56 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 103
conveniências da economia geral. Os princípios reguladores do crédito público permitem ter em conta, no seu uso, não apenas as necessidades de cada período financeiro mas as possibilidades e conveniências do mercado de capitais, e quanto maior é a solidez do equilíbrio orçamental e mais fortes são as disponibilidades da tesouraria maior é a margem entre os incompressíveis limites do equilíbrio orçamental e as possibilidades de despesas de investimento, dentro da qual a acção das finanças pode proporcionar-se às conveniências da economia.
Por isso se continua a pensar, como no relatório se frisa, que o problema da suficiência das receitas ordinárias para cobertura dos encargos da mesma natureza domina e condiciona toda a acção de investimento.
38. Merece registo a apresentação, entre os elementos informadores constantes do relatório do Sr. Ministro das Finanças, de quadros globais das receitas de carácter público, compreendendo, além das orçamentais do Estado, as dos serviços com autonomia financeira e as dos organismos de coordenação económica.
Assim se pode fazer uma avaliação, não apenas da carga fiscal efectiva, mas das diversas ordens de necessidades colectivas a que com ela se faz face. É trabalho meritório este de extrair das verbas classificadas e divididas em função da complexa orgânica da Administração quadros-sínteses, expurgados das duplicações a que a simples justaposição daquelas poderia dar lugar, expressivos do seu verdadeiro significado económico. São, estes, elementos valiosos para uma apreciação segura da actividade financeira e seus resultados e para a sua conveniente articulação com a economia geral.
Entende, porém, a Câmara Corporativa dever formular, sem prejuízo do interesse indiscutível daqueles quadros e da esperança de que se ampliem por forma a darem ampla visão de toda a actividade do sector público, algumas reflexões acerca da posição especial dos organismos de coordenação económica e das consequências que da sua caracterização como institutos públicos personalizados podem tirar-se para o seu regime administrativo e financeiro.
Se é certo que tal caracterização não está fixada por lei, ela tem-lhes realmente sido atribuída pela jurisprudência e pela doutrina, com base na sua actual constituição e funcionamento. A verdade, porém, é que se trata de organismos de transição que oferecem algumas funções de feição corporativa, além de outras que são sem dúvida próprias do Estado.
É anunciado propósito do Governo caminhar no sentido de completar a organização corporativa com a criação dos órgãos superiores que devem constituir o seu fecho e resolver não poucos problemas de conciliação da iniciativa individual com a preservação de certos princípios sociais e morais e com os interesses colectivos. As funções de intervenção e técnicas dos actuais organismos de coordenação económica devem, por isso, vir a ser, mais cedo ou mais tarde, integradas em parte nas corporações e noutra em serviços públicos adequados; assim se porá termo a duplicações e dúvidas sobre a extensão dos campos de acção de cada um. Em suma, parece que a mesma caracterização não pode referir-se mais do que ao regime de transição em que se tem vivido e que a anunciada criação de um orçamento único e uma contabilidade central dos organismos de coordenação económica pode ser discutível no momento em que se pensa dar, na organização corporativa, um passo decisivo em sentido que logicamente supõe, a maior ou menor prazo, o desaparecimento daqueles.
Tal centralização poderia interpretar-se como criação de um quadro extensível às corporações, que, no entanto, sob pena de perderem o carácter que a doutrina lhes atribui, deveriam constituir, com os organismos primários que estarão na sua base, um sector nitidamente distinto do Estado em funções e responsabilidades, e dotado por isso mesmo de acentuado grau de autonomia.
É este um problema delicado que o Governo, certamente, não deixará de considerar com a maior ponderação na oportunidade própria.
b) As receitas públicas
39. Mostram os dados constantes do relatório, particularmente o quadro XXXIX, bem como os do relatório das Contas Públicas do ano passado, que continua o progresso dos rendimentos do Estado, mais como reflexo da evolução da matéria colectável do que como fruto do agravamento da pressão fiscal.
Se excluirmos os dois últimos capítulos da receita (reembolsos e reposições e consignações de receitas), por não terem praticamente influência no equilíbrio do orçamento, verifica-se que o aumento acusado pela gerência de 1954 sobre a de 1953 é maior do que o deste sobre o anterior (6 por cento contra l por cento) e que para esta diferença contribuiu de uma maneira decisiva o rendimento dos impostos indirectos, que em 1953 acusa uma baixa recuperada em 1954. Isto mostra a influência relevante destes impostos no conjunto das receitas ordinárias e a necessidade de manter nas previsões, como se anuncia no relatório, as margens de segurança em que assenta a continuidade da acção do Estado. Na verdade, sendo em regra o saldo das receitas sobre ás despegas ordinárias em excesso sobre o previsto no orçamento, aplicado à cobertura de despesas extraordinárias neste consideradas com contrapartida em empréstimos ou saldos de anos findos, e não dependendo a possibilidade de realizar emissões da sua necessidade para a cobertura de despesas próprias do ano, a manutenção daquela margem é, além de factor de segurança num sistema de receitas em que o rendimento contingente dos impostos indirectos ocupa lugar proeminente, elemento de flexibilidade na política, a que atrás se fez referência, de adaptação da actividade financeira à conjuntura económica, bem como reserva para fazer face à tendência para aumento das despesas normais. De outro modo, criar-se-ia ao desenvolvimento imediato das despesas um campo porventura interferente com o que deve reservar-se para aquela natural e inevitável tendência, sobrestimando-se a capacidade real de consumo público.
Por isso merecem inteiro aplauso da Câmara Corporativa, embora os progressos na receita deste ano, segundo a conta provisória, se acentuem, o que no relatório se diz acerca do rigor com que pelo Ministério das Finanças, sem prejuízo do que se mostre justificado para a sua eficiência, sobretudo no que respeita ao aumento da produção e melhoria do comércio externo, serão apreciados, na elaboração do orçamento, os pedidos de aumento de dotações apresentados pelos serviços.
40. Fornece o relatório interessantes e significativos elementos sobre a evolução da carga fiscal, donde se verifica não poder esta, no conjunto, considerar-se excessiva. A percentagem das receitas públicas sobre o produto nacional bruto foi, em 1954, de 14,3 por cento, se se considerarem apenas as inscritas no orçamento, e de 17 por cento, se se tiverem ainda em conta, como parece indicado para avaliação da carga efectivamente suportada pelo contribuinte, pelo menos as receitas dos serviços autónomos, dos organismos de coordenação económica e de diversos fundos.