54 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 103
iniciativas, defender a produção própria de práticas anómalas de concorrência, compensar deficiências estruturais nas produções que razões de segurança dos abastecimentos indispensáveis nos aconselhem a manter, ou assegurar o aproveitamento de largos recursos naturais sem condições de competição externa, é necessário que a nossa indústria evolucione de uma maneira geral no sentido de fazer frente a esta e que se prepare no sentido de encarar os problemas da exportação. O mercado nacional é, em geral, bastante restrito para poder assegurar à produção industrial, com as suas modernas técnicas, um mercado suficiente; por isso, em tantos casos o fomento industrial se encontra perante o seguinte dilema: ou ficar, nas instalações, aquém do mínimo técnica e economicamente aconselhável ou criar uma capacidade de produção em excesso sobre a de absorção do mercado nacional. Daí, sempre no primeiro caso, e no segundo quando se encara apenas o abastecimento deste, um excesso de custo que onera a economia do País, facilita a concorrência externa e conduz à solicitação das providências pautais, tidas como panaceia.
Dispondo de mão-de-obra suficiente e facilmente adaptável ao trabalho industrial, e uma vez que estão em franco progresso as condições de fornecimento de energia, não há razão para que as indústrias que se mostram viáveis no País tenham de confinar-se na visão restrita do abastecimento do mercado interno, sua preocupação tradicional, salvo daquelas poucas - como as das conservas, dos resinosos, da cortiça e alguma outra - que, mercê de condições especiais quanto a matéria-prima, se desenvolveram tendo especialmente em vista a exportação. Mas não faltam já, felizmente, alguns exemplos da nossa capacidade para uma produção industrial com condições de concorrência externa e parece que esse é o padrão para que tende a política de fomento da produção.
Critérios mais restritos têm conduzido, através das pautas e do condicionamento industrial, à manutenção de equipamentos obsoletos, aos altos custos de produção e - o que é pior, em muitos casos, pelo conceito errado de que o Estado deve, a todo o custo, através dos elementos de intervenção, assegurar condições de remuneração suficiente a todos os capitais investidos na indústria, pondo-os a coberto dos riscos próprios de toda a empresa - a garantir às empresas marginais condições mínimas que, para as dotadas de maior rentabilidade, constituem situação de privilégio; estas deixam assim de ser solicitadas para o campo do desenvolvimento da produção com vista aos mercados externos, asseguradas como estão de rendimento bastante e seguro numa produção confinada ao parcial abastecimento do nacional.
31. Reconhece-se que o problema reveste aspectos delicados e difíceis em certos ramos da produção, em que uma brusca mudança de orientação traria para as empresas marginais graves problemas de sobrevivência e não poucos problemas de ordem social. Julga-se, porém, que não será impossível encontrar medidas de transição que permitam a justa consideração das posições criadas na reforma a fazer nas indústrias existentes, e que, nas novas, se deve como regra adoptar tal orientação, já de resto definida na Lei n.° 2005 (chamada da Reorganização Industrial). Ela supõe que há-de deixar-se o maior rompo possível à iniciativa e responsabilidade privadas, na convicção ide que os riscos e as eventuais perdas que comporta custam, em geral, menos do que as delongas da procura centralizada de soluções óptimas ou o reconhecimento sistemático do direito de subsistência, pela protecção do Estado, a unidades de reduzida produtividade.
Merecem, por isso, o aplauso da Câmara Corporativa as medidas justificadas no relatório e incluídas na proposta de lei tendentes a encorajar a renovação do equipamento industrial, com vista ao aumento de produtividade.
Nesse aumento está um dos factores principais de melhoria estável da nossa balança comercial pela capacidade de exportação e pela resistência à concorrência externa no mercado próprio, de possibilidade de estável emprego de mão-de-obra e de aumento efectivo do rendimento nacional.
32. Com o que antecede não se preconiza uma política excluindo toda a protecção, nem se desconhece a necessidade e oportunidade de outras medidas tendentes á melhoria da exportação em alguns produtos de tradicional importância no nosso comércio com o estrangeiro, como os vinhos; quer apenas significar-se que o novo passo no desenvolvimento da indústria nacional deve ser dominado polo objectivo da obtenção de condições de concorrência que em muitos sectores poderemos certamente conseguir e que são a melhor garantia de subsistência no mercado interno de melhoria da balança de pagamentos. Orientação diferente tornará difícil, pelo menos, distinguir entre as iniciativas que representem verdadeiro interesse para a economia do País e aquelas que na verdade reclamem, em benefícios legais, mais do que lhe podem dar um aumento de rendimento nacional.
33. Mostram os números do relatório do Sr. Ministro das Finanças que se prevê o aumento do consumo interno, em consequência da expansão de rendimentos derivados do aumento do valor das exportações e da política de investimentos em curso, e que na formação bruta de capital fixo se espera um aumento de 6 por cento, em que o Estado deve participar por 3/ o que elevará a 1/6 a sua participação no capital formado em 1956.
Representam estes números, felizmente, ainda um moderado grau de intervenção do Estado na actividade produtora, na qual, no entanto, tem sempre de tomar alguma parte, não só através das realizações de trabalhos públicos, mas ainda com os investimentos indirectos pela participação de capital em empresas privadas, ou seu financiamento. Certamente estes investimentos se justificam pela necessidade de suprir deficiências da iniciativa privada, ainda receosa de só por si se lançar em certos empreendimentos e hoje felizmente - pelo que significa da restauração do prestígio e crédito do Estado - vendo naquela participação uma forte razão de confiança. Mas essas intervenções devem, quanto possível, quer no seu volume, quer na sua duração, ser limitadas ao indispensável para criar aquela confiança e garantir o essencial dos interesses públicos, por forma que progressivamente a iniciativa privada tome o lugar que lhe compete.
Por isso, ainda, é de desejar que em período de investimentos crescentes, como o que temos de viver, o aumento do rendimento nacional se não traduza em excessivos consumos particulares, muitos dos quais tendem a forte acréscimo de importação de bens não essenciais.
Pensa- a Câmara Corporativa que, embora o problema do crédito ao consumo destes bens sob a forma de vendas a prestações não tenha atingido ainda no nosso país o nível, por vezes perigoso, que em outros alcança, ele se vai generalizando e estendendo por forma que merece atenção dos Podares Públicos, em ordem a evitar a tempo exageros que podem reflectir-se de maneira séria na balança de pagamentos e na formação do capital nacional.