeiçoamento técnico, como em instalações, como em ordem e disciplina, torna-os os mais importantes e os mais bem organizados do País, o que só pode atribuir-se à, especial competência, zelo e dedicação inexcedíveis que caracterizam a pessoa do ilustre administrador geral, que está à sua frente já há alguns anos o que ainda ultimamente os valorizou com uma reorganização cujos resultados e eficiência virão a reconhecer-se em breve tempo.
Se atentarmos nos quadros das receitas desses serviços que ilustram o relatório, veremos o que tem sido em acréscimo de rendimento a vida desse organismo.
Pode mesmo dizer-se que dificilmente se encontra em organismos autónomos como este uma situação tão francamente satisfatória como a que aí se vê.
As receitas atingiram em 1945, 215:545 contos, mais 116:837 que em 1933-1934 e mais cerca de 104:500 do que no último ano antes da guerra.
Quando se iniciou a obra de reorganização financeira, os CTT estavam ainda longe da receita ou da despesa de 100:000 contos.
Nota o relatório que as receitas postais diminuíram em beneficio das provenientes das comunicações telefónicas e telegráficas, o que marca, neste século da velocidade, a conveniência de melhorar estas duas espécies de serviços.
Tem havido certa morosidade no seu progresso, em virtude da extensão da rede e em razão de não existirem os materiais necessários para os melhorar.
Posso testemunhar por experiência própria que essas dificuldades são grandes e que se têm pedido telefones sem que se tenham podido satisfazer os respectivos pedidos. Sem dúvida que aos CTT só conviria alargar a rede dessas comunicações.
Sr. Presidente: quando fazemos o confronto dos serviços actuais dos CTT com os serviços de outros tempos, em que a Administração Geral servia de reduto inexpugnável a todos os fomentadores das revoluções, se compararmos os serviços de hoje, com uma disciplina, uma ordem, um plano, uma inteligência, uma capacidade de concepção e de realização que os notabilizam, com a desorganização desses tempos calamitosos, em que os CTT eram o abrigo certo de todos os revolucionários civis desocupados, com deficit permanentes e de grande volume, ressalta evidente o contraste, só devido isso ao pensamento reconstrutivo da Revolução Nacional.
Um outro ponto que não desejo deixar em silêncio é o que diz respeito dos serviços florestais.
V. Ex.ª Sr. relator, mostrou a conveniência que há em fazer-se o repovoamento das nossas matas, acelerando a marcha desse repovoamento, de modo a garantir que se evitem muitos perigos.
Se todas as montanhas do nosso País estivessem cobertas de maciços florestais, não assistiríamos ao triste espectáculo de ver, por exemplo, a região do Mondego transformada num vasto areal, que as recentes inundações tornarão maior ainda.
Esse outro capítulo também me merece especial atenção, pois a ele se ligam problemas de grande importância para a nossa economia, como os que quase todos os anos, e sobretudo nos mais invernosos, como o actual, provocam esse quadro desolador das inundações que tragicamente afectam regiões como a do Ribatejo, a dos campos do Mondego e a da minha região do Vouga, a que aqui se referiram vários Srs. Deputados, eu próprio entre eles. O Sr. Deputado Araújo Correia, numa das passagens do seu relatório, ao tratar desse assunto, frisa que o maior inimigo da floresta é o fogo.
Discordo de S. Ex.ª, pois, em minha opinião, entendo que o maior inimigo das florestas é actualmente o corte maciço a que obrigam as nossas necessidades, em virtude da falta de combustíveis - as necessidades da nossa indústria e dos serviços de transportes. Esse corte maciço abrange todas as matas nacionais - as dos particulares e as do Estado.
Tem sido grande o clamor dos proprietários que a cada passo vêem as suas propriedades invadidas, com cortes enormes nas suas matas, com requisições forçadas, sofrendo grandes prejuízos em beneficio de intermediários que auferem grandes lucros.
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O problema, nesse aspecto, já mereceu do novo Ministro da Economia medidas benéficas, que aquietaram os proprietários.
Mas a escassez de combustíveis, sobretudo do carvão, que os países de origem não podem dispensar, levar-nos-á porventura à expressão mais simples, ao desnudamento das nossas florestas, que eram uma das nossas principais riquezas.
Às consequências desse facto, tanto em madeira, que desaparece, como em erosões, que se multiplicarão, com assoreamentos dos rios cada vez maiores, põem-nos diante dos olhos tristes perspectivas.
Numa conferência proferida em 1940, nu Sociedade de Ciências Agronómicas, pelo ilustre director geral dos serviços florestais e aquícolas, lança-se já, em expressivos números quanto às matas do Estado, justificado alarme, quando se diz que, som considerar a propriedade particular, «as matas nacionais só por si já fizeram contratos com entidades oficiais è de interesse público, por força da guerra, referentes ao fornecimento do 106:520 metros cúbicos de madeira e 288:695 esteres de lenha, na importância global de 10:618.221§40.
Não me é possível no momento, nem o escasso tempo de que disponho, já demasiado gasto, mo permitiria, servir-me dos elementos que o Ministério da Economia, a meu requerimento e de outro nosso colega, forneceu à Assembleia.
A nossa situação em matéria de riqueza florestal, que era magnífica, como revela o quadro publicado na conferência aludida, que bem merece ser lida com atenção, modificar-se-á sensivelmente se continuarmos neste caminho. Portugal ocupa nesse quadro o 10.° lugar, com a percentagem de 26,2 por cento de arborização em relação à sua superfície total, no conjunto dos países europeus, muito acima da França, da Inglaterra, da nossa vizinha Espanha e de muitas outras nações.
O que será no futuro?
Sr. Presidente: não roubo mais tempo à Assembleia, que já está cansada de ouvir hoje tantos discursos.
E, pedindo desculpa a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Assembleia de lhes ter já roubado muito tempo, termino dizendo que não sou pessimista. Por isso, afirmo que o País pode realmente dar-nos a certeza de possibilidades económicas que muito o valorizarão.
Uma vez aproveitadas realmente todas essas possibilidades e recursos, podemos marchar confiantes para o futuro, ao encontro do lema de Salazar: Tudo pela Nação, nada contra a Nação!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: a minha intervenção no debate sobre as Contas Gerais do Estado de 1945 e as da Junta do Crédito Público é como que o corolário, o prolongamento natural da atitude que em fins de Fevereiro último assumi ao discretear acerca do problema monetário português no seu aspecto interno e externo.
Fiz então uma sucinta resenha da história da nossa moeda dos últimos quarenta anos; acompanhei, passo a passo, o desenrolar dos factos provocados pela guerra, os seus efeitos, as soluções que a ciência económica aconselhava e a sua aplicabilidade em Portugal; apontei a actuação do Ministério das Finanças ou do Governo e os resultados práticos admitidos e esbocei as possibilidades que a posição económica, elevada sobre tão fortes alicerces, autorizava que pudéssemos prever.
Fui então acusado por um ilustre Deputado desta Assembleia de crivar de censuras o Governo Nacional; sobre o mesmo discurso... concluíram outros que me
limitara a uma defesa, tocada da paixão profissional de um autêntico defensor entusiasta; e compreendeu o maior número, ou seja os que procuram ver claro, que, bem feitas as contas, nada mais fizera do que reconhecer que tudo havia decorrido nos limites possíveis de uma política económica e financeira de oportunidades, sucessivamente modificada à mercê dos imponderáveis que iam surgindo, mas que hoje, anos volvidos sobre esses factos, é facilmente criticável pelos conhecidos profetas do Passado, os profetas que no momento propício falharam com os ensinamentos e os comentários, em que só tardiamente abundam com teorizações sem compromisso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora, fazendo pública confissão dos meus intuitos, devo informar que não usei da palavra nem para louvar nem para censurar.
Animava-me a preocupação de esclarecer e popularizar um problema grave da vida nacional, desnivelando-o do academismo em que era discutido, para o colocar ao alcance das inteligências sem preparação superior.
Nesse intuito recolhi elementos, estabeleci premissas, desenvolvi conclusões.
E em tudo, e por tudo, fiz-me dominar pelo escrúpulo de falar friamente, imparcial, objectivamente, com o supremo anseio de descobrir a verdade, estivesse ela onde estivesse.
A história pregressa dos acontecimentos utilizei-a para enquadramento do objectivo que constituía o ponto crucial do meu estudo. E esse era definir, com geométrica fidelidade, a exacta posição da nossa moeda no momento actual, para apurar se podíamos ou não confiar na salvaguarda do futuro.
Apraz-me registar a concordância que aqui mesmo recebi do nosso ilustre colega Prof. Pacheco de Amorim e a perfeita urbanidade com que tenho visto discutido o meu trabalho pelos articulistas de um semanário a que aludi com a bonomia de que só tem culpas um jeito pessoal que é já tarde para constranger ou modificar.
Cumpre-me, por conseguinte, insistir em que tudo que então afirmei está de pé, inalteràvelmente firme e demonstrado.
Concluído o balanço do activo da moeda portuguesa, não há dúvida de que as garantias-ouro que a valorizam e as possibilidades de movimentação que ela autoriza são as que enunciei nessa intervenção.
Comercialmente falando, elaborei e encerrei o inventário da situação económica e financeira portuguesa.
Iniciado o debate sobre as contas públicas, impende sobre mim o encargo de dizer o que penso sob a actuação dos respectivos administradores: o que se fez e o que a Assembleia Nacional e o País confiam que virá a fazer-se para que os recursos acumulados não se inutilizem.
É neste propósito que peço licença para abusar da paciência desta Assembleia por alguns momentos, que farei tão curtos quanto a extensão da matéria consinta.
E vamos a principiar.
Uma primeira afirmação obriga quantos procurem fazer a crítica das contas da Junta do Crédito Público ou das Contas Gerais do Estado: a da sua clareza e lealdade, completadas por um critério de arrumação perfeito ou de uma sistematização que facilita todas as indagações, sejam elas quais forem.
Prestada esta justiça e iniciando o exame pelas contas da Junta do Crédito Público, os respectivos resultados impelem-nos para conclusões inquestionàvelmente
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optimistas, que justificam algumas notas críticas de manifesto relevo político.
São elas as que se extraem:
a) Do confronto da dívida pública em 31 de Dezembro de 1945 e em igual data do ano anterior;
b) Do exame das causas e efeitos do aumento real verificado;
c) Do confronto do montante da dívida pública em 31 de Dezembro de 1945 com o montante dos saldos em depósito provenientes das exportações;
d) Do confronto do aumento verificado durante a gerência com o aumento do saldo verificado no fecho das contas; e, finalmente,
e) Do confronto do aumento global da dívida no quinquénio de 1941-1945 com a totalidade dos saldos em depósito provenientes de emissões feitas a partir de 1941.
Vou apreciar cada uma destas alíneas com a rapidez que o curto espaço de tempo de que disponho aconselha, englobando, para ainda maior simplicidade, a matéria das três últimas alíneas num comentário comum.
Quanto à alínea a), ou seja ao confronto da dívida pública em 31 de Dezembro de 1945 e a existente em igual data do ano anterior, os números apresentados convencem-nos de que a dívida real e efectiva, isto é, a dívida dos títulos na posse da Fazenda e no Fundo de regularização das cotações do 3 3/4 por cento de 1936, era:
Em 31 de Dezembro de 1944................... 8.155:530.808$67
Em 31 de Dezembro de 1945................... 8.629:446.185$00
Houve, pois, um aumento real efectivo de.... 473:915.378,$33
Quanto à alínea b), ou seja ao exame das causas e efeitos deste aumento real verificado, constata-se que as causas se encontram na emissão, durante a gerência, do empréstimo amortizável de 2 1/2 Por cento, 1945, no total de 300:000 contos, integralmente colocado no mercado, e ainda na colocação de títulos na posse da Fazenda provenientes de emissões anteriores.
Certo é, porém, que nem a emissão do novo empréstimo nem a colocação dos títulos das emissões anteriores resultaram de necessidades monetárias da tesouraria.
Quer uma, quer outra, traduziram evidentemente o propósito de o Governo prosseguir na política das intervenções no mercado dos capitais - política que vem sendo sistematicamente praticada pelo Sr. Ministro das Finanças desde 1941, no intuito, a todos os títulos louvável, de absorver os excessos do meio circulante resultantes, pode afirmar-se que em exclusivo, da nossa balança de pagamentos, como tive ocasião de esclarecer em Fevereiro último.
A demonstração prática deste asserto, a prova provada da afirmação que acabo de fazer, ressalta a toda a luz da análise cumulativa da matéria das alíneas c), d) e e).
Porquê?
Porque se confrontarmos o montante total dos aumentos verificados no quinquénio de 1941-1945 com o total das disponibilidades em depósito provenientes das emissões, digamos de absorção, no mesmo período lançadas, verificamos que:
O aumento real no quinquénio de 1941-1945 foi de.......... 3.391:468.753$00
As disponibilidades em depósito eram em 31 de Dezembro de 1945 de....................................... 3.721;929.661$52
Pelo que, assim, existia uma diferença para mais dos saldos em depósito sobre os aumentos de............... 330:460.908$52
Quer dizer: os saldos em depósito excedem em mais de 330:000 contos os aumentos reais da dívida.
Por outro lado, o saldo em depósito era em 31 de Dezembro de 1944 de............................ 3.228:147.578$30
E em 31 de Dezembro de 1945 era, como vimos, de...... 3.721:929.661$52
Logo, o aumento do saldo durante a gerência de 1945 foi de....................................... 493:782.083$32
Ora nós apurámos que o aumento da dívida durante a gerência de 1945 foi de............................ 473:915.378$33
Entre as duas últimas verbas a diferença é de ....... 19:766.704$99
o que, lógica, matemática, imperativamente, obriga à conclusão de que o aumento do saldo excedeu em mais de 19:000 contos o da dívida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ninguém de boa fé, ainda que arregimente entre os mais tenazes adversários do Estado Novo, terá coragem para sustentar que os empréstimos emitidos a partir de 1941 representam necessidades orçamentais ou de tesouraria; antes deve necessariamente concordar em que se trata de salutares providências de política financeira, obedecendo a princípios consagra-os na ciência monetária e aplicáveis sempre que se torne conveniente absorver os excessos de moeda circulante; e há-de, coerentemente, reconhecer que o produto depositado excede em mais de 330:000 contos a soma total dos aumentos verificados e que as contas do Estado fecharam com largos saldos positivamente estabelecidos.
Consequentemente, deduzir destas realidades que o crédito do Estado se encontra solidamente firmado já não significa uma atitude de decente boa fé, mas a obrigação de satisfazer um honrado dever de consciência.
Acrescento, todavia, Sr. Presidente e meus senhores, que, se passarmos para o exame das Contas Gerais do Estado de 1945, há reparos a fazer, que, se não justificam pessimismos tenebrosos, também não dispensam alguns avisos prudentes ou advertências cautelosas.
É que, meus senhores, quem examinar descuidadamente, isto é, sem a preocupação de aprofundar os ensinamentos que delas ressaltam, as contas do Estado relativas ao ano económico de 1945 é possível que rejubile ao verificar que elas fecham com um saldo de 58 milhares de contos, obtido exclusivamente pelo excesso das receitas sobre as despesas, que permitiu ao Governo o abster-se de recorrer à aplicação de recursos extraordinários.
A verdade, porém, é que tal circunstância, embora signifique muito, nem por isso afasta determinadas preocupações aos que se não satisfazem com um estudo perfunctório da matéria.
As mesmas contas revelam igualmente que houve uma baixa - por sinal de marcada importância - nas receitas provenientes dos impostos indirectos.
Essa baixa atingiu 11,8 milhares de contos.
E nela influiu decisivamente a diminuição das receitas aduaneiras provocadas pelas suspensão de algumas exportações mais valiosas.
Isto dá a perceber que o País produziu produtos destinados normalmente a exportações consagradas pelos precedentes da nossa história económica, mas que, contra o que seria de prever, não puderam ser levadas a efeito. E justifica até certo ponto prognósticos pouco optimistas acerca das possibilidades de caminharmos
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tão velozmente quanto desejaríamos para um saudável equilíbrio da nossa balança comercial.
Mas imputarmos ao Governo, à indústria ou ao comércio portugueses responsabilidade nesta situação seria, injusto e absurdo.
Os impostos indirectos são, como muito bem se escreve no relatório ministerial, os mais sensíveis de todos às alterações das condições gerais.
As perturbações nascidas no decurso da guerra e, em certos aspectos, agravadas após a sua terminação... teórica; a interferência das grandes nações na liberdade de comércio dos países neutros; as novas barreiras e as pretensões de comando da economia mundial, contra as quais é inglória toda a luta, têm no facto influência quase exclusiva.
O triste «fadário» das nossas conservas de atum diz mais que o preciso...
Admito que se objecte que deve tratar-se de uma crise transitória, atenuável à medida que a ordem e o bom senso forem sendo restaurados no Mundo.
E claro que é possível.
Mas, em contrapartida, a essa desejável melhoria corresponderão novas diminuições de actividades mais ligadas a estados de guerra e que influirão nas receitas dos impostos directos.
Nesta conformidade, só apresentando-se como executor de uma política económica e financeira cautelosa e prudente o Governo terá jus à nossa concordância.
Tê-la-ia seguido?
Entendo que sim.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em todos os Ministérios se verifica um sensível aumento de despesas relativamente ao exercício anterior. Sensível, mas cauto.
Deixo de parte os Ministérios da Guerra e da Marinha, atenta a minha mais que manifesta impreparação para analisar os serviços que lhes competem, e destaco o que se averigua nos Ministérios do Interior, da Educação Nacional, da Justiça, dos Negócios Estrangeiros, das Colónias, da Economia, das Obras Públicas e das Finanças.
No Ministério do Interior o aumento da despesa apresenta um acréscimo em relação a 1944 de 40:997 contos e em relação a 1930-1931 de 156:323 contos.
No Ministério da Educação Nacional todas as verbas progrediram, principalmente no ensino superior e artístico e no ensino, primário, nos quais houve maior aumento.
De 1939 para 1945 as despesas deste Ministério aumentaram 93:000 contos e perto de 130:000 contos de 1930-1931 para cá.
No Ministério da Justiça mais do que dobraram, em despesa, os serviços entre 1930-1931 e 1945, pois passaram de 38:436 para 78:026 contos, não levando, sequer, em conta o custeio das construções civis, cadeias e outras instalações realizadas durante o ano (parecer da Comissão das Coutas Públicas, p. 106).
No Ministério dos Negócios Estrangeiros, adquiridos em anos passados os edifícios para a nossa representação diplomática em Paris, Berlim, Londres e Madrid, compraram-se no exercício em exame os de Washington e Berna.
De tudo isto resultou um avultado aumento nas contas de 1945 relativamente às de anos anteriores.
No Ministério das Colónias o aumento da despesa entre 1944 e 1945 foi de 3:203 contos.
No Ministério da Economia, enquanto que em 1944 as despesas andaram por 84:933 contos, ascenderam em 1945 a 103:624 contos, ou seja mais 18:691 contos.
No Ministério das Obras Públicas as despesas totais em 1945 foram de 736:121 contos, o que corresponde a um aumento de 326:000 contos entre as despesas do exercício findo e as de 1938.
Por último:
No Ministério das Finanças também as despesas aumentaram em 9:394 contos relativamente ao ano anterior, ascendendo a despesa ordinária em 1945 a 225:027 contos.
Esta série de números demonstra que em todos os Ministérios se operou um nítido movimento no sentido de elevar as dotações destinadas aos diferentes serviços e à melhoria dos vencimentos do respectivo pessoal.
Foi suficiente? - perguntarão V. Ex.ªs
E eu respondo: o aumento geral de preços verificado nos últimos anos, as angustiosas dificuldades de vida de todo o funcionalismo público civil e militar, a insuficiente dotação de inúmeros e essencialíssimos serviços públicos, a fuga para as empresas, ou actividades particulares de muitos dos melhores servidores do Estado, que o abandonam movidos pelas inegáveis vantagens imediatas que esses organismos particulares proporcionam, são outros tantos índices confirmativos de que, apesar de o Estado ter aumentado as suas despesas em algumas centenas de milhares de contos no exercício de 1945, nem por isso deixaram de viver vida escassa os seus serviços e funcionários, dos quais se não obteve o rendimento que seria legítimo esperar.
É certo, tristemente certo.
Mas poder-se-ia ter feito mais e melhor?
Vejamos:
Sr. Presidente: as Contas Gerais do Estado do ano de 1945 revelam, como tive o cuidado de principar por referir, uma sensível diminuição no rendimento dos impostos indirectos, compensada, é certo, pelo acréscimo da receita de alguns impostos directos que a boa prudência recomenda que se presuma tenderem para uma diminuição que se não fará esperar...
Ora as despesas ordinárias do Estado têm de ser suportadas e só podem ser ampliadas até ao limite da cobertura das suas receitas ordinárias, resguardada ainda uma margem razoável para os imprevistos que inevitavelmente surgem.
Pessoa alguma ignora estas regras, que a dona de casa mais modesta é a primeira a aplicar na sua economia doméstica.
Aceitar como processo normal o de acudir aos encargos ordinários, permanentes, com possíveis reservas eventuais é erro incontestável.
Bem andou, consequentemente, o Governo renunciando a transigências de ruidoso êxito populaceiro imediato, mas que viriam a afectar irremediavelmente nosso equilíbrio financeiro, e mantendo-se, com impopular coragem, agarrado ao rigor dos sãos princípios.
Bem haja por essa afirmação de probidade de processos, a que nem sempre estivemos habituados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já ouço, porém, as objecções que virão opor-me lá fora: mas se as contas estão equilibradas, se há um saldo de 58:000 contos na gerência de 1945, se há semanas, ao inventariarmos os cofres onde se acumulam os recursos monetários nacionais, averiguámos que eles 'totalizam centenas de toneladas de ouro ou valor-ouro, no valor de mais de 9 milhões de contos, porque não se despenderam esses 58:000 contos a melhorar serviços e em subvenções ao funcionalismo? Porque se não recorre à poderosa reserva-ouro amontoada para se acudir com unia elevação maciça de vencimentos aos servidores da Nação?
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Enquanto semelhantes perguntas representam o fruto de uma ignorância até certo ponto compreensível em questões desta gravidade, é óbvio que merecem resposta.
Mas só enquanto...
O saldo de 58:000 contos seria absorvido instantaneamente por qualquer elevação no estilo das que propõem, por mais reduzida que fosse.
Reflicta-se que o total das despesas ordinárias do Estado em 1945 atingiu 2.755:674 contos, pelo que aqueles minguados 58:000 contos pouco excederiam 2,5 por cento da quantia que acabo de trazer à consideração dos que me escutam.
Quanto às reservas-ouro, a sua aplicação ou deslocação para pagamento das despesas ordinárias do Estado constituiria um calamitoso erro. E erro sem remédio.
Essa montanha de ouro tem outro destino, ou seja o de se transformar em moeda-capital, em novos e indispensáveis elementos de produção.
Económica, financeiramente, só os primários ignoram que as reservas-ouro são inconfundíveis com as receitas ordinárias do Estado ou a liquidação das respectivas despesas ordinárias.
Especular com pseudos «argumentos» deste calibre descobre, por conseguinte, propósitos de uma revoltante indução em erro.
Não, meus senhores, a solução é outra. E não terminarei sem a exaltar uma vez ainda!
A solução encontra-se no aumento da produção nacional - da produção agrícola e da produção industrial.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para o conseguirmos é imprescindível levar rapidamente a bom termo os planos de renovação industrial e comercial aqui votados: electrificação, transportes terrestres e marítimos, concentração industrial, melhoramentos agrícolas, são outras tantas pedras do edifício a custear com esse ouro, são outros tantos passos que nos aproximam do sucesso bem merecido!
Mas para que tudo se desenvolva sem embates nem soluções de continuidade há que estabelecer rigidamente um plano, uma doutrina, um regime no qual se harmonizem, amalgamem, concentrem e uniformizem todos os departamentos do Estado - todos, sem excepção!
Formularam-se nesta sala queixas fundamentadas contra uma dispersão e, até por vezes, oposição de políticas, aniquiladora das intenções mais fortes.
O ilustre Deputado Prof. Pacheco de Amorim aludiu u determinada fase da actual situação política em que no Ministério das Finanças se seguia uma política de câmbios e no Ministério da Economia uma política de preços.
A quatro ou cinco anos vencidos sobre esse conflito de critérios não é difícil dar-lhe razão.
Como responsável supremo na orientação dos negócios públicos nos meses que vão seguir-se, ao Governo, a todo o Governo, incumbe definir e assentar em princípios de acatamento geral.
Procuro apenas exemplificar nas considerações, que se seguem:
Um Governo de aventura que se apossasse dos valiosos recursos do erário português neste momento poderia dar ao público a ilusão de uma política de facilidades, queimando saldos e reservas-ouro em pródigas concessões de subvenções ou elevações de salários.
Podia, mau grado não devesse fazê-lo.
De pronto, os loucos, as «cigarras» da economia nacional, enrouqueceriam nas aclamações a uma medida que lhes daria, só aparentemente, a ilusão de uma vida mais franca e compensada...
A euforia seria, contudo, de pouca dura...
Após a mentira de uma transitória bonança, cairia sobre nós a tormenta. E que tormenta!
A inflação, com todos os seus pavores, abafar-nos-ia sob um papel-moeda sem significado material.
As possibilidades de recorrermos à importação anular-se-iam.
O estrangeiro só vende a quem pode pagar; para esses pagamentos o ouro é que impera; e o nosso ouro ter-se-ia, sem delongas, volatilizado em fogos de artifício, para gáudio das desvairadas multidões iludidas pela comodidade da hora presente, autêntica antecâmara da morte por inanição.
Ao contrário, um Governo a que preside a magnífica inteligência do Doutor Oliveira Salazar, e não preciso dizer mais, certamente fugirá dos riscos da inflação sem ir encalhar nos de uma deflação precipitada; intentará forçar a uma baixa de preços prudente; opor-se-á a elevações de salários, inoportunas, violentas e absurdas; orientar-se-á pela criação de um alinhamento em que se conjuguem as receitas e os encargos de cada um.
Seja como for, é essencial um plano, uma directriz comum, esforços coordenados, atitudes coerentes.
Negar-se novos subsídios, revisões de salários, aumentos de vencimentos para o pessoal de determinado Ministério e, ao mesmo tempo e por outro departamento público, permitir, quando não acolitar, exigências de grandes ou pequenas massas operárias precisamente em sentido igual ao que fora proibido - não pode ser!
Já excede as marcas esta exaltação do preço do trabalho manual, em contraste com o do trabalho intelectual.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Note-se que eu encaro a injustiça relativa das duas remunerações; não sustento que haja operários em Portugal que recebam salários excedentes aos dos encargos de uma vida cómoda, despreocupada, higiénica.
A uns e outros entendo, porém, relembrar que por todo o Mundo se proclama uma política contrária à da elevação dos salários.
Na França, na Bélgica, até na Inglaterra o Ministro trabalhista Sr. Stafford Gripps, todos, una voce, advertem que é mister pôr ponto final aias elevações de salários e unir esforços no acréscimo da produção. Esta tem de ser melhorada, protegida, intensificada, como única rota segura que conduz a porto de abrigo.
Conjugue-se esta política com uma autêntica coordenação no campo económico entre os Ministérios das Finanças, das Obras Públicas, da Economia, das Colónias, da Marinha e das Comunicações, evitem-se as decisões antagónicas e os conflitos de providências, e as agruras da vida presente ir-se-ão pouco a pouco atenuando.
Solidarizando-se com o voto que consigne tal desiderato, a Assembleia Nacional trará uma importante contribuição ao País e ao Governo.
Sr. Presidente: definidos os princípios gerais, terminar-se-ia mal se não fixássemos a nossa atenção nas actividades dos vários Ministérios denunciadas nas Contas Gerais do Estado de 1945.
As despesas dos diversos órgãos da Presidência do Conselho, excluído o Secretariado da Propaganda Nacional, mantiveram-se sensivelmente na cifra dos anos anteriores, em corroboração de uma modéstia de atitudes, característica na personalidade que preside a estes serviços de governação pública.
Quanto àquele Secretariado, ouvi, no desenrolar deste debate, alusões a verbas despendidas em empreendimentos folclóricos ou culturais.
Apraz-me aditar uma leve nota política: sou do tempo em que os amadores de obras de arte viviam assediados
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por artistas que procuravam vender os seus trabalhos socorrendo-se de recomendações de amigos comuns e proferindo as mais amargas queixas contra o imperdoável abandono a que os Governos de então votavam as questões de cultura.
Acudiu-lhes o Estado Novo com importantes encomendas, decorações, edições ricas, facilidades para exposições, ocupações de vulto.
Pois, não obstante, alguns dos artistas contemporâneos agrupam-se nas falanges dos inimigos desse Estado e invectivam-no com animosidade.
Estão no seu direito, porque são portugueses e o Estado é de todos? Sem dúvida.
Nem por isso, porém, me dispenso de lhes confessar a minha perplexidade quando verifico que só agora acordam para as críticas, perturbando um silêncio incompreensível quando eram reputados párias ou inutilidades à margem do interesse colectivo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No Ministério do Interior vem-se aperfeiçoando, sem reclames espalhafatosos, uma obra insigne nos melhoramentos dos serviços hospitalares e da assistência.
Só os serviços auti-sezonáticos consumiram na gerência de 1945 o melhor de 2:000 contos: na assistência pública gastaram-se 143:851 contos, ou seja mais 51:019 contos do que em 1942; nos hospitais civis não pertencentes a Misericórdias cerca de 100:000 contos.
Que as dotações aumentem, que a f é e u dedicação e perseverança do Ministro e do Subsecretário não diminuam, são os meus votos.
A par dos louvores, cumpre-me solicitar a atenção de S. Exas. para o artigo 127.° da Constituição, intensificando-se a inspecção dos agentes do Governo na vida administrativa das autarquias locais.
Se por um lado as dotações dessas autarquias são deficientíssimas e merecem ser aumentadas sempre que as disponibilidades do Tesouro consintam, por outro convém coibir empreendimentos sumptuários ou actuações rebarbativas a que esses organismos se abalançam.
Não custa muito descobrir exemplos flagrantes destes vícios: o Diário do Governo de 21 de Dezembro último publica o decreto n.° 36:055, que concede à Câmara Municipal de Viana, do Castelo um subsídio especial de alguns milhares de contos para obras de urbanização, que abrangem... a aquisição de um hotel em pleno funcionamento.
No período de economias que atravessamos, no domínio de uma situação económica mundial que repele toda a despesa improdutiva, reputo desaconselhável a ideia de uma câmara municipal se assoberbar com responsabilidades inerentes à indústria hoteleira.
O exemplo do Buçaco não será elucidativo? Suponho que sim.
Mas há pior.
No capítulo do inquilinato, os jornais, anunciam amiudadas vezes praias públicas para arrendamento de casas vagas, nas quais os licitantes, em denodada compita, terminam por elevar a renda mensal a importâncias astronómicas.
Isto é inconciliável com uma política - e mais que política -, com a necessidade inadiável de se facultar aos munícipes casas de rendas baixas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já sei que vão objectar-me que é a lei que a tanto conduz.
Não colhe a razão. Se a lei é imprópria, se ignora as complicações da hora presente, modifique-se a lei.
Que aos particulares, senhorios, continue vedado aquilo mesmo que o Estado, as autarquias locais ou instituições de beneficiência praticam, provoca um contraste doloroso para os que, não crendo na justiça absoluta, batalham confiados ao menos numa justiça relativa.
Com as alienações de terrenos destinados a, construções urbanas caminha-se de mal para pior.
No Ministério da Justiça a reforma da polícia judiciária, a separação das magistraturas, as «reformas processuais reclamam que se prossiga até uma modificação na organização judiciária que permita melhorar a situação material de todos os magistrados, sem menoscabo da comodidade e do interesse dos povos.
Quanto aos modestos funcionários de justiça, há imperfeições a corrigir, pequenas arestas a limar, que facilmente permitirão uma satisfação unânime desde que se atenda mais ao serviço prestado do que à classe ou categoria daquele que o realiza.
E porque esta Assembleia não teve ensejo de discutir o projecto sobre inquilinato do nosso ilustre colega Sr. Dr. Sá Carneiro e o proficiente parecer sobre ele formulado pela Câmara Corporativa, reclamo que o Governo não cruze os braços e, antes, aproveite o interregno entre a presente e a próxima legislatura para remediar algumas deficiências ou abusos que bradam nos céus.
Coloquemos de parte o problema da elevação das rendas, que não dispensa um exame criterioso, dominado pelo conhecimento das dificuldades de todo o funcionalismo público, merecedor de atenuações ou compensações que um debate calmo definirá sem atropelos.
Entretanto, porém, o Governo que acuda com as medidas de emergência julgadas convenientes à trágica situação em que se encontram os que, em serviço da Pátria, têm de abandonar, por mais de seis meses, as suas residências habituais; que inutilize as descaradas fraudes a que se presta o famigerado prazo de caducidade referido nos §§ 6.º e 8.° da lei n.° 1:662, e que, implacável, inexorável, definitivamente, impossibilite as calamitosas extorsões, em prejuízo de sublocatários e de senhorios, que inúmeros «senhores» locatários, dispostos a negociar com a casa alheia, estão praticando nas grandes cidades, com exorbitantes lucros, descarada impudência e a benévola sanção de uma jurisprudência que ameaça estender-se a todos os tribunais.
Tenho pelas decisões da magistratura judicial o maior respeito - tão grande que o meço pela justiça que elas encerram; mas não cuido com menor carinho da minha liberdade de apreciação e de crítica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Incomodaria V. Ex.ª historiando-lhes os milhares de casos extraordinários a que a folia das sublocações tem dado margem.
Acho preferível informar que o distinto advogado Sr. Dr. Tito Arantes, que ocupou um posto na primeira linha do ataque ao projecto sobre o inquilinato, publicou as suas judiciosas críticas, das quais destaco as passagens seguintes:
O capítulo V do contraprojecto - artigos 20.° a 25.°, correspondentes aos artigos 9.° a 15.° do projecto - dedica-se à importante matéria das sublocações, uma daquelas que mais gritantes protestos têm levantado, e com razão, pois assiste-se com frequência ao imoralíssimo espectáculo de o arrendatário cobrar 50 dos sublocatários e pagar 10 ao senhorio, sem que este nada possa impedir, ou pela dificuldade de fazer a prova jurídica da verdade, ou por aquelas habituais duas testemunhas compla-
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centes terem declarado por sua honra, ou mesmo por Deus, que ele há mais de seis meses tinha conhecimento do caso.
Para pôr cobro a esta situação escandalosa, o projecto contém variadas disposições merecedoras d« maior aplauso.
E quatro folhas adiante acrescenta:
Quanto aos chamados casos de albergaria e pousada, o contraprojecto pretende cortar deliberadamente os inqualificáveis abusos que nesse capítulo se estão dando, com o aprazimento dos tribunais, que assentaram na doutrina de que mais de três hóspedes é que é proibido, e considerando ainda por cima como tais quem de facto e de direito não passa de um autêntico sublocatário.
Para quê outros comentários?
Mas não avançarei sem reclamar a atenção desta Assembleia para a perturbante violência de que estão sendo vítimas os arrendatários obrigados a ausentar-se da sua casa e a domiciliar-se noutra localidade, por períodos mais ou menos longos, em razão da prestação de deveres militares de carácter transitório ou de designação para o exercício de funções públicas que tenham o mesmo carácter.
No domínio da lei vigente, se não forem protegidos desde já, uns e outros encontram-se na iminência de serem despejados!
Será excessivo sugerir ao Governo que tome as medidas prontas que tais absurdidades impõem, ficando para melhor oportunidade o problema básico da modificação das rendas de casa?
Pela parte que me toca, garanto que não!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No Ministério da Educação Nacional há que evidenciar os 540 contos gastos em bolsas de estudo fora do País; os 360 contos gastos em bolsas do estudo no País; a protecção dispensada ao Instituto para a Alta Cultura; os 8:000 contos de aumento nas despesas do ensino superior entre os anos de 193S e 1945; a economia e a vantagem em que redundaria uma criteriosa concentração dos laboratórios existentes, disseminados em múltiplos, serviços; os 106:365 contos consumidos no ensino primário, sem que, aliás, fosse possível melhorar os vencimentos do seu professorado, inegavelmente muito baixos.
Votadas as bases do ensino técnico, nem por isso perdeu relevância a obrigação de se levar a termo uma reforma geral do ensino, que coordene e aperfeiçoe disposições esparsas em vários diplomas e, por vezes, contraditórias ou inconsequentes.
No Ministério dos Negócios Estrangeiros afirma-se o desejo de acabar com a miséria chocante das instalações de algumas das nossas missões diplomáticas.
Por experiência própria, depondo com a razão de ciência que me vem de ter visto e presenciado, elucido a Assembleia de que na capital de uma das principais nações do Norte da Europa a nossa legação está instalada... em dois quartos pobretões, minúsculos, ridículos, do segundo andar de um hotel que não é o melhor.
Paris e Madrid satisfazem o nosso legítimo orgulho de portugueses de 1946.
Washington e Berna representam certamente aquisições que fortalecem esse sentimento.
Dos benefícios que extrairemos de uma perfeita coordenação nas actuações dos Ministérios das Colónias, Comunicações, Obras Públicas, Economia e Finanças já
disse o suficiente para me tolher o ânimo de prolongar o suplício dos que me escutam.
Abrevio, portanto.
As palavras aqui proferidas pelo nosso ilustre colega Dr. Manuel Lourinho a respeito do escandaloso descalabro em que vegetam os serviços do porto de Lisboa decerto terão eco nas instâncias competentes.
Lastimo que não se trate de organismo corporativo ou de coordenação económica a que pudessem chegar a acção do tribunal especial e a polícia do Ministério Público, sugeridos numa das conclusões da comissão parlamentar de inquérito. Garantem-me que teriam lá muito que fazer...
Mas o assunto está em boas mãos.
O Sr. Ministro competente não é homem que pactue ou transija.
Confio, com a segurança de que o saneamento vai efectivar-se, na sua patriótica intervenção.
No Ministério das Finanças há que proibir-se com mão de ferro todas as importações voluptuárias, destinadas a satisfazer requintes de um luxo ofensivo nesta quadra de pobreza mundial.
No Ministério da Economia prosseguir-se-á na política de graduais e sucessivas libertações das actividades particulares, já iniciada.
Os tabelamentos devem ser limitados aos produtos racionados.
No racionamento importa fugir a generalizações que ignoram o carácter e a feição particular das várias regiões do País e dos povos que as habitam.
Consoante judiciosamente se reconhece do relatório da nossa Comissão das Contas Públicas, não existe uma dieta equilibrada em Portugal. No Norte e Centro o fundo da alimentação do povo são os vegetais e os cereais; no Sul predomina o consumo da carne e dos cereais.
Legislar cegamente, impondo regimes iguais para hábitos tão díspares, provoca complicações inúteis e desperdícios inevitáveis.
A aspiração de uma reforma agrária em bases racionais (Relatório, p. 42) está mais que justificada.
Sr. Presidente: o Estado despendeu milhões de contos a financiar, por conta do Tesouro, obras importantes.
Independentemente dos gastos discriminados a pp. 197 e seguintes do proficiente relatório da Comissão das Contas Públicas, consumiram:
Contos
As obras de portos.......................... 453:770
As estradas................................. 373:375
Os melhoramentos rurais..................... 182:250
Os hospitais escolares...................... 73:136
Os edifícios públicos....................... 158:864
O fomento mineiro........................... 35:883
A hidráulica agrícola....................... 317:505
A urbanização............................... 106:953
A Cidade Universitária de Coimbra........... 29:051
O repovoamento florestal.................... 115:252
A colonização interna....................... 9:512
O Estádio................................... 48:947
As escolas primárias e técnicas............. 48:180
Os aeroportos e aeródromos.................. 50:892
Os liceus................................... 58:340
As construções prisionais................... 37:893
É muito? É pouco?
Como obra de um homem - quase ascende ao milagre; para prestígio de um regime - é decisivo; para ufania de uma nação arrancada ao marasmo em que se afogava há menos de vinte anos - excede o prodígio!
Vozes: - Muito bem!
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25 DE MARÇO DE 1947 1053
O Orador: - Os que, como eu, vieram da terra de ninguém para este ambiente de realizações e do alto de mais de meio século de existência passeiam a olhar pelo que este País foi e o que deverá ser - tornam-se de um optimismo confiante, risonho, seguros de que os filhos e os filhos dos nossos filhos viverão melhor, briosamente altivos pelo progresso que ajudámos a criar.
Tanto me basta.
Sr. Presidente: quis a sorte - a má sorte dos que tiveram de escutar-me - que fosse o último Deputado a usar da palavra nesta legislatura.
Não descerei da tribuna sem confessar a V. Ex.ª que me sinto contente com o trabalho que aqui vi realizado pelos meus colegas.
Mas cumpre-me reconhecer que à excepcional individualidade de V. Ex.ª, aos seus conselhos amigos, à sua autoridade sempre deferente, à orientação escrupulosa e sábia posta no exercício desse espinhoso cargo da presidência, devemos atribuir o nosso êxito.
Por tudo que fica dito e o muito mais que o adiantado da hora manda calar, vão para V. Ex.ª, em meu nome e no da Assembleia, as melhores homenagens e os mais sinceros agradecimentos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito. Declaro encerrado o debate sobre as Contas Gerais do Estado relativas a 1945 e as contas da Junta do Crédito Público.
Vai ser lida a proposta de resolução relativa às Contas Gerais do Estado, assinada pelo Sr. Deputado Araújo Correia.
Foi lida. É a seguinte:
«Proponho as seguintes bases de resolução:
a) A cobrança das receitas públicas durante a gerência compreendida entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 1945 adaptou-se tanto quanto possível, consideradas as circunstâncias, às condições económicas do País, tendo sido feita de harmonia com os termos votados na Assembleia Nacional;
b) As despesas públicas, tanto ordinárias como extraordinárias, foram feitas em conformidade com o disposto na lei;
c) O produto de empréstimos contraídos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais;
d) Foi mantido durante o ano económico o equilíbrio orçamental, como dispõe a Constituição, e é legítimo e verdadeiro o saldo de 58:050.383$52, apresentado nas contas respeitantes a 1945.
Merecem por consequência aprovação as Contas Gerais do Estado relativas ao exercício de 1945».
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta de resolução relativa às contas da Junta do Crédito Público, assinada pelo Sr. Deputado João Augusto das Neves.
Foi lida. É a seguinte:
«A Assembleia Nacional:
Considerando que o empréstimo emitido durante a gerência de 1940 não foi destinado a satisfazer necessidades orçamentais ou de tesouraria, mas apenas a absorver excessos de meio circulante, em continuação de uma política de intervenção no mercado dos capitais, praticada desde 1941, em ordem à defesa da moeda e dos superiores interesses da economia nacional;
Considerando que ao aumento efectivo da dívida pública verificado durante a gerência de 1945 correspondeu um aumento, ainda maior, dos saldos em depósito e por despender em 31 de Dezembro de 1945;
Considerando que a política do Governo em matéria de dívida pública foi assim a mais ajustada aos interesses gerais da Nação:
Resolve dar a sua plena aprovação às contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano económico de 1945».
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: discussão do pedido formulado pelo Governo de Sua Majestade Britânica para aquisição de um terreno na cidade da Beira a fim de construir um edifício destinado à residência oficial do cônsul britânico naquela cidade.
Encontra-se na Mesa o parecer da Comissão dos Negócios Estrangeiros, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
«A Comissão Permanente dos Negócios Estrangeiros, tendo apreciado o pedido formulado pelo Governo de Sua Majestade Britânica para adquirir à Companhia de Moçambique um terreno situado na cidade da Beira, a fim de nele construir um edifício destinado à residência oficial do cônsul britânico naquela cidade, verificando que o Ministério das Colónias já aceitou a escolha daquele local, nos termos do artigo 8.° do Acto Colonial, e que daí não resulta ofensa para os direitos de soberania, é de parecer que a Assembleia Nacional conceda a autorização solicitada, sem prejuízo da doutrina expressa no § único do artigo 221.° da Carta Orgânica do Império.
Lisboa, 24 de Março de 1947. - Sebastião Garcia Ramirez - José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão - João do Amaral».
O Sr. Sousa Pinto: -Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para.a Mesa a seguinte proposta:
«Nos termos do artigo 8.° do Acto Colonial e de acordo com o parecer da Comissão Permanente dos Negócios Estrangeiros, desta Assembleia, proponho que seja concedida a autorização solicitada pelo Governo de Sua Majestade Britânica para adquirir à Companhia de Moçambique um terreno situado na cidade da Beira a fim de nele construir um edifício destinado à residência oficial do cônsul britânico naquela cidade, sem prejuízo da doutrina expressa no § único do artigo 221.° da Carta Orgânica do Império».
Suponho não ser necessário demorar-me a justificar esta proposta. Trata-se de um caso que pode considerar-se corrente. É frequente cada país ter a pretensão de instalar em casa própria os seus serviços diplomáticos ou consulares em países estrangeiros. A autorização agora pedida seria, creio eu, de conceder a qualquer Governo com quem o nosso tivesse relações de cortesia. Com mais forte razão o deve ser tratando-se de uma nação aliada e amiga.
Desejava aproveitar esta oportunidade para apresentar ao Governo algumas considerações sobre um problema que julgo de grande importância para o nosso País e, especialmente, para na colónia de Moçambique. Refiro-me à necessidade de promover instalações adequadas para os serviços consulares portugueses nos países da comunidade britânica da África do Sul.
A hora tardia a que me chega o ensejo de tomar a palavra obriga-me a restringir as considerações que tencionava fazer, limitando-me a pouco mais que o enunciado da questão e focando-a somente em referência à
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Rodésia do Sul, com quem as relações comerciais da Beira são particularmente intensas.
As instalações do nosso consulado e curadoria dos indígenas em Salisbury não podem manter-se como estão. O cônsul, que é ao mesmo tempo o curador, ajudado por limitadíssimo pessoal, não pode desempenhar cabalmente a dupla função que lhe incumbe. Não podendo ausentar-se da sede do consulado, deixa de poder assistir, como é indispensável, a mais de 60:000 indígenas portugueses que trabalham na Rodésia, visitando-os com frequência nos locais do trabalho, fiscalizando o modo como são tratados no trabalho e na doença e promovendo a repressão da emigração clandestina.
Não é fazendo o simples registo de entradas e saídas c a contabilização do pagamento de taxas e impostos que se desempenha a função da curadoria. É, pois, indispensável ou um aumento sensível de pessoal e de dotação para transportes, como tem sido solicitado pelo cônsul, ou, o que julgo preferível, a separação dos serviços da curadoria dos do consulado. É preciso ainda que a instalação dos nossos serviços em Salisbury seja condigna da nossa situação perante a Rodésia.
Eu desejo, por isso, pedir a atenção do Sr. Ministro das Colónias para a necessidade de instalar esses serviços em casa própria, com dependências adequadas para o consulado e para a curadoria e ainda com salas disponíveis para um mostruário de produtos portugueses, quer £a metrópole, quer da colónia de Moçambique, que possam ter colocação naquele mercado, e onde possam reunir-se os inúmeros portugueses que frequentam Salisbury.
Moçambique, pela sua situação na costa oriental, está em condições menos vantajosas que os territórios portugueses da África Ocidental no que diz respeito ao abastecimento da metrópole. Sem deixar de concorrer com aquilo que convier à economia do Império, há necessidade de procurar colocação para os excedentes da sua produção nos mercados africanos e do Oriente.
Justifica-se, pois, tudo o que se faça nessa orientação. O conhecimento da intensidade de relações já estabelecidas entre Moçambique e a Rodésia do Sul, cujo movimento de importações e exportações se faz principalmente através do nosso porto, e ainda o espírito de franca colaboração e de cordialidade há muitos anos firmado entre as autoridades de Salisbury e as da Beira, com respeito recíproco de direitos e deveres, leva-me a pedir ao Governo a primazia para Salisbury de uma instalação condigna dos serviços portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de V. Ex.ªs deseja usar da palavra, vai votar-se a proposta de resolução apresentada pelo Sr. Deputado Sousa Pinto.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados da Nação: restava-me agora apenas pronunciar as palavras sacramentais «Está encerrada a sessão», se as palavras gentilíssimas que o Sr. Deputado Bustorff da Silva me dirigiu, com aplauso da Assembleia, não me obrigassem a cumprir o aliás grato dever de agradecer essas palavras e o esforço da Assembleia para facilitar a missão do seu Presidente. E, já agora, mais umas breves palavras. Chegámos ao meio do caminho da vida... da vida constitucional desta legislatura. É natural e é útil que nesta altura volvamos os olhos para o caminho já percorrido e o examinemos friamente à luz da nossa consciência e perante a consciência da Nação. Saída de uma reforma constitucional que elevou de 90 para 120 o número dos representantes da Nação e expressamente lhes atribuiu a função fiscalizadora dos actos do Governo, eleita à sombra de uma lei que pela primeira vez no Estado Novo estabeleceu a eleição por círculos, em vez da lista única para todo o País, e em seguida a uma grande agitação política provocada no País pelos adversários da actual Situação, desenvolvendo a sua acção num ambiente em que necessariamente se reflectiram as consequências políticas do desfecho da guerra, parece oportuno averiguar como ela correspondeu às razões que inspiraram as apontadas reformas, quais os resultados da experiência já feita.
O exame dos inúmeros índices da vida parlamentar mostra, imediatamente, que a actividade da Assembleia Nacional se intensificou extraordinariamente e em proporção muito superior à do aumento do número do Deputados. Assim, enquanto o número de sessões plenárias em cada uma das duas sessões legislativas anteriores à eleição desta Assembleia anda em volta de 20, ele foi de 54 na que hoje finda e de 53 na anterior. A este aumento quase triplo do número de sessões plenárias correspondeu uma maior actividade parlamentar. Assim, enquanto que as intervenções antes da ordem do dia foram de 103 e 80, respectivamente nas sessões legislativas de 35 de Novembro de 1942 a 8 de Abril de 1943 e de 25 de Novembro de 1943 a 8 de Abril de 1944, elas andam à roda de 270 em cada uma das duas últimas sessões desta Assembleia; o dos requerimentos foi, respectivamente, de 5 e 6 e 56 e 55; o das intervenções na ordem do dia de 85 e 87 e 211 e 210.
Foi isto um bem? Foi isto um mal?
Creio que foi um bem. O ambiente político da Europa e do Mundo posterior à guerra é muito diferente do que antes e durante ela dominou; e é conhecida a nossa extrema receptividade aos contágios intelectuais e políticos. Por outro lado, a forte centralização da direcção económica do País, imposta pela razão imperiosa da guerra, provocou reacções a que era útil dar uma expansão e uma expressão capaz no terreno constitucional. Finalmente, uma Câmara política apática ou caracterizadamente conformista seria uma excrescência mais do que inútil, perniciosa, já que infeccionaria e desprestigiaria todo o sistema. As grandes assembleias políticas ou vivem na atenção da opinião pública e têm a alta consciência da sua missão ou mais vale aos povos dispensar na sua maquinaria constitucional um órgão que à falta de exercício específico tenda a degenerescências perigosas. Não vale a pena examinar neste momento o problema fundamental da soberania e da sua representação. Embora convencido de que a evolução que se está passando aos nossos olhos não é no sentido da morte dos colégios parlamentares, só interessa verificar que a Assembleia é no estatuto fundamental do Pais um órgão da soberania e averiguar como ele se comportou na realização das suas funções próprias.
Excedeu ele a justa medida no exercício do seu controle político, paralisando a acção do Governo, entorpecendo-a, diminuindo o seu prestígio ou criando ambientes de sobreexcitação dos espíritos e tensão de paixões prejudiciais à gestão normal e fecunda da administração pública?
Sinceramente não o creio.
Tornou-se um órgão vivo no corpo político da Nação; isso sim. Mostrou que a fiscalização parlamentar pode fazer-se sem a existência de oposições organizadas, sistematicamente dispostas a só cavar a segurança dos Governos e a diminuir-lhes a autoridade e as condições de eficiência; isso sim.
Vozes: - Muito bem!
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O Sr. Presidente: - Algumas vezes nas suas atitudes individuais ou colectivas não esteve na altura em que devia manter-se?
Meus senhores: na vida das instituições como na dos indivíduos nem todos os dias são luminosos e tépidos, nem todos são de glória e de virtude. Seria maravilha que todas as manifestações individuais ou colectivas da nossa actividade parlamentar tivessem o cunho da perfeição. Não têm; e nem seria difícil, com a concordância geral, apontar as sombras e a luz, os baixos e os altos relevos desta metade da nossa existência. Mas não é isso o que interessa agora. Todas as coisas, até as mais veneráveis, decompostas pela análise, sofrem na sua beleza e no seu encanto. O que importa para o valor da instituição, para o julgamento dos que a constituem, para a sua projecção política no País, é a impressão que. resulta do conjunto da sua acção; o que importa é a sua resultante no espírito público. A esta luz podemos rever-nos com desvanecimento; e se carecêssemos de um testemunho autorizado, o único que nestes casos confere legitimidade, teríamos o do País, expresso nos milhares de documentos enviados à Assembleia com as suas reclamações, os seus aplausos, as suas queixas, as suas representações, os seus alvitres - sinal certo de que a Assembleia soube conquistar a confiança e o respeito do País.
É possível, todavia, que a nossa hiperactividade tenha uma vez ou outra, pela forma que revestiu ou pela inoportunidade dos assuntos focados, produzido consequências inconvenientes ou tocado na justiça que a todos, homens e instituições, é devida. E devemos empenhar-nos com todas as nossas forças por que isso aconteça. Mas no complexo dos factores de desanuviamento político do ambiente posterior à guerra há-de marcar-se papel de relevo à acção desta Assembleia. Creio que não me engano neste juízo; creio que o meu afecto à instituição não perturba a minha apreciação dos factos; permita-se este desabafo a quem tem carregado sozinho com responsabilidades que mais leves seriam repartidas com justiça.
Meus senhores: o Estado Novo criou entre os órgãos de soberania da Nação uma Assembleia Nacional. Nascida num clima de reacção contra os abusos do parlamentarismo, ela apareceu limitada na sua acção e nos seus meios. Mas é notável o seu esforço próprio, as suas tentativas para se aperfeiçoar no decurso de doze anos de existência; atingiu agora um alto momento da sua evolução, mas é necessário que à medida que avançamos se acrisole em nós o sentimento das nossas responsabilidades para com a situação política que servimos, na convicção de que servimos o País, e se fortaleça a nossa defesa moral contra as perigosas sugestões da fácil popularidade ou do espírito de facção, os piores inimigos das virtudes parlamentares. É necessário que o sistema das relações constitucionais entre a Assembleia, o Governo e os demais órgãos de soberania seja animado e aquecido na sua secura e rigidez pelo nosso espírito de colaboração, de lealdade e de bem servir, sem o qual os atritos seriam inevitáveis, sem vantagem para ninguém.
Mas noto agora que estou a falar uma linguagem inútil a quem não carece lhe sejam inculcados ou encarecidos os deveres que sempre têm procurado cumprir. Vou despedir-me de V. Ex.ªs e encerrar a segunda sessão legislativa. O momento em que ela termina, apesar dos farrapos de nuvens escuras da noite da guerra que aqui o além mancham o nosso céu, é de franco optimismo nacional. Vamos emergindo da dureza do clima que a guerra impôs a todos os povos. Vão sendo eliminadas com prudência as restrições da actividade nacional, a que não foi possível furtarmo-nos, para evitar males maiores. Melhoram as condições de abastecimento do País, que, aliás, nunca desceram às terríveis limitações em que se debate a maior parte da Europa. A política financeira e económica do Governo permite-nos encarar com confiança uma grande revolução no fomento de todas as actividades nacionais que abre o nível de vida das nossas populações; por toda a parte há ordem e tranquilidade; a comunidade portuguesa ostenta em ioda a parte, num Mundo convulsionado e que parece ter perdido o oriente, o seu aspecto impressionante de unidade, de confiança, de certeza de rumos morais e políticos. Temos razão para agradecer a Deus e aos homens que à frente do Estado têm sido seus instrumentos. É nestes sentimentos de reconhecimento e confiança que eu apresento a V. Ex.ªs as minhas despedidas até à próxima sessão legislativa.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - A ordem do dia que ao encerrar a última, sessão lhes dou é que mantenham nestes oito meses de interregno parlamentar o mesmo espírito de combate pela boa causa e que voltem a esta Casa com o mesmo sentimento de camaradagem e generosa devoção pelo bem comum, que tem de ser o timbre dos representantes da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Seguidamente todos os Srs. Deputados presentes foram cumprimentar o Sr. Presidente.
Eram 20 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Júdice Bustorff da Silva.
João Xavier Camarate de Campos.
José Alçada Guimarães.
Manuel Colares Pereira.
Teotónio Machado Pires.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
João Carlos de Sá Alves.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
O REDACTOR - Luíz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DB LISBOA