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172 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Monárquico e católico, Garrett constantemente se confrange com o desmoronar das suas ilusões. Sente-se quantas perplexidades de espírito e ao mesmo tempo quanta decisão e desassombro o levaram a pronunciar estas palavras:
Não venha o funesto sofisma do medo do passado impedir-nos de voltar ao que havia de bom, de justo e de livre nas instituições dos nossos maiores.

E, referindo-se ao despotismo dos reformistas do liberalismo, insiste noutro passo, mais incisivamente:

Desse despotismo é que todos nós receamos. Não é do absolutismo da antiga monarquia, é do novo, que, trazendo-nos todos os males que naquele existiam, não nos dá uma só das garantias que as antigas instituições formulavam.
Sim, mil vezes sim, que, obrigado a escolher, eu sem hesitar optaria antes por esse Governo absoluto ... Não tenho medo de que me acusem de absolutista ; rio-me e escarneço dessa acusação!

No seu discurso de 10 de Fevereiro de 1954 denuncia Garrett a enganadora esperança, com que ele mesmo se iludiu, de corrigir com lentas contemporizações os equívocos fundamentais da nossa política:
Quando o mal está na base, na raiz mesma duma instituição, cada dia que demoramos estirpá-la agravamos a moléstia e consumimos- as forças sociais que cão necessárias para resistir ao mal e à cura.

Que nobre afirmação de personalidade em todos os discursos admiráveis com que Garrett, mais do que ninguém, honrou a tribuna parlamentar! E não hesito em dizer «mais do que ninguém» porque, se outros se lhe podem comparar, embora não exceder, em reptos de oratória, ninguém pode igualá-lo nas lições vivas de dignidade moral, de inteireza de carácter e de fiel intérprete do puro espirito da Nação, porque em ninguém se Muniam as condições particulares da vida política de Garrett.
E justamente a sua posição de soldado da liberdade, de revolucionário exilado, de legislador das reformas constitucionais, o que põe nas suas palavras o mais perfeito cunho duma autoridade indiscutível, solidamente gravada pelo cinzel da experiência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No mais antigo dos discursos compilados na edição geral das suas obras encontra-se transcrita uma nota do Diário das Sessões em itálico e entro parêntesis. Diz a nota: (Débeis apoiados de alguns membros do Congresso). Destas palavras se depreende a frieza e hostilidade com que o ouviam.
Pois esta desconsolada nota constitui um dos maiores títulos de honra de Garrett. Não obstante a frieza da Câmara, ele, que tão cuidadosamente cultiva o sucesso, prefere arrostar com o desagrado dos seus pares a trair a rectidão da sua inteligência e da sua alma. E por isso que a vida parlamentar de Garrett constitui uma das maiores lições de dignidade moral que até hoje se puderam colher neste Parlamento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A um século de distância, a memória de Garrett perdura nas letras portuguesas como a do poeta e prosador que mais lusíada influência exerceu na expressão literária da nossa linguagem. Mais ainda do que na obra que nos deixou, a glória de Garrett persiste em todas as obras que depois dele se escreveram, porque foi o seu génio que imprimiu às letras pátrias o novo rumo em que depois singrou a nossa literatura.
De entre os numerosos aspectos em que a memória de Garrett lhe desdobrou a personalidade, popularizaram-se, como se fossem as mais representativas do seu psiquismo, além do homem de letras, Garrett, o elegante, Garrett, o amoroso.
Garrett, o elegante! Mas não vêem os que apenas se comprazem na visão superficial dos homens e das coisas que o que mais avulta na elegância de Garrett não é a cambraia da sua camisa, a cintura do seu espartilho, o corte da sua casaca, o amaneirado da sua presença, mas antes a virilidade forte, a energia insubmissa e a inflexibilidade exemplar da sua elegância moral!
Garrett, o amoroso! Mas aos que apenas se deleitam com a literatura inferior da sua epistolografia erótica é necessário mostrar-lhe o Garrett apaixonado pela alma do povo português, pêlos seus romances, pêlos seus costumes, pela sua história, pelas suas tradições, por tudo, enfim, quanto seja castiçamente nacional.

Garrett, o escritor! Mas para melhor se conhecer o que em geral se procura na obra de um autor, isto é, para além do seu estilo, a graça ou a profundidade dos seus sentimentos e da sua inteligência, mister se torna conhecer, ao lado do escritor, Garrett, o parlamentar.
E aí, na colecção dos discursos pronunciados na Câmara dos Deputados e na Câmara dos Pares, que se lêem algumas das melhores páginas da eloquência portuguesa e é aí -ouso dizê-lo- que se ergue em toda a sua grandeza quanto há de superior na alma e na inteligência de Garrett.
Esses discursos, com a beleza da sua forma e a fremente aspiração de nacionalismo político que deles transcende, constituem a melhor e mais justa lição de nacionalismo político, que se pode oferecer aos Portugueses na celebração do seu centenário. Apenas oito discursos se encontram publicados. Tudo o mais das suas intervenções parlamentares jaz sepultado nas páginas esquecidas do Diário das Sessões.
Quero, por isso, Sr. Presidente, aproveitar esta oportunidade para me dirigir ao Governo da Nação - e em particular a S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, que tão elevadamente evocou a obra e o espírito de Garrett no dia da abertura das comemorações nacionais-, sugerindo que se complete a edição total das suas obras, coligindo e editando não só todos os discursos que pronunciou mas ainda todos os- restantes intervenções parlamentares, em que too nobremente se revela a grandeza da alma de Garrett e a pureza do seu portuguesismo.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: na sessão inaugural das comemorações centenárias da morte de Almeida Garrett tive ocasião de, em nome da Assembleia Nacional, prestar homenagem ao grande homem de letras e grande português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Hoje, no dia em que se completam precisamente cem anos sobre o eclipse daquele alto espírito, a Assembleia Nacional, pela voz eloquente e culta dos Srs. Deputados Abrantes Tavares e Cortês Pinto, quis assinalar o fecho das comemorações e prestar-lhe as últimas homenagens! Últimas? Não. Garrett será sempre para a Assembleia Nacional o modelo de