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170 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

da elegância mundana, desprende-se o alto conceito e o profundo respeito de Garrett pela tribuna parlamentar.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - O seu amor pela oratória começara cedo. Tinha 15 anos apenas quando pela primeira vez subiu os degraus duma tribuna para marcar o seu primeiro êxito de menino prodígio. Subira-os inesperadamente, para substituir num improviso o orador que não pudera comparecer. E essa primeira tribuna fora uma tribuna sagrada: um pequenino púlpito de igreja na diocese de Angra do Heroísmo.
Era então bispo dos Açores aquele seu tio D. Frei Alexandre da Sagrada Família, humanista e poeta, que entre os pastores da Arcádia usara o nome de Sílvio ira pastoreava as almas nas formosas ilhas.
Desvanecido com o espírito gentil do jovem sobrinho, ele lhe dera as primeiras lições de humanidades. Mandara-lhe ensinar o grego e o latim e infundira em seu espírito aquelas virtudes do classicismo que haviam de dar ao futuro e ingrato romântico o justo sentimento de medida e de equilíbrio. Estas virtudes lhe preservariam a inteligência e o espírito daqueles desmandos sentimentais em que tantas vezes soçobrou a frágil sensibilidade do seu apaixonado coração.
Foi, pois, uma tribuna sagrada a sua primeira tribuna. E esta circunstância não pode restringir-se a um significado meramente anedótico na história pregressa da sua vida parlamentar.
Nesse longínquo e humilde púlpito de uma igreja distante, onde desabrochara, quase na infância ainda, a eloquência, a um tempo fluida e vigorosa, do orador, se firmariam possivelmente as raízes imperecíveis da sua consciência de tribuno.
Aquela pregação cristã feita na casa de Deus havia de se lhe gravar em traços indeléveis no subconsciente e ficaria ali como uma pequenina luz, bruxuleante mas inextinguível, a irradiar para todo o sempre o sentimento de respeito que nele perduraria incessantemente através de uma agitada vida parlamentar.
Ao erguer a elegância do seu vulto na Assembleia dos Deputados ou na Câmara dos Pares havia de sentir que os seus pés estavam pisando uma tribuna sagrada. Ao levantar a fronte clara e lisa para a abóbada em que a sua voz havia de ressoar os seus olhos evocariam entre as névoas da lembrança o tecto humilde ao abrigo do qual pela primeira vez falara sob as vistas do Senhor.

Na atmosfera que o cercava sentiria aquela vibração de fé e de pureza que o envolvera no púlpito e lhe fizera sentir a impressão física de um ambiente impregnado de almas. E ao ouvir o som das próprias palavras dominá-lo-ia o sentimento de que também na tribuna parlamentar, como num púlpito de igreja, se não deveria falar outra linguagem que não fosse a da verdade, nem cuidar de outro zelo que não fosse o zelo da Pátria e de Deus.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No célebre discurso de Porto Pireu o orador começa por invectivar os que se não coíbem de trazer ao Parlamento assuntos é palavras indignas de uma Assembleia Nacional. E considerava que acertas palavras deveriam riscar-se de todas as línguas que têm a honra de ser faladas em um Parlamento».
Por isso Garrett parlamentar supera todas as futilidades e as suas palavras tomam por vezes o tom patético de quem fala para resgatar os erros em que a alma se lhe desencaminhara, naquela ideologia política, estrangeira e antinacional, que a sua leviandade de moço entusiasta ajudara a introduzir em Portugal.
É assim que no relatório apresentado à Câmara dos Pares em 21 de Janeiro de 1834 Garrett, depois de afirmar a colaboração que prestara em todas as organizações e reformas administrativas que se haviam legislado depois de 1832, confessava publicamente:

Torno a dizer, senhores: são passados mais de vinte anos de experiências infelizes, de tentativas malogradas, e seria a maior de todas as vergonhas se nos envergonhássemos de agora confessar que errámos, que errámos muitas vezes e que tonto mais erramos quanto mais tentamos dissimular o primeiro erro.

Não podemos ouvir estas nobres palavras sem que elas evoquem aos nossos ouvidos o ritmo da mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa de quem nobremente pretende resgatar a sua alma, confessando os erros cometidos, para proveito e exemplo de políticos e para salvação de Portugal.
E este um dos passos em que o Garrett do liberalismo, desdobrado em tantas individualidades pela análise sistemática da crítica e classificado com tantos títulos quantas as variadas manifestações do seu espírito, afirma a plenitude da sua personalidade em plena vida parlamentar. O Parlamento é para ele um templo da verdade. E o jovem liberal da revolução política do Mindelo alcança merecidamente o justo título de Garrett nacionalista.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Logo a seguir, no seu discurso de 10 de Fevereiro, insistindo no mesmo esforço por manter uma personalidade intangível, Garrett volta a penitenciar-se:
Eu sou o primeiro a confessar-me réu nesta acusação, a querelar de mim mesmo pelo que tenho contribuído com minha inexperiência e cego zelo para muitas dessas desvairadas provisões, imitações e traduções estrangeiras com que erradamente, sem método, sem nexo, temos feito deste pobre país um campo experimentado de teorias, que basta serem tantas e tão encontradas para nenhuma se poder realizar. Sou eu, sim, somos todos responsáveis ...

Entretanto, a luta constante entre o liberalismo maçónico, a que enfeudara o espírito na sua exuberante mocidade, e o esforço de resgate para que o impelia a honestidade da sua inteligência e o instinto do seu nacionalismo nem sempre o levam a atingir o fundo do problema.
E ao lado do Garrett nacionalista persiste durante muito tempo Garrett, o equivocado. O seu espírito resiste ainda a reconhecer n derrocada total de todos os seus ideais e procura salvar os princípios que tão abnegadamente servira, estabelecendo uma discordância artificial entre ti Carta e a Lei.
O mesmo equívoco se manifesta ao reconhecer os defeitos da justiça, cuja mais perfeita expressão estaria na instituição dos jurados: «Que é dessa venerável e santa instituição dos jurados, que plantámos em nome da liberdade?» perguntava Garrett, melancolicamente, ao verificar a falência daquela instituição, que, segundo os suas próprias palavras, era a que mais aproximava a justiça humana da justiça celeste. E não hesita em reconhecer honestamente e denunciar em plena Câmara que «o que está é péssimo, insuportável, intolerável ... Os juizes queixam-se dos jurados. Os jurados dos juizes. Os administradores de ambos. Todos das leis e o povo de tudo! E todos têm razão».