23 DE MARÇO DE 1950 581
de libertação e de liberdade: a Alemanha, a Polónia, a Roménia, a Bulgária e tantas e tantas outras nações são exemplos vivos - ou semimortos - da vantagem de não haver cativos. Também nós, pelo visto, queremos entrar na cruzada democrática de libertação. E, à míngua de outros cativos mais à mão, eis-nos a resgatar os bilhetes de teatro... Perdoe-me a Assembleia, mas não sou capaz de versar o assunto em estilo heróico ou com entoações dramáticas!
Os chamados cativos constituem modalidade de renda ou forma de pagamento de parte da renda.
A meu ver, representam até maneira equilibrada e natural de pagar a renda de um teatro. Porquê? Porque evitam despesas ao arrendatário enquanto a casa de espectáculos está encerrada e permitem ao senhorio melhor benefício quando ela funciona em plena produção.
O Sr. Melo Machado: - É uma espécie de comparticipação.
O Orador: - Encontra V. Ex.ª exemplo igual na vida prática daquela actividade pela qual V. Ex.ª constantemente se interessa: os bilhetes cativos constituem em teatro o que o pagamento em género é na agricultura. Grande parte dos lavradores, que são mestres em tudo (até na arte de viverem permanentemente em crise), defende-se das flutuações de preços pagando as suas rendas em género. E também se defende das más colheitas por meio da fixação de quantidade de género proporcional à produzida.
Não me consta que entre as numerosas e acertadas medidas que o Estado tem promulgado para debelar as crises periódicas ou permanentes da agricultura figure a proibição pura e simples do pagamento de rendas em género.
Entre parêntesis: já houve uma intervençãozinha a este respeito, mas só muito especial e parcial.
No teatro, os bilhetes cativos aos senhorios tem servido para minorar, até certo ponto, a desgraça de arrendamentos antiquados. Efectivamente, a parte da renda em dinheiro não foi actualizada nalguns casos mas, devido aos bilhetes cativos, a ruína não se tornou completa.
Suprimir os cativos, sem compensação adequada e justa, seria mais uma extorsão em detrimento dos senhorios, indigna dum Estado que se apregoa Pessoa-de-Bem - com P grande... e Bem ainda maior - para os inquilinos teatrais.
Admito, apesar de tudo, para evitar espírito de contradição, que em contratos futuros de arrendamento ou subarrendamento não se permitam bilhetes cativos.
Mas não aceito disposições retroactivas que acrescentem os lucros dos protegidos e criem novas vítimas... a pretexto de protecção ao teatro.
É de notar ainda que em certos tipos de contratos de subarrendamento a existência de cativos a favor do arrendatário se explica.
Constitui maneira de garantir cobrança certa, visto que o restante da renda é função de percentagem - em geral 12 por cento - sobre a receita bruta da venda de bilhetes. Ora, em caso de fiasco, esta receita bruta pode ser quase igual a zero.
Se se proibirem os cativos, passará a pedir-se dinheiro: uma parte fixa, outra sob a forma de percentagem. Enquanto a procura de palcos exceder a oferta... os directores de companhias ou não representam ou terão de sujeitar-se às exigências dos detentores dos palcos, nada beneficiando, em contratos futuros, com a supressão dos cativos.
Não possuo hoje quaisquer interesses directos ou indirectos em teatro. O facto do o meu nome figurar no conselho fiscal duma sociedade anónima proprietária do edifício duma casa de espectáculos não me tira o direito de versar estes assuntos, porque nunca ganhei vintém nesse cargo. É mais uma «borla», das tão vulgares na matéria.
Mas, noutros tempos, por herança recebida, possuí alguns interesses e... muitas arrelias numa casa de espectáculos, com a qual - felizmente para mim - nada tenho há cerca de dez anos.
Mas a minha passada experiência pessoal pode servir para elucidar a Câmara, em definitivo, acerca deste problema dos cativos.
Existia na Avenida da Liberdade um terreno que vale agora alguns milhares de contos. Era o jardim duma propriedade que hoje me pertence e que dela foi destacado nas condições que vou expor. Apareceu uma empresa a pretender adquirir o terreno para nele construir o Teatro Avenida. O terreno não podia ser vendido, por constituir bem dotal de minha avó materna. Mas a empresa prontificou-se a aforá-lo por 50$000 réis por mês, em moeda metálica de ouro ou prata, e um camarote do Teatro. Fez-se o aforamento, a senhoria directa julgou-se ao abrigo do quedas de moeda-papel, construiu-se a casa de espectáculos e rodaram os tempos.
Rodaram os tempos por caminhos muito ruins. Por efeito das leis em que o Estado é pródigo, os 50$000 réis-(ouro) viram-se transformados em 600$ (papel). Coeficiente 12 não é lá qualquer coisa, quando o ouro valia 24,44.
Os 50$000 réis (ouro) por mês, há cinquenta anos, constituíam rendimento com que uma família vivia largamente. Os 600$ de há dez anos já não davam para a mesma família se manter modestamente.
Mas quando o Teatro funcionava o camarote cativo vendia-se. E, ao contrário do ouro legal, o produto da venda foi-se actualizando. Assim se obteve uma compensação, embora diminuta e parcial, dos malefícios dum contrato que sucessivas intervenções do Estado tornaram ruinoso. Nunca os governos bolchevistas anteriores ao 28 de Maio se atreveram a libertar os cativos. Há dez anos o foro foi remido, minha família deixou de ser senhoria directa do Teatro e eu posso agora pugnar pelos direitos de outrem.
Libertação de bilhetes cativos? De acordo, mas substitua-se a receita dos senhorios por outra agora equivalente. Mesmo assim não ficarão ao abrigo de futuras desvalorizações da moeda.
Para terminar, duas palavras, novamente, acerca do § 2.º do mesmo artigo 12.º da proposta governamental.
Diz este, como já vimos, que as receitas de publicidade, mostruário, bufetes, bengaleiros, programas, etc., revertem a favor da empresa exploradora, devendo esta respeitar em tudo o mais os contratos em vigor.
Formidável precedente! O Estado vai a um contrato, livremente estabelecido entre duas partes, suprime uma parcela das receitas destinadas ao senhorio ou arrendatário nos termos do mesmo contrato e determina que em tudo o mais esse contrato se cumpra!
Este «em tudo o mais» não vale um poema, porque vale mesmo um drama em quatro actos e vários prólogos. É assim, com pèzinhos de lã, hoje aqui, amanhã acolá (Apoiados), a pouco e pouco, para evitar protestos gerais, que, dividindo para reinar, o socialismo avança.
Apoiados.
Eis como o Estado cumpre a promessa de proteger o teatro, suportando o Estado o principal encargo da protecção concedida!
Rendas em dinheiro tabeladas pela Inspecção-Geral dos Espectáculos, em detrimento dos proprietários. Bilhetes cativos suprimidos à custa dos proprietários. Receitas de publicidade e outras que façam parte do contrato de arrendamento subtraídas dos bolsos do mesmo proprietário, sem mais tir-te nem guar-te, sem com-